terça-feira, 30 de julho de 2019

A fraqueza da ilusão democrática: um ensaio político não sentimental




    O golpe de 2016 e a posterior eleição de Bolsonaro impõem um sério e
    profundo reexame da trajetória da esquerda brasileira nas últimas
    décadas. Não é mais possível depois dessa vergonhosa derrota
    política e moral continuar com "mais do mesmo", como, por exemplo,
ainda manter esperanças no STF ou em votações na Câmara dos Deputados.


O ano de 2016 foi emblemático na história política brasileira. O Partido
dos Trabalhadores (PT), organização política surgida no bojo da
resistência à ditadura empresarial-militar, originalmente com tendências
pronunciadamente socialistas, foi despojado da Presidência da República.
O PT tem que viver com a amarga experiência de redescobrir a existência
da luta de classes, do imperialismo, da não-neutralidade republicana dos
aparelhos do Estado etc. Marilena Chaui, lamentavelmente, também teve
que lembrar que o maior mal do mundo não reside na “classe média” paulista.

Aparentemente, a burguesia brasileira, em suas diversas frações, não
aprendeu o respeito bobbiano às regras do jogo. Já a esquerda
pós-comunista, como muitos queriam nos anos 1980 do século XX, aprendeu
o “valor da democracia”: as principais tendências da esquerda nos
últimos trinta anos respeitaram religiosamente os limites impostos pela
democracia burguesa no Brasil e, de tanto respeitarem, como prezam as
regras explícitas, mas não ditas do jogo, passaram a ser fiéis gerentes
do sistema.

As esperanças brasileiras no processo de redemocratização – que optamos
por chamar de otimismo democrático – foram derrotadas. Aliás, mais que
isso, esperava-se dos anos 1980 uma oportunidade única para combater o
“autoritarismo” e a “exclusão social” históricos da formação
socioeconômica brasileira.

Inegavelmente, o otimismo tinha uma razão de ser. Afinal não é em toda
conjuntura histórica que, depois de mais de duas décadas de ditadura,
emerge um pulsante movimento operário e popular. Tudo podia acontecer.
E, no que é essencial, nada aconteceu. O sistema político brasileiro
continuou fundamentado numa democracia restringida e com uso dilatado do
terrorismo de Estado por meio de uma política sistemática de extermínio
frente a segmentos da classe trabalhadora – notadamente, a população
negra das favelas brasileiras.

No ano do golpe parlamentar, pudemos constatar que o Estado brasileiro
mata, tortura e viola mais os direitos humanos que na época da ditadura
empresarial-militar. O extermínio sistemático – enquanto política de
Estado – segue firme e encontra até uma forma jurídica e constitucional
para sua reprodução: os autos de resistência (Zaccone, 2014). A
militarização da vida social não parou de crescer: um soldado do
Exército Brasileiro passa, em média, cem dias do ano em atividades
“internas” (policiamento) – ver a coletânea /Até o último homem/
<https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/ate-o-ultimo-homem-450>,
organizada por Felipe Brito e Pedro Rocha de Oliveira.

Ironicamente, Orlando Zaccone pergunta “o que resta da ditadura?” E
responde, ecoando Tales Ab’Saber, tudo, menos a ditadura! A democracia
burguesa é bem mais parecida com a ditadura militar burguesa do que
suspeitava o otimismo democrático dos anos 80. Porém, curiosamente, a
cada nova constatação de que a democracia e o famoso “Estado de Direito”
estão longe das ideias dos livros e dos discursos, os setores
hegemônicos da esquerda, ao invés de questionarem a própria ideia de
democracia abraçada, optam por reforçar suas convicções anteriores
insistindo que a democracia é pouco democrática e precisa ser
democratizada^1 <#_ftn1>. Num ciclo de imunidade auto-atribuída, o
problema da democracia se resolve com mais democracia e cada “regressão
democrática” deve ser respondida com uma defesa mais enfática da democracia.

O objetivo dessa reflexão é debater a regressão democrática da
democracia, abordar o processo de retirada dos direitos democráticos da
classe trabalhadora no âmbito da democracia burguesa e o consequente
empobrecimento teórico e político dos setores majoritários da esquerda
brasileira e mundial na crítica à democracia realmente existente. A
chave analítica fundamental que guiará nossa análise é a /distinção
política e teórica/ entre /direitos democráticos/ e /democracia
burguesa/, buscando demostrar as diferenças e os desencontros entre
ambos e como a confusão entre as duas produziu nas últimas décadas um
enfraquecimento significativo na crítica e nas possibilidades
revolucionárias.


