segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Neoliberalismo e condição nacional

 
     

    *Prabhat Patnaik [*]

    O nacionalismo anti-colonialista que enformava a luta pela
    libertação dos países do terceiro mundo era, como é bem sabido, de
    um género inteiramente diferente do nacionalismo burguês que havia
    emergido na Europa durante o século XVII. Há uma tendência no
    ocidente, até mesmo entre progressistas, a tratar todo
    “nacionalismo” como uma categoria homogénea e reaccionária. Eles
    tratam até mesmo o nacionalismo anti-colonial como se não fosse
    diferente do nacionalismo burguês europeu, apesar das várias
    diferenças cruciais entre os dois.

    Pelo menos três destas diferenças são importantes. Primeiro, o
    nacionalismo europeu foi imperialista desde o princípio; segundo,
    ele nunca foi inclusivo pois sempre identificou um “inimigo interno”
    e terceiro, ele idolatrava a “nação”, colocando-a acima do povo,
    como uma entidade à qual o povo devia sacrifícios mas de que nada
    tinha a esperar em retorno. O nacionalismo anti-colonial, em
    contraste, não estava empenhado na aquisição de um império, era
    inclusivo e via a raison d'etre da nação na melhoria das condições
    de vida do povo. Uma vez que a luta anti-colonial era uma luta
    policlassista, incorporando os trabalhadores e camponeses, além da
    burguesia nacional, o carimbo de nacionalismo burguês da variedade
    europeia nunca poderia ser permissível.

    Uma vez que o campesinato era a classe numericamente mais
    significativa e arcava com o peso principal da opressão colonial,
    alguns autores chamaram-no de “nacionalismo camponês”. Mas a questão
    é que se este nacionalismo deve ser promovido e se a "nação" deve
    sobreviver como entidade contra a investida do imperialismo, que não
    termina com a concessão da independência política, então isto só
    pode ser conseguido com o apoio activo do campesinato. Segue-se que
    qualquer estratégia de desenvolvimento que seja opressiva para o
    campesinato é contrária ao projecto de construção da nação; conduz a
    uma fractura da nação face ao imperialismo.

    Isto descarta de imediato uma estratégia de desenvolvimento
    capitalista para países do terceiro mundo recém-libertados dos
    grilhões do imperialismo, uma vez que uma característica do
    capitalismo é a sua tendência imanente passar dos limites e minar o
    sector da pequena produção, incluindo a agricultura camponesa. Isto
    era um ponto reconhecido pelos movimentos anti-coloniais de
    libertação. Mesmo quando tais movimentos não era conduzidos por
    comunistas, eles perseguiam uma estratégia de desenvolvimento que,
    enquanto permitiam aos capitalistas que operassem, queria
    controlá-los, uma estratégia que nós caracterizamos como a
    estratégia dirigista.

    No interior da estratégia dirigista havia uma tendência para a
    diferenciação camponesa dentro da agricultura e, portanto, para um
    desenvolvimento do capitalismo a partir do próprio sector, combinado
    também com o capitalismo latifundiário, uma vez que o processo de
    redistribuição de terras nunca foi exaustivo. Mas nunca se permitiu
    que forças capitalistas de fora se intrometessem neste sector. A
    agricultura camponesa foi mantida isolada da burguesia monopolista
    interna, e muito menos do agrobusiness estrangeiro.

    Com a introdução de um regime neoliberal, este isolamento
    desapareceu. Pelo contrário, o próprio objectivo do neoliberalismo é
    desencadear o desenvolvimento irrestrito do capitalismo, ao invés de
    ter um capitalismo tolhido por controles de um Estado que procure
    proteger a agricultura camponesa dos "capitalistas externos". O
    neoliberalismo, portanto, mina necessariamente a agricultura camponesa.

    O ataque à agricultura camponesa na Índia verifica-se através de
    vários canais. Em primeiro lugar, as flutuações de preços,
    especialmente as quedas drásticas, haviam sido evitadas sob o regime
    dirigista, através da intervenção no mercado por agências
    governamentais tanto para a alimentação como para as culturas de
    rendimento /(cash crops)/. Embora nenhum governo anterior, antes do
    actual, tivesse retirado a protecção das culturas alimentares, a
    protecção oferecida às culturas de rendimento sob o regime dirigista
    foram retiradas, tendo todas as agências governamentais relevantes
    sido privadas da sua função de comercialização. Isto significava
    que, em anos de esmagamento de preços, os camponeses endividavam-se
    e depois nunca mais conseguiam efectuar o reembolso.

    Em segundo lugar, os preços de toda uma série de factores de
    produção aumentaram durante o período do neoliberalismo, mesmo
    quando os preços de venda, pelo menos no caso das culturas de
    rendimento, eram determinados no mercado mundial. Em particular, o
    custo do crédito para os camponeses aumentou na margem com a
    privatização dos bancos (com os bancos privados autorizados a operar
    a par dos nacionalizados). Embora os bancos privados também sejam
    obrigados a seguir regras relativas a uma certa proporção mínima de
    crédito destinado ao "sector prioritário" (no qual a agricultura
    ocupa um lugar de destaque), eles desrespeitam impunemente estas
    normas. Mesmo os bancos do sector público, apesar de terem feito
    melhor a este respeito, tiraram partido da progressiva afrouxamento
    da definição de "crédito agrícola", para negar o crédito à
    agricultura camponesa. Os camponeses foram assim empurrados para
    usurários privados que lhes cobravam taxas exorbitantes.

    Em terceiro lugar, os termos de troca foram alterados contra o
    campesinato quando comparamos os preços que eles obtinham pelas suas
    colheitas com os preços que tinham de pagar pela compra dos seus
    inputs e bens de consumo, incluindo serviços como educação e
    cuidados de saúde. Uma razão óbvia para isto é a retirada do governo
    da educação e da saúde, com a privatização destes serviços
    essenciais, uma característica do neoliberalismo, o que os torna
    extremamente dispendiosos para o campesinato.

    Em quarto lugar, enquanto anteriormente o governo se interpunha
    entre capitalistas externos e a agricultura camponesa, sob o
    neoliberalismo esta interposição acaba e os primeiros têm acesso
    directo aos segundos. Empresas multinacionais de sementes e
    pesticidas operam agora em aldeias através dos seus agentes, os
    quais também fornecem crédito. E uma vez que um camponês entra nas
    garras destas empresas, é-lhe impossível escapar. A agricultura por
    contrato faz a sua aparição e os camponeses são curto circuitados
    através de uma variedade de meios.

    O acima dito não é uma lista exaustiva. O resultado de todos estes
    desenvolvimentos é a redução do campesinato a um estado de pesado
    endividamento e privação, do que o suicídio de 400 mil camponeses na
    Índia desde 1995 é um sintoma óbvio. E o actual governo está agora a
    efectuar o ataque à agricultura camponesa com um novo grande passo
    ao retirar o apoio aos preços também às culturas alimentares, contra
    o que milhares de camponeses têm-se manifestado na orla de Delhi
    durante mais de nove meses.

    Estas medidas não são nem acidentais nem específicas da Índia. Elas
    seguem-se das tendências imanentes do capital o qual fora mantido
    controlado durante muitas décadas após a descolonização, mas que
    agora desencadearam-se plenamente sob o neoliberalsmo em detrimento
    da agricultura camponesa.

    Construir uma nação num país do terceiro mundo é uma impossibilidade
    quando o campesinato está a viver uma situação de miséria. Qualquer
    que fosse o apoio que o nacionalismo burguês tenha efectuado na
    Europa, e este apoio em si mesmo foi bastante superficial como
    demonstrou a primeira guerra mundial, foi porque houve alguma
    melhoria nas condições dos trabalhadores por ele trazido. E fez isso
    não devido a qualquer tendência imanente do capitalismo per se, mas
    devido ao alcance imperial do capitalismo europeu.

    Este alcance imperial permitiu que vastas massas de trabalhadores
    europeus emigrassem para as regiões temperadas de colonização
    branca, criando uma relativa tensão nos mercados de trabalho
    europeus de modo a que os sindicatos pudessem tornar-se eficazes na
    imposição de aumentos salariais. A exportação do desemprego para as
    colónias tropicais, através da perpetuação da desindustrialização,
    desempenhou um papel semelhante. E, finalmente, a drenagem do
    excedente destas colónias tropicais permitiu que aumentos salariais
    metropolitanos fossem acomodados sem esmagar margens de lucro.

    Portanto, levar adiante o nacionalismo anti-colonial num país como a
    Índia é impossível sob um regime de capitalismo neoliberal que impõe
    um esmagamento drástico do campesinato. Do mesmo modo, invocar o
    nacionalismo burguês para construir a nação é igualmente impossível,
    uma vez que um tal país não tem possibilidades de adquirir um
    império como a Europa adquiriu. Usar o nacionalismo burguês
    juntamente com "Hindutva" como a base de um projecto de construção
    da nação, para além da sua odiosidade, também é inútil: o
    esmagamento do campesinato imposto pelo neoliberalismo com o qual
    Hindutva está aliado, acabará por triunfar sobre qualquer apelo que
    Hindutva possa reunir, por mais bem sucedido que seja durante um
    breve período de tempo. Mesmo Hitler teve de consolidar o seu apelo
    "nacionalista" através de um renascimento do emprego na economia
    alemã a partir das profundezas da crise dos anos 30.

    Assim, em países como a Índia, o próprio projecto de construção da
    nação exige uma estratégia de desenvolvimento que proteja a
    agricultura camponesa até que ela voluntariamente se auto-transforme
    em colectivos e cooperativas, uma estratégia que deve, em suma,
    conduzir ao socialismo. A prossecução de uma estratégia socialista
    num tal contexto não é apenas uma questão de conveniência; é também
    essencial para a sobrevivência da nação como uma entidade independente.
    29/Agosto/2021

    *[*] Economista, indiano, ver Wikipedia
    <http://en.wikipedia.org/wiki/Prabhat_Patnaik>

    O original encontra-se em
    peoplesdemocracy.in/2021/0829_pd/neo-liberalism-and-nationhood
    <https://peoplesdemocracy.in/2021/0829_pd/neo-liberalism-and-nationhood>
    . Tradução de JF.

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_29ago21_oow.html
29/8/2021

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Como a ideologia liberal criou o humanismo imperialista

 

 

Por

Breno Altman

Os principais países capitalistas se dedicaram, nos últimos 80 anos, a
diluir o conceito de imperialismo, uma ideia central às correntes
revolucionárias na compreensão da luta de classes mundial, para
substituí-lo por um vago discurso democrático capaz de maquiar
interesses geopolíticos de potências bélicas e domesticar a esquerda.


      Um afegão agacha enquanto um grupo de soldados do Exército dos EUA
      passa em Yayeh Kehl, perto de Cabul, no Afeganistão, em 14 de
      novembro de 2002. AMEL EMRIC-POOL / GETTY IMAGES

Nossa segunda edição impressa "Derrubem este muro!" já está disponível.
Adquira a sua revista em nosso plano anual
<https://jacobin.com.br/#Assinar> ou compre ela avulsa.
<https://jacobin.com.br/loja/revista/jacobin-brasil-2-derrubem-este-muro/>

Um dos mais importantes capítulos da tensão entre marxismo e
liberalismo, há várias décadas, desenrola-se ao redor da agenda de
direitos humanos, potencializada após a derrota do nazifascismo. Ao
contrário de ter se constituído em um contrato básico para diferentes
nações e sistemas, o confronto entre socialismo e capitalismo a tornou
uma narrativa em disputa, na qual os comunistas largaram em vantagem,
por seu desempenho no esmagamento do hitlerismo.

As democracias liberais tiveram que recuperar terreno nessa contenda,
sob o risco de uma depreciação cultural e moral que estimulasse a
irrupção de processos revolucionários. O pós-guerra, a partir de 1945,
colocou o campo imperialista, já sob a direção dos Estados Unidos,
diante de um tremendo desafio: como desgastar a enorme legitimidade
adquirida pela União Soviética no combate ao nazismo?

Essa batalha não poderia ser travada no terreno dos avanços sociais.
Tampouco na seara do desenvolvimento econômico, com as incríveis taxas
de crescimento da economia soviética de 1945 a 1960. Na comparação sobre
direitos das mulheres e luta contra o racismo, os Estados Unidos
passariam vergonha.


    Corte ideológico

Aos poucos foi ganhando peso um conceito que salvaria os Estados
imperialistas dessa enrascada perigosa: a ideia de /totalitarismo/,
trabalhada com maior refinamento pela filósofa Hannah Arendt. Na
contraposição à teoria marxista sobre luta de classes e imperialismo, a
famosa pensadora propunha como marca de corte a questão democrática,
cuja referência seria, em termos gerais, o sistema político-jurídico
fundado pelas revoluções burguesas e ampliado após o seu triunfo. A base
dessa abordagem seria a adoção de eleições diretas ou parlamentares,
liberdades políticas, pluralidade partidária, alternância de governo,
separação de poderes e respeito aos direitos individuais.  

Os Estados deveriam ser divididos entre os que respeitavam esse sistema
e os que o violavam, constituindo-se em poderes autoritários, tirânicos
ou totalitários. Por esse critério, por exemplo, Estados Unidos e
Inglaterra estariam ao lado da democracia, enquanto a Alemanha nazista e
a União Soviética estariam de braços dados com o totalitarismo. Hitler e
Stalin seriam, segundo essa leitura, os dois demônios do século XX.

A contradição principal da época, portanto, não seria entre proletariado
e burguesia, entre Estados colonizadores e povos colonizados, entre
imperialismo e socialismo, mas entre democracia e ditadura, entre o
“mundo livre” e os regimes totalitários.


    Legitimidade imperialista

Arendt e seus pares talvez levassem ao pé da letra essa teoria, mas os
operadores políticos dos Estados imperialistas a conduziram para
propósitos mais funcionais. Ditaduras e tiranias que estivessem a
serviço do “mundo livre” deveriam ser acolhidas, desde que comprometidas
a fustigar o totalitarismo sobrevivente, o soviético, ao mesmo tempo em
que as nascentes democracias populares, aliadas a Moscou, deveriam ser
sufocadas até que perecessem.

Esse enfrentamento com o movimento comunista, porém, entre os anos 50 e
70, parecia estar longe de ser vitorioso. O fortalecimento do campo
socialista seguia adiante, com a vitória das revoluções chinesa, cubana
e nicaraguense, o triunfo dos vietnamitas contra os imperialismos
francês e norte-americano e a descolonização da África, entre outros
episódios.

