segunda-feira, 31 de agosto de 2020

“Todas as alegações a favor da privatização dos Correios são falsas”

 


Empresa abandona negociação e funcionários dos Correios entram | Geral
Foto: Sin­tecet

Em meio a uma pan­demia em que o nú­mero de mortes se mantém com uma es­ta­bi­li­dade as­sus­ta­dora, o Brasil “pós-cor­rupção” segue em frente com sua agenda de li­qui­dação do que resta de pú­blico e so­cial. De­pois da mão do STF para can­celar o Acordo Co­le­tivo, o go­verno co­loca na mesa a pri­va­ti­zação dos Cor­reios, velho ob­je­tivo dos en­tu­si­astas do ajuste fiscal e eco­no­mistas de uma nota só. A res­posta da ca­te­goria, que conta mais de 120 mortes na pan­demia, é a greve. É sobre tudo isso que en­tre­vis­tamos Adriano Dias, fun­ci­o­nário da es­tatal.

“(te­ríamos) um ser­viço caro e ruim, que não che­garia a todos os cantos do país. Também que­braria o ca­ráter so­cial da em­presa, que usa sua lo­gís­tica e es­tru­tura para en­trega de re­mé­dios e li­vros di­dá­ticos em di­versos lo­cais. O ca­ráter so­cial da em­presa será, ob­vi­a­mente, com­pro­me­tido se a em­presa passar à ini­ci­a­tiva pri­vada, que visa apenas o lucro e, com cer­teza, só vai querer atender às grandes me­tró­poles e prin­ci­pais mu­ni­cí­pios. Para os tra­ba­lha­dores, a exemplo de ou­tras pri­va­ti­za­ções, te­ríamos de­sem­prego, re­dução do sa­lário e com­bate ao di­reito de or­ga­ni­zação, como é ha­bi­tual nas grandes em­presas”, elencou.

Na en­tre­vista, além de re­bater todos os ar­gu­mentos pri­va­tistas, Adriano Dias ana­lisa a con­jun­tura que cerca o de­bate e lembra da pos­tura ne­gli­gente da em­presa, pre­si­dida pelo Ge­neral Flo­riano Pei­xoto, no cui­dado com seus fun­ci­o­ná­rios, so­ne­gando nú­meros sobre mortes e afas­ta­mentos.

“A em­presa é muito ne­gli­gente na pan­demia. Ti­vemos greves sa­ni­tá­rias em al­gumas uni­dades, para ga­rantir que os con­ta­mi­nados fossem afas­tados, as uni­dades hi­gi­e­ni­zadas e até fe­chadas. Pre­ci­samos de de­ci­sões ju­di­ciais para ga­rantir o cum­pri­mento do pro­to­colo. A em­presa agiu, por­tanto, de forma con­di­zente com o go­verno Bol­so­naro, já que o pre­si­dente da em­presa foi in­di­cado por ele. E atua da mesma forma do go­verno, ne­gando, se­cun­da­ri­zando a im­por­tância dos fatos...”, cri­ticou.

Do ponto de vista econô­mico e fiscal, antes de qual­quer mu­dança de pos­tura, existe uma con­ci­li­ação geral sobre aus­te­ri­dade fiscal, PEC que reduz sa­lá­rios no meio da pan­demia, PEC do or­ça­mento de guerra, re­formas como a da Pre­vi­dência...

Adriano também la­menta a falta de opo­sição real ao pro­jeto de go­verno, o que per­mite um go­verno cer­cado de in­com­pe­tência po­lí­tica e cor­rupção em seu nú­cleo duro es­tirar a corda.

“In­de­pen­den­te­mente das pos­turas bé­licas de Bol­so­naro per­for­madas ali no cer­ca­dinho do Pla­nalto, ele já tem acordos com o con­gresso sobre ques­tões fun­da­men­tais. O fato con­creto é que não existe uma opo­sição com­ba­tiva no país, que en­frente de forma co­ti­diana o go­verno. Na ver­dade são muitas po­si­ções con­flu­entes”.

A en­tre­vista com­pleta com Adriano Dias pode ser lida a se­guir.

Cor­reio da Ci­da­dania: Por que os Cor­reios de­fla­graram greve? A pro­posta de pri­va­ti­zação é o prin­cipal mo­tivo?

Adriano Dias: Por causa de duas bru­ta­li­dades. A pri­meira foi a li­minar que a em­presa con­se­guiu no STF, a mudar a vi­gência do Acordo Co­le­tivo que passou de 2 para 1 ano. A li­minar de Tof­foli per­mitiu essa re­dução de tempo, o que fez o acordo acabar em 31 de julho.