    *Somos todos democratas*

Na história de organização da classe trabalhadora, desde a gênese do
capitalismo, sempre houve concepções diferentes do que é democracia. Até
mesmo nas revoluções burguesas europeias, especialmente francesa e
inglesa, é possível identificar setores mais radicalizados que
apresentavam propostas avançadas do que chamaríamos hoje de soberania
popular e igualdade social – como o caso do jacobinismo, na França.

A primeira grande expressão da maturidade organizativa e política da
classe operária europeia, a socialdemocracia, continha um projeto de
democracia antagônico ao defendido pela classe dominante: o liberalismo,
expressão ideológica da burguesia, compreendia uma concepção
jurídico-formal e restritiva de democracia (igualdade jurídica e
direitos políticos apenas para os homens brancos, proprietários e
europeus) e descarta qualquer conteúdo “social” na dimensão do regime
político.

A socialdemocracia apresentava uma concepção ampla de democracia,
alargando a esfera dos iguais e dos portadores de direitos políticos e
exigindo, de forma indispensável, que a democracia tivesse um conteúdo
social: o fim da propriedade privada e da anarquia na produção,
compreendidos, à época, como os principais elementos do capitalismo,
eram determinantes fundamentais da realização da verdadeira democracia.

Durante boa parte do século XX, por matrizes diferentes, houve um
confronto entre concepções diferenciadas de democracia. Esse gigantesco
embate teórico e político foi esvaziado nos anos 1980. De 1917 até a
década de 1970 – entre grandes derrotas, como a Revolução Alemã e a
Guerra Civil Espanhola, e grandes vitórias, como as revoluções Russa,
Chinesa, Cubana e Coreana – o conflito entre capital e trabalho no
âmbito mundial encontrava-se numa situação de relativo equilíbrio.
Embora a maioria do mundo fosse capitalista, a distância entre, por um
lado, as forças do capital e, por outro, as forças dos povos coloniais e
da classe trabalhadora, não era tão discrepante e existiam ameaças reais
de superação do capitalismo.

Com a contrarrevolução neoliberal e neocolonial que avançou ao final dos
anos 1970, ganhou forças na década seguinte e foi finalmente vitoriosa
nos anos 90 – indo além dos sonhos mais otimistas da ordem dominante com
a derrubada da União Soviética e das democracias populares do Leste
Europeu –, instala-se uma situação social na qual a crítica radical do
existente, e, portanto, da democracia, não estava na ordem do dia e foi
banida do debate teórico. A despeito da valentia de intelectuais tomados
individualmente que se recusaram a capitular e a aceitar “o fim da
história”, formou-se um “consenso conservador sobre a democracia^2 <#_ftn2>.

A democracia em sua versão liberal parlamentar, tida apenas como uma
competição eleitoral regular entre partidos semelhantes, passou a ser o
sinônimo da única democracia possível e aceitável. O revezamento
sistemático do poder entre partidos da classe dominante, liberais ou
conservadores, socialdemocratas ou neoliberais, que executam basicamente
o mesmo programa e garantem que “não há alternativa”.

Nesse cenário, os poucos que se atreviam a debater os limites da
democracia burguesa – agora não mais adjetivada como tal – eram logo
tachados de autoritários ou totalitários. Três noções são fundamentais
para a hegemonia do consenso conservador em torno da democracia
burguesa. A primeira (talvez a que se mantém mais sólida nos dias
atuais) é que a esquerda revolucionária (sobretudo os comunistas) seria
antidemocrática, violadora dos direitos humanos e que sacrifica no altar
da igualdade social as liberdades individuais. Como consequência disso,
as experiências de transição socialista, chamadas em linguagem
jornalística de “países” ou “governos” comunistas, se resumiriam a
regimes autoritários ou totalitários – e a crítica/denúncia do
“stalinismo” evidentemente desempenha um papel central nessa narrativa^3
<#_ftn3>.

Se o principal problema das experiências de transição socialista foi a
ausência de democracia e o autoritarismo dos Partidos Comunistas, é
necessário compreender a importância do valor em si da democracia. Aqui
entramos na segunda noção. Os anos 1980 e 90 marcaram processos muito
importantes: o fim do apartheid na África do Sul e o término de várias
guerras de libertação nacional em África, a saída de cena do ciclo de
ditaduras militares do grande capital na América Latina e a
legalização/desarmamento de agrupamentos político-militares
revolucionários na América Central. Nesses processos, já numa correlação
de forças política e militar em âmbito mundial desfavorável e com a
hegemonia neoliberal consolidada, vários ex-revolucionários das mais
diversas matizes, aceitaram que não se tratava de pôr termo à
dependência, ao subdesenvolvimento e às democracias burguesas, mas
recuperar ou criar uma democracia liberal burguesa.