Era tão escancarado o alinhamento da Casa Branca com tiranias corruptas
e antipopulares que a crítica ao socialismo real era percebida como pura
hipocrisia. Para que o axioma proposto por Hannah Arendt passasse a ter
maior eficácia, os Estados Unidos precisavam se livrar, ao menos no
hemisfério ocidental, da imagem vinculada a ditaduras sanguinárias,
particularmente na América Latina.

Por essa razão, na última metade dos anos 70, durante o governo de Jimmy
Carter, a Casa Branca começou a dar peso cada vez maior ao discurso de
direitos humanos, pressionando pelo fim de alguns regimes militares e
adotando políticas que pudessem reforçar a noção de “mundo livre”,
atribuída à economia de mercado e à democracia liberal. Tratava-se de
uma missão complexa, pois convivia com a continuidade da Operação
Condor, a autocracia monárquica da Arábia Saudita e o sustento das
tiranias centro-americanas. Tal discurso, afinal, não carregava a
intenção de eliminar ditaduras, mas o propósito de legitimar a ação
imperialista.

Essas políticas incluíam fundos a universidades e centros de pesquisa,
meios de comunicação e entretenimento, dentro e fora dos Estados Unidos,
para impulsionar abordagem supostamente humanista, dando-lhe maior
musculatura e repertório.  Apesar do endurecimento tático no período
Reagan-Bush, entre 1980 e 1992 – marcado pela corrida armamentista, a
intervenção na Nicarágua, o envolvimento no Afeganistão e a escalada
contra o Irã dos aiatolás, entre outras passagens -, não houve
alterações relevantes na narrativa encorpada por Carter. Na prática, foi
transformada em uma doutrina imperialista, oferecendo justificativas à
violação da autodeterminação dos povos.


    Defesa de minorias?

O retorno dos democratas à Casa Branca, com Bill Clinton (1993-2000),
significou novo impulso a essa embocadura, fortalecida pelo
desaparecimento da União Soviética. Na ordem mundial unipolar que
passaria a vigorar, os Estados Unidos assumiram o papel de tribunal e
polícia contra governos que rejeitassem sua dominação, recorrendo
inapelavelmente ao argumento de reação a distintas espécies de
totalitarismos.

As guerras contra a Iugoslávia, a última nação europeia sob governo
comunista, nos anos 90, foram emblemáticas dessa lógica. A pretexto da
defesa de minorias nacionais, Clinton ordenou à Organização do Tratado
do Atlântico Norte (OTAN), com a tradicional subserviência dos demais
Estados imperialistas, que fizesse desaparecer do mapa o último Estado
do velho continente que resistia, de algum modo, à restauração
capitalista e à incorporação no ordenamento hegemônico.

O caso iugoslavo é interessante porque demonstra que a doutrina
imperialista dos direitos humanos se abria para outros temas além das
liberdades formais, sobretudo a defesa de /nacionalidades oprimidas/,
sempre que isso fosse conveniente para os interesses norte-americanos.
Esse discurso, por exemplo, valia para os muçulmanos da Bósnia, mas
Israel jamais foi ameaçado por uma tempestade de bombas que fizesse o
sionismo recuar dos territórios palestinos ocupados desde 1967.  

Outra novidade trazida pela cena pós-soviética, no roteiro imperialista,
foi a disseminação de análises vinculadas ao /choque de civilizações/,
como enunciado na célebre obra de Samuel P. Huntington. Para esse autor
norte-americano, um conhecido conselheiro do regime de apartheid na
África do Sul, o confronto ideológico entre capitalismo e socialismo
fora substituído pelo conflito cultural entre o Ocidente capitalista e
democrático contra civilizações atrasadas, reconfigurando o pensamento
colonial do século XIX e disparando uma ampla agressão contra Estados
muçulmanos que resistiam à tutela do oeste imperial.


    Neoliberalismo progressista

Com o colapso da URSS e o recuo do marxismo em escala planetária, essa
doutrina imperialista dos direitos humanos começou a ganhar influência
até mesmo em setores de esquerda. Na medida em que o capitalismo se
tornara invencível, afinal, o objetivo de sua superação deveria ser
trocado pela busca de uma regulação mais inclusiva, ainda que nos termos
propostos pelos cardeais do “mundo livre”.

A esquerda tinha longa e arraigada tradição na defesa dos direitos
humanos, em todos os seus aspectos, das liberdades formais à luta contra
o racismo e pela igualdade de gênero, dos instrumentos democráticos às
reivindicações sociais e econômicas. A compreensão predominante, porém,
era que a realização desses direitos, em sua plenitude, seria dependente
da derrota do imperialismo em escala mundial e da superação do capitalismo.

Não apenas esses direitos seriam limitados e condicionados, nas
sociedades capitalistas, como sua aplicação em Estados socialistas
poderia ser fortemente pressionada por sabotagens, sanções, bloqueios e
ações militares promovidos pelas potências imperialistas. Esse cenário
dava centralidade, portanto, ao combate contra o sistema comandado pela
Casa Branca, em uma orientação que deveria determinar todos os passos
dos movimentos revolucionários, incluindo as alianças com Estados e
partidos não-socialistas, mas objetivamente anti-imperialistas.

A troca da revolução pela inclusão modificou radicalmente esta percepção
entre forças progressistas, uma vez que substituía a lógica
anticapitalista por melhorias nos marcos ditados pelo pensamento
liberal, ainda que questionando constrangimentos, incongruências e
contradições.

<https://caixadeferramentas.org/>

Um momento emblemático foi o apoio ativo do primeiro-ministro italiano
Mássimo D’Alema, antigo dirigente do Partido Comunista Italiano (PCI),
aos bombardeios contra Belgrado, em 1999, com os aviões da OTAN
decolando da base aérea de Aviano. Seu argumento principal era de tirar
lágrimas dos olhos mais secos, tamanha a solidariedade com os albaneses
do Kosovo, ao lado de Clinton e Tony Blair, acusando o presidente
iugoslavo, Slobodan Milosevic, de promover uma “limpeza étnica”.

O /humanismo/ passou a ser ancoradouro para os que desacreditavam do
marxismo e do socialismo. Na prática, conduziu antigos agrupamentos,
lideranças e intelectuais marxistas à hegemonia cultural do liberalismo,
da democracia ocidental e capitalista, ainda que lhes permitindo
funcionar, em certos momentos, como agentes críticos.

Associada a relevantes lutas sociais desde os anos 60, essa
possibilidade de influência sobre antigos setores de esquerda e camadas
médias mais ilustradas conduziu à agregação de uma terceira onda
temática na cartilha imperialista, depois da democracia
político-jurídica e da proteção às nacionalidades oprimidas. O novo
ciclo, aberto com Clinton, mas atingindo seu auge com Barack Obama,
absorveu narrativas do feminismo, da luta antirracista e do combate à
homofobia.

Esse adendo discursivo-programático, baseado em representatividade e
empoderamento, está muito longe de apresentar as chagas a que se refere
como fenômenos estruturais do capitalismo, especialmente nas nações
periféricas e de história colonial. Diversifica, no entanto, as
ferramentas de legitimação do imperialismo e neutralização de
contingentes que poderiam integrar alguma forma de oposição efetiva. A
filósofa norte-americana Nancy Fraser cunhou o termo “neoliberalismo
progressista” para retratar essa transmutação da hegemonia burguesa.


    Materialismo ou pós-modernidade?

O caso do Afeganistão é bastante sintomático sobre como funciona o
humanismo imperialista. Ainda que a ocupação do país pelas tropas
norte-americanas, em 2001, seja explicada pelo atentado da al-Qaeda ao
World Trade Center, em setembro daquele ano, a propaganda anterior e
posterior à invasão revela o mecanismo cultural e moral acionado pela
Casa Branca. O fundamentalismo islâmico, outrora aliado no combate à
União Soviética e aos comunistas afegãos, passava a ser apresentado,
particularmente na versão praticada pelo Talibã, como uma monstruosidade
anticivilizatória, com destaque à brutalização contra mulheres. As
tropas mandadas por Washington, para os mais incautos, teriam um papel
libertador. Na pior das hipóteses, não fazia sentido atuar decididamente
contra essa invasão ocidental se a alternativa seria um governo
misógino, medieval e cruel.

A discussão sobre imperialismo quase desaparece, ao menos perde toda
centralidade nesse enfoque, para ser substituída por um debate moral
entre a selvageria do Talibã, mesmo que concretamente confrontado com o
imperialismo, e a civilização democrática-ocidental, ainda que
representada pelos atropelos militares da maior potência capitalista.

A mudança de agenda para o terreno dos direitos humanos, ainda que não
absolvesse os Estados Unidos, condenava pesadamente seus inimigos nessa
nação da Ásia Central. Como um empate, na batalha das ideias, é melhor
que uma derrota, a Casa Branca pôde passar vinte anos satisfatoriamente
tranquilos sobre a questão afegã, com uma resistência internacional de
baixa intensidade.

Claro que o barbarismo do Talibã merece todas as condenações, mas fica
desfalcada a análise sobre o conjunto da obra. Deve ser essa a pedra
angular pela qual se pode interpretar, de um ponto de vista
progressista, a situação no Afeganistão, como propõem os Estados Unidos
e seus áulicos?

Para começo de conversa, a invasão norte-americana, com a morte de 60
mil civis, e o estabelecimento de um governo títere representaram alguma
conquista importante para o povo e as mulheres do Afeganistão? Ou apenas
mais destruição e opressão, por conta de interesses da superpotência e
das corporações beneficiadas por lucrativos contratos? Não foi
exatamente a ação imperialista que legitimou o Talibã, apesar de todos
os crimes cometidos entre 1996 e 2001, como a principal organização da
guerra de libertação nacional, sustentada por amplos setores da
população, incluindo os que sofreram sob o regime dos mulás?

O fato é que a doutrina liberal dos direitos humanos, comprada por vozes
de esquerda nessas décadas de defensiva ideológica, tirou de perspectiva
a revogação do sistema imperialista, para oferecer uma mensuração por
sintomas de sofrimento. A misoginia do fundamentalismo islâmico, por
exemplo, de inegável crueldade, cancelaria o papel anti-imperialista que
poderia exercer o Talibã, porque o mal para as mulheres que essa
organização provocaria seria igual ou mais grave que os danos impostos
pela ocupação norte-americana.

O potencial emocional desse tipo de narrativa, em uma época na qual a
materialidade marxista se vê desafiada pela metafísica pós-moderna,
revela-se uma arma inestimável para os Estados Unidos controlarem, ao
menos parcialmente, focos de ira no Ocidente contra suas ações, ao
contrário do que ocorreu no passado, como na Guerra do Vietnã.

Claro que a opção marxista não pode significar renúncia à luta pelos
direitos humanos como programa dos povos. Ao contrário, a intensificação
desse combate ajuda a criar uma consciência emancipatória mais radical e
ampliada. Essa plataforma, no entanto, somente tem eficácia e
viabilidade se subordinada a uma concepção que estabeleça, como objetivo
estratégico, a supressão do neocolonialismo imposto pelos Estados
imperialistas e da ordem internacional que representam. Todos os
movimentos e Estados dispostos a romper com o imperialismo ou
combatê-lo, portanto, devem ser apoiados nesse âmbito de sua conduta,
ainda que mereçam a mais férrea oposição interna quando se tratem de
poderes dispostos a oprimir seu próprio povo.


    Consenso bolchevique

Muito instigante, a esse respeito, uma antiga entrevista de Leon
Trotsky, concedida a Mateo Fosa, em setembro de 1938:

    “Existe atualmente no Brasil um regime semifascista [Estado Novo,
    sob comando de Getúlio Vargas] que qualquer revolucionário só pode
    encarar com ódio. Suponhamos, entretanto, que a Inglaterra entre em
    conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você: de que lado do
    conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso eu
    estaria do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Inglaterra
    ‘democrática’. Por quê? Porque o conflito entre os dois países não
    será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra
    triunfasse, ela colocaria um outro fascista no lugar e fortaleceria
    o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil
    triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e
    democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas. A
    derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe
    para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento
    revolucionário do proletariado inglês.”

Nesse cenário hipotético, o revolucionário russo retoma a tradição
marxista, sem se deixar levar pela justa fúria contra a tirania e
compreendendo qual a contradição principal diante do ataque imperialista
a uma nação periférica. Sua posição não significava conciliação com o
governo Vargas durante o Estado Novo, mas uma análise arguta de como a
luta contra o imperialismo é a peça que move o jogo.

Ironicamente, a posição de Trotsky guarda similitude com a de seu
arquirrival no Partido Bolchevique, Josef Stalin, exposta em seu livro
“Sobre os fundamentos do leninismo”, originalmente publicado em 1924:  

    “Nas condições de opressão imperialista, o caráter revolucionário do
    movimento nacional de modo algum implica necessariamente na
    existência de elementos proletários no movimento, na existência de
    um programa revolucionário ou republicano do movimento, na
    existência de uma base democrática do movimento. A luta do emir do
    Afeganistão pela independência de seu país é, objetivamente, uma
    luta revolucionária, apesar das ideias monárquicas do emir e dos
    seus adeptos, porque essa luta enfraquece, decompõe e mina o
    imperialismo.”

Essa coincidência entre pensadores tão opostos revela como era
pacificada, no marxismo, a teoria da luta de classes e do imperialismo,
subordinando todos os demais aspectos e batalhas dos trabalhadores por
sua emancipação. Mais ainda, nos mostra como era intenso o esforço para
tratar os assuntos da realidade a partir de uma racionalidade
materialista e dialética, sem se deixar levar pelos fortes sentimentos
que emergem das barbáries cometidas nos processos históricos.  

A doutrina liberal dos direitos humanos, um instrumento da dominação
imperialista, se presta exatamente a derrogar os alicerces do pensamento
marxista, por uma série de mecanismos que pasteurizem a lógica
revolucionária, limitando-a a um caleidoscópio de empatias fragmentadas
e aprisionando seu potencial nas fronteiras do velho sistema,
desnutrindo qualquer ameaça à ordem estabelecida pelos senhores do
capital e da guerra.


      Sobre os autores


Breno Altman <https://jacobin.com.br/author/brenoaltman/>

é jornalista e fundador do site Opera Mundi.
<https://jacobinbrasil.com.br/loja/planos/plano-jacobino/>

In
JACOBIN BRASIL
https://jacobin.com.br/2021/08/como-a-ideologia-liberal-criou-o-humanismo-imperialista/
24/8/2021

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Sete mentiras a propósito do Afeganistão

 
 

Thierry Meyssan

Cobrindo a queda de Cabul, os média ocidentais repetem sem reflectir
sete mentiras da propaganda ocidental. Ao enganarem-se sobre a história
do Afeganistão, mascaram os crimes cometidos neste país e tornam
impossível prever o destino que Washington lhe apontou. E se, afinal. os
Talibã não fossem os piores…


Os Presidentes francês, Emmanuel Macron, e norte-americano, Joe Biden,
dirigiram-se solenemente aos seu povos a propósito da tomada de Cabul
pelos Talibã, em 15 de Agosto de 2021.


