segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

As eleições municipais no Brasil e o teorema da luta de classes

 



Edmilson Costa*

O Brasil realizou em novembro as eleições municipais nos 5.569
municípios do País em dois turnos: o primeiro turno em 15 de novembro e
o segundo em 29 de novembro. Estavam aptos a votar 147,9 milhões de
eleitores, mas houve uma abstenção de cerca de 29% no primeiro turno e
31% no segundo turno. Não participam do processo eleitoral Brasília e
Fernando de Noronha, onde são realizadas apenas eleições gerais. De
todos os Estados, São Paulo é o que possui o maior número de eleitores,
33,56 milhões, enquanto a capital do Estado tem 8,98 milhões de
eleitores, e a pequena cidade de Araguaína, no Mato Grosso, é o menor
município, com apenas 1.100 eleitores. Do conjunto dos eleitores, 52,49%
é constituído por mulheres, enquanto 47,51% são de homens. Para efeito
de análise vamos nos concentrar nas cidades do País com mais de 200 mil
eleitores, onde pode ocorrer segundo turno. Essas cidades representam os
maiores conglomerados urbanos do País, sendo justamente nesses espaços
onde se concentra a maioria do proletariado brasileiro e onde pulsa mais
efetivamente a luta de classes.

É importante esclarecer ainda que as eleições nas sociedades
capitalistas e, especialmente no Brasil, funcionam como uma espécie de
espelho distorcido da luta social, uma vez que, em todas as eleições, as
maiorias sociais costumeiramente são transformadas em minorias na
representação política institucional. Isso ocorre porque as eleições são
marcadas por um conjunto de condicionalidades, tais como a dominação
ideológica da burguesia, afinal as ideias hegemônicas nas sociedades
capitalistas são as ideias das classes dominantes; o poder econômico dos
capitalistas, que financia e promove por meios legais e ilegais os seus
representantes institucionais; as máquinas administrativas tanto na
esfera federal, estadual e municipal, especialmente nas pequenas e
médias cidades; além de um limitado trabalho de base por parte da
esquerda junto ao proletariado e a população pobre das periferias, tanto
em função dos anos de conciliação de classe, que desarmaram e
apassivaram os trabalhadores, quanto porque a esquerda classista ainda
não reuniu forças para reverter a despolitização e se colocar como
alternativa nos locais de trabalho e moradia.

Vale também lembrar que as eleições municipais ocorreram num período
atípico da conjuntura brasileira, em consequência da pandemia, do
distanciamento social, da inviabilidade de grandes concentrações de
massa e da ofensiva neofascista do governo Bolsonaro, cujo governo tem
sido de restrição permanente e cerco às liberdades democráticas. Além
disso, as eleições municipais, especialmente nas pequenas e médias
cidades, possuem uma dinâmica diferente das eleições nacionais porque
estão muito mais vinculadas aos problemas locais do que às grandes
questões nacionais, além das tradicionais pressões das oligarquias,
muito mais próximas dos eleitores que nas grandes cidades. Como nos
grandes centros urbanos o nível de circulação de informações é bem maior
e a estrutura da educação é também mais elevada que nas pequenas
cidades, é exatamente nas grandes metrópoles onde se encontram as
principais organizações dos trabalhadores, o espaço onde as contradições
de classes são mais visíveis e o nível de ação das grandes massas é mais
intenso. Por isso, a importância de analisarmos as 95 cidades com mais
de 200 mil eleitores porque esses espaços geográficos determinam a
dinâmica da luta de classes no Brasil.

Além dessas questões, não podemos esquecer que esse pleito municipal
ocorreu após o tsunami das eleições presidenciais de 2018, quando
Bolsonaro e a extrema-direita atropelaram não só a esquerda e a
centro-esquerda, mas a própria direita clássica, que sempre teve maioria
nas eleições municipais. Naquela conjuntura, parecia que o mundo tinha
virado de cabeça para baixo. Pela primeira vez no pós-guerra uma
extrema-direita neofascista, com um programa explícito de
extrema-direita, ganhara as eleições de forma acachapante no país.
Tamanha foi a força de Bolsonaro naquela eleição que bastava um
candidato se proclamar bolsonarista para ser eleito. Aquela conjuntura
abriu espaço para todo tipo de aventureiro, oportunista e para o
lumpesinato politico tosco e desqualificado ganhar um mandato eleitoral.
Resultado disso são as centenas de deputados federais, além de senadores
e governadores, sem nenhuma expressão política que hoje dirigem vários
Estados. Nem eles mesmos acreditavam em sua eleição um mês antes do pleito.