O desenrolar histórico é, por si só, expressivo, e podemos abordar
rapidamente como exemplo o caso da África do Sul. O regime
pós-apartheid, dirigido Nelson Mandela e seu partido (Congresso Nacional
Africano), garantiu a vigência de uma igualdade jurídico-formal, mas a
segregação étnico-racial nos seus vários determinantes (geográfico,
econômico, cultural, social e político) não só se manteve, como foi
ampliada. Em suma, na democracia pós-apartheid na África do Sul,
mantém-se intacto o Estado racialista^4 <#_ftn4>.

O complemento necessário desse violento desarme político e teórico é o
/banimento/ da tematização do imperialismo, do colonialismo e da máquina
de guerra operante em todos os cantos do planeta, mas em especial na
periferia do sistema – a terceira noção desse consenso democrático. A
derrota do movimento comunista no século XX foi acompanhada da derrota
da revolução anticolonial que marcou a América, a África e a Ásia
(revolução que politicamente teve várias expressões, como o movimento
terceiro-mundista, o nacionalismo revolucionário e a fusão entre
patriotismo e marxismo, como na Revolução Coreana e Chinesa); o
imperialismo, nos anos 90, retoma uma ofensiva neocolonial de proporções
assustadoras e, justamente nesse momento, some de cena a reflexão sobre
o imperialismo, o colonialismo e o complexo industrial-militar^5 <#_ftn5>.

Enquanto o neocolonialismo vivia seu melhor momento desde a ascensão do
nazifascismo, as modas acadêmicas do momento falam em micropoder,
disciplina, poder simbólico, fim do Estado Nacional e dominação burguesa
especialmente por meio da ideologia. Poucas vezes na história foi
possível achar um momento em que reflexões que se pretendiam críticas ao
/establishment/ (em aspectos totais ou parciais) se descolaram tanto da
realidade^6 <#_ftn6>. Como ciclos que se completam, a negação de
qualquer “aspecto positivo” nas experiências de transição socialista se
combina com a canonização “crítica” ou acrítica da democracia (burguesa)
e se fundem com o banimento de qualquer reflexão a respeito do
imperialismo, do militarismo e do colonialismo. Surge o melhor dos
mundos: um mundo em que não haveria mais espaço para ditaduras, golpes
militares ou o fascismo e todos serão beneficiados pela globalização. O
grande problema da ideologia dominante é que a realidade teima em
contradizê-la.


    *A regressão democrática da democracia*

Domenico Losurdo, no seu livro /Contra-história do liberalismo/,
demostra que o pensamento liberal, desde o seu surgimento, foi uma
ideologia que buscou compreender a liberdade como um direito da
comunidade dos livres: homens brancos, proprietários e europeus (dos
países centrais da Europa). Os trabalhadores eram considerados
não-humanos, como máquinas falantes, os escravos e os povos coloniais
apareciam como essência da inumanidade, e as mulheres recebiam a
qualificação de seres inferiores.

Nunca houve dúvidas para a burguesia de que era necessário construir um
sistema político que tivesse como objetivo primeiro a defesa da
propriedade privada e da riqueza fruto da exploração: o mecanismo de
câmaras legislativas para os lordes, o voto censitário, a proibição da
montagem de partidos operários e sindicatos, a negação de votos para
analfabetos e mulheres, a perseguição à imprensa operária, o terrorismo
estatal etc. exemplificam esse momento histórico.

Portanto, a burguesia nunca confundiu a democracia política (isto é,
liberdade de organização partidária, imprensa, reunião, manifestação,
etc.) para a classe trabalhadora (ou seja, a imensa maioria da
população), com seu regime constitucional-parlamentar. A primeira é
criação /da classe trabalhadora nos seus enfrentamentos contra o
capital/, enquanto o último é criação da burguesia sob o liberalismo. A
relação entre regime burguês e democracia política em tempo algum foi
harmoniosa. Ao aceitar pela força a participação da classe operária no
“jogo” democrático-burguês, a classe dominante nunca deixou de buscar
mecanismos de exclusivismo no exercício do poder: a lógica é permitir a
participação política da classe trabalhadora negando sua incidência nos
centros de controle do poder político.

Não é nosso objetivo nesta coluna detalhar os mecanismos mobilizados
pela classe dominante a fim de esvaziar qualquer possibilidade mínima de
incidência da classe trabalhadora no poder por meio da participação
política institucional. O fato importante é o seguinte: para a ordem do
capital sempre foi clara a distinção entre os direitos democráticos e
seu regime constitucional.