    1 — A Guerra do Afeganistão não é uma resposta ao 11-de-Setembro,
    ela havia sido planificada antes dos atentados

Segundo estes dois responsáveis políticos, a invasão do Afeganistão
pelos Estados Unidos em 2001 teria tido por único objecto « perseguir os
que nos atacaram em 11 de Setembro de 2001 e fazer de modo a que a
Alcaida não possa servir-se do Afeganistão como base para perpetrar
novos ataques » [1 <#nb1>].

*Naiz Naik foi assassinado no seu domicilio em 2009. *

Joseph Goebbels, o Ministro da Propaganda do III Reich, teria dito que «
uma mentira repetida dez vezes continua a ser uma mentira; repetida dez
mil vezes, torna-se a verdade ». Mas os factos persistem e quer agrade
ou não ao Srs Macron e Biden, a guerra de 2001 foi decidida a meio de
Julho de 2001, aquando do fracasso das negociações de Berlim entre por
um lado, os Estados Unidos e o Reino Unido, e de outro não o Governo
afegão, mas os Talibã. O Paquistão e a Rússia assistiram a essas
conversações secretas como observadores. A delegação talibã entrara na
Alemanha em violação da proibição de deslocação imposta, a seu respeito,
pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. Após o fracasso dessas
negociações, o Ministro paquistanês dos Negócios Estrangeiros (Relações
Exteriores-br), Naiz Naik, regressando ao seu país, soou o alarme. O
Paquistão buscou então novos aliados. Propôs à China abrir-lhe uma porta
para o Oceano Índico (o que vemos hoje com a «Rota da Seda»). Os Estados
Unidos e o Reino Unido começaram a colocar as suas tropas na zona :
40.000 homens no Egipto e a quase toda a frota britânica no mar de Omã.
Só depois de completado este dispositivo é que os atentados do 11-de-
Setembro tiveram lugar.


    2 — A Alcaida não é uma ameaça para os Anglo-Saxões, mas um instrumento

Segundo o Presidente Biden : « A nossa missão de reduzir a ameaça
terrorista da Alcaida no Afeganistão e de matar Osama bin Laden foi um a
sucesso ».

*Alexandre de Marenches havia idealizado a forma de forçar a URSS a
atolar-se no Afeganistão. *

Ora, foi o Director dos Serviços Secretos do exterior da França,
Alexandres de Marenches, quem propôs ao seu homologo dos EUA, no quadro
do Cercle Pinay [2 <#nb2>], provocar uma intervenção soviética no
Afeganistão a fim de aí os armadilhar [3 <#nb3>]. O Conselheiro de
Segurança Nacional do Presidente Carter, Zbigniew Brzeziński, foi a
Beirute buscar o multimilionário anti-comunista Osama Bin Laden e
pediu-lhe para tomar a chefia de mercenários árabes a fim de lançar uma
campanha terrorista contra o governo comunista afegão [4 <#nb4>]. Bin
Laden estava em Beirute para se encontrar com o antigo Presidente
libanês Camille Chamoun, membro da Liga anti-comunista mundial [5
<#nb5>]. Washington escolhera Bin Laden por duas razões : Primeiro, era
um membro de uma sociedade secreta, a Confraria dos Irmãos Muçulmanos, o
que lhe permitia recrutar combatentes ; segundo, ele era um dos
herdeiros da maior sociedade de construção civil do mundo árabe. Como
tal, dispunha de homens e do conhecimento necessário para transformar os
rios subterrâneos do Hindu Kush em vias de comunicação militar.

*O The Independent (Londres) celebra Osama bin Laden. Ao mesmo tempo a
Heritage Foundation (Washington), o “think- tank” do Presidente Reagan,
distribuía tee-shirts com a sua efígie e com o slogan « Ele bate-se
pelos nossas liberdades ». *

Posteriormente, este mesmo Osama bin Laden serviu de conselheiro militar
ao Presidente da Bósnia, Alija Izetbegović, em 1992-94. Os seus
combatentes seguem-no para lá. Trocaram o nome de « Mujahedins » pelo de
«Legião Árabe». O seu acampamento foi visitado por comandos russos, que
lá acabaram feitos prisioneiros. No entanto, antes de serem presos
tiveram tempo de vasculhar a sua sala de comando e de constatar que
todos os documentos militares estavam redigidos em inglês e não em
árabe [6 <#nb6>].

*A Legion árabe de Osama bin Laden desfila na Bósnia-Herzegovina. *

Mais tarde ainda, Osama Bin Laden utilizou os seus combatentes para
operações pontuais. Ele convocava-os escolhendo-os, segundo as suas
necessidades, a partir do seu « ficheiro », em árabe « Alcaida » (القاعدة‎).

É pois indiscutível que Osama bin Laden foi, durante muitos anos, um
agente dos Estados Unidos. No entanto, estes afirmam que ele se teria
voltado contra eles, o que nada, absolutamente nada, atesta. Seja como
for, Osama bin Laden estava gravemente doente. Precisava de cuidados
quotidianos numa sala esterilizada. Ele foi, portanto, tratado no
hospital Americano do Dubai, em Julho de 2001, conforme revelado pelo
/Le Figaro/. [7 <#nb7>]. Esta informação foi desmentida pelo dito
hospital, mas foi-me confirmada pelo Xeque Khalifa ben Zayed Al Nahyane
(o actual Presidente dos Emirados Árabes Unidos), que me garantiu que o
tinha visitado em presença do Chefe da antena local da CIA. Por fim
Osama bin Laden foi tratado no hospital militar de Rawalpindi
(Paquistão) [8 <#nb8>] onde morreu em Dezembro de 2001. As suas exéquias
tiveram lugar no Afeganistão, em presença de dois representantes do MI6
britânico que redigiram um relatório a este propósito.

Contrariando também, e de maneira indiscutível, a teoria da reviravolta
de Osama bin Laden contra os seus empregadores da CIA, o facto de que
até 1999 —ou seja, depois dos atentados que lhe foram atribuídos contra
as Torres Khobar na Arábia Saudita e contra as embaixadas dos Estados
Unidos em Nairobi (Quénia) e de Dar-es-Salaam (Tanzânia)— ele dispor de
um escritório de relações públicas em Londres. Fora a partir deste
escritório que ele lançara o seu /Apelo à Jiade contra os judeus e os
cruzados/.

O facto de durante dez anos, termos ouvido e visto gravações de pessoas
que declaravam ser Osama bin Laden apenas engana aqueles que nisso
querem acreditar: os peritos suíços do Instituto Dalle Molle de
inteligência artificial perceptiva, que há época os grandes bancos
utilizavam nos negócios delicados, foram formais. Estas gravações são
falsidades (aqui incluída a divulgada pelo Pentágono, onde ele
reivindica os atentados do 11 de Setembro) e não correspondem ao
verdadeiro Bin Laden. Se o reconhecimento facial e vocal eram então uma
especialidade, hoje em dia são uma técnica corrente. Podereis vós
próprios verificá-lo com software que se encontra um pouco por todo o lado.

Após a morte de Bin Laden, Ayman al-Zawahiri tornou-se o Emir da
Alcaida. Ele continua a exercer esta função. Este —que havia
supervisionado o assassínio do Presidente egípcio Anouar al-Sadate—
viveu após 2001 vários anos na embaixada dos EUA em Baku (Azerbaijão) [9
<#nb9>]. Ele era, pelo menos neste período, protegido pelos Marines dos
EUA. Ignora-se onde reside actualmente, mas nada permite pensar que não
continue sob protecção norte-americana.


    3 — Os Estados Unidos já não se concentram na « luta anti-terrorista
    », antes financiam e armam o terrorismo

O Presidente Biden explicou longamente durante a sua alocução sobre a
queda de Cabul que os Estados Unidos não estavam lá para construir
Estados, mas unicamente para lutar contra o terrorismo.

Repetem esta expressão de « luta contra o terrorismo » desde há vinte
anos, mas isso não lhe dá mais significado. O terrorismo não é um
adversário de carne e osso. É um método de combate. Todos os exércitos
do mundo podem recorrer a ele em certas circunstâncias. Durante a Guerra
Fria, os dois blocos usaram-no amplamente um contra o outro.

Desde que o Presidente George W. Bush (o filho) declarou a « guerra
contra o terrorismo » (isto é, “a guerra contra a guerra”), o recurso a
essa técnica militar não cessou de aumentar. Os Ocidentais pensam
sobretudo nos atentados em algumas grandes cidades, mas o pior foi
alcançado com a criação de pequenos Estados terroristas no Médio-Oriente
Alargado até ao sinistro « Estado Islâmico do Levante » (Daesh) e hoje
em dia o Emirado Islâmico do Afeganistão .

Os Afegãos, os Iraquianos, os Líbios e os Sírios acreditaram
inicialmente na narrativa norte-americana dos acontecimentos, mas agora
já não têm qualquer ilusão. Após 20 anos de guerra, perceberam que os
Estados Unidos não lhes desejam nada de bom. Washington não combate o
terrorismo, antes cria, financia e arma grupos que praticam o terrorismo.


    4 — Os Talibã não travaram combate a sério, eles tomaram aquilo que
    os Estados Unidos lhes deram

Os Presidentes Macron e Biden fingem surpresa face à « tomada de Cabul »
pelos Talibã. Segundo eles, « os dirigentes políticos afegãos desistiram
e fugiram do país. O Exército afegão colapsou, por vezes sem sequer dar
luta ». Mas como fugiram eles, senão com aviões militares ocidentais? E
o Exército afegão não « buscou por vezes bater-se », é o inverso :
apenas « por vezes » é que ele procurou combater. É preciso notar que as
fronteiras afegãs estavam entre as mais seguras do mundo. Soldados dos
EUA registavam a identidade de todo a gente com meios eletrónicos,
nomeadamente com reconhecimento de íris.

O Exército afegão era composto por 300. 000 homens —quer dizer mais do
que as Forças Armadas francesas— muito bem treinados pelos Estados
Unidos, pela França e por outros. Ele estava super-equipado com material
sofisticado. Toda a sua infantaria dispunha de coletes à prova de bala e
de sistemas de visão nocturna. Tinha uma aviação muito competente. Pelo
contrário, os Talibã não passavam dos 100. 000 homens, isto é três vezes
menos.

Maltrapilhos de sandálias e armados com Kalashnikovs. Não tinham Força
Aérea —agora, de repente, ficaram com uma com pilotos treinados vindos
não se sabe de onde—. Se tivesse havido combates, eles teriam sido
vencidos de certeza.

A mudança de regime tinha sido decidida sob a presidência de Donald
Trump. Ela devia acontecer em 1 de Maio. Mas o Presidente Joe Biden
modificou o calendário para mudar a História. Ele utilizou este
adiamento para instalar bases militares nos países vizinhos e encaminhar
pelo menos 10. 000 mercenários para lá. Mobilizou o Exército turco, que
já está presente no país, mas do qual ninguém fala. Este recrutou pelo
menos já 2. 000 jiadistas presentes em Idleb (Síria) e continua a
mobilizá-los.

*Gulbuddin Hekmatyar recebe a vassalagem de Rached Ghannouchi (actual
Presidente da Assembleia Nacional tunisina) e de Recep Tayyip Erdoğan
(actual Presidente turco). *

Importa lembrar que durante a guerra contra os Soviéticos, o Presidente
turco, Recep Tayyip Erdoğan, era já membro da Confraria dos Irmãos
Muçulmanos e chefe de uma milícia, a Millî Görüş (a mesma que abre hoje
mesquitas na Alemanha e em França). Foi nessa dupla qualidade que ele
veio ajoelhar-se perante Gulbuddin Hekmatyar, o líder afegão dos Irmãos
Muçulmanos e futuro Primeiro-Ministro. Em seguida, este último prestou
vassalagem à Alcaida, o que não o impediu de concorrer à eleição
presidencial afegã de 2019 sob proteção norte-americana.

Os aliados começaram há já vários meses a repatriar os seus cidadãos.
Eles pensavam ter tempo antes de 11 de Setembro ou, no pior dos casos,
antes da meia-noite de 30 de Agosto. Mas Washington decidiu o contrário,
escolhendo 15 de Agosto, a data do feriado nacional indiano. Uma
advertência a Nova Deli, a qual não aprecia que os Pashtuns do
Presidente Ghani sejam substituídos pelos do Emir Akhundzada quando ela
apoia outras etnias.

As cenas de pânico que vimos nos aeroportos de Cabul fazem-nos lembrar
as de Saigão aquando da derrota dos EUA no Vietname (Vietnã-br). São
efectivamente idênticas. Os Afegãos que se agarram às aeronaves não são,
na sua maioria, tradutores das embaixadas ocidentais, mas agentes da «
Operação Ómega » posta em prática sob a presidência Obama. [10 <#nb10>].
São membros da « Khost Protection Force (Força de Proteção Khost- ndT)
(KPF) e da Direção Nacional de Segurança (NDS), auxiliares da
contra-insurgência, tal como os Vietnamitas da « Operação Phoenix ».
Eles estavam encarregados de torturar e de assassinar Afegãos que se
opunham à ocupação estrangeira. Cometeram tantos crimes que face a eles
os Talibã são meninos de coro [11 <#nb11>].

Em breve, o que iremos ver no Afeganistão será uma paisagem totalmente
diferente.


    5 — Os Estados Unidos não perderam o Afeganistão em proveito da
    China, mas forçam sim as empresas chinesas a aceitar a sua protecção

Os Estados Unidos nada perderam no Afeganistão porque não querem aí
instalar qualquer paz. Eles não querem saber do milhão de mortos que lá
provocaram em 20 anos. Eles querem apenas que esta região seja instável,
que nenhum governo possa aí controlar a exploração de recursos naturais.
Eles significam que as empresas, de quaisquer países desenvolvidos que
por lá apareçam, apenas poderão explorá-los aceitando a sua protecção.

É o esquema popularizado por Hollywood do mundo globalizado, protegido
por uma muralha, a partir do qual Forças Especiais vão vigiar no
estrangeiro locais de exploração em regiões selvagens.

