sexta-feira, 10 de julho de 2020

Quando o capitalismo financia a «revolução»





José Goulão


Uma das características da sociedade dos EUA é a resiliência das suas
estruturas de poder face a uma sociedade tão estruturalmente
exploradora, injusta, desigual e opressora. A grande burguesia EUA
reprimiu, destruiu ou cooptou desde o final do séc. XIX grande parte do
movimento operário e sindical. Consolidou um sistema de monopartidarismo
bicéfalo, que bloqueia qualquer alternativa. Dispõe de uma ampla e
inteligente capacidade de gerar, influenciar e dirigir movimentos
sociais - sejam eles de fachada ou mesmo aqueles que tenham na sua
origem genuínos protestos e aspirações a mudanças radicais. Pode todavia
acontecer que as massas em movimento ganhem algum dia consciência da sua
força.

Os chefes da chamada «Comuna de Seattle», uma das expressões decorrentes
dos grandes protestos que atravessaram os Estados Unidos contra o
assassínio pela polícia do cidadão negro George Floyd, pediram aos
seguidores para desmontarem as tendas, regressarem a casa e apoiarem a
campanha de Joe Biden e do Partido Democrata para as eleições
presidenciais de Novembro.

Terminou assim, nas mãos do sistema dominante, um mês de ira e revolta
genuínas, na América e também na Europa, contra o racismo e, em alguns
casos, contra o neoliberalismo em particular e o capitalismo em geral.
Como era de prever, para que tudo continue na mesma – ou pior.

Dezenas de milhares de pessoas, talvez centenas de milhares, dos dois
lados do Atlântico, exprimiram durante semanas, de maneira autêntica e
pacífica, o seu repúdio por um comportamento assassino assumido por um
símbolo institucional de uma sociedade criminosa como é a que aceita
funcionar com base na discriminação da cor da pele, da segregação
sistemática e violenta entre os que possuem quase tudo e os que têm
acesso a pouco mais do que nada.

Ao cabo de um mês, durante o qual a comunicação que serve este tipo de
sociedade e muitos dos seus doutos analistas chegaram a falar
empolgadamente de «revolução» e de um «abanão no sistema», a raiva e o
descontentamento foram canalizados para uma das facções poderosas da
grande mafia global capitalista. Tal como acontecera anteriormente com o
movimento Occupy Wall Street e outras expressões do mesmo género,
eventualmente menos mediatizadas.
Agora, o epílogo dos levantamentos populares contra o assassínio de
George Floyd e o racismo em geral sugere uma aposta no neoliberal,
racista, corrupto e militarista Joe Biden contra o neoliberal, racista,
corrupto, militarista, fascista e fundamentalista cristão Donald Trump.

Alguns dirão que é a «escolha do mal menor». Como se houvesse diferenças
de fundo entre mandar matar sérvios, líbios, sírios, patrocinar o
encarceramento massivo de negros e instaurar o fascismo na Ucrânia, como
foi o caso de Joe Biden, incrustado ao mais alto nível nas
administrações democratas de Bill Clinton e Barack Obama; ou tirar
proveito do fascismo da Ucrânia, dar golpes na Venezuela e matar à fome
venezuelanos, iranianos, sírios, palestinianos e outros povos, como é o
caso do republicano Donald Trump.

Sabe-se onde chegaram os movimentos genuínos e espontâneos nascidos da
revolta contra o assassínio de Floyd; sabe-se também como se iniciaram.
Conhecem-se menos bem o momento e as circunstâncias em que começaram a
ser manipulados e instrumentalizados. É importante, portanto, ir um
pouco mais fundo na identificação de entidades que, praticamente desde o
início, surgiram à cabeça dos protestos, como a organização Black Lives
Matter (BLM), sigla significando que «as vidas dos negros são importantes».

*Pequena história exemplar e com muitos milhões*

O Black Lives Matter existe desde 2014, formado por três activistas
negras profissionais que gerem uma constelação de entidades inseridas na
«Organização Socialista Estrada da Liberdade», que em 12 de Junho de
2020, em pleno período de protestos, escreveu o seguinte no seu website:
«O capitalismo é um sistema fracassado que prospera na exploração,
desigualdade e opressão (…) O capitalismo é um sistema moribundo com o
qual é preciso acabar.»
Estaremos, pois, perante uma organização não apenas antirracista mas
também socialista, no mínimo anticapitalista.