Contudo, há que se considerar um fenômeno importante já brevemente
pontuado: durante a fase de ascensão das lutas proletárias e dos povos
coloniais, a tensão entre regime burguês e direitos democráticos chegou
a tal ponto que condicionou várias rupturas democráticas, ensejando
soluções fascistas, ditaduras militares e/ou invasões militares
neocoloniais. /Houve, efetivamente, momentos em que a burguesia não
suportou a sua democracia burguesia/, porém, ao mesmo tempo em que a
democracia política sob o Estado burguês era um impedimento temporário
para seguir num padrão de acumulação de capital desejável, era um
limitador da ação das classes subalternas contra a ordem do capital;
exemplo significativo é o Chile da Unidade Popular^7 <#_ftn7>.

Durante a contrarrevolução neoliberal e neocolonial, ganhou força um
fenômeno novo em sua proporção: /a gigantesca regressão dos direitos
democráticos da classe trabalhadora sem precisar de rupturas
institucionais./ Um dos exemplos mais significativos desse processo é a
chamada “onda punitiva” e a formatação do Estado penal nos países
centrais do capitalismo (ver as obras do sociólogo francês Loïc
Wacquant, em especial /As duas faces do gueto /
<https://www.boitempoeditorial.com.br/produto/as-duas-faces-do-gueto-171>e
/As prisões da miséria/).

Todo esse processo de regressão democrática dos direitos da classe
aconteceu com uma inestimável contribuição dos aparelhos de repressão e
espionagem do Estado burguês. A narrativa de uma “sociedade ocidental”
na qual a repressão cede lugar progressivamente à luta pelo consenso na
dominação burguesa, perde de vista que, frente ao aumento da densidade
da rede associativa das classes em luta na disputa ideológica, a classe
dominante respondeu com a criação de aparelhos de
repressão/controle/vigilância herméticos a qualquer controle popular ou
público. Esses aparelhos atuam numa permanente “guerra suja” contra os
movimentos e organizações das classes subalternas: sequestros,
assassinatos, infiltrações, roubos, sabotagens, apoio a golpes de
Estado, falsificação de eleições, promoção de determinadas vertentes
culturais e guerra econômica estão entre algumas atividades promovidas
pela CIA e o FBI – paradigmas maiores desse tipo de aparelho estatal
burguês, que se generalizou e profissionalizou nos países centrais do
capitalismo no pós Segunda Guerra^8 <#_ftn8>.

O avanço da classe dominante em seus objetivos de fazer regredir os
direitos democráticos dentro da democracia burguesa é sempre facilitado
pela própria posição de classe das personificações do capital.
/Democracia política não é a mesma coisa que dominação burguesa, mas,
sob o Estado burguês, toda democracia política é uma forma de dominação
burguesa./

Isso ocorre porque: a) Os centros decisórios estratégicos do Estado
estarão sempre subordinados ao interesse geral de acumulação do capital
(o que não se confunde com o interesse de um capitalista ou um de grupo
deles tomado como exemplo “empírico”); b) são tomados como fato dado,
natural de um ponto de visto ideológico, político e jurídico, a
propriedade privada dos meios de produção, a apropriação privada da
riqueza e a mercantilização da força de trabalho; c) por ter o poder
econômico concentrado, a burguesia em suas diversas frações está
estruturalmente em vantagem na disputa pelo controle dos diversos
aparelhos do Estado e, quando perde aparelhos centrais, como um Governo
Federal, dispõe de uma rede de aparelhos de hegemonia privados que
conseguem com relativa facilidade paralisar ou destruir a ação incômoda
do aparelho estatal que se tornou disfuncional.

Dito de maneira mais simples: /sobre a base capitalista, toda democracia
é burguesa, embora os direitos democráticos sejam conquistas da classe
trabalhadora/. Cabe, portanto, a pergunta: qual é o fator determinante
que permite em determinadas conjunturas a classe trabalhadora impor
conquistas democráticas ou tornar disfuncional a democracia burguesa?
Resposta: a ação de classe com radicalidade na defesa não da democracia
em si, mas dos direitos democráticos da classe^9 <#_ftn9>. Em todos os
momentos históricos em que a classe trabalhadora avançou em conquistas
democráticas se deu em um horizonte onde se pretendia muito mais que
melhorar o Estado burguês. Isto é, foi criticando agudamente os limites
da democracia burguesia e buscando radicalmente superá-la que foi
possível impor uma relativa democratização do Estado burguês.

No caso brasileiro, o Partido dos Trabalhadores, em sua origem advoga a
conquista do poder político. O PT dizia, numa formulação de clara
inspiração leninista clássica, que não existe exemplo de transição
socialista iniciada sem os trabalhadores tomarem o poder do Estado (ver
as obras de Mauro Iasi, em especial, /As metamorfose da consciência de
classe/ e /Estado, política e ideologia na atual trama conjuntural/).