*O assistente do Almirante Cebrowski vulgarizou o seu pensamento quanto
à maneira de adaptar às Forças Armadas dos EUA ao capitalismo financeiro. *

Esta estratégia foi elaborada por Donald Rumsfeld, o Secretário da
Defesa de George W. Bush, e pelo Almirante Arthur Cebrowski, o qual
havia já informatizado as Forças Armadas dos EUA. No 11 de Setembro de
2001, tornou-se a maneira de pensar do Estado-Maior dos EUA. Ela foi
vulgarizada pelo adjunto de Cebrowski, Thomas Barnett, com o seu livro
/The Pentagon’s New Map/ (O Novo Mapa do Pentágono-ndT) [12 <#nb12>].

Foi esta mudança de paradigma que o Presidente Bush qualificou de «
Guerra sem fim ». Com essas palavras, ele queria dizer que os Estados
Unidos combateriam eternamente contra o terrorismo, ou melhor, que eles
instrumentalizariam eternamente grupos terroristas para impedir qualquer
organização política dessas regiões.

Sim, as empresas chinesas exploram já minas no Afeganistão, mas agora
terão que pagar um tributo aos Estados Unidos, ou serão alvo de
atentados terroristas. Bem, isto é extorsão, e daí?


    6 — Os Ocidentais não defendem a Luz face às trevas, antes a
    instrumentalizam sem complexos

A primeira-dama dos Estados Unidos, Laura Bush, fez-nos chorar a todos
contando-nos aquela história das meninas massacradas pelos Talibã porque
tinham ousado pintar as unhas de vermelho. Mas a verdade é completamente
diferente.

Quando o Presidente Carter, Zbigniew Brzeziński e Alexandre de Marenches
apoiaram os islamistas afegãos, em 1978, eles combatiam os comunistas
que abriam escolas para as meninas. Porque para eles a luta contra os
aliados da URSS vinha primeiro que os Direitos do Homem. Da mesma forma
hoje, o Presidente Biden e o seu Secretário de Estado, Antony Blinken,
apoiam os Talibã porque, para eles, o controle do acesso às riquezas
naturais do Médio-Oriente Alargado vem antes dos Direitos do Homem. E,
eles fazem a mesma coisa no Iraque, na Líbia e na Síria.

*O General paquistanês Muhammad Zia-ul-Haq, o multimilionário saudita
Osama bin Laden, o médico egípcio Ayman al-Zawahiri, o miliciano turco
Recep Tayyip Erdoğan e o professor de religião tunisino Rached
Ghannouchi são membros da Confraria dos Irmãos Muçulmanos. *

Os Estados Unidos não apoiaram os islamistas apenas nos países em
guerra. Assim, colocaram no Poder no Paquistão o General Muhammad
Zia-ul-Haq, um membro da Confraria dos Irmãos Muçulmanos, para que o seu
país servisse de base de retaguarda segura aos combatentes
anti-soviéticos. Ele derrubou a democracia, enforcou o Presidente
Zulfikar Ali Bhutto e restabeleceu a Sharia. A filha do Presidente
Bhutto, Benazir Bhutto, que foi Primeira-Ministra do Paquistão nos anos
90, veio a ser, por sua vez, assassinada pelos Talibã.

É inútil voltarmos aos crimes da contra-insurgência ocidental, o pânico
dos seus Colaboradores nos aeroportos de Cabul é esclarecedor.

Se o islamismo e o laicismo foram utilizados para manipular os Afegãos e
enganar os Ocidentais, a vida política no Afeganistão não repousa nestes
conceitos, mas primeiro nas divisões étnicas. Há cerca de uma quinzena,
dos quais os mais numerosos, os Pashtuns, estão também amplamente
instalados no Paquistão. Este país continua a ser tribal e não é ainda
uma Nação. Outras etnias são apoiadas por outros países da região porque
elas também estão presentes nos seus territórios.


    7 — A França nem sempre apoiou os crimes dos Estados Unidos no
    Afeghanistão, mas unicamente a partir do Presidente Sarkozy

Segundo o Presidente Emmanuel Macron: « O Presidente Jacques Chirac, já
em Outubro de 2001 decidira a participação da França na acção
internacional, por solidariedade com os nossos amigos e aliados
americanos que acabavam de sofrer um terrível atentado no seu
território. Com um objectivo claro: combater uma ameaça terrorista que
visava directamente o nosso território e o dos nossos aliados a partir
do Afeganistão, que se tornara o santuário do terrorismo islamista » [13
<#nb13>].

Esta é uma maneira descontraída de apagar um conflito característico da
França. Em Outubro de 2001, o Presidente Chirac opôs-se veementemente a
que o Exército francês participasse na ocupação anglo-saxónica do
Afeganistão. Ele só autorizou a intervenção no quadro da Resolução 1386
do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Os soldados franceses foram,
é certo, colocados sob as ordens da OTAN, mas no âmbito da Força
Internacional de Segurança e Assistência (ISAF - FIAS). Eles apenas
participavam na assistência à reconstrução. Não faziam prisioneiros, mas
eventualmente detinham combatentes que remetiam imediatamente ao Governo
afegão. Foi o Presidente Nicolas Sarkozy que mudou este estatuto e
tornou a França cúmplice dos crimes dos Estados Unidos. É por causa
desta mudança que a França exfiltra actualmente membros da « Khost
Protection Force (KPF) » e da Direcção Nacional de Segurança (NDS). E,
ela irá provavelmente pagar o preço por isso.

Thierry Meyssan <https://www.voltairenet.org/auteur29.html?lang=pt>
Tradução
Alva <https://www.voltairenet.org/auteur125500.html?lang=pt>
Versão para imprimir <javascript:window.print()> RSS
<https://www.voltairenet.org/spip.php?page=backend&id_secteur=1110&lang=pt>
Facebook
<https://www.facebook.com/sharer.php?u=https://www.voltairenet.org/article213794.html>
Twitter
<https://twitter.com/?status=https://www.voltairenet.org/article213794.html>
WhatsApp
<https://web.whatsapp.com/send?text=https://www.voltairenet.org/article213794.html>
Viber <viber://forward?text=https://www.voltairenet.org/article213794.html>

[1 <#nh1>] “Remarks by Joe Biden on Afghanistan
<https://www.voltairenet.org/article213744.html>”, by Joseph R. Biden
Jr., /Voltaire Network/, 16 August 2021.

[2 <#nh2>] « Les gentlemen du Cercle Pinay
<https://www.voltairenet.org/article12838.html> », /Réseau Voltaire/, 11
mars 2004.

[3 <#nh3>] /Dans le secret des princes/, Christine Ockrent & Alexandre
de Marenches, Stock (1986).

[4 <#nh4>] «Sí, la CIA entró en Afganistán antes que los rusos…
<https://www.voltairenet.org/article185558.html>», por Zbigniew
Brzeziński, /Nouvel Observateur/ (Francia) , /Red Voltaire/ , 15 de
enero de 1998.

[5 <#nh5>] «La Liga Anticomunista Mundial, internacional del crimen
<https://www.voltairenet.org/article123397.html>», por Thierry Meyssan,
/Red Voltaire/ , 20 de enero de 2005.

[6 <#nh6>] Conversação do autor, em 2003, com um oficial do KGB que
participou nesta operação.

[7 <#nh7>] La CIA a rencontré Ben Laden à Dubaï en juillet », par
Alexandra Richard, /Le Figaro/, 31 octobre 2001.

[8 <#nh8>] « Hospital Worker : I Saw Osama », /CBS Evening News/, 28
janvier 2002.

[9 <#nh9>] /Classified Woman : The Sibel Edmonds Story : A Memoir/,
Sibel Edmonds (2012).

[10 <#nh10>] Obama’s Wars, Bob Woodward, Simon & Schuster (2010.

[11 <#nh11>] « Armed Governance: the Case of the CIA-Supported Afghan
Militias », Antonio De Lauri & Astri Suhrke, in /Afghanistan: Militias
Governance and their Disputed Leadership. Taliban, ISIS, US Proxy
Militais, Extrajudicial Killings, War Crimes and Enforced
Disappearances/, Musa Khan Jalalzai, Vij Books India Pvt Ltd (2020).

[12 <#nh12>] “A doutrina Rumsfeld/Cebrowski
<https://www.voltairenet.org/article213175.html>”, Thierry Meyssan,
Tradução Alva, /Rede Voltaire,/ 25 de Maio de 2021.

[13 <#nh13>] « Allocution d’Emmanuel Macron sur l’Afghanistan
<https://www.voltairenet.org/article213757.html> », par Emmanuel Macron,
/Réseau Voltaire/, 16 août 2021.

In
VOLTAIRE.NET
https://www.voltairenet.org/article213794.html
21/8/2021

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

O sadismo tornou-se um símbolo dos Estados Unidos (2)

 
  O sadismo tornou-se um símbolo dos Estados Unidos (2)

*por Chris Hedges [*]

A classe dominante dedica enormes recursos para mascarar o sadismo
social e o assassinato. Controla as narrativas na imprensa. Inunda os
nossos ecrãs com imagens e propaganda amigáveis e alegres, aperfeiçoadas
pelas empresas de publicidade e relações públicas. Essas alucinações
eletrónicas distraem-nos das limitações das nossas próprias vidas.
Ofuscam a natureza fundamental do capitalismo corporativo. Atacam a
nossa auto-estima e suscitam uma tomada de consciência embaraçosa sobre
a nossa aparência, posição social e funções corporais. Falsificam a
ciência e os dados, como fizeram as indústrias de combustíveis fósseis,
pecuária e tabaco durante décadas.

Criam, como escreve Guy Debord
<https://en.wikipedia.org/wiki/Guy_Debord> , a "espetacular sociedade
mercantil" que é um substituto sedutor para a democracia participativa.
Essa tirania empresarial reduz a escolha política às prescrições sádicas
fornecidas pelo poder corporativo. Isso cria uma sociedade onde há uma
ausência de quase todas as construções sociais e políticas positivas.
Mesmo a mudança social, reduzida a políticas de identidade e
multiculturalismo, foi efetivamente castrada pela propaganda
corporativa. O sentimento de agir, poder pessoal e estatuto social veem
quase exclusivamente, como Nietzsche previu, a servir à máquina sádica.

Intermediários de energia da Enron, num diálogo que poderia ter vindo de
qualquer grande corporação, gravado em 2000, discutindo como "roubar" a
Califórnia. Identificados como Kevin e Bob, rejeitaram os pedidos dos
reguladores da Califórnia de reembolsos por causa da constante
manipulação de preços da empresa:

Kevin: Então o que está sendo dito é verdade? Esses filhos da puta vão
tirar todo o dinheiro de vocês? Todo aquele dinheiro que vocês roubaram
daquelas pobres avós na Califórnia?
Bob: Sim, caro. Mas foram elas que não souberam votar com essa porra do
voto automático.
Kevin: Sim, agora querem a porra do dinheiro de volta por toda a
eletricidade que você cobrou a 250 dólares o megawatt-hora.
Bob: Você sabe, você sabe, você sabe… mas isso é aquilo por que Al Gore
está lutando, já viu?

Mais tarde, na mesma conversa, Kevin e Bob menosprezam os californianos:

Kevin: Oh, a melhor coisa que pode acontecer é a porra de um terremoto,
deixe essa coisa flutuar no Pacífico e coloque velas neles.
Bob: Eu sei. Esses tipos, você só precisa demiti-los.
Kevin: Eles estão tão metidos na merda e tão, como posso dizer...
Bob: Eles estão tão fodidos

A obscena avareza dos muito ricos agora supera o hedonismo e os excessos
dos déspotas mais hediondos e dos capitalistas mais ricos do passado. Em
2015, pouco antes de sua morte, a [revista] /Forbes / estimou que o
património líquido de David Rockefeller era de 3 mil milhões. O Xá do
Irão roubou cerca de mil milhões ao seu país. Ferdinand e Imelda Marcos
acumularam entre 5 e 10 mil milhões. O ex-presidente do Zimbabué, Robert
Mugabe, valia cerca de mil milhões. Jeff Bezos e Elon Musk valem cada um
180 mil milhões. Sim, o decoro da presidência de Biden difere da
presidência de Trump. Mas a exploração mercenária subjacente e o sadismo
da sociedade americana permanecem intactos.

O Plano de Empregos Americanos de Biden nunca criará "milhões de
empregos bem remunerados – empregos com os quais os americanos possam
criar suas famílias", assim como o NAFTA, que ele apoiou, não criou como
também havia sido prometido milhões de empregos bem remunerados. Seu
mantra do "compre americano" é inútil. A grande maioria de nossos
produtos eletrónicos, roupas, móveis e produtos industriais é feita na
China por trabalhadores que ganham em média um ou dois dólares por hora
e não têm sindicatos e direitos sindicais básicos [NT] <#nt> . Seu apelo
para reduzir as franquias e os custos dos medicamentos prescritos no
Affordable Care Act nunca será permitido pelas empresas que lucram com
os cuidados de saúde.

Suas promessas de tributação justa, apesar de os homens mais ricos do
mundo – Jeff Bezos, Elon Musk, Warren Buffett, Carl Icahn, Michael
Bloomberg e George Soros – pagarem uma taxa de impostos real de 3,4%,
não serão alteradas. Os subsídios corporativos e incentivos fiscais que
ele propõe como solução para a crise climática [NR] <#nr> nada farão
para deter a fraturação hidráulica para extrair petróleo e gás, fechar
centrais a carvão ou interromper a construção de novos gasodutos para
centrais movidas a gás. O dinheiro para projetos de infraestrutura é
destinado a grandes corporações e governos estaduais.

O sistema de saúde continuará privatizado, o que significa que as
seguradoras e as empresas farmacêuticas colherão dezenas de milhares de
milhões de dólares com o Plano de Resgate Americano, e isto quando já
estavam tendo lucros recordes. Os lucros que os grandes bancos, Wall
Street e os especuladores globais predatórios obtêm com os níveis
maciços de escravidão por dívida imposta a uma classe trabalhadora mal
paga, incluindo os empréstimos estudantis, continuarão a direcionar
dinheiro para as mãos de uma pequena minoria oligárquica.

Não haverá reforma do financiamento das campanhas para acabar com o
sistema de suborno legalizado. Os gigantescos monopólios de tecnologia
permanecerão intactos. A censura imposta pelas plataformas de media
digitais, a obliteração de nossas liberdades civis e a vigilância do
governo por atacado continuarão a ser aplicadas. O pedido de Biden de
715 mil milhões para o Departamento de Defesa no ano fiscal de 2022, um
aumento de 1,3 mil milhões (1,6%) em relação a 2021, irá exacerbar as
provocações militares com a China e a Rússia, as guerras intermináveis
no Médio Oriente e a inchada indústria de defesa.