Uma das activistas que fundou o BLM, Alicia Garza, já era anteriormente
gestora de organizações integradas na «Estrada da Liberdade», como
Direito à Cidade, Escola da Unidade e Liberdade (SOUL) e POWER, sigla
relativa a uma agremiação lutando por direitos laborais.
De que vive este complexo universo com uma fachada cívica?

Entre 2011 e 2014, por exemplo, Alicia Garza recebeu mais de 10 milhões
de dólares doados pela Fundação Ford, por duas fundações tituladas pelo
milionário globalista e das «revoluções coloridas» George Soros, pela
Fundação Rockefeller, pela Fundação Heinz (produtos alimentares da
família do secretário de Estado de Obama, John Kerry) e pela Fundação
Kellog, entre outras. Estas «fundações» permitem aos maiores expoentes
do capitalismo escaparem aos impostos sob a cobertura de donativos para
causas cívicas.

Verificamos, e continuaremos a verificar, que estes ícones do
capitalismo – com a fama e o proveito – financiam generosamente
entidades que alegadamente lutam contra o capitalismo.
Uma das cofundadoras de BLM é também Opal Tomati, gestora executiva de
outros grupos inseridos na «Estrada da Liberdade», designadamente
«Projecto Avançado» – «direitos cívicos multirraciais de próxima
geração» – em cooperação com um ex-procurador geral da administração de
Bill Clinton.

Este «Projecto Avançado», associado a BLM, recebeu pelo menos 30 milhões
de dólares das seguintes Fundações: Ford, Kellog, Rockefeller, Soros,
Hewllet (do departamento de guerra da HP).

Mais recentemente, a Fundação Ford e a Borealis Philantropy criaram o
Black-Led Movement Fund (BLMF), uma campanha com o objectivo declarado
de reunir 100 milhões de dólares para o Movement for Black Lives (M4BL),
do qual o Black Lives Matter é o núcleo central. Antes disso, as
fundações Soros já tinham encaminhado mais 33 milhões directamente para
o BLM – que assume ter entre os seus principais criadores também as
Fundações Ford e Kellog.

A campanha de donativos BLMF afirma oficialmente que «fornece subsídios
e recursos para a constituição de movimentos e assistência técnica a
organizações que trabalhem para avanços na liderança e visão de jovens
líderes negros, feministas, imigrantes que moldam e dirigem um diálogo
nacional» sobre vários aspectos sociais.

Os fundos recolhidos na campanha destinam-se ao M4BL. E quando clica no
botão «doações» do website deste movimento o internauta é direccionado
para ActBlue Charities, uma instituição que, segundo diz, «facilita
doações para democratas e progressistas».
No passado dia 21 de Maio, portanto ainda antes dos protestos contra a
morte de George Floyd, o ActBlue Charities já tinha contribuído com 119
milhões de dólares para quem? Para a campanha do candidato presidencial
«democrata e progressista» Joe Biden.

Apesar de a teia de entidades envolvidas nestes tráfegos de milhões ser
complexa e nebulosa, não é difícil perceber nela as vias para os grandes
expoentes do complexo militar e industrial que governa os Estados Unidos
fugirem aos impostos financiando ilegalmente candidatos presidenciais,
dos quais receberão posteriormente as contrapartidas – bastante
multiplicadas em relação aos investimentos.

Portanto, quando o Black Lives Matter encabeça protestos, «comunas»,
ocupações e outras acções congéneres está apenas, neste caso, a
trabalhar para o Directório do Partido Democrata, a facção globalista e
de «esquerda» do sistema bipartidário oligárquico e totalitário que
governa os Estados Unidos da América.

Afinal, para o Black Lives Matter as vidas dos negros não são assim tão
importantes porque no final das suas acções iremos encontrar a sociedade
do costume – racista e capitalista neoliberal.
A sua acção – e as de uma imensa constelação de entidades gémeas mais ou
menos «coloridas» e com raio de intervenção global – é a de
descredibilizar e inutilizar os genuínos sinais de revolta que são
inevitáveis numa sociedade opressora.

Funcionam, afinal, como tubos de escape poluidores da consciência
social, alimentados pelas forças e os interesses que gerem essa
sociedade criminosa.

Exclusivo O Lado Oculto/AbrilAbril

/Fonte: https://www.abrilabril.pt/quando-o-capitalismo-financia-revolucao

In
RESISTIR.INFO
https://www.odiario.info/quando-o-capitalismo-financia-a-revolucao/
10/7/2020

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