A derrota do bolsonarismo

Feitas essas observações iniciais, não vamos nos ater apenas aos
aspectos quantitativos das eleições municipais, mesmo sabendo que essa
dimensão tem grande importância, mas não define a dinâmica da luta
política. Nos municípios menores, em sua grande maioria, a política é
dominada pelas classes dominantes tradicionais pelos motivos que já
abordamos. Serve para garantir maiorias nas casas legislativas locais e
no Congresso Nacional, mas tem pouca relevância na dinâmica geral da
luta de classes.

Portanto, avaliar as eleições a partir das grandes cidades com mais de
200 mil habitantes nos permite ter uma dimensão mais qualitativa da luta
de classes, do estado de ânimo da população e da correlação de forças no
país. O Brasil possui 95 cidades com mais de 200 mil eleitores. No
primeiro turno, a direita tradicional ganhou em 35 delas e a
centro-esquerda em apenas duas e os bolsonaristas em nenhuma. Ou seja,
desde o primeiro turno já se podia observar que a direita tradicional
tinha se recuperado da derrota que sofreu em 2018 para a
extrema-direita, fato que viria a se confirmar com o resultado das
eleições no segundo turno.

Numa primeira aproximação analítica pode-se dizer com segurança que a
extrema-direita e Bolsonaro particularmente saíram bastante
enfraquecidos das eleições. Para se ter uma ideia, o presidente apoiou
diretamente 63 aliados entre candidatos a prefeito e vereador,
conseguindo eleger apenas nove, dos quais somente um em capitais.

Nessas eleições ocorreu o contrário das eleições passadas: Bolsonaro
funcionou como uma espécie de dedo podre, pois os candidatos que
indicava perdiam imediatamente prestígio eleitoral junto à população. Os
casos típicos ocorreram nas duas maiores cidades do país, São Paulo e
Rio de Janeiro. Como Bolsonaro é o principal inimigo dos trabalhadores,
da juventude e do povo pobre das periferias, a derrota política de seus
aliados tem um significado importante porque indica que as ideias que
foram vitoriosas em 2018, apenas dois anos depois foram derrotadas de
Norte a Sul do país. No entanto, ainda sobrevive um restolho neofascista
a ser derrotado, uma vez que muitos candidatos bolsonaristas tiveram
mais de 40% dos votos em grandes cidades. Mas tudo leva a crer que sua
popularidade tende a se reduzir, tanto porque seu mentor político foi
derrotado nos Estados Unidos, o que o deixa sem norte e sem rumo, quanto
porque seu governo tem sido um desastre do ponto de vista econômico,
político, social e sanitário.

Alguns elementos muito importantes a ser levados em conta estão
relacionados à queda de alguns mitos que estiveram em alta nas eleições
passadas. O primeiro deles é o fato de que os evangélicos pentecostais
eram capazes de definir qualquer eleição. Não foi o que ocorreu. Grande
parte dos candidatos que apelaram ao fundamentalismo religioso, que
funcionou no passado, foram derrotados. Além disso, os candidatos que
apelaram para a pauta de costumes, agitando bandeiras
ultraconservadoras, também não obtiveram grande êxito. Da mesma forma
que as fake news não obtiveram o resultado que almejavam. Ou seja, o
preconceito, a misoginia, o racismo e a onda ultraconservadora saíram
enfraquecidos nestas eleições. Falaram mais alto a crise econômica, o
desemprego e as péssimas condições de vida da população, o que mais uma
vez vem demonstrar a centralidade da luta de classes, cujos
desdobramentos tanto no terreno social quanto no político ou eleitoral
estão acima das velhas catilinárias do discurso reacionário. É bem
verdade que, em um ou outro local, esse discurso ainda teve força, como
em Pernambuco e Porto Alegre, mas no geral foi um fracasso.