A se­gunda, mais pe­sada, é a pro­posta apre­sen­tada pela em­presa na cam­panha sa­la­rial, com a re­ti­rada de 70 cláu­sulas do Acordo Co­le­tivo. Sig­ni­fica re­dução drás­tica dos nossos be­ne­fí­cios, que têm sido a base dos ren­di­mentos dos tra­ba­lha­dores, já que não temos tido ga­nhos reais.

Os ata­ques sig­ni­ficam re­dução do vale-ali­men­tação, au­mento do com­par­ti­lha­mento (des­conto em vales, como o vale-cul­tura, que aca­baria); fim da gra­ti­fi­cação de fé­rias, fim do au­xilio-es­pe­cial dado a em­pre­gados es­pe­ciais, re­dução da idade da cri­ança com di­reito a au­xilio-creche, que cairia de 7 para 5 anos de idade...

Como disse, tais be­ne­fí­cios são base do nosso ren­di­mento, uma vez que não temos ganho real há tempos e em muitos casos a perda de poder aqui­si­tivo do sa­lário já é de 50%.

Ta­manha bru­ta­li­dade está vin­cu­lada à po­lí­tica de pri­va­ti­zação; atacam-se di­reitos, be­ne­fí­cios, custos de mão de obra, a fim de ba­rateá-la e fa­ci­litar a pri­va­ti­zação. Os ata­ques, em re­sumo, estão vin­cu­lados à ideia de pri­va­tizar os Cor­reios. A greve co­necta, por­tanto, esses dois as­pectos.

Cor­reio da Ci­da­dania: Por que o acordo co­le­tivo foi der­ro­gado e qual a sua im­por­tância para os tra­ba­lha­dores?

Adriano Dias: O Acordo Co­le­tivo foi der­ro­gado para per­mitir que a em­presa apre­sen­tasse essa pro­posta de re­ti­rada de be­ne­fí­cios e di­mi­nuísse as cláu­sulas. O dis­sídio de 2019 va­leria para dois anos, o único que po­de­ríamos dis­cutir seria o re­a­juste. O Acordo der­ro­gado per­mite al­te­ração nos be­ne­fí­cios e apli­cação da po­lí­tica de ajuste nos Cor­reios.

Não é só a questão econô­mica: tem saúde do tra­ba­lhador, es­ta­bi­li­dade do tra­ba­lhador da CIPA (Co­missão In­terna de Pre­venção de Aci­dentes). Querem re­tirar tudo, nos as­pectos econô­micos e so­ciais. O Acordo ga­rantia que a pro­posta não fosse apenas verbal, e se os Cor­reios des­cum­prissem al­guma coisa po­de­ríamos re­correr ao do­cu­mento. É a nossa de­fesa para quando a em­presa des­cumpre sua parte.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que pensa das ale­ga­ções para a pri­va­ti­zação dos Cor­reios?

Adriano Dias: São todas falsas. Eles co­meçam fa­lando que temos mo­no­pólio no ser­viço postal. Men­tira. Existem muitas em­presas no setor. A questão é que os Cor­reios não apenas são mais ba­ratos como en­tregam em todo o país. A questão é que a con­cor­rência é pior, mais cara e não en­trega em todos os mu­ni­cí­pios.

O se­gundo ponto é o su­posto pre­juízo nos úl­timos três anos. Outra men­tira, a em­presa é lu­cra­tiva. Com a pan­demia e o cres­ci­mento do co­mércio ele­trô­nico a pers­pec­tiva de lucro é até maior, como já visto no pri­meiro tri­mestre do ano.

O pro­blema é que temos uma em­presa onde o pre­si­dente ganha 45 mil reais e os seis di­re­tores ga­nham 40 mil, e a em­presa não in­veste jus­ta­mente pra fa­ci­litar o dis­curso pri­va­tista.

Outra men­tira é a de que a po­pu­lação banca a em­presa. É o con­trário, a em­presa não re­cebe um real da po­pu­lação, até sus­ten­tamos o Te­souro Na­ci­onal em certo pe­ríodo. No go­verno Dilma a em­presa deu 6 bi­lhões de reais entre lu­cros e di­vi­dendos.

A quarta é que o ser­viço vai me­lhorar. Claro que não, isso nunca acon­teceu nas pri­va­ti­za­ções. Será que o ser­viço vai mesmo con­ti­nuar fun­ci­o­nando do Oi­a­poque ao Chuí? Já deu pra ver vá­rias em­presas pri­vadas que na pan­demia não se ca­rac­te­rizam pelo ser­viço de qua­li­dade.

Todas as ale­ga­ções são falsas: o único ob­je­tivo do go­verno Bol­so­naro é en­tregar uma em­presa ren­tável para algum aliado do mer­cado.

