domingo, 2 de agosto de 2020

Entregadores desenvolvem cooperativa para escapar do trabalho precário



 

Ideia já dá seus primeiros passos no Rio de Janeiro e deve crescer no
país



Paralisação de trabalhadores de aplicativos em vários pontos da capital
fizeram manifestações, SP 01 07 2020
Paralisação de trabalhadores de aplicativos em vários pontos da capital
fizeram manifestações, SP 01 07 2020 (Foto: Felipe Campos Mello)


_*Por Lu Sodré, no Brasil de Fato*_
<https://www.brasildefato.com.br/2020/08/01/entregadores-antifascistas-buscam-criar-cooperativa-com-aplica



Sujeitos a precárias condições de trabalho com as entregas feitas por
meio das grandes plataformas de delivery, motoboys do Entregadores
Antifascistas estão se articulando para construir uma outra forma de
trabalho. Mais justa, com melhores remunerações e sem patrão.

Impulsionados pelas duas edições do “Breque dos Apps”, paralisação dos
trabalhadores contra os aplicativos como Ifood, Uber Eats, Rappi e
Loggi, integrantes do grupo estão colocando em prática a construção de
uma cooperativa.

Segundo Alvaro Pereira, uma frente de trabalho auto-organizada pelos
motoboys sempre esteve no horizonte dos Entregadores Antifascistas. Com
o incentivo das paralisações, os primeiros passos da Despatronados
começaram a ser trilhados.

O coletivo de entregas, até o momento, conta com 15 motoboys que atuam
por fora dos aplicativos e apenas no Rio de Janeiro.

“Vamos dizer que é uma protocooperativa. Temos um site que direciona o
cliente para nosso número no Whatsapp, onde os entregadores ficam de
olho. É uma base para sabermos o que vamos enfrentar pela frente. A
ideia do cooperativismo se faz mais do que necessária no momento”,
explica Pereira.

*Como funciona?*

No site oficial, a iniciativa disponibiliza uma rede direta de contato,
sem intermediadores, e outras informações como área de cobertura e tipos
de entregas realizadas. O serviço deve ser agendado com um dia de
antecedência.

As taxas do delivery foram decididas e estipuladas coletivamente. São
R$15 para retirada e entrega até 5 km, com R$1 adicional por km
percorrido. Há também algumas regras como adicional noturno e, no caso
da demora do cliente na retirada ou entrega do pedido, uma taxa de R$5 é
cobrada a cada 5 minutos.

Desde 21 de julho, quando o site entrou no ar, 36 pessoas se inscreveram
interessadas em entrar no coletivo. A rede já tem 190 clientes cadastrados.

Alvaro Pereira ressalta a importância da disciplina no processo de
autogestão. “A Despatronados é organizada como uma alternativa mais
justa para nós, trabalhadores, e para os clientes. E temos a necessidade
de cuidar coletivamente dos próprios trabalhos. Essa ideia de
cooperativismo influi muito em coletivo. Orientações que ficam por fora
dos aplicativos”, comenta.

O entregador do coletivo critica a postura das plataformas, que, para
ele, por visarem apenas o lucro, não atenderão as demandas diretas do
Breques dos Apps.

“Se mudar alguma coisa, eles vão achar outro modo formal de continuar
explorando o trabalhador e jogando esse plano de empreendedorismo É um
discurso mentiroso. É a maior lenda urbana atual”, defende o jovem.

*App próprio*

Embora tenham grandes expectativas, os entregadores ainda estão
analisando todos os documentos e orientações jurídicas necessárias para
que a cooperativa de fato saia do papel e deixe de ser apenas um
coletivo local.

Os planos para que o trabalho da futura cooperativa se espalhe pelo país
envolve o desenvolvimento de um aplicativo próprio, inspirado em outras
experiências internacionais de cooperativismo.

O contato com a CoopCycle, uma federação que reúne 30 cooperativas, por
exemplo, já foi iniciado. O objetivo é desenvolver a versão em português
do software de um aplicativos da organização, com adaptação da
plataforma para um sistema de pagamentos que opere no Brasil.