Bolsonaro não compreendeu que sua popularidade não era a mesma do
período em que se elegeu presidente e que a conjuntura brasileira tinha
mudado nesses últimos dois anos. Ele até ensaiou um discurso de que não
iria interferir no pleito quando foram definidas as datas da eleição.
Possivelmente teria sido aconselhado por algum assessor sobre a
possibilidade de uma derrota e a repercussão que isso poderia ter em
suas aspirações eleitorais. Mas Bolsonaro, como de costume, não se
conteve e começou a fazer lives com apoio a candidatos a prefeito e
vereador de sua trupe, especialmente aqueles mais alinhados com o seu
discurso de ódio, como aconteceu em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo
Horizonte, Salvador, Recife, Fortaleza e Manaus, todas essas grandes e
médias capitais de Estados brasileiros. Em algumas dessas cidades
ocorreram fatos inusitados como candidatos que, sentindo a queda de
popularidade nas pesquisas eleitorais após o apoio de Bolsonaro,
começaram a se distanciar do presidente, mas já era tarde. Esses fatos
podem ser considerados, no mínimo, como uma desmoralização para quem se
imaginava um mito em consequência da vitória nas eleições presidenciais.

Os vencedores das eleições

Os grandes vencedores das eleições municipais no Brasil, inclusive nas
maiores concentrações populacionais, foram os partidos da direita
clássica, que agora procuram se fantasiar de centro, buscando assim se
diferenciar de Bolsonaro. A vitória desses partidos significa que
ocorreu um deslocamento da extrema-direita para a direita tradicional e
que esses partidos se recuperaram da derrota de 2018 para a
extrema-direita bolsonarista. Parece que as classes dominantes,
incomodadas com as bizarrices do governo Bolsonaro, resolveram
restabelecer suas lideranças orgânicas e a representação tradicional,
inclusive com um processo de renovação das oligarquias. Eles concordam
com a política de terra arrasada e o ataque aos direitos e salários dos
trabalhadores e pensionistas, mas as fanfarronices de Bolsonaro e sua
política externa bizarra, especialmente no caso da China e do meio
ambiente, estavam prejudicando os negócios e levando a enfrentamentos
desnecessários. É bom lembrar que a China é o maior parceiro comercial
do Brasil e todo o setor do agronegócio depende das exportações para a
China.

Em outras palavras, para a direita clássica, esse resultado eleitoral
restaura seu domínio tradicional tanto nos parlamentos municipais quanto
nas prefeituras, inclusive com novos personagens reciclados buscando se
diferenciar, especialmente naquilo que é mais bizarro no governo
Bolsonaro e que não coloca em xeque o domínio burguês, como a questão da
pandemia e da ciência, além da questão diplomática. A conjuntura pode
estar indicando que o bolsonarismo foi uma espécie de acidente
ocasional, necessário como uma espécie de freio de arrumação, como
instrumento para realizar o trabalho sujo num momento de crise, mas que
agora se torna incômodo.

No entanto, a direita tradicional enfrenta um dilema bastante difícil de
resolver: a política econômica desenvolvida por Bolsonaro é a mesma que
as classes dominantes vinham aplicando desde o golpe de 2016 com Michel
Temer e é apoiada por praticamente todos os setores dominantes, mas a
crise econômica e o fundamentalismo ortodoxo do ministro Paulo Guedes e
sua insanidade em continuar a defesa do teto dos gastos aprofundam a
crise econômica e inviabilizam qualquer tipo de retomada da economia a
partir dos investimentos públicos. Essa é uma receita que em algum
momento não muito distante pode levar a uma explosão social em
consequência do fim do auxílio emergencial, do elevado desemprego, do
aumento da inflação e do aprofundamento da pobreza e das péssimas
condições de maioria da população. E a insatisfação popular nas ruas é
tudo que a direita teme.