Cor­reio da Ci­da­dania: Quais se­riam as con­sequên­cias dessa even­tual pri­va­ti­zação?

Adriano Dias: Um ser­viço caro e ruim, que não che­garia a todos os cantos do país. Também que­braria o ca­ráter so­cial da em­presa, que usa sua lo­gís­tica e es­tru­tura para en­trega de re­mé­dios e li­vros di­dá­ticos em di­versos lo­cais, ga­ran­tindo, por exemplo, o ENEM.

O ca­ráter so­cial da em­presa será, ob­vi­a­mente, com­pro­me­tido se a em­presa passar à ini­ci­a­tiva pri­vada, que visa apenas o lucro e, com cer­teza, só vai querer atender às grandes me­tró­poles e prin­ci­pais mu­ni­cí­pios. Não vai querer ir aos lo­cais mais dis­tantes. Isso no ime­diato.

Para os tra­ba­lha­dores, a exemplo de ou­tras pri­va­ti­za­ções, te­ríamos de­sem­prego, re­dução do sa­lário e com­bate ao di­reito de or­ga­ni­zação, como é ha­bi­tual nas grandes em­presas.

Cor­reio da Ci­da­dania: Qual a es­tra­tégia de vocês para manter a greve em meio à pan­demia?

Adriano Dias: Uma greve neste con­texto di­fi­culta a or­ga­ni­zação. Até porque uma parte da ca­te­goria está afas­tada pelo covid-19. Pelo ta­manho do ataque, a prin­cipal es­tra­tégia é a mo­bi­li­zação, que ge­ral­mente são atos e pi­quetes. A mai­oria das as­sem­bleias foi pre­sen­cial, cerca de 80%, en­quanto as ou­tras foram vir­tuais.

Ti­vemos atos em al­gumas ci­dades do país, como BH e Vi­tória. A prin­cipal es­tra­tégia, mesmo no meio da pan­demia, é a mo­bi­li­zação, pois não existe outra forma de der­rotar essas bru­ta­li­dades senão através da luta. A es­tra­tégia é manter os atos e pi­quetes, for­ta­lecer a greve, con­vencer os que ainda não estão con­ven­cidos e au­mentar ainda mais a força do mo­vi­mento, para assim impor uma der­rota ao go­verno Bol­so­naro e à di­reção da em­presa.

Cor­reio da Ci­da­dania: Qual a pos­tura da em­presa di­ante da pan­demia e como ela afetou tra­ba­lha­dores e ser­viços?

Adriano Dias: A em­presa é muito ne­gli­gente na pan­demia. Ti­vemos greves sa­ni­tá­rias em al­gumas uni­dades, para ga­rantir que os con­ta­mi­nados fossem afas­tados, as uni­dades hi­gi­e­ni­zadas e até fe­chadas. Pre­ci­samos de de­ci­sões ju­di­ciais para ga­rantir o cum­pri­mento do pro­to­colo. A em­presa agiu, por­tanto, de forma con­di­zente com o go­verno Bol­so­naro, já que o pre­si­dente da em­presa foi in­di­cado por ele. E atua da mesma forma do go­verno, ne­gando, se­cun­da­ri­zando a im­por­tância dos fatos...

A em­presa não for­nece o nú­mero de mortos e con­ta­mi­nados. O sin­di­cato pre­cisa fazer um ser­viço pró­prio, cuja con­tagem atinge mais de 120 mortos por covid-19. É a ab­surda a pos­tura da em­presa na pan­demia.

É óbvio que tal pro­cesso de con­ta­mi­nação e afas­ta­mento de tra­ba­lha­dores afeta os ser­viços. Es­tamos na linha de frente, nas ruas, li­dando com as pes­soas. Claro que tem im­pacto. Mas é im­por­tante a po­pu­lação saber que a res­pon­sa­bi­li­dade do ser­viço é da em­presa, que su­ca­teou, tirou di­nheiro e não se pre­parou para a pan­demia, ao menos para en­tregar o es­sen­cial, como re­mé­dios.

A em­presa quis fun­ci­onar nor­mal­mente, foi ne­gli­gente para ga­rantir lu­cros que de­pois não são re­pas­sados para os tra­ba­lha­dores. A em­presa não se pre­parou nem para cuidar de seus tra­ba­lha­dores nem para ga­rantir os ser­viços mais im­por­tantes. E como não tem con­curso desde 2011, so­fremos bas­tante com a grave crise sa­ni­tária nos dois as­pectos aqui men­ci­o­nados.

