domingo, 27 de dezembro de 2020

EMPREENDORISMO E TORTURA

 


(Este artigo fará parte do livro "Histórias que ningúem vai contar")



  O financiamento público da atividade partidária sempre foi uma questão muito polêmica, tal qual o imposto sindical para financiar os sindicatos. Mas para o PCB, que viveu grande parte de sua vida na ilegalidade, prevaleceu, por muitos anos, o esforço arrecadatório próprio. Seu sistema de sustentação financeira era montado a partir de contribuições pessoais dos militantes, de aliados e de um grande número de simpatizantes. Existiam também as campanhas especiais de finanças, normalmente anuais. Mas o sufoco financeiro sempre foi muito grande.

  No início dos anos 1970, durante o Governo Médici, o Instituto Brasileiro do Café (IBC) lançou o Programa de Renovação da Cafeicultura Brasileira, cujo agente financeiro era o Banco do Brasil. Eram concedidos empréstimos a juros subsidiados para compra de terra e implantação de lavoura de café. Foi a época da corrida do ouro em direção a São Gabriel do Oeste. O Partidão não perdeu a oportunidade, mobilizou um grupo de advogados, para engajarem-se no programa, em benefício das finanças partidárias. Nosso próprio Secretário de Finanças, Ascário Nantes era um dos participantes do projeto.

  Nessa ocasião, vivia aqui, em Mato Grosso do Sul, clandestinamente, um dirigente do Comitê Central, de nome de guerra Tibúrcio. Ex-líder sindical em Curitiba, era um dos poucos dirigentes nacionais que não tinham ido para o exterior. Foi então colocado para a operacionalização do empreendimento, que ficava na Serra da Bodoquena, no distrito de Miranda denominado Campão, hoje município de Bodoquena.

 A lavoura foi tocada por uns tempos, chegou a ter 175 mil pés de café abrigando 13 famílias, ao total 150 pessoas, mas logo a atividade entrou em declínio em toda a região e levou de arrastro, também o nosso empreendimento.  A pá de cal foi a grande geada de 1975 que acabou com os cafezais na região e foi seguida pela febre de plantio de soja. Não deu certo, mas bem que tentamos.

  De saldo ficou o relacionamento com o camarada e amigo Tibúrcio Melo. Em 1975, a repressão o encontrou no meio do cafezal e ele foi mandado para o DOI-CODI, em São Paulo, juntamente com o nosso companheiro Acelino Granja. Nesse mesmo local se encontrava Vladimir Herzog. Ambos foram torturados barbaramente pelo delegado Fleury. Granja foi destruído fisicamente. Tibúrcio que estava doente de blastomicose, uma doença causada por fungos, chegou a pesar 38 quilos, quando o então médico Harry Shibata atestou que ele não aguentaria mais tortura, sendo então liberado para tratar-se. Nem o seu próprio nome Tibúrcio entregou, consta que foi processado com o nome de guerra, atestado por documentos falsos perfeitos.

  Recuperado fisicamente, após uns tempos em São Paulo, onde o encontrei pela última vez, voltou para Curitiba, com o nome verdadeiro de Espedito de Oliveira Rocha, tornando-se um consagrado escultor em madeira.

In  

Fausto Matto Grosso. 

http://faustomattogrosso.blogspot.com/2020/12/empreendedorismo-e-tortura-este-artigo.html

26/12/2020



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