Mesmo fortalecida, a direita tradicional também não quer o impeachment
do governo, o que não seria muito difícil diante de seu fortalecimento e
da maioria parlamentar no Congresso. Mas teme que um processo dessa
ordem possa colocar em risco seu próprio domínio e aquilo que imagina
que seria um desdobramento natural das eleições de 2018 – a vitória em
2022. Além disso, a burguesia teme ainda a reação das hordas
bolsonaristas diante da deposição de seu líder e também que uma crise
provocada por um impeachment, aliada à crise econômica e social
brasileira, desperte a revolta latente das ruas e ponha em cheque seus
planos para a eleição presidencial. Por isso prefere o desgaste lento e
gradual de Bolsonaro, espera que ele continue fazendo o trabalho sujo na
economia e nas relações sociais, até chegar muito enfraquecido em 2022,
o que abriria caminho para o domínio clássico da direita tradicional.
Não se pode prever ainda como evoluirá a conjuntura do ponto de vista
institucional, mas com certeza teremos até as eleições presidenciais um
acirramento da luta de classes e possivelmente a emergência da luta
popular como já está ocorrendo em várias partes do mundo.

Vejamos de maneira factual os resultados do segundo turno das eleições
municipais: novamente, a direita clássica ganhou na grande maioria das
cidades, consolidando seu desempenho do primeiro turno. Das 57 cidades
em que houve disputa para o segundo turno, o PT disputou em 15, o PDT
quatro e o PSB em sete, o PSOL em duas e o PC do B em uma. Ao final das
eleições, O PT ganhou em quatro dessas cidades, o PDT e o PSB em três
cada e o PSOL ganhou em uma capital.

Aparentemente, tratou-se de um resultado matematicamente desfavorável às
forças de esquerda e centro-esquerda, afinal a direita tradicional
ganhou tanto no primeiro quanto no segundo turno a maioria das grandes
cidades brasileiras. Se a isso acrescentarmos as vitórias eleitorais na
grande maioria das pequenas e médias cidades, então tratar-se-ia
efetivamente de uma vitória completa das classes dominantes. No entanto,
não podemos ver a dinâmica da luta social apenas pela aparência dos
fenômenos: a luta de classes é muito mais complexa.

A esquerda avançou nas grandes cidades

Ao contrário das análises recorrentes que têm aparecido nos meios de
comunicação, envolvendo até mesmo vários setores progressistas,
acreditamos que ocorreu um avanço das forças de esquerda, mesmo que
estas tenham sido eleitoralmente derrotadas nas principais cidades. O
problema é que muitos confundem a performance do PT com o desempenho da
esquerda em geral e não conseguem captar as novas dinâmicas da luta
política nem os novos caminhos que se abrem para outras forças de
esquerda. Conseguem ver apenas as árvores na grande floresta da luta
política e não observam que nas grandes metrópoles ocorreu a eleição de
um número expressivo de vereadores mulheres, negros, LGBTs, quase todos
de esquerda, dando uma nova configuração a essas cidadelas da burguesia,
além de um prefeito do PSOL numa grande capital, e a incorporação de
milhares de ativistas sociais na luta política. Se levarmos em conta
ainda a derrota de 2018, a ofensiva neofascista de Bolsonaro ao longo de
seu governo, a prática anticomunista permanente, a politica de ódio e
todo o retrocesso institucional que ocorreu desde a posse desse governo,
um avanço da esquerda nos grandes centros urbanos, especialmente em São
Paulo, a maior cidade do país e o centro aglutinador do proletariado
brasileiro, é um feito extraordinário que indica tendencialmente um
futuro promissor para a esquerda classista.

Não se trata de romantizar as derrotas ou buscar sofismas para ofuscar
os dados da realidade, mas não é correto medir o resultado eleitoral por
uma régua puramente matemática. A luta de classes não é uma conta de
soma e subtração: é precisar avaliar os movimentos mais profundos da
conjuntura para compreender as tendências mais gerais que nortearão o
desenvolvimento da luta social. Como todo espelho distorcido, as
eleições refletiram, nas aparências, apenas uma parte de um fenômeno da
luta de classes. A outra parte veremos nos próximos meses. Portanto,
acreditamos que não é correta a autoflagelação que é observada em vários
setores progressistas. Essa atitude é típica da pressa pequeno-burguesa,
que só leva ao desânimo e a paralisia na ação política. Da mesma forma
que não adianta ficar sempre reclamando das manobras das classes
dominantes no período eleitoral.