As indústrias que foram enviadas para o exterior e os empregos
sindicalizados bem remunerados não voltarão. Os 81 milhões de americanos
que lutam para cobrir as despesas domésticas básicas, os 22 milhões que
não têm comida suficiente e os 11 milhões que não podem atender ao
próximo pagamento da casa estão prestes a bater numa parede quando os
parcos benefícios do alívio de contas pelo COVID acabarem e a moratória
sobre despejos e execuções hipotecárias for levantada. A máquina do
capitalismo predatório, e o sadismo que o define, envenenarão a
sociedade com a mesma crueldade com Biden como quando Trump geria a
presidência no Twitter. Essas chamadas reformas não têm mais peso do que
as promovidas por Bill Clinton e Barack Obama, com quem Biden colaborou
servilmente e que também prometeram igualdade social enquanto traíam
homens e mulheres trabalhadores.

Biden é a epítome da criatura vazia e amoral produzida pelo sistema de
suborno legalizado, aqueles que construíram a cultura de sadismo. Sua
longa carreira política no Congresso foi definida pela representação dos
interesses das grandes empresas, especialmente as de cartão de crédito
sediadas em Delaware. Ele foi alcunhado de Senador do Cartão de Crédito.
Sempre disse ao público o que ele queria ouvir e depois os vendeu.

Foi um proeminente promotor e arquiteto de uma geração de leis federais
"duras com o crime" que militarizaram a polícia do país e mais do que
duplicaram a população do sistema prisional, a maior do mundo, com
diretrizes severas de condenação obrigatória e leis que colocam pessoas
na prisão por toda a vida por crimes não violentos com drogas, mesmo
enquanto o seu filho lutava contra o vício. Ele foi o principal autor do
Patriot Act
<https://www.fincen.gov/resources/statutes-regulations/usa-patriot-act>
. E nunca houve um sistema de armas ou uma guerra que ele não apoiasse.
Nada de substancial mudará sob Biden, apesar da propaganda sobre ser o
próximo Franklin Roosevelt.

A administração Biden assemelha-se ao governo alemão ineficaz formado
por Franz von Papen em 1932, tentando recriar o antigo regime, um
conservadorismo utópico que garantiu a queda da Alemanha para o
fascismo. Biden está privado, como von Papen, de novas ideias e
programas. Manterá a máquina de repressão bem lubrificada, uma máquina
que foi fundamental na construção da sua carreira política. Aqueles que
resistirem serão atacados como agentes de uma potência estrangeira e
censurados, como muitos já estão a ser, através de algoritmos e de
plataformas eletrónicas nas redes sociais. Os dissidentes mais ardentes,
como Julian Assange, serão criminalizados.

As elites fingem que Trump era uma anomalia bizarra. Ingenuamente
acreditam que podem fazer Trump e seus apoiantes mais vociferantes
desaparecerem, banindo-os das redes sociais. O "antigo regime" irá,
afirmam, voltar com o decoro da sua presidência imperial, respeito pelas
normas procedimentais, eleições elaboradamente coreografadas e
fidelidade às políticas neoliberais e imperiais. Mas o que as elites
governantes estabelecidas ainda não compreenderam, apesar da estreita
vitória eleitoral de Joe Biden sobre Trump e da tomada da capital em
seis de janeiro por uma multidão enfurecida, é que a credibilidade da
velha ordem está morta. A era Trump, se não o próprio Trump, é, a menos
que quebremos o domínio do poder corporativo, o futuro. As elites
governantes, representadas por Biden e o Partido Democrata e a ala bem
educada do Partido Republicano representada por Jeb Bush e Mitt Romney,
estão indo para o caixote do lixo da história.

O crescente ressentimento dos desapossados é alimentado pelos media que
dividiram o público em grupos demográficos concorrentes. As plataformas
dos media tomam como alvo um grupo, alimentando as suas opiniões e
tendências, enquanto demonizam estridentemente o grupo demográfico do
outro lado do xadrez político. Isto provou ser um êxito comercial. Mas
também dividiu o país em facções irreconciliáveis que não podem mais
comunicar entre si, sendo a verdade e a realidade dos factos ambas
sacrificadas.

O Partido Democrata, numa tentativa desesperada de controlar a narrativa
mediática, construiu uma aliança com gigantes da indústria dos media
sociais como Twitter, YouTube, Facebook, Patreon, Substack e Spotify
para restringir ou censurar os seus críticos. O objetivo é levar o
público de volta às organizações de notícias aliadas do Partido
Democrata, como /The New York Times, The Washington Post / e /CNN. / Mas
estes meios de comunicação, que prestam serviço a anunciantes
corporativos, tornaram invisíveis as vidas da classe trabalhadora e dos
pobres. Eles são tão desprezados quanto as próprias elites no poder.

A perda de credibilidade também deu origem a novos grupos, muitas vezes
espontâneos, bem como à franja lunática de direita que abraça as teorias
da conspiração como o QAnon <https://pt.wikipedia.org/wiki/QAnon> . Eles
aproveitam a indignação emocional, muitas vezes substituindo uma
indignação por outra. Fornecem novas formas de identidade para
substituir as identidades perdidas por dezenas de milhões de americanos
que foram postos de lado. Essa indignação emocional pode ser aproveitada
para causas louváveis, como acabar com o abuso policial, mas muitas
vezes é efémera. Transforma o debate político em protestos de queixa, na
melhor das hipóteses, e mais frequentemente em espetáculo televisivo.

Estes episódios não representam nenhuma ameaça para as elites, a menos
que construam estruturas organizacionais disciplinadas, o que leva anos,
e articulem uma visão do que poderia vir a seguir. É por isso que apoio
a Extinction Rebellion, que tem uma grande rede de base, especialmente
na Europa, realiza atos efetivos de desobediência civil e tem um
objetivo claramente declarado de derrubar as elites governantes e
construir um novo sistema de governo por meio de comités populares e
seleção aleatória. Mas essa indignação emocional, que colocou Trump na
Casa Branca, também pode atiçar o sadismo americano, especialmente entre
uma classe trabalhadora branca que se sente destronada e abandonada.

O colapso de nossa sociedade não é apenas político. É ecológico. Os
cientistas há muito alertam que, à medida que as temperaturas globais
[NR] <#nr> aumentam, aumentando a precipitação e as ondas de calor em
muitas partes do mundo, as doenças infecciosas disseminadas por animais
afetarão as populações e se expandirão para as regiões do norte. Doenças
zoonóticas – doenças que saltam de animais para humanos – como SIDA que
matou aproximadamente 36 milhões de pessoas, gripe aviária, gripe suína,
ébola e COVID-19, que já matou cerca de 4 milhões, se espalharão pelo
mundo em variantes cada vez mais virulentas, frequentemente sofrendo
mutações além do nosso controlo.

O uso indevido de antibióticos na indústria de criação de animais, que
responde por 80% de todo o uso de antibióticos, produziu variantes de
bactérias que são resistentes aos antibióticos e fatais. Uma versão
moderna da Peste Negra, que no século XIV matou entre 75 e 200 milhões
de pessoas, eliminando talvez metade da população da Europa, é
provavelmente inevitável, desde que as indústrias farmacêutica e médica
estejam configuradas para ganhar dinheiro em vez de proteger e
economizar vidas.

Mesmo com as vacinas, não temos infraestrutura nacional para
distribuí-las de maneira eficiente porque o lucro supera a saúde. E os
do sul global estão, como sempre, abandonados, como se as doenças que os
matam nunca nos alcancem. A decisão de Israel de distribuir vacinas
COVID-19 para 19 países, enquanto se recusa a vacinar os 5 milhões de
palestinos que vivem sob sua ocupação, é emblemática da impressionante
miopia da elite governante, para não mencionar da imoralidade.

O que está a acontecer não é negligência. Não é inépcia. Não é uma falha
política. É um assassinato social. É assassinato porque é premeditado. É
assassinato porque uma escolha consciente foi feita pelas classes
dominantes globais para extinguir a vida em vez de protegê-la. É um
assassinato porque o lucro, apesar das estatísticas, das crescentes
perturbações climáticas e da modelagem científica, é considerado mais
importante do que a sobrevivência humana.

As elites globais prosperam neste sistema, contanto que cumpram os
ditames do que Lewis Mumford
<https://en.wikipedia.org/wiki/Lewis_Mumford> chamou de "megamáquina", a
convergência de ciência, economia, tecnologia e poder político
unificados numa estrutura burocrática integrada cujo único objetivo é
perpetuar-se. Essa estrutura, observou Mumford, é antitética aos
"valores que melhoram a vida". Mas desafiar a megamáquina, nomear e
condenar o seu desejo de morte, é ser expulso de seu santuário interno.
Há, sem dúvida, alguns dentro da megamáquina que temem o futuro, que
estão horrorizados com o assassinato social, que se preocupam com o que
vai acontecer aos seus filhos, mas não querem perder seus empregos e sua
condição social para se tornarem párias.

Os militares dos Estados Unidos – que respondem por 38% dos gastos
militares em todo o mundo – são, naturalmente, incapazes de combater a
grave crise existencial diante de nós. Os caças, satélites,
porta-aviões, frotas de navios de guerra, submarinos nucleares, mísseis,
tanques e vastos arsenais de armas são inúteis contra as pandemias e a
crise climática. A máquina de guerra, que gasta 1,2 milhões de milhões
de dólares para modernizar o arsenal nuclear, não faz nada para mitigar
o sofrimento humano causado por ambientes degradados que adoecem e
envenenam populações ou tornam a vida insustentável.

A poluição do ar já mata cerca de 200 mil americanos por ano, enquanto
as crianças em cidades decadentes como Flint, Michigan ficam afetadas
para o resto da vida com a contaminação de chumbo na água potável. E,
além de tudo isto, os militares dos EUA emitiram 1 200 mil milhões de
toneladas de emissões de CO2 entre 2001 e 2017, o dobro da produção
anual dos veículos de passageiros do país.

As gerações futuras, se houver alguma, olharão para trás, para a atual
classe dominante global como a mais criminosa da História da humanidade,
condenando deliberadamente milhares de milhões de pessoas à morte. Esses
crimes estão a ser cometidos à nossa frente. E, com poucas exceções,
somos conduzidos como ovelhas para o matadouro.

O mal radical que torna possível este assassinato social é perpetrado
por burocratas e tecnocratas incolores que saem das escolas de negócios,
faculdades de direito, programas de gestão e universidades de elite.
Nulidades demoníacas. São estes os gestores de sistemas que realizam as
tarefas que fazem com que os vastos e complicados sistemas de exploração
e morte funcionem. Eles coletam, armazenam e manipulam nossos dados
pessoais para monopólios digitais e o Estado de segurança e vigilância.
Lubrificam as rodas da ExxonMobil, BP e Goldman Sachs. Escrevem as leis
que a classe política, comprada e paga, aprova. Conduzem drones que
aterrorizam os pobres no Afeganistão, Iraque, Síria e Paquistão.

Eles lucram com as guerras sem fim. São os propagandistas corporativos,
especialistas em relações públicas, especialistas em televisão que
inundam com mentiras. Dirigem os bancos. Supervisionam as prisões.
Emitem formulários. Processam papéis. Negam vales-refeição e cobertura
médica para alguns e benefícios de desemprego para outros. Realizam os
despejos. Fazem cumprir as leis e os regulamentos. Eles não fazem
perguntas, eles vivem num vácuo intelectual, um mundo de minúcias
embrutecedoras. Eles são "os homens vazios", "os homens coisa" de T.S.
Eliot. "Forma sem forma, sombra sem cor", como escreveu o poeta. "Força
paralisada, gesto sem movimento."

Estes gestores do sistema possibilitaram os genocídios do passado.
Mantiveram os comboios a funcionar. Preencheram a papelada. Apreenderam
a propriedade e confiscaram as contas bancárias. Fizeram o seu
processamento. Racionaram a comida. Administraram os campos de
concentração e as câmaras de gás. Impuseram a lei. Eles fizeram o seu
trabalho. Estes gestores do sistema, sem nenhuma educação, exceto na sua
minúscula especialidade técnica, carecem de linguagem e autonomia moral
para questionar as suposições ou estruturas dominantes.

O romancista russo Vasily Grossman
<https://en.wikipedia.org/wiki/Vasily_Grossman> no seu livro /Forever
Flowing/
<https://www.bookdepository.com/Forever-Flowing-Vasily-Grossman/9780810115033>
observou que "o novo Estado não exigia santos apóstolos, fanáticos,
construtores inspirados, discípulos fiéis e devotos. O novo Estado nem
mesmo exigia criados – apenas escriturários." Essa ignorância
metafísica, produto de um sistema educacional que é principalmente
vocacional, une as engrenagens da cultura do sadismo e do assassinato
social. Não nos livraremos do capitalismo predatório e de sua cultura de
sadismo com escassas esmolas do governo. Não vamos desviar-nos porque os
habilidosos escritores dos discursos de Biden e especialistas em
relações públicas, que usam sondagens e fazedores de opinião para nos
dizer o que queremos ouvir e fazer-nos sentir que a administração está
do nosso lado. Não há boa vontade na Casa Branca de Biden, no Congresso,
nos tribunais, nos media – que se tornaram uma câmara de eco das classes
privilegiadas – ou nas salas de reunião corporativas. Eles são o inimigo.

Vamos libertar-nos desta cultura de sadismo da mesma forma que os
desapossados se afastaram do estrangulamento do capitalismo de compadrio
durante a Grande Depressão, organizando, protestando e desorganizando o
sistema até as elites governantes serem forçadas a conceder medidas de
justiça social e económica. O Bonus Army
<https://en.wikipedia.org/wiki/Bonus_Army> , dos veteranos da Primeira
Guerra Mundial a quem foi negado o pagamento de pensões, montou enormes
acampamentos em Washington, que foram violentamente dispersos pelo
exército. Grupos de vizinhança, muitos deles membros dos Wobblies
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Industrial_Workers_of_the_World> ou do
Partido Comunista, na década de 1930 impediram fisicamente os xerifes de
despejarem famílias. Em 1936 e 1937, o sindicato United Auto Workers
realizou uma greve dentro das fábricas que paralisou a General Motors,
forçando a empresa a reconhecer o sindicato, aumentar os salários e
satisfazer as exigências sindicais de proteção do emprego e condições de
segurança no trabalho.

Os agricultores, forçados à falência e execuções hipotecárias pelos
grandes bancos e Wall Street, fundaram a Farmer's Holiday Association
para protestar contra a apreensão de fazendas familiares, uma das razões
pelas quais ladrões de bancos como John Dillinger, Bonnie e Clyde e a
Barker Gang eram heróis populares. Os fazendeiros bloquearam estradas e
destruíram montanhas de produtos agrícolas, reduzindo a oferta e
aumentando os preços. Os agricultores, tal como os trabalhadores
sindicalizados da indústria automobilística, suportaram ampla vigilância
do governo e ataques violentos do FBI, capangas da empresa, assassinos
contratados, milícias e departamentos do xerife. Mas a militância
funcionou. Os fazendeiros forçaram o Estado a aceitar uma moratória nas
execuções de hipotecas. Ao mesmo tempo, as manifestações em massa fora
das capitais pressionaram os parlamentos estaduais a bloquear a cobrança
de hipotecas vencidas.

