domingo, 6 de dezembro de 2020

*Atores Coletivos para Erosão do Capitalismo*

 

    


        *Por Fernando Nogueira da Costa*^[1]

Segundo Erik Olin Wright, no livro “/Como ser anticapitalista no século
XXI?/” (Boitempo, 2019), “a erosão do capitalismo, como qualquer
estratégia, precisa de atores coletivos”. Estratégias não caem do céu;
elas são adotadas por pessoas organizadas em partidos, movimentos e
organizações.

No marxismo clássico, a “classe trabalhadora” era considerada o ator
coletivo detentor de /o poder de derrubar o capitalismo/. Existe um
cenário plausível no qual possamos construir as forças sociais
necessárias para elaborar a estratégia de erosão do capitalismo? O
último capítulo desse oportuno livro aborda esse problema.

Uma visão estratégica de erosão do capitalismo passa por como criar
atores coletivos com coerência e capacidade de luta suficiente para
sustentar esse projeto de desafiar o capitalismo. Para as alternativas
serem tangíveis, é preciso ter /agentes políticos de transformação/,
capazes de fazer as alternativas acontecerem por meio das /estratégias
anticapitalistas/. Onde estão esses atores coletivos para erodir o
capitalismo?

Erik Olin Wright discute a noção de “agência” e três conceitos centrais
na formação dos atores coletivos: /identidades, interesses e valore/s.
Também explora o problema de como nos orientar diante das complexidades
impostas na criação de atores coletivos de maneira a serem efetivos para
a transformação social do mundo nos dias de hoje.

A erosão do capitalismo combina /quatro lógicas estratégicas/. Em cada
uma delas estão envolvidos diferentes tipos de atores coletivos e
coalizões formadas por eles.

/Resistir ao capitalismo/ sempre foi algo central para o movimento
operário e muitos movimentos sociais com mobilizações episódicas sob
forma de protestos e ocupações para bloquear as políticas de
austeridade. /Fugir do capitalismo/, por sua vez, é uma estratégia de
ativismo comunitário, ancorada em economias sociais e solidárias e/ou
uma concepção cooperativa da economia de mercado.

Nem a resistência nem a fuga ao capitalismo envolvem necessariamente
ações dirigidas contra o Estado. No entanto, tanto a domesticação,
quanto o desmonte do capitalismo, buscam mudar as regras do jogo e
exigem ação política para ganhar alguma dose de poder no interior de
estruturas estatais.

/Domesticar o capitalismo/ neutraliza alguns dos males do sistema,
especialmente aqueles, por exemplo, possíveis ser resolvidos por meio de
uma rede de seguridade, provida pelo Estado ou patrocinada por empresas
estatais. /Desmontar o capitalismo/, por sua vez, transfere certos
aspectos do direito de propriedade do âmbito privado para a esfera
pública. Tira a oferta de certos bens e serviços do controle da
iniciativa privada.

Leia também:  A derrota das esquerdas e 2022, por Aldo Fornazieri
 <https://jornalggn.com.br/artigos/a-derrota-das-esquerdas-e-2022-por-aldo-fornazieri/>

A /lógica essencial da erosão do capitalismo/ é, então, tais mudanças
nas regras do jogo vindas /de cima para baixo/ podem expandir os espaços
para construções alternativas às relações econômicas capitalistas /de
baixo para cima/. De tal forma, ao longo do tempo, poderemos /fragilizar
o domínio do capitalismo/.

Um dos atrativos desse tipo de confluência de estratégias é justamente
ela permitir existirem lugares legítimos para /diferentes tipos de
ativismo/. De formas diferentes, todos fazem oposição à dominação
capitalista.

As estratégias para erodir o capitalismo diz respeito à criação de
atores coletivos capazes de agir politicamente para desafiar e mudar as
regras do jogo do capitalismo rumo a uma direção progressista. Esse tem
sido o trabalho de partidos políticos, mas não só.

Outros tipos de organizações e associações podem ter um papel relevante
na construção de ações políticas diretas em prol de mudanças sociais
progressistas: organizações de lobistas, grupos de interesses,
sindicatos, associações comunitárias, movimentos sociais, etc.

Esses diversos tipos de atores coletivos, ligados à sociedade civil,
para mudar as regras ditadas pelo Estado, precisam estar /conectados, de
alguma maneira, com partidos políticos/ capazes de agir por dentro do
próprio Estado. A /estratégia de erosão do capitalismo/ depende da
existência de uma rede de atores coletivos ancorados na sociedade civil
e de partidos políticos comprometidos com esse projeto político.

A questão é, então, como pensar a respeito da /interconexão /dos
diferentes tipos de atores coletivos capazes de agir politicamente. A
possibilidade de estratégia depende de entendermos as pessoas ativistas
como /agentes conscientes/.

A ideia de /agência/ aplica-se tanto a indivíduos como, de forma mais
complexa, a coletividades. A mudança da reflexão individual para uma
ação coletiva deve ser cuidadosa. Uma “classe” não é um simples agente.
Atores coletivos possuem bases sociais, mas as bases não são os próprios
“atores”, mas sim suas lideranças e militantes.

Quando Erik se refere à agência de um /ator coletivo/, está se referindo
a vários tipos de organizações e associações nas quais as pessoas se
reúnem para cooperar em favor de um objetivo comum. Podem estar ligadas
a uma organização, como em sindicatos ou partidos. Essa ideia de /ator
coletivo/ pode se aplicar também a formas mais efêmeras de cooperação,
como coalizões ou alianças, ou até mesmo a movimentos sociais.