Para a esquerda classista, as eleições serão sempre desiguais, afinal as
classes dominantes possuem o poder econômico, as máquinas
administrativas federal, estadual e municipal e a hegemonia ideológica
da sociedade. Tudo isso é verdade e todos sabem que as regras desse jogo
são feitas pelo inimigo. Uma vitória da esquerda pode ser considerada um
ponto fora da curva e muitas vezes a burguesia sabota esses governos e
os derrubam através de golpes de Estado. Mas não se pode deixar de
registrar o imenso acúmulo para a esquerda classista nessas eleições,
fenômeno que será fundamental nas batalhas que virão no próximo período.

Por isso, as eleições na cidade de São Paulo merecem uma consideração
especial. Quem poderia imaginar que uma candidatura assumidamente de
esquerda (PSOL, PCB e UP), com um líder oriundo dos movimentos sociais
por moradia, com um programa claramente vinculado aos interesses
populares, uma campanha sem esconder bandeiras para suavizar a imagem ou
a natureza de esquerda da candidatura e apenas 17 segundos de propaganda
na televisão, fosse capaz de derrotar as siglas tradicionais e disputar
o segundo turno na principal cidade do país? Além disso, essa mesma
candidatura, com pouquíssimos recursos comparados aos partidos
tradicionais, sem rebaixar o programa, conseguiu atrair mais quatro
partidos de centro-esquerda para a campanha e ainda obter mais de 40%
dos votos no segundo turno, ganhando em vastas regiões da periferia. Não
é pouca coisa: a performance da esquerda em São Paulo tem um significado
político expressivo não só porque projetou uma nova liderança nacional,
mas também porque demonstrou que se pode disputar uma eleição sem posar
de bom moço para a burguesia. Só para lembrar: nas eleições municipais
passadas, o atual governador de São Paulo ganhou as eleições municipais
no primeiro turno.

Aos mais apressados é bom reforçar: os tempos da vanguarda e da
população são assimétricos. A militância compreende muito mais
rapidamente que o proletariado os meandros da conjuntura, pela própria
prática militante e formação política. O proletariado é esmagado
diariamente pelos aparelhos ideológicos da burguesia, que tentam semear
confusão e apontam para a busca de soluções individuais diante dos
problemas coletivos, com o objetivo de consolidar a alienação da
população e manter o seu domínio. Por isso, pela própria condição de
vida e luta pela sobrevivência, o proletariado demora mais a compreender
sua própria condição de explorado e oprimido, mas quando essa
compreensão se torna maioria não tem força capaz de derrotá-la.
Geralmente, a militância pequeno-burguesa não compreende essa diferença
e sempre quer realizar as mudanças de forma rápida e automática, de
acordo com seus desejos. E quando isso não acontece, começam as
frustrações e as lamúrias. De certa forma, é o que está acontecendo com
vários setores da esquerda. Portanto, para esclarecer o proletariado,
capacitar as maiorias para a luta política, formar lideranças e
organizar a luta popular, é fundamental o trabalho de base permanente
nos locais de trabalho, moradia e estudo.

Outro elemento importante dessa conjuntura eleitoral se refere ao
desempenho do Partido dos Trabalhadores (PT). Como já afirmamos em
trabalhos anteriores, o ciclo das lutas sociais que se iniciou em 1978
com as greves do ABC se fechou dramaticamente com o impeachment da
presidente Dilma e todas as organizações que nasceram e se desenvolveram
nesse ciclo, inclusive o PT, tendem ao esgotamento, em função de sua
incapacidade de fazer autocrítica dos erros do passado e se atualizar
para as novas tarefas da luta de classes. Mesmo que o PT não tenha
sofrido a mesma hecatombe das eleições municipais passadas, o partido
não conseguiu eleger nenhum prefeito nas capitais, fato que não ocorria
há várias décadas, e ganhou em apenas quatro prefeituras das 95 cidades
com mais de 200 mil eleitores. No entanto, na maioria das 15 cidades em
que disputou o segundo turno, teve em média mais de 40% dos votos, o que
não é um desempenho desastroso diante daquilo que muitos prognosticavam.
Mas o PT vive uma lenta agonia e, parafraseando Marx, uma espécie de
tendência declinante da influência social e política. E tudo indica que
continuará essa trajetória em virtude da sua aposta incondicional na
institucionalidade.