“É o cooperativismo de plataforma. Estamos em uma era tecnológica. A
tecnologia não é ruim, o problema é a ideologia por trás dela. Estamos
com uma equipe bem bacana nos ajudando na ideia. É uma forma mais
igualitária e justa de trabalho”, diz Pereira.

O entregador afirma ainda que é preciso finalizar algumas negociações
para que o projeto de fato aconteça. Por ter a preservação do meio
ambiente como uma prioridade, por exemplo, o aplicativo desenvolvido
pela CoopCycle não permite cooperados com entregas via motocicletas.

Apesar de reconhecerem a importância da pauta, os Entregadores
Antifascistas tentam a flexibilização por conta da realidade de
deslocamento das cidades brasileiras.

“Vamos mostrar para eles que aqui se faz necessário e, a partir disso,
conseguir colocar o aplicativo para funcionar. A proposta principal é a
melhoria das condições de trabalho por meio do coletivismo e
cooperatismo. Não é ficar rico. É valorizar a luta do entregador, o
trabalho do entregador. O que as empresas e os aplicativos não
valorizam”, frisa o motoboy.

O grupo, que também conta com apoio voluntário de programadores e
estudiosos do cooperativismo de plataforma para avançar no projeto, tem
recebido retorno positivo de outros entregadores.

“É sem patrão e com a galera tendo consciência. Apresentamos [a ideia]
para aqueles que, em sua maioria foram bloqueados, que tiveram a moral
ferida pelos aplicativos. Nós mostramos: 'olha o que a gente pode fazer,
olha o que o trabalhador é capaz, o que podemos conseguir'. Eles não são
melhores que a gente. Se não fossem os trabalhadores, os aplicativos não
existiriam”, critica Pereira.

“Não precisamos deles também. Eles se aproveitam da crise para se impor
como salvadores e o Brasil te empurra pra essa situação. Mas se o
trabalhador se organizar e criar da sua cabeça o que é a autogestão, ele
vai ver que não precisa dos aplicativos”, reitera.

*Novo breque?*

Enquanto os Entregadores Antifascistas tentam se apropriar dos
algorítimos para usá-los a favor dos trabalhadores, motoboys ouvidos
pelo Brasil de Fato nesta semana afirmam que há em curso uma articulação
para que uma nova paralisação contra os apps aconteça no início de
setembro, concentrando os motoboys na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

A ideia, que já conta com grande apoio dos trabalhadores que atuam na
capital federal, é que os custos do deslocamento coletivo sejam bancados
por meio de uma arrecadação virtual. Os detalhes serão afinados em
reuniões nos próximos dias, mas a previsão é que a mobilização aconteça
no início de agosto.

As demandas seguem as mesma do 1º Breque dos Apps: uma remuneração mais
justa por meio do estabelecimento de uma taxa mínima por corrida maior
do que a atual, assim como o pagamento padronizado por quilometragem
percorrida.

A suspensão imediata de bloqueios sem justificativa, que segundo os
organizadores da greve são realizados frequentemente pelas empresas,
também é uma das principais demandas. Até o momento, os organizadores
dos Breques afirmam que as empresas não abriram diálogo com os entregadores.

O entregador antifascista Alvaro Pereira critica enfaticamente a falta
de resposta das plataformas.

“Os aplicativos te acolhem e depois te engolem. O Ifood fez comercial em
horário nobre para falar do respeito ao entregador. É mentira isso. Se
eles dessem direito pro entregador, não haveria necessidade de uma
segunda greve. Não haveria necessidade de gastar tanto para comercial em
horário nobre. Esse dinheiro poderia, por exemplo, ser revertido pro
entregador, para compra de equipamento de EPI em meio à pandemia”, defende.

In
BRASIL247
https://www.brasil247.com/economia/entregadores-desenvolvem-cooperativa-para-escapar-do-trabalho-precario
2/8/2020

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