quinta-feira, 15 de novembro de 2012

14 novembro: A primeira greve internacional do século XXI


Se qualquer convocatória de greve geral merece uma atenção especial pela sua
transcendência e impacto político, a que se realiza este dia 14 de Novembro,
ainda mais: trata-se da primeira greve internacional do século XXI. Por Nacho
Álvarez, Público.es
A Europa vive nesta quarta-feira uma Jornada Europeia de Ação e Solidariedade
pelo emprego e contra as medidas de austeridade, que inclui protestos e
manifestações em vários países assim como uma convocatória de greve geral em
Espanha, Portugal, Itália e Grécia. Além disso, à convocatória uniram-se
diversos coletivos e movimentos sociais, contribuindo com isso para que a greve
transcenda o âmbito estritamente laboral.
Os cidadãos europeus, especialmente os dos países periféricos, experimentaram um
significativo retrocesso das suas condições de vida desde que começou a crise.
Os trabalhadores gregos viram como os seus salários e pensões sofreram cortes
entre 30% e 40%, como foram suprimidos 15% dos empregos públicos, como se
atrasou em 4 anos a idade da aposentação e como se fecharam centenas de escolas
e hospitais. Em Portugal, suprimiram-se os subsídios de Natal e de férias de
empregados públicos e pensionistas, e uma reforma laboral reduziu as
indemnizações por despedimento, as férias, os subsídios de desemprego e a
remuneração das horas extraordinárias. O governo italiano passou o IVA de 21%
para 23%, elevou a idade da aposentação até aos 66 anos e congelou as pensões,
ao mesmo tempo em que procedeu à privatização de numerosas entidades públicas.
Em Espanha, conhecemos de sobra as receitas exigidas pela Troika: os cortes
salariais e os despedimentos afetaram de forma generalizada os trabalhadores,
tanto no sector público como no privado, atrasou-se a idade da aposentação e
alargou-se o período de cômputo para o seu cálculo, a reforma do mercado de
trabalho facilitou e embarateceu o despedimento, enquanto se quebrava a
negociação coletiva, os cortes na saúde e no ensino foram generalizados e
massivos (eliminação de direitos de assistência, encerramento de serviços e
unidades, aumento das taxas universitárias, despedimentos de pessoal, etc.).
Estas políticas, implementadas sob pressão de Bruxelas e em nome da recuperação
económica, não fizeram mais do que aprofundar a crise, empobrecer milhões de
cidadãos em toda a Europa e incrementar as desigualdades sociais. Além disso,
estas medidas foram adotadas de forma fraudulenta, dado que não estavam
contempladas nos programas eleitorais dos governos que as impuseram.
Com tudo isto, nos diversos países da periferia europeia consuma-se uma fraude
similar: uma crise de origem bancária, vinculada à sobredimensão dos balanços
destas instituições e/ou o endividamento externo, pode ser transferida pelas
elites económicas para o sector público, de forma que seja sufragada pelo
conjunto da cidadania e, particularmente, pelas classes trabalhadoras. Os
resgates vinculados ao Fundo Europeu de Estabilidade Financeira, incluindo o
resgate de 100.000 milhões de euros solicitado em junho pelo governo espanhol à
UE para recapitalizar a banca, permitem – de forma mais ou menos direta – ir
saldando as dívidas com os credores privados e os investidores estrangeiros a
troco de que o país “resgatado” contraia uma nova dívida com a UE, que passa a
ser paga com os cortes sociais e os impostos dos cidadãos.
A socialização dos prejuízos bancários, uma estrutura fiscal regressiva e
caraterizada pela desfiscalização das rendas do capital, e a negativa do BCE de
comprar a dívida dos países em apuros determinaram que as economias periféricas
aumentassem durante a crise a sua dívida pública. Assim, ainda que o défice
primário (aquele que exclui o pagamento de juros sobre a dívida) de Portugal,
Espanha, Grécia e Itália situa-se atualmente, segundo dados do Eurostat, em
-1,6% do PIB, estas economias veem-se forçadas a fazer dramáticos cortes sociais
para continuar a pagar os avultados juros da dívida pública. Só em Espanha os
juros desta dívida ascendem a 114.000 milhões de euros durante o período de 2008
a 2012 (equivalente a 12% do PIB).
Face a semelhante fraude global, as organizações sindicais europeias convocaram
a primeira greve geral do século XXI. Dado que a agressão aos direitos laborais,
sociais e democráticos é continental, também a resposta tem que o ser, no que
constitui um importante passo na história sindical europeia.
Por tudo isto, seremos milhões de trabalhadoras e trabalhadores, os cidadãos,
que – de Lisboa até Atenas, passando por Madrid e Roma – não daremos aulas, não
daremos consulta, não iremos aos escritórios, nem acenderemos as fundições, não
tiraremos as escovas dos armários, não ligaremos os computadores, não abriremos
as nossas lojas, nem atenderemos os telefones dos centros de atendimento a
clientes, não estaremos ao comando do metro, comboio ou autocarro, nem
consumiremos. Definitivamente, as pessoas que fazem com que a nossa sociedade se
ponha em andamento em cada manhã não o farão nesta ocasião. Porque parar amanhã
significa criar condições para que uma alternativa política seja possível depois
de amanhã. O nosso futuro e o dos nossos depende disto.
Publicado no Público.es
Nacho Álvarez é Professor de Economia Aplicada na Universidade de Valadolid.
Membro do coletivo EconoNuestra.
Tradução: António José André.
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IN: Esquerda.net
http://www.esquerda.net/artigo/14-novembro-primeira-greve-internacional-do-século-xxi/25447
14/11/2012

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