Podemos dizer que a esquerda no Brasil vive um período de transição, em
que a hegemonia do PT está sendo bastante reduzida nos centros urbanos,
como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Salvador, Porto Alegre e
Fortaleza e novas forças e novas lideranças estão surgindo no cenário
político do País.

As perspectivas no próximo período

O próximo período da luta social no Brasil será intenso e qualquer
prognóstico para 2022 será pura especulação. Até lá muita água ainda vai
rolar: a luta de classes não vai tirar férias e a pandemia, o fim do
auxílio emergencial, o desemprego, a inflação e a miséria vão acirrar a
luta social. Não deverá ser surpresa para ninguém a retomada das greves
e das manifestações de ruas, a exemplo do que já vem ocorrendo nos
Estados Unidos, no Chile, no Peru, na Guatemala, na França e na Índia.
Parece que as massas estão perdendo a paciência com a destruição
neoliberal, o fascismo de mercado e a pobreza. Como aqui no Brasil todos
esses fenômenos ocorrem com muito mais intensidade, em função das
contradições cada vez maiores entre uma classe dominante truculenta, que
vive nababescamente, e a maioria da população, que se encontra em
péssimas condições de vida, a luta de classes em nosso país tende mesmo
a ser mais acirrada no próximo período.

As cartas estão na mesa e as classes dominantes já se movimentam no
sentido de voltar o velho discurso neoliberal e os ataques contra os
trabalhadores. A TV Globo, principal monopólio de comunicações do país,
procura de todas as formas transformar o resultado eleitoral num
instrumento para evitar a ascensão de uma esquerda classista, ao
fantasiar em seus noticiários a velha direita como políticos de centro e
dizer que os eleitores rejeitaram os extremismos. Buscam assim se
afastar de Bolsonaro e condenar as posições mais à esquerda. Se não
existisse o perigo de radicalização das massas a Globo não estaria
perdendo tempo em condenar a esquerda. Espertamente, critica alguns
aspectos da política de Bolsonaro, mas defende com ênfase a política de
terra arrasada de Paulo Guedes. Como a Globo é uma espécie de porta-voz
das classes dominantes, esse monopólio midiático procura de todas as
formas esconder que essa direita tradicional é cúmplice da eleição de
Bolsonaro, cúmplice dos ataques aos trabalhadores, cúmplice do
entreguismo e da submissão aos interesses norte-americanos. Ninguém pode
se enganar com esse canto de sereia: Bolsonaro é a cara das classes
dominantes brasileiras, que agora estão envergonhadas com alguns
aspectos bizarros de seu governo, mas esse governo é obra de sua própria
criação.

O governo Bolsonaro saiu das eleições enfraquecido, perdeu sua
referência política com a derrota de Trump e foi derrotado nas eleições
municipais e agora está refém do Centrão, que vai cobrar cada vez mais
caro seu apoio ao governo, afinal são profissionais do fisiologismo.
Além disso, a crise econômica, social e política é profunda e vai levar
as massas, premidas pelo desespero, a se colocarem em movimento contra a
política do governo. Por isso, a conjuntura necessita de propostas
claras de mudanças e organização popular.

A esquerda deve mudar a tática e passar à ofensiva se quiser obter
protagonismo na nova conjuntura que se abre em nosso País. A esquerda
classista e as forças progressistas em geral devem continuar os esforços
para derrotar esse governo e sua política de terra arrasada, de
preferência nas ruas, nos locais de trabalho, estudo e moradia antes de
2022 se a conjuntura permitir. A luta vai ser muito dura, mas é
necessário que estejamos preparados para enfrentar esse governo em
qualquer tipo de conjuntura. Nada de desânimo nem autoflagelação: a
conjuntura está favorável à denúncia do capitalismo e dos ataques contra
os trabalhadores, a projetos claros que apontem no sentido de uma
perspectiva anticapitalista e anti-imperialista para o país. É hora de agir.

*Edmilson Costa é secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

In
PCB
https://pcb.org.br/portal2/26542/as-eleicoes-municipais-no-brasil-e-o-teorema-da-luta-de-classes/
6/12/2020

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