Hooverville. Agricultores e rendeiros do sul sindicalizaram-se. O
Departamento do Trabalho chamou à sua ação coletiva de "guerra civil em
miniatura". Em todo o país, os desempregados e os famintos ocuparam
casas e terrenos baldios, formando favelas conhecidas como Hoovervilles
<https://en.wikipedia.org/wiki/Hooverville> . Os destituídos ocuparam
prédios públicos e serviços públicos. Essa pressão constante e não a boa
vontade de Roosevelt criou o New Deal. Ele e seus companheiros oligarcas
acabaram entendendo que se não houvesse reforma haveria revolução, algo
que Roosevelt reconheceu na sua correspondência privada.

Até que as pessoas sejam reintegradas na sociedade, até que o controle
das corporações e oligarquias sobre os nossos sistemas educacionais,
políticos e dos media sejam removidos, até recuperarmos a ética do bem
comum, não temos qualquer esperança de reconstruir os laços sociais
positivos que promovem uma sociedade saudável.

A história ilustrou amplamente como esse processo funciona. É um jogo de
medo. E até deixarmos as elites governantes com medo, até que um
aterrorizado Joe Biden e os oligarcas que ele serve olhem para um mar de
gente com forcados, não pararemos a cultura do sadismo e do assassinato
social que eles engendraram.

A rebelião, no entanto, deve ter sua própria justificativa. É um
imperativo moral, não prático. Não apenas corrói, ainda que
impercetivelmente, as estruturas de opressão, mas mantém o lume da
empatia e compaixão, bem como da justiça, dentro de nós, desafiando o
sadismo que impregna todas as camadas da nossa existência. Em suma,
mantém-nos humanos. A rebelião deve ser abraçada, finalmente, não apenas
pelo que ela vai realizar, mas pelo que ela permitirá que nos tornemos.
Nesse devir, encontramos esperança.

29/Junho/2021

[NT] A China, conforme declarou Xi Jinping, concretizou o objetivo da
construção de uma sociedade moderadamente próspera
<https://www.globaltimes.cn/page/202107/1227574.shtml> em todos os
aspetos, alcançando a histórica situação de ter erradicado a pobreza
extrema. Algo que nem a UE e muito menos os EUA conseguem.
[NR] Ver A impostura global
<https://resistir.info/climatologia/impostura_global.html> .

*A primeira parte deste artigo encontra-se aqui
<https://resistir.info/eua/sadismo_1.html> .

[*] Jornalista. Ver Chris Hedges
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Chris_Hedges> . Palestra feita em The
Sanctuary for Independent Media <https://www.mediasanctuary.org/> , em
Troy, Nova York, 27/Jun/21.

O original encontra-se em
scheerpost.com/2021/06/29/chris-hedges-speaks-on-american-sadism/
<https://scheerpost.com/2021/06/29/chris-hedges-speaks-on-american-sadism/>

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/eua/sadismo_2.html
29/6/2021

quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Operação Barbarossa: mitos e realidades

 

 


*Jacques R. Pauwels*





Há oitenta anos, em 22 de junho de 1941: Hitler lançou a Operação
Barbarossa, o ataque contra a União Soviética.

A guerra contra a União Soviética era o que Hitler queria desde o
início. Já tinha deixado isso bem claro nas páginas de Mein Kampf,
escrito em meados da década de 1920. Como um  historiador alemão,
Rolf-Dieter Müller, demonstrou de forma convincente num estudo bem
documentado, era uma guerra contra a União Soviética, e não contra a
Polónia, França ou Grã-Bretanha, que Hitler planeava desencadear em
1939. Em 11 de agosto daquele ano, Hitler explicou a Carl J. Burckhardt,
um representante da Liga das Nações, que “/tudo o que ele empreendeu foi
dirigido contra a Rússia/”, e que “/se o Ocidente [isto é, os franceses
e os britânicos] é muito estúpido e muito cego para compreender isso,
ele seria forçado a chegar a um entendimento com os russos, virar e
derrotar o Ocidente, e então voltar com todas as suas forças para
desferir um golpe contra a União Soviética/”. Foi, de facto, isso que
aconteceu. O Ocidente acabou por se revelar “/muito estúpido e cego/”,
como Hitler o via, para lhe dar “/mão livre/” no leste e, então, fez um
acordo com Moscovo – o famoso “/Pacto Hitler-Stalin/” – e, em seguida,
desencadeou a guerra contra a Polónia, a França e a Grã-Bretanha.

Mas o objetivo final manteve-se o mesmo: atacar e destruir a União
Soviética tão depressa quanto possível. Hitler e os comandantes do
exército alemão estavam convencidos de que tinham aprendido uma lição
importante com a Primeira Guerra Mundial. Em 1918, na fase final da
Primeira Guerra Mundial, a guerra móvel foi retomada após anos de
impasse nas trincheiras. Foi quando os Aliados, cujo acesso ilimitado
aos recursos coloniais, incluindo o petróleo, lhes permitiram construir
e usar milhares de tanques, camiões e aviões e, assim, “/navegar para a
vitória numa onda de petróleo/”, como disse um dos seus chefes. A
Alemanha, por outro lado, tinha sido impedida, por um bloqueio da
Marinha Real, de importar essas matérias-primas vitais e não tinha
abastecido o seu exército com equipamentos e armas modernas semelhantes
e, portanto, foi derrotada.

Hitler e os seus generais sabiam que seria impossível vencer uma nova
guerra moderna sem equipamento motorizado, mas a Alemanha tinha uma
indústria altamente desenvolvida, capaz de produzir um grande número de
tanques, aviões e camiões para transportar a infantaria. Mas lutar e
vencer uma nova guerra moderna também exigiria armazenar suficientes
matérias-primas estratégicas, especialmente petróleo e borracha, que
faltavam na Alemanha. Decidiu-se enfrentar esse problema crucial de duas
maneiras. Primeiro, importando muito petróleo e borracha, criando
enormes estoques para uso sempre que os cães de guerra fossem soltos e
outras importações provavelmente seriam evitadas por um novo bloqueio
britânico. A maior parte disso veio do maior exportador mundial de
petróleo na época, os Estados Unidos.

Em segundo lugar, decidiu-se começar a produzir petróleo sintético e
borracha a partir do carvão, matéria-prima abundantemente disponível na
Alemanha. Estes preparativos deveriam permitir à Alemanha vencer a
guerra que se aproximava. Ainda era considerado vital manter a guerra o
mais curta possível, uma vez que os estoques de combustível
provavelmente diminuiriam rapidamente, o potencial para importações em
tempo de guerra (de países amigos como a Roménia) era limitado e não
podia esperar que a borracha sintética e o petróleo estivessem
disponíveis em quantidades suficientes. Para ganhar uma nova edição da
“/Grande Guerra/”, a Alemanha teria de vencê-la depressa, muito depressa.

Foi assim que nasceu o conceito de Blitzkrieg, ou seja, a ideia da
guerra (Krieg) rápida como um raio (Blitz). A abordagem Blitzkrieg
exigia ataques sincronizados por ondas de tanques e aviões para perfurar
as linhas defensivas do inimigo, atrás das quais se esperava que as suas
tropas estivessem concentradas; penetração profunda em território
hostil; movimento rápido de unidades de infantaria, não a pé ou de
comboio, como na Grande Guerra, mas em camiões; e as pontas de lança
alemãs balançando para trás para cercar e liquidar exércitos inimigos
inteiros em gigantescas “/batalhas de cerco/”. Blitzkrieg significava
guerra motorizada, fazendo uso total do grande número de tanques,
camiões e aviões produzidos pela indústria alemã, mas também queimando
quantidades gigantescas de petróleo e borracha importados e armazenados.

Em 1939 e 1940, a Blitzkrieg fez funcionar devidamente a sua magia, pois
a combinação de excelente equipamento e combustível abundante permitiu
que a Wehrmacht e a Luftwaffe subjugassem as defesas polacas,
holandesas, belgas e francesas em questão de semanas; Blitzkriege,
“/guerras ultrarrápidas/”, eram invariavelmente seguidas por Blitzsiege,
“/vitórias ultrarrápidas/”. No verão de 1940, a Alemanha parecia
invencível e predestinada a governar o continente europeu
indefinidamente. Quanto à Grã-Bretanha, o alto comando alemão nunca foi
solicitado para preparar planos para invadir aquele país. Porquê?

Hitler sempre desejou uma guerra continental contra os soviéticos e
contava com líderes políticos britânicos como Chamberlain, conhecido por
ser demasiadamente antissoviético para assistir apenas do lado de fora,
dando a sua concordância. A infame política de “/apaziguamento/”, de
Londres, confirmou essa expectativa, até que Chamberlain, sob pressão da
opinião pública, se sentiu compelido a ficar ao lado da Polónia no seu
conflito com Hitler contra Gdansk. Nestas circunstâncias, Hitler decidiu
adiar a sua planeada guerra oriental para que pudesse resolver as coisas
primeiro com a Polónia e as potências ocidentais. Foi por isso que
propôs um acordo aos soviéticos, cujas ofertas para estabelecer uma
frente comum anti-Hitler foram repetidamente rejeitadas por Londres e
Paris. O famoso “/Pacto/”, que concluíram com Hitler em agosto de 1939,
ofereceu-lhes espaço e tempo extras para se prepararem para um ataque
nazi que sabiam ser meramente adiado para uma data posterior.

A Grã-Bretanha foi para a guerra, mas com muita relutância. Após a
conquista da Polónia e da França (e a evacuação do exército britânico de
Dunquerque), Hitler tinha motivos para acreditar que os decisores em
Londres “/veriam a luz/”, sairiam da guerra e permitiriam que ele
governasse o continente europeu para que pudesse finalmente marchar para
o leste e esmagar a União Soviética, enquanto deixaria a Grã-Bretanha
manter o seu Império ultramarino. Em Londres, entretanto, os
apaziguadores antissoviéticos (e filofascistas) foram substituídos por
Churchill, que, embora também muito antissoviético, não estava disposto
a deixar Hitler controlar a Europa; o novo primeiro-ministro temia que,
após uma vitória contra a União Soviética, Hitler se sentisse atraído –
e muito preparado – para se voltar contra a Grã-Bretanha. A
Grã-Bretanha, portanto, recusou-se a ser “/razoável/”, como Hitler a
via, mas não tinha esperança de vencer a guerra sozinha e tinha de temer
que o ditador alemão pudesse em breve voltar a sua atenção para
Gibraltar, Egito e/ou outras joias da coroa do Império Britânico. Os
triunfos do Reich foram suficientemente espetaculares, mas esgotaram as
suas provisões de combustível, enquanto não encontravam novas fontes de
matérias-primas estratégicas, a não ser alguns pequenos poços de
petróleo na Polónia.

Nos termos do Pacto de 1939, entretanto, a Alemanha foi abastecida com
petróleo pela União Soviética. Mas quanto? Muito, de acordo com a visão
convencional antissoviética ou antirrussa; tanto, de acordo com uma
versão, que foi uma pré-condição para a derrota da França na primavera
de 1940. Apesar dessas afirmações, de acordo com o minucioso relatório
de Brock Millman, apenas 4% de todas as importações de petróleo alemãs
na época tiveram origem na União Soviética. A realidade é que, em 1940 e
1941, a Alemanha dependia principalmente do petróleo importado de dois
países. Primeiro, a Roménia, originalmente neutra, mas um aliado formal
de Hitler a partir de novembro de 1940. E, segundo, os ainda neutros
EUA, cujos barões do petróleo exportaram enormes quantidades de “/ouro
negro/”, principalmente através de outros países neutros, como a Espanha
de Franco; e continuariam a fazê-lo até os Estados Unidos entrarem na
guerra, em dezembro de 1941, após o ataque japonês a Pearl Harbour. As
entregas soviéticas de petróleo eram, é claro, úteis para o Reich, mas o
mais preocupante para Hitler era o facto de a Alemanha ter de retribuir,
fornecendo produtos industriais de alta qualidade e tecnologia militar
de ponta, que era usada pelos soviéticos para modernizar o seu exército
e melhorar as suas defesas contra um ataque nazi que eles esperavam mais
cedo ou mais tarde. Apesar do seu alto nível de mecanização, o exército
alemão ainda usava mais de 700.000 cavalos e animais de tração para
batalhões de reconhecimento e artilharia. Barbarossa provou ser
extremamente brutal tanto para os animais como para os humanos.

Outra dor de cabeça para Hitler foi o facto de os termos do seu pacto
com os soviéticos possibilitarem que estes ocupassem o leste da Polónia,
antigo território russo anexado pela Polónia durante a Guerra Civil
Russa. Isso aconteceu em 17 de setembro de 1939, quando o governo polaco
fugiu para a Roménia neutra, abandonando o país e transformando-o em uma
“terra nullius” [lat.: terra de ninguém]. O movimento soviético estava,
portanto, de acordo com o direito internacional; como Churchill
reconheceu, não foi um ato de guerra, não transformou a União Soviética
em aliada da Alemanha nazi, mas permitiu que ela permanecesse neutra e,
por esse motivo, não desencadeou uma declaração de guerra das potências
ocidentais, aliadas da Polónia.

Finalmente, se o Exército Vermelho não tivesse ocupado a Polónia
oriental, os alemães tê-lo-iam feito. Esta situação incomodou Hitler. A
fronteira soviética e as defesas do país tinham-se deslocado algumas
centenas de quilómetros para oeste, proporcionando ao Exército Vermelho
a vantagem defensiva do que se chama “/glacis/” no jargão militar, um
“/espaço para respirar/” territorial; inversamente, para os militares
alemães, a marcha planeada para Moscovo tinha-se tornado muito mais
longa. O ditador alemão tinha um problema: os soviéticos tinham
conquistado um espaço valioso, o tempo estava a seu favor e as suas
defesas tornavam-se mais fortes a cada dia. Após a derrota da França,
Hitler sentiu que não poderia esperar muito mais antes de empreender a
missão que acreditava lhe ter sido confiada pela providência, ou seja, a
aniquilação da “/Rússia governada pelos judeus/”. Ele tinha querido
atacar a União Soviética em 1939, mas voltou-se contra as potências
ocidentais, como disse o historiador alemão Rolf-Dieter Müller, “/para
desfrutar de segurança na retaguarda, quando finalmente estivesse pronto
para acertar as contas com a União Soviética/”. Müller conclui que, em
1940, nada tinha mudado no que dizia respeito a Hitler: “/O verdadeiro
inimigo era o que estava no leste/”. Já no outono daquele ano, após uma
tentativa fracassada de fazer Churchill tornar-se “/sensato/”, através
de bombardeamentos e uma ameaça de invasão, instruiu os seus generais
para esquecer a Albion [antigo nome de Inglaterra] e planear uma grande
“/Guerra Oriental/” (Ostkrieg) na primavera de 1941. Uma ordem formal
para esse efeito foi emitida em 18 de dezembro de 1940.