A não aliança com partidos da ordem, independência financeira e
política, o foco na luta de massas e não na disputa institucional e o
programa político radical foi o principal vetor de resistência à
transição conservadora da ditatura empresarial-militar à democracia
burguesa. Por uma série de determinantes históricos que não cabe
aprofundar nesse momento, o PT progressivamente suavizou a radicalidade
do programa, abrandou a independência de classe financeira e política,
centrou-se na luta institucional e passou a defender como sinônimo de
“caminho democrático ao socialismo” a atuação nos marcos da democracia
(burguesa) brasileira.

A consequência é o esvaziamento da ação de classe dos subalternos como
vetor de resistência ao fortalecimento da autocracia burguesa, e a
conversão do PT em operador político do sistema, deixando “legados”
perfeitos à dominação de classe, como a lei antiterrorismo, as Unidades
de Polícia Pacificadora (UPPs) e o apassivamento dos explorados. Nas
palavras de Mauro Iasi:

“As mudanças que se verificam não se operam aleatoriamente, mas no
sentido de recolocar a consciência que se emancipava de volta nos
trilhos da ideologia. Não é, em absoluto, certas palavras-chaves vão
substituindo, pouco a pouco, alguns dos termos centrais das formulações:
ruptura revolucionária por rupturas, depois por democratização radical,
depois por democratização e finalmente chegamos aos “alargamento das
esferas de consenso”; socialismo por socialismo democrático, depois por
democracia sem socialismo; socialização dos meios de produção por um
controle social do mercado; classe trabalhadora, por trabalhadores, por
povo, por cidadãos; e eis que palavras como revolução, socialismo,
capitalismo, classes, vão dando lugar cada vez mais marcante para
democracia, liberdade, igualdade, justiça, cidadania, desenvolvimento
com distribuição de renda”.

^Mauri Luis Iasi, Mauro Luis Iasi, /As metamorfose da consciência de
classe: o PT entre a negação e o consentimento/ (São Paulo: Expressão
Popular, 2006), p. 435.

Em resumo, o consenso conservador em torno da democracia é o norte de
uma época histórica de brutal regressão da democracia política, e as
respostas hegemonicamente formuladas pela esquerda (a perspectiva de
democratizar a democracia) não estão conseguindo fazer frente a esse
fenômeno. O desarme teórico está imbricado com a derrota política num
processo de retroalimentação.


    *Conclusão*

O adversário de classe não está retrocedendo na democracia. Esta
conclusão não impõe posturas esquerdistas e mecanicistas que não
conseguem apreender, para as classes dominadas, a diferença entre lutar
sob uma democracia burguesia ou sob uma ditadura fascista. A mudança de
rota que deve ser operada pelas forças de esquerda empenhadas em
derrubar a ordem capitalista tem como prisma primeiro encarar a
democracia burguesa como ela realmente é: na democracia realmente
existente, a violência, o terrorismo estatal, a negação de direitos
básicos (como liberdade de imprensa e organização sindical), os
massacres no campo, os autos de resistência e a história de milhares na
mesma situação de Rafael Braga não constituem um desvio, uma perversão,
do ideal do Estado democrático de Direito – são o seu funcionamento
concreto, são a sua essência de classe em movimento.

O confronto da democracia realmente existente deve andar casado com a
defesa intransigente, estratégica, dos direitos democráticos da classe
trabalhadora. A democracia política sempre carregou altíssimo potencial
de contradição com a ordem burguesa. A novidade, contudo, é que nesse
momento de crise estrutural do capital e ofensiva neocolonial, tal
contradição é aguçada. O golpe parlamentar de 2016 e a posterior eleição
de Jair Bolsonaro, enquanto particularidades da conjuntura brasileira,
impõem, igualmente, um sério e profundo reexame da trajetória da
esquerda brasileira nas últimas décadas.

Não é mais possível depois dessa vergonhosa derrota política e moral
continuar com “mais do mesmo”, como, por exemplo, ainda manter
esperanças no STF ou em votações na Câmara dos Deputados.

A conclusão que se impõe, portanto, é/máximo combate à democracia
burguesa e máxima defesa dos direitos democráticos da classe
trabalhadora/. Dentro desta perspectiva temos um norte de atuação para
uma retomada crítica da luta política no âmbito da “questão
democrática”. Democratizar a democracia é a forma política do reformismo
burguês. Tal como as ideologias do crescimento econômico com a
distribuição de renda
<https://blogdaboitempo.com.br/2019/06/27/chegou-a-hora-da-revolucao-brasileira-critica-a-ideologia-da-industrializacao-e-do-crescimento-economico/>,
democratizar o Estado burguês retira do horizonte a luta pelo poder
popular, isto é, pela derrubada do Estado burguês e a construção de uma
verdadeira democracia fundada na propriedade social com economia
planificada e democracia operária. Não há futuro fora da luta pelo poder
popular.