Leia também:  O discurso niilista do presidente do Supremo Tribunal
Federal, por Maria Eduarda Freire
 <https://jornalggn.com.br/artigos/o-discurso-niilista-do-presidente-do-supremo-tribunal-federal-por-maria-eduarda-freire/>

As pessoas, constituindo essas organizações, associações e coalizões,
são os verdadeiros /agentes/. Ao terem se reunido para coordenar suas
ações de forma organizada significa as ações passarem a possuir um
caráter não mais individual, mas coletivo, isto é, político.

Embora sempre tenhamos /identidades, interesses e valores/,
compartilhados com outras pessoas, eles nem sempre adquirem formas
coerentes de organização coletiva. Quais aspectos da /identidade/ de uma
pessoa podem ser traduzidos em /solidariedade/ e quais /interesses e
valores/ conseguem angariar a sua atenção depende muito da presença de
/coletividades preexistentes/. Elas procuram mobilizar identidades em
busca de seus interesses e valores.

As /identidades/ são críticas para a formação de atores coletivos, mas
tais atores exercem um papel ativo fortalecendo alguns destaques
específicos de identidades particulares. As lutas sociais vivem em
competição, buscando consolidar bases para mobilizar os mesmos grupos de
pessoas: /classe, nacionalidade ou religião/ são alguns exemplos disso.

A maioria das pessoas, infelizmente, acaba vivendo suas vidas
individuais sem se engajar em qualquer ação coletiva organizada mais
significativa, seja ela política, ou cívica. Qualquer projeto político
para erodir o capitalismo deve enfrentar três grandes desafios para
construirmos atores coletivos capazes de manter uma ação política
sustentável ao longo do tempo: 1. sobrepor-se às /vidas particulares/
dos sujeitos; 2. construir uma /solidariedade de classe/ dentro de
estruturas de classe fragmentadas e complexas; e 3. forjar uma /política
anticapitalista/ com a participação de /diversas formas de identidade,/
inclusive “pautas identitárias” sem serem baseadas na ideia de luta de
classe.

A maioria das pessoas, geralmente, vive suas vidas em redes de
sociabilidade ligadas à família, ao trabalho e à comunidade, lidando com
/problemas práticos da vida cotidiana/, sem ser mobilizada a dar apoio
para nenhum ator coletivo politicamente orientado. Os jovens, em geral
menos estafados por não ter uma família e crianças para cuidar, injetam
energia em movimentos, protestos e mobilizações políticas.

Dificuldades como a carência de tempo e energia, para indivíduos
cuidadosos com suas vidas familiares, o consumismo visto como o alcance
da felicidade e o individualismo competitivo, foram mitigadas por vários
tipos de associações cívicas, como sindicatos e igrejas. Elas buscam
integrar-se à vida das pessoas.

Leia também:  Relatos do Apagão no Amapá, por Marcos Vinicius de Freitas
Reis
 <https://jornalggn.com.br/artigos/relatos-do-apagao-no-amapa-por-marcos-vinicius-de-freitas-reis/>

Os sindicatos relacionam a política e a vida cotidiana da classe
trabalhadora através de partidos políticos progressistas e críticos ao
capitalismo. As igrejas têm, em geral, viés conservador no âmbito
político. Conectam as identidades religiosas com os interesses
pecuniários de seus pastores. As igrejas evangélicas, infelizmente,
superam o clima apolítico das vidas particulares ao ligar a identidade
religiosa com políticas de direita.

A noção de /classe/ é central para uma configuração estratégica, visando
a erosão do capitalismo. Significa sabotar a sua dominação ao longo do
tempo e por dentro do próprio ecossistema econômico. Em paralelo,
significa reduzir o poder dos capitalistas.

Um dos marcos da política mais progressista recente foi a importância
dada a /identidades/, amparadas nas experiências de dominação,
desigualdade e exclusão para além da classe. Os exemplos atuais mais
familiares incluem /raça, etnia, gênero e sexualidade/. Têm tido
recentemente mais destaque político como atores coletivos
anticapitalistas, se comparados aos de caráter classista, mas
compartilham valores emancipatórios comuns. Contrapõem-se às identidades
baseadas no /racismo/ e no /nacionalismo xenófobo/.

Por partidos da classe trabalhadora não conseguirem combater a ideia
neoliberal de os mercados serem livres para a iniciativa privada, a
desilusão quanto à capacidade desses partidos proteger o mercado de
trabalho interno e melhorar as vidas da maioria da classe trabalhadora
criou um vácuo político. Foi ocupado pelo /populismo de direita/. É
necessário, em contrapartida, um projeto de crescimento nacional com
políticas públicas dirigidas para o bem-estar social. Isto é
desenvolvimento socioeconômico.

[1] <#_ftnref1> Professor Titular do IE-UNICAMP. Autor de “/Golpe
Econômico: Locaute ou Nocaute da Economia Brasileira/” (2020). Baixe em
“Obras (Quase) Completas”: http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/
<https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/>
E-mail: fernandonogueiracosta@gmail.com
<mailto:fernandonogueiracosta@gmail.com>.

In
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/artigos/atores-coletivos-para-erosao-do-capitalismo-por-fernando-nogueira/
5/12/2020

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