O projeto recebeu o nome de código “/Operação Barbarossa/” (Unternehmen
Barbarossa), em homenagem a um famoso imperador e cruzado alemão. A
escolha do nome refletia a visão de Hitler sobre o conflito que se
aproximava: seria uma espécie de guerra santa contra a variedade
soviética de comunismo, desprezada como um estratagema judaico destinado
a derrubar a superioridade natural da raça “/ariana/”. Essa era a
essência do Judeo-Bolchevismo, uma teoria adotada não apenas por Hitler,
mas também por incontáveis líderes políticos, económicos e intelectuais
influentes na Alemanha e em todo o mundo ocidental. Um deles era Henry
Ford, dono da fábrica cuja filial alemã estava a produzir grande parte
do equipamento usado pelas forças armadas alemãs na época, acumulando
enormes lucros no processo.

Hitler sentiu que poderia voltar os olhos para o leste sem se preocupar
muito com os britânicos, que ainda estavam a lamber as suas feridas
depois de uma fuga à moda de Houdini [1] de Dunquerque. Por duas razões
ele estava confiante de que as contas deles poderiam esperar para ser
acertadas até a conclusão do seu projeto primordial, o Ostkrieg. Em
primeiro lugar, esse empreendimento seria mais uma guerra relâmpago, que
não duraria mais do que dois meses – voltaremos a este assunto muito em
breve. Em segundo lugar, ao contrário das vitórias alemãs anteriores, um
triunfo contra a União Soviética garantia à Alemanha o fornecimento dos
recursos virtualmente ilimitados daquele enorme país, incluindo o trigo
ucraniano, para fornecer comida abundante à população alemã; minerais
como carvão, a partir do qual óleo sintético e borracha poderiam ser
produzidos; e – por último, mas certamente não menos importante – os
ricos campos de petróleo do Cáucaso, onde os consumidores de gás,
Panzers [2] e Stukas [3], seriam capazes de encher os seus tanques até a
borda a qualquer momento. Fortalecido com esses ativos, seria uma
sinecura para Hitler negociar com a Grã-Bretanha.

A derrota da União Soviética teria de facto fornecido uma “/solução
final/” para a situação difícil da Alemanha, sendo uma superpotência
industrial desprovida de posses territoriais para fornecer matéria-prima
estratégica. Possuir um enorme “/território complementar/” no leste,
semelhante ao “/Oeste Selvagem/” da América e à colónia indiana da
Grã-Bretanha, certamente transformaria a Alemanha numa verdadeira
potência mundial, invulnerável dentro de uma “/fortaleza/” europeia que
se estendia do Atlântico aos Urais. O Reich possuiria recursos
ilimitados e, portanto, seria capaz de vencer até mesmo guerras longas e
prolongadas contra qualquer antagonista – incluindo os Estados Unidos –
numa das futuras “/guerras dos continentes/” conjuradas na imaginação
febril de Hitler. Hitler e os seus generais estavam confiantes de que a
sua Blitzkrieg planeada contra a União Soviética teria o mesmo sucesso
das suas guerras-relâmpago anteriores contra a Polónia e a França. Eles
consideravam a União Soviética um “/gigante com pés de barro/”, cujo
exército, presumivelmente decapitado pelas purgas de Estaline no final
dos anos 1930, “/não passava de uma piada/”, como o próprio Hitler disse
certa vez. Para travar e vencer as batalhas decisivas, eles efetuariam
uma campanha de seis a oito semanas, possivelmente seguida por algumas
operações de limpeza, durante as quais os remanescentes do exército
soviético “/seriam perseguidos por todo o país como um bando de cossacos
derrotados/”.

De qualquer forma, Hitler sentia-se extremamente confiante e, na véspera
do ataque, “/imaginou-se à beira do maior triunfo de sua vida/”. Em
Washington e Londres, os especialistas militares também acreditavam que
a União Soviética não seria capaz de oferecer resistência significativa
ao rolo compressor nazi, cujas façanhas militares de 1939-1940 lhe
renderam a reputação de invencibilidade. Os serviços secretos britânicos
estavam convencidos de que a União Soviética seria “/liquidada dentro de
oito a dez semanas/”, e o chefe do Estado-Maior Imperial afirmou que a
Wehrmacht cortaria o Exército Vermelho “/como uma faca em manteiga no
verão/” e que as forças soviéticas seriam cercadas “/como gado/”. De
acordo com a opinião de especialistas em Washington, Hitler “/esmagaria
a Rússia [sic] como um ovo/”.

A operação Barbarossa teve início em 22 de junho de 1941, nas primeiras
horas da madrugada. A fronteira da União Soviética foi cruzada pela
“/maior força de invasão na história da guerra/” (Wikipedia),
consistindo em três milhões de soldados alemães e quase 700.000 soldados
com que os aliados da Alemanha nazi tinham contribuído, equipados com
600 000 veículos motorizados, 3 648 tanques, mais de 2 700 aviões e
pouco mais de 7 000 peças de artilharia. No início, tudo saiu conforme o
planeado. Foram abertos enormes buracos nas defesas soviéticas, foram
rapidamente obtidos ganhos territoriais impressionantes e centenas de
milhares de soldados do Exército Vermelho foram mortos, feridos ou
feitos prisioneiros, numa série de espetaculares “/batalhas de cerco/”.
O caminho para Moscovo parecia estar aberto. Nos primeiros dias da
guerra, a Luftwaffe [a Força aérea] não teve problemas para destruir
centenas de aeronaves soviéticas no solo, capturadas no ataque-surpresa.

Sobre as fases iniciais da Operação Barbarossa, alguns mitos tenazes
precisam de ser dissipados. Em primeiro lugar, não é verdade que o
ataque alemão pretendia evitar uma ofensiva planeada pelos próprios
soviéticos. Essa noção foi originalmente propagada pelo regime nazi,
reciclada pós-1945 para fins de propaganda antissoviética e revivida de
vez em quando, agora que a Guerra Fria acabou, afinal de contas. Uma
historiadora alemã, Bianka Pietrow-Ennker, demoliu de forma convincente
esta “/tese de uma guerra preventiva/” (Präventivkriegsthese). Um ataque
à Alemanha teria sido suicida para os soviéticos, já que certamente
provocaria uma declaração de guerra do Japão, aliado da Alemanha,
forçando o Exército Vermelho a lutar contra poderosos inimigos em duas
frentes. Em segundo lugar, não é verdade que os líderes soviéticos,
geralmente referidos como “/Estaline/”, não esperavam um ataque alemão.
Eles esperavam-no e estavam a preparar-se freneticamente para isso, mas
não sabiam para quando e sempre esperaram que o ataque viria mais tarde
que cedo, já que os preparativos para um ataque a desencadear nunca
estão totalmente concluídos. Foram recebidos sinais de que a cortina se
levantaria quando isso acontecesse, ou seja, em 22 de junho; no entanto,
sinais semelhantes tinham chegado antes, mas provaram ser falsos; não
havia razão para pensar que desta vez era diferente, e sentiu-se ser
necessário não provocar Hitler com movimentos de tropas ao longo da
fronteira, já que no verão de 1914 a mobilização apressada do exército
russo em circunstâncias tensas semelhantes havia desencadeado uma
declaração de guerra da Alemanha.

Nos meses e especialmente nas semanas anteriores a junho de 1941, a
máquina de propaganda de Goebbels e o serviço secreto nazi trabalharam
muito, e com sucesso, para confundir Moscovo com sinais conflituantes
preocupantes, principalmente a ideia de que a concentração das suas
tropas ao longo da fronteira soviética era impossível de dissimular,
pretendiam enganar os britânicos, contra os quais uma grande operação
estava a ser planeada. Por outro lado, os britânicos estavam a trabalhar
afincadamente para provocar um conflito entre a Alemanha e a União
Soviética, pois isso seria, obviamente, do seu interesse. Nestas
circunstâncias, tentar induzir Moscovo a dar um passo em falso que
pudesse desencadear hostilidades fazia parte dessa estratégia de engano,
que merece um estudo aprofundado. Em qualquer caso, os líderes
soviéticos sabiam que o ataque estava a chegar e preparavam-se para ele,
mas acharam impossível interpretar corretamente um caleidoscópio de
sinais e foram tragicamente enganados ao recusarem-se a acreditar que o
ataque alemão era iminente até as bombas começaram a chover sobre eles,
nas primeiras horas de 22 de junho.

Um terceiro mito diz respeito à purga de um número considerável de
comandantes do Exército Vermelho, incluindo o marechal Mikhail
Tukhachevsky. Nos chamados “/julgamentos-fantoche/” de 1937, esses
homens foram presumivelmente acusados falsamente de atividades de
traição, torturados para que confessassem e executados ou presos,
livrando assim Estaline de rivais em potência, mas também eliminando
inúmeros oficiais de alto escalão capazes e experientes; essa
“/decapitação/” do Exército Vermelho, supostamente, ajuda a explicar o
seu fraco desempenho nas fases iniciais da Barbarossa. Embora esta
perda, sem dúvida, tenha tido um preço, em última análise, uma
consideração mais importante é o facto de que agora era certo que
existia um “/bloco de oposicionistas/” heterogéneo dentro da União
Soviética e que Tukhachevsky e os outros réus de facto pertenciam a esse
bloco e estavam profundamente envolvidos nas suas atividades traidoras,
inclusive em contatos com agentes alemães e japoneses. O seu objetivo
final era sabotar os esforços defensivos soviéticos quando a Alemanha
e/ou o Japão atacassem, e os traidores seriam recompensados com a
permissão de chegar ao poder no que restaria da União Soviética ou de um
estado-sucessor russo.

Joseph Davies, o embaixador dos Estados Unidos na União Soviética na
época dos julgamentos, acreditava que o acusado era culpado. Por outras
palavras, Tukhachevsky e companhia teriam feito o que uma conspiração de
generais e políticos franceses com simpatias fascistas orquestrou na
primavera de 1940: deliberadamente optaram pela derrota às mãos de um
“/inimigo externo/”, a Alemanha nazi, para poder derrotar o “/inimigo
interno/”, no caso da França, os socialistas, comunistas e outras forças
de esquerda que antes tinham formado o governo da “/Frente Popular/”. A
derrota da França possibilitou que esses “/Tukhachevskies/” franceses
instalassem um regime fascista sob o comando do marechal Pétain, como a
historiadora francesa Annie Lacroix-Riz demonstrou de maneira
convincente em dois dos seus estudos. A existência e colaboração de tal
“/quinta coluna/” ajuda a explicar a vitória inesperadamente fácil da
Alemanha nazi sobre a França e, inversamente, o que na própria França é
referido como a “/estranha derrota/” do país em 1940. Se a “/quinta
coluna/” de Tukhachevsky na União Soviética não tivesse sido eliminada,
o Exército Vermelho, sem dúvida, teria feito muito pior em junho de 1941
do que realmente fez, e provavelmente teria experimentado uma “/estranha
derrota/”, semelhante à do exército francês um ano antes.

Nos dias e semanas a seguir a 22 de junho, o exército alemão avançou
rapidamente em três direções principais, a saber, Leninegrado, no norte,
Kiev, no sul e Moscovo, no centro, aparentemente confirmando a reputação
de invencibilidade que havia adquirido em 1939 e 1940. Logo ficou
evidente, entretanto, que a Blitzkrieg no leste não seria tão fácil como
se esperava. Enfrentando a máquina militar mais poderosa do mundo, o
Exército Vermelho estava previsivelmente a ser fortemente atingido, mas,
como o ministro da propaganda, Joseph Goebbels, confidenciou no seu
diário, já em 2 de julho, também opôs uma forte resistência e recuperou
com muita força, em várias ocasiões. O general Franz Halder, em muitos
aspetos o “/padrinho/” do plano de ataque da Operação Barbarossa,
reconheceu que a resistência soviética era muito mais forte do que
qualquer coisa que os alemães tivessem enfrentado na Europa Ocidental.
Os relatórios da Wehrmacht citaram resistência “/dura/”, “/árdua/” e até
“/selvagem/”, causando pesadas perdas em homens e equipamentos do lado
alemão. Mais frequentemente do que o esperado, as forças soviéticas
conseguiram lançar contra-ataques que envolveram pesadas perdas, mas
retardaram o avanço alemão. Algumas unidades soviéticas esconderam-se
nos vastos Pântanos de Pripet [4] e noutros lugares, organizaram uma
guerra de guerrilha mortal (para a qual foram feitos preparativos
completos durante o tempo ganho com o Pacto de 1939) e ameaçaram as
longas e vulneráveis linhas de comunicação alemãs.

Descobriu-se também que o Exército Vermelho estava muito mais bem
equipado do que o esperado. Os generais alemães ficaram
“/maravilhados/”, escreve um historiador alemão, com a qualidade das
armas soviéticas, como o lançador de foguetes Katyusha (conhecido como
“/Órgão de Estaline/”) e o tanque T-34. Hitler ficou furioso porque os
seus serviços secretos não sabiam da existência de algumas dessas armas.
A maior causa de preocupação, no que dizia respeito aos alemães, era o
facto de que a maior parte do Exército Vermelho conseguia retirar-se em
relativamente boa ordem e evitou a destruição numa enorme batalha de
cerco, na espécie de repetição de Canas [5] ou Sedan [6] com que Hitler
e os seus generais tinham sonhado. Os comandantes do Exército Vermelho
parecem ter observado e analisado cuidadosamente os sucessos da
blitzkrieg alemã de 1939 e 1940 e ter aprendido lições úteis. Devem ter
notado que, em maio de 1940, os franceses tinham concentrado o grosso
das suas forças, quer na fronteira, atrás da Linha Maginot [7], quer na
Bélgica, tornando assim possível à máquina de guerra alemã cercá-los. Os
soviéticos deixaram algumas tropas na fronteira, é claro, e essas tropas
previsivelmente sofreram grandes perdas durante as fases iniciais da
Barbarossa. Mas – ao contrário do que afirmam alguns historiadores – a
maior parte do Exército Vermelho foi retida na retaguarda, evitando a
armadilha. Foi esta “/defesa em profundidade/” – facilitada pela
aquisição em 1939 de uma “/glacis/”, um “/espaço para respirar/”
territorial, nomeadamente a “/Polónia Oriental/” – que frustrou a
ambição alemã de destruir o Exército Vermelho na sua totalidade. Como o
marechal Zhukov escreveria nas suas memórias, “/a União Soviética teria
sido esmagada se tivéssemos organizado todas as nossas forças na
fronteira/”.