In
BLOGO DA BOITEMPO
https://blogdaboitempo.com.br/2019/07/17/a-fraqueza-da-ilusao-democratica-um-ensaio-politico-nao-sentimental/
17/9/2019

segunda-feira, 29 de julho de 2019

As esquerdas distraídas




por Aldo Fornazieri

Se as esquerdas não tiverem senso de prioridade e não souberem travar a
luta no campo que lhes é favorável e desvantajoso para Bolsonaro terão
um segundo semestre de derrotas.


Insistir no tema da crise e defensiva das esquerdas não é uma
predileção. É uma necessidade, em face das derrotas alarmantes que elas
colheram no primeiro semestre e da tendência de não apresentarem uma
estratégia relevante no segundo semestre. Na próxima semana começa o
segundo semestre político do país. Não há nenhum sinal de que as
esquerdas estejam preparadas para enfrenta-lo, pois não apresentaram, ao
menos até agora, nenhuma agenda, nenhuma estratégia. Permanecem na
penúria e na sonolência que as caracterizaram no primeiro semestre.

No primeiro semestre Bolsonaro primou em distrair as esquerdas e as
esquerdas se esmeraram em ser distraídas por Bolsonaro. O fato concreto
é que Bolsonaro está na ofensiva e as esquerdas na defensiva. Lançando
uma profusão de temas diversionistas e secundários para o debate do que
interessa para o país, como armas, cadeirinhas de crianças, fiscalização
de motoristas nas estradas, declarações homofóbicas e machistas,
reverência a Trump e aos Estados Unidos e assim por diante, ele vai
conseguindo pautar as esquerdas com esses temas culturalistas,
ideológicos e moralistas. Não que este embate não deva ser feito, mas
ele não é o principal para uma estratégia de esquerda. Em sendo a
sociedade conservadora, debater esses temas pautados pela agenda
conservadora do Bolsonaro significa perder.

Bolsonaro promove o confronto ideológico porque sabe que este lhe é
favorável e porque é um dos poucos trunfos que tem neste momento. Com a
economia travada e com o Estado sem recursos este debate lhe é
conveniente: vai fincando estacas ideológicas, conservadoras e
moralistas esperando uma virada na economia. No momento em que esta
vier, ele recuperará popularidade perdida e terá erguido uma barreira de
avanço conservador na sociedade. A sociedade poderá assumir contornos
ainda mais conservadores se a economia se recuperar. Esta é a aposta de
Bolsonaro.

As esquerdas não conseguirão enfrentar de forma inteligente o
conservadorismo de Bolsonaro no terreno e nos termos que são favoráveis
a ele. A agenda culturalista e a política da moralidade não podem ser os
pontos prioritários de uma estratégia das esquerdas. A agenda
conservadora e a política de valores deve sempre ser acompanhadas pelos
interesses concretos da sociedade. A disputa da hegemonia não é só
cultural ou prioritariamente cultural.  Ela precisa partir do concreto
para o abstrato, do empírico para a ideologia, do desemprego de 15
milhões de trabalhadores para a noção de bem estar e de direitos, da
desigualdade e dos privilégios inaceitáveis para a ideia de uma
sociedade justa… e assim indefinidamente. A disputa pela hegemonia, como
ensinou Gramasci, envolve principalmente os interesses concretos.

Leia também:  CIA, Manuela e Araraquara, por Rogério Mattos
 <https://jornalggn.com.br/noticia/cia-manuela-e-araraquara/>

O fato é que se Bolsonaro sequer fala ou se preocupa com o desemprego e
a desigualdade, as esquerdas não têm esses pontos como prioridades em
sua agenda e não mobilizam em torno deles. Não têm os desmanches na
saúde e o meio ambiente como pontos cruciais no enfrentamento de
Bolsonaro. Não têm a dramática e trágica situação das periferias como
algo do seu interesse e de sua ação. Abandonaram a pauta da violência
nas mãos de Sérgio Moro.

As esquerdas estão distraídas com os temas diversionistas de Bolsonaro,
com Sérgio Moro, com o The Intercept, com a interminável incapacidade da
campanha Lula Livre, com o combate ao fascismo conceito que a maioria
esmagadora do povo sequer sabe o que significa. A tática das esquerdas
consiste exatamente no seguinte: esquecer-se do principal e transformar
o secundário em prioridade.