Cor­reio da Ci­da­dania: O que pensa da noção recém-em­pa­co­tada pela grande mídia de que Bol­so­naro, de­pois de tantas ati­tudes aber­ta­mente cri­mi­nosas, in­clu­sive a re­ve­lação de sua von­tade de tramar golpe de Es­tado, como mos­trou a Re­vista Piauí, es­taria apren­dendo a se “con­ci­liar”, “ne­go­ciar”, “di­a­logar”, in­clu­sive com o até outro dia exe­crado cen­trão? Como en­xerga a opo­sição a seu go­verno de modo geral, tanto à di­reita como à es­querda?

Adriano Dias: Pri­mei­ra­mente, é im­por­tante des­tacar que Bol­so­naro não mudou seu perfil au­to­ri­tário e suas ideias. Con­tinua en­tu­si­asta da di­ta­dura mi­litar e de gente como Ustra. Basta ver o dossiê sobre os an­ti­fas­cistas na má­quina pú­blica.

Acon­tece que ele busca saídas das su­ces­sivas crises, ex­pres­sadas na in­ves­ti­gação de seu filho Flavio, a prisão de Queiroz e sua es­posa, fun­da­men­tais para re­velar o que é a car­reira po­lí­tica de Bol­so­naro. É essa imagem que ele não quer des­gastar.

Do ponto de vista econô­mico e fiscal, antes de qual­quer mu­dança de pos­tura, existe uma con­ci­li­ação geral sobre aus­te­ri­dade fiscal, PEC que reduz sa­lá­rios no meio da pan­demia, PEC do or­ça­mento de guerra, re­formas como a da Pre­vi­dência...

In­de­pen­den­te­mente de suas pos­turas bé­licas per­for­madas ali no cer­ca­dinho do Pla­nalto, ele já tem acordos com o con­gresso sobre ques­tões fun­da­men­tais.

Claro que tem a con­tra­dição de seu dis­curso de cam­panha, que fa­lava em nova po­lí­tica e co­loca o cen­trão em cargos chaves do go­verno, a exemplo da re­cri­ação do Mi­nis­tério das Co­mu­ni­ca­ções, en­tre­gando o cargo a Fabio Faria, li­gado a Kassab. Tem a re­lação com Ro­berto Jef­ferson... Vá­rias coisas que de­mons­tram que o go­verno vive em con­tra­dição total com seu dis­curso elei­toral.

Vejo assim: a opo­sição em geral não com­bate o go­verno. Há muito acordo sobre o ajuste fiscal. No início da pan­demia os go­ver­na­dores es­ta­duais ten­taram se di­fe­ren­ciar, mas hoje já querem abrir tudo. E não falo só da opo­sição de di­reita. O fato con­creto é que não existe uma opo­sição com­ba­tiva no país, que en­frente de forma co­ti­diana o go­verno. Na ver­dade são muitas po­si­ções con­flu­entes.

Por exemplo: na MP 936 a opo­sição votou a favor, uma me­dida que sus­pende sa­lá­rios e con­tratos. In­clu­sive fa­lamos disso na cam­panha dos Cor­reios, já que muitos estão com sa­lá­rios re­du­zidos. O ajuste fiscal re­pre­senta o au­to­ri­ta­rismo na eco­nomia e existe pouca opo­sição real a isso.

As pes­quisas que aferem o au­mento da po­pu­la­ri­dade de Bol­so­naro são con­sequência disso. Nin­guém de fato faz en­fren­ta­mento à agenda po­lí­tica do go­verno, em muitos casos até re­pro­duzem em es­calas mu­ni­ci­pais e es­ta­duais. Uma opo­sição que não quer ir pra rua, não quer cons­truir um en­fren­ta­mento maior e fre­quen­te­mente segue as mesmas po­lí­ticas, a exemplo da pos­tura na pan­demia e nos ajustes fis­cais.

A greve dos Cor­reios mostra que a única forma de impor der­rotas ao go­verno é na luta. E, com todos os cui­dados, ir para a rua. A única forma de ar­rancar uma qua­ren­tena geral é na luta. O pro­jeto é ca­te­gó­rico: re­tirar di­reitos, com ou sem pan­demia. Não estão nem aí para nós, vão se­guir na agenda de cortar tudo. E não vejo a opo­sição dis­posta a or­ga­nizar tra­ba­lha­dores para irem às ruas e der­rotar o go­verno, pra não falar em der­rubar Bol­so­naro e Mourão.

Ga­briel Brito é jor­na­lista e editor do Cor­reio da Ci­da­dania.

In

CORREIO DA CIDADANIA 


https://www.correiocidadania.com.br/34-artigos/manchete/14342-todas-as-alegacoes-a-favor-da-privatizacao-dos-correios-sao-falsas

28/8/2020

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