Já em meados de julho, quando a guerra de Hitler no leste começou a
perder as suas qualidades de Blitz, muitos alemães, militares e civis,
de baixa e alta patente, perderam a crença numa vitória rápida. O
almirante Wilhelm Canaris, chefe do serviço secreto da Wehrmacht, o
Abwehr, confidenciou, em 17 de julho, a um colega na frente, o general
von Bock, que não via “/nada senão preto/”. Na frente doméstica, muitos
civis alemães também começaram a sentir que a guerra no leste não estava
a ir bem. Em Dresden, Victor Klemperer, um linguista judeu que mantinha
um diário, escreveu em 13 de julho que “/nós [os alemães] sofremos
perdas imensas, subestimámos os russos/”.

Na mesma altura, o próprio Hitler abandonou o seu sonho de uma vitória
rápida e fácil e reduziu as suas expectativas; agora manifestava a
esperança de que as suas tropas pudessem chegar ao Volga em outubro e
capturar os campos de petróleo do Cáucaso, mais ou menos um mês depois.
No final de agosto, num momento em que a Barbarossa deveria estar a
perder o fôlego, um memorando do Alto Comando da Wehrmacht (Oberkommando
der Wehrmacht, OKW) reconheceu que talvez já não fosse possível vencer a
guerra em 1941.

Um grande problema era o facto de que, quando a operação Barbarossa
começou, em 22 de junho, o estoque de pneus, peças de reposição e,
principalmente, combustível era suficiente para apenas cerca de dois
meses. Isso foi considerado suficiente porque se esperava que, entre
seis a oito semanas, a União Soviética estaria de joelhos e os seus
recursos ilimitados – produtos industriais e agrícolas, bem como
matérias-primas – estariam então disponíveis para o Reich. Mas, no final
de agosto, as pontas de lança alemãs não estavam em nenhum lugar perto
das regiões distantes da União Soviética onde o petróleo, o mais
precioso de todos os indispensáveis da guerra moderna, se encontrava. Se
os tanques conseguiram continuar a rolar, embora cada vez mais devagar,
nas aparentemente intermináveis extensões russas e ucranianas, foi em
grande parte por meio de combustível e borracha importados, via Espanha
e França ocupada, dos Estados Unidos.

As chamas do otimismo acenderam-se novamente em setembro, quando as
tropas alemãs obtiveram grande sucesso ao capturar Kiev e, mais ao
norte, avançaram na direção de Moscovo. Hitler acreditava, ou pelo menos
fingia acreditar, que o fim estava próximo para os soviéticos. Num
discurso público no Palácio dos Desportos de Berlim, em 3 de outubro,
declarou que a guerra oriental estava virtualmente terminada. A
Wehrmacht recebeu ordens de dar o golpe de misericórdia lançando a
Operação Tufão (Unternehmen Taifun), uma ofensiva com o objetivo de
tomar Moscovo. No entanto, as hipóteses de sucesso pareciam cada vez
menores, à medida que os soviéticos se ocupavam em trazer unidades de
reserva do Extremo Oriente. (Eles foram informados pelo seu mestre
espião em Tóquio, Richard Sorge, que os japoneses, cujo exército estava
estacionado no norte da China, já não estavam a considerar atacar as
vulneráveis fronteiras soviéticas na área de Vladivostok.) Para piorar
as coisas, os alemães já não gozavam de superioridade no ar,
especialmente sobre Moscovo. Além disso, suprimentos suficientes de
munições e comida não podiam ser trazidos da retaguarda para a frente,
uma vez que as longas linhas de abastecimentos eram severamente atacadas
pela atividade de guerrilha. Finalmente, estava a ficar frio na União
Soviética, embora provavelmente não mais frio do que o normal naquela
época do ano. O alto comando alemão, confiante de que sua Blitzkrieg
oriental terminaria até ao final do verão, falhou em fornecer às tropas
o equipamento necessário para lutar na chuva, lama, neve e temperaturas
geladas de um outono e inverno russos.

Tomar Moscovo parecia um objetivo extremamente importante nas mentes de
Hitler e dos seus generais. Acreditava-se, embora provavelmente
erradamente, que a queda de sua capital iria “/decapitar/” a União
Soviética e, assim, provocar o seu colapso. Também parecia importante
evitar uma repetição do cenário do verão de 1914, quando o avanço
aparentemente imparável da Alemanha na França tinha sido interrompido
/in extremis/, na periferia oriental de Paris, durante a Batalha do
Marne [8]. Este desastre – da perspetiva alemã – roubou à Alemanha uma
vitória quase certa nas fases iniciais da I Grande Guerra e forçou-a a
uma longa luta que, sem recursos suficientes e bloqueada pela marinha
britânica, estava condenada a perder.

Desta vez, numa nova Grande Guerra travada contra um novo arqui-inimigo,
não haveria nenhum novo “/milagre do Marne/”, ou seja, nenhuma hesitação
fora da capital do inimigo. Era imperativo que a Alemanha não se
encontrasse sem recursos e bloqueada num conflito longo e prolongado que
estava condenada a perder. Ao contrário de Paris, Moscovo cairia, a
história não se repetiria e a Alemanha acabaria por sair vitoriosa – ou
assim se esperava no quartel-general de Hitler. A Wehrmacht continuou a
avançar, embora muito lentamente e, em meados de novembro, algumas
unidades viram-se nos arredores de Moscovo, provavelmente mesmo à vista
das torres do Kremlin, mas as tropas estavam agora totalmente exaustas e
sem abastecimentos. Os seus comandantes sabiam que era simplesmente
impossível tomar a capital soviética, por mais próxima, como no mito do
suplício de Tântalo [9], que a cidade pudesse estar, e que mesmo isso
não lhes traria a vitória. Em 3 de dezembro, várias unidades abandonaram
a ofensiva por iniciativa própria. Em poucos dias, porém, todo o
exército alemão à frente de Moscovo foi simplesmente forçado à defensiva.

De facto, em 5 de dezembro, às três da manhã, em condições de frio e
neve, o Exército Vermelho lançou repentinamente um contra-ataque
importante e bem preparado. As linhas da Wehrmacht foram perfuradas em
muitos lugares, e os alemães tiveram de recuar entre 100 a 280
quilómetros com grandes perdas de homens e equipamentos; foi apenas com
grande dificuldade que um cerco catastrófico pôde ser evitado. Em 8 de
dezembro, Hitler ordenou que o seu exército abandonasse a ofensiva e se
movesse para posições defensivas. (Como a Wehrmacht realmente chegou aos
subúrbios ocidentais de Moscovo no final de 1941, pode-se argumentar que
eles quase certamente teriam tomado a cidade, e talvez vencido a guerra,
se não fossem as concessões feitas por Hitler, no Pacto de 1939, que
resultou na transferência da fronteira soviética, em centenas de
quilómetros, para ocidente). Em qualquer caso, foi em frente a Moscovo,
no início de dezembro de 1941, que a Blitzkrieg de Hitler contra a União
Soviética foi interrompida. Assim terminou não a guerra, é claro, mas o
tipo de guerra rápida que deveria ser a chave para a vitória alemã, o
tipo de guerra que permitiria a Hitler realizar a sua grande ambição, a
destruição da União Soviética. Mais importante, tal vitória também teria
fornecido à Alemanha nazi petróleo e outros recursos suficientes para a
tornar um gigante virtualmente invulnerável. Na nova “/Batalha do
Marne/” (ver nota 8), a oeste de Moscovo, a Alemanha nazi sofreu a
derrota que tornou a vitória impossível, não apenas a vitória contra a
própria União Soviética, mas também a vitória contra a Grã-Bretanha e a
vitória na guerra em geral. Deve-se notar que os Estados Unidos ainda
não estavam envolvidos na guerra.

(Continua)

Este artigo apareceu originalmente no /The Greanville Post/.

*Notas do tradutor*

[1] Harry Houdini, (“/O Grande Houdini/”) nome artístico de Ehrich Weisz
(Budapeste, 24 de março de 1874 — Detroit, 31 de outubro de 1926), foi
um dos mais famosos escapologistas e ilusionistas da história.

[2] Panzer é uma abreviação de “Panzerkampfwagen”, um substantivo da
língua alemã que se pode traduzir como “/veículo blindado de combate/” e
que, na Inglaterra e nos Estados Unidos, é chamado de tanque. Tornou-se
sinónimo dos tanques de batalha alemães durante os anos 1930 e 1940, e é
geralmente designado pela sua abreviatura “/PzKpfw/”. Panzers foram
usados em ambos os organismos terrestres que compunham as forças armadas
alemãs na Segunda Guerra Mundial: a Waffen SS e a Wehrmacht.

[3] O Junkers Ju 87, popularmente conhecido como Stuka (do alemão
Sturzkampfflugzeug, bombardeiro de mergulho, foi um bombardeiro
utilizado pela força aérea alemã (Luftwaffe) e pela Regia Aeronautica
Italiana durante a Segunda Guerra Mundial.

[4] Um dos principais afluentes do rio Dnieper, que corre ao longo da
Rússia em direção à Bielorrússia e a partir daí para a Ucrânia.

[5] A Batalha de Canas (Cannae), também conhecida no meio militar como a
Batalha da Aniquilação, travada a 2 de agosto de 216 a.C., foi uma
batalha decisiva da Segunda Guerra Púnica, em que o exército cartaginês,
liderado por Aníbal, esmagou o exército romano liderado por Varrão.

[6] A Batalha de Sedan foi um conflito travado em 1 de setembro de 1870,
próximo à cidade francesa de Sedan, durante a Guerra franco-prussiana.Um
exército chefiado por Napoleão III e o general Mac-Mahon tentou libertar
o general François Achille Bazaine, em Metz, mas acabou cercado pelos
prussianos, em 31 de agosto, na batalha de Sedan, que decidiu o
conflito. Em 1 de setembro, os franceses tentaram inutilmente romper o
cerco e, em 2 de setembro, Napoleão, Mac-Mahon e 83.000 soldados
renderam-se aos alemães. Resultou na captura do imperador Napoleão III,
juntamente com o seu exército, e praticamente decidiu o conflito em
favor do Reino da Prússia e seus aliados. Napoleão III, desacreditado
aos olhos dos franceses, teve de abdicar.

[7] A Linha Maginot foi uma linha de fortificações e de defesa
construída pela França ao longo das suas fronteiras com a Alemanha e a
Itália, após a Primeira Guerra Mundial, mais precisamente entre 1930 e
1936. O complexo de defesa possuía várias vias subterrâneas, obstáculos,
baterias blindadas escalonadas em profundidade, postos de observação com
abóbadas blindadas e paióis de munições a grande profundidade.

[8] O Marne é um rio francês, com cerca de 525 km, e é um dos principais
afluentes do rio Sena, junto do qual, na I Guerra Mundial, no fim de
Agosto de 1914, toda a tropa da Tríplice Entente na Frente Ocidental foi
forçada a recuar em direção à Paris. Ao mesmo tempo as duas principais
forças alemãs continuavam avançando pela França com a intenção de
capturar Paris e surpreender a retaguarda inimiga.

Foi então organizado um contra-ataque pelo chefe militar de Paris,
Joseph Simon Gallieni, ao longo do rio Marne, para parar a ofensiva
alemã. A batalha começou no dia 5 de Setembro quando a Sexta Infantaria
Francesa, liderada pelo general Michel-Joseph Maunoury, encontrou a
Primeira Infantaria Alemã. A ajuda britânica só veio em 9 de Setembro, o
que obrigou ao recuo da Alemanha.

Este desfecho, no entanto, deve-se mais às falhas de execução no plano
alemão, do que propriamente aos méritos dos defensores.

[9] Tântalo era um rei da Frígia e governava com despotismo e traição,
inclusive contra o próprio filho. Condenado à região mais remota do
Tártaro, o seu castigo consistia em sustentar uma grande pedra sobre a
cabeça e, tomado por imensa sede e fome que não podia saciar, procurava
amenizar colhendo algum dos frutos que brotavam acima de si, mas os
frutos afastavam-se quando ele estava prestes a colhê-los.

[10] O termo refere-se ao surgimento de uma personagem, artefacto ou
evento inesperado, artificial ou improvável, introduzido repentinamente
numa trama ficcional com o objetivo de resolver uma situação ou
simplificar um enredo. O uso de /Deus ex machina/ surgiu no teatro na
Grécia Antiga, no qual muitas peças terminavam com uma divindade
surgindo metaforicamente no palco, após o ator correspondente ser
descido por um guindaste até o local da encenação, para finalizar as
histórias contadas até então.

[11] A Batalha das Ardenas (16 de dezembro de 1944 - 25 de janeiro de
1945) foi a grande contraofensiva alemã no oeste (die
Ardennenoffensive), lançada no fim da Segunda Guerra Mundial, na
floresta das Ardenas na Valónia, Bélgica, e também chegou à França e ao
Luxemburgo na Frente Ocidental. A ofensiva alemã foi apoiada por várias
pequenas operações. O objetivo da Alemanha com estas operações era
dividir os Aliados americanos e britânicos ao meio, capturando a região
da Antuérpia e a Bélgica, cercando e destruindo as forças Aliadas,
tentando forçar os Aliados ocidentais a negociar um tratado de paz em
separado com as potências do Eixo. Uma vez com seus objetivos
conquistados, Hitler poderia focar todo seu poderio militar contra os
Soviéticos no Leste.

[12] O Crepúsculo dos Deuses (em alemão: Götterdämmerung) é uma ópera do
compositor alemão Richard Wagner, a quarta parte das quatro que compõem
a tetralogia Der Ring des Nibelungen (O Anel do Nibelungo). Composta
entre 1869 e 1874, a sua estreia ocorreu no Bayreuth Festspielhaus,
Bayreuth, em 17 de agosto de 1876, como parte da primeira apresentação
completa da Saga do Anel.

*Fonte*: /https://mltoday.com/operation-barbarossa-myths-and-realities//
<https://mltoday.com/operation-barbarossa-myths-and-realities/>/,
publicado e acedido em 2021/07/05./

Tradução do inglês de TAM

In
PELO SOCIALISMO
https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/operacao-barbarossa-mitos-e-realidades-156130
9/8/2021