Chega a impressionar a incongruência das esquerdas: seguindo teses
equivocadas de Marilena Chauí e de outros sociólogos, elas se
especializaram em hostilizar as classes médias, mas as suas pautas
políticas são formadas prioritariamente por temas das classes médias. O
problema estratégico das esquerdas não está na hostilização e nem na
capitulação a temas das classes médias. O problema é ganhar e organizar
o povo pobre e as periferias e puxar as classes médias para uma aliança.
Nesta questão o Brasil caminha de forma esquizofrênica: FHC promoveu uma
aliança das classes médias com os ricos fazendo-as crer que poderiam ser
ricas. Lula e o PT promoveram uma aliança dos pobres com as elites
fazendo-os crer que eles haviam sentado na mesa da prosperidade para sempre.

Leia também:  Vietnã, uma lição (involuntária) de Robert McNamara, por
Reginaldo de Moraes
 <https://jornalggn.com.br/artigos/vietna-uma-licao-involuntaria-de-robert-mcnamara-por-reginaldo-de-moraes/>

As esquerdas, especialmente o PT, se especializaram em se autovitimizar.
A responsabilidade por suas derrotas nunca são dos seus erros. Não fazem
autocrítica e mal aceitam críticas. Os culpados por suas derrotas são as
elites, a grande imprensa, as classes médias, os bancos, o império
americano, as conspirações internacionais etc. Tudo isto existe, é
claro, como sempre existiu. E tudo isto precisa ser levado em
consideração na definição de uma estratégia. Não dá para se aliar às
elites, aos bancos e depois culpa-los pelas próprias derrotas.

O fato é que essa lamúria autovitimizadora vai criando gerações de
derrotistas na militância. Cria-se a crença de que nunca será possível
vencer os poderosos. A ideologia do derrotismo e da impotência é uma
causa importante das derrotas das esquerdas. Mas aqui também há uma
esquizofrenia: a contraface da ideologia do derrotismo é a ilusão de
vitórias certas. Vitórias que não se sabe de onde virão, pois seriam
vitórias sem luta.

As esquerdas precisam compreender que o povo nunca avançará na
consolidação de conquistas e vitórias se a luta não for travada no
terreno da organização popular e da ação de massas. Qualquer luta
institucional só terá alguma consequência se houver força popular
organizada. Vitórias fora desse contexto serão epifenômenos, prelúdios
de novos retrocessos.  O capitalismo predatório que existe no Brasil não
lida com considerações civilizatórias, com princípios de direitos
liberais, com a consagração da institucionalidade democrática e do
Estado de Direito. Ou isto será garantido pela organização popular ou
estará sempre ameaçado por predadores inescrupulosos. Qualquer
estratégia consequente precisa ter como pressuposto a força social e
popular organizada.

Leia também:  Argentina: a poucos meses da eleição decisiva
 <https://jornalggn.com.br/politica/argentina-a-poucos-meses-da-eleicao-decisiva/>

Os líderes partidários das esquerdas precisam ter enraizamento social e
legitimidade popular. Falam em Lula, mas não seguem Lula. Lula estava
onde o povo estava. Nunca foi general de gabinete. Os partidos precisam
abrir as portas para a juventude, para a renovação, se não quiserem se
estiolar no tempo. A militância precisa ser dirigida e orientada. Não
pode continuar nesta situação de abandono e sem moral para o combate. Os
lacrimosos argumentam que as esquerdas estão fracas no parlamento,
agregando apenas 131 deputados. Mas nunca pode ser esquecida a bancada
do PT na Assembleia Constituinte que tinha apenas 16 deputados e foi
capaz de grandes feitos, de grandes combates, ao mesmo tempo em que
tinha a sabedoria e a astúcia para negociar.

Se as esquerdas quiserem ter alguma relevância no segundo semestre
precisam dar prioridade à luta contra o desemprego, as desigualdades e
os privilégios; à luta por direitos; à luta contra a destruição da
educação e da saúde; à luta por moradia popular; à luta pela preservação
ambiental, dos territórios indígenas e das reservas ambientais, formando
uma grande frente para isto. A luta pela democracia, por Lula Livre,
pela reforma tributária com justiça fiscal, contra a violência, pela
defesa das instituições científicas e das universidades e as lutas das
políticas da moralidade devem vir adensadas àquelas lutas prioritárias.
Se as esquerdas não tiverem senso de prioridade e não souberem travar a
luta no campo que lhes é favorável e desvantajoso para Bolsonaro terão
um segundo semestre de derrotas.

*Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).*
In
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/artigos/as-esquerdas-distraidas-por-aldo-fornazieri/
29/7/2019


sábado, 27 de julho de 2019

"El agujero negro de deuda que está envolviendo al mundo entero"


 



En este episodio de 'Keiser Report', Max y Stacy hablan de cómo la
prensa dominante recurre a metáforas que ellos llevan una década usando
para referirse al agujero negro de deuda y las arenas movedizas de las
tasas negativas. Un 25 % de la deuda soberana global tiene rendimientos
negativos, lo que significa que se ha perdido el valor temporal del
dinero y se han roto las leyes de la física monetaria. Por último,
comentan una entrevista de la CNBC al secretario del Tesoro sobre el
bitcóin.

Descargar video
<https://cdnv.rt.com/actualidad/public_video/2019.07/5d3c48b208f3d9f3048b4585.mp4?download=1>
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En esta nueva emisión del programa, Stacy recuerda cómo Max acuñó hace
unos 10 años la expresión "el agujero negro de la deuda", y observa que
la prensa está utilizando ahora las mismas metáforas. En particular,
cita a Bloomberg y su expresión del "agujero negro que rodea a los
mercados de bonos del mundo".

Sobre esta cuestión, Max señala que "la cantidad de deuda mundial está
cerca del 350 % del PBI global". "*Ni el mundo entero podría crecer
nunca lo suficiente para pagar esta deuda*, así que ahora mismo se nos
está yendo de las manos, está creciendo como un agujero negro de deuda
haciendo incluso que los gobiernos emitan bonos que garantizan pérdidas
con sus intereses de rendimiento negativo", explica.

A juicio del presentador, esto "*no hace más que incrementar la deuda*,
porque no generan un flujo de caja positivo, solamente negativo, y con
eso contribuyen aún más a la deuda, la multiplican". Stacy secunda esta
visión y añade que "en el universo que conocemos a nuestro alrededor y
por el que pululan todos nuestros espectadores tenemos un agujero negro
de deuda que está envolviendo al mundo entero".

Sobre esta cuestión, Max hace notar que las acciones pierden toda su
importancia "por culpa de la acción conjunta de todos los bancos
centrales […] imprimiendo todo su confeti, su dinero fíat, y
utilizándolo para privatizar todo y ponerlo dentro del libro de cuentas
de los bancos centrales".

En su opinión, lo que queda es "el neofeudalismo, con ciudades y
complejos amurallados, habitados por los pocos miles de personas que han
impreso el confeti". "Todo lo demás será tierra de nadie, *el 98%
restante de la población estará viviendo sumida en la pobreza*. Es peor
que la época medieval y la edad oscura; será la edad del agujero negro
que envolverá nuestras almas", sostiene.

In
RT
https://actualidad.rt.com/programas/keiser_report/322356-agujero-negro-deuda-mundo
27/7/2019

quarta-feira, 24 de julho de 2019

El desorden global Anatomía del nuevo neoliberalismo



Pierre Dardot y Christian Laval

Desde hace una decena de años viene anunciándose regularmente el /fin
del neoliberalismo:/ la crisis financiera mundial de 2008 se presentó
como el último estertor de su agonía, después le tocó el turno a la
crisis griega en Europa (al menos hasta julio de 2015), sin olvidar, por
supuesto, el seísmo causado por la elección de Donald Trump en EE UU en
noviembre de 2016, seguido del referéndum sobre el /Brexit/ en marzo de
2017. El hecho de que Gran Bretaña y EE UU, que fueron tierras de
promisión del neoliberalismo en tiempos de Thatcher y Reagan, parezcan
darle la espalda mediante una reacción nacionalista tan repentina, marcó
los espíritus debido a su alcance simbólico. Después, en octubre de
2018, se produjo la elección de Jair Bolsonaro, quien promete tanto el
retorno de la dictadura como la aplicación de un programa neoliberal de
una violencia y una amplitud muy parecidas a las de los /Chicago boys/
de Pinochet. 

El neoliberalismo no solo sobrevive como sistema de poder, sino que se
refuerza. Hay que comprender esta singular radicalización, lo que
implica discernir el carácter tanto plástico como plural del
neoliberalismo. Pero hace falta ir más lejos todavía y percatarse del
sentido de las transformaciones actuales del neoliberalismo, es decir,
la especificidad de lo que aquí llamamos el nuevo neoliberalismo.

*La crisis como modo de gobierno *

Recordemos de entrada qué significa el concepto de neoliberalismo, que
pierde gran parte de su pertinencia cuando se emplea de forma confusa,
como sucede a menudo. No se trata tan solo de políticas económicas
monetaristas o austeritarias, de la mercantilización de las relaciones
sociales o de la /dictadura de los mercados financieros/. Se trata más
fundamentalmente de una racionalidad política que se ha vuelto mundial y
que consiste en imponer por parte de los gobiernos, en la economía, en
la sociedad y en el propio Estado, la lógica del capital hasta
convertirla en la forma de las subjetividades y la norma de las
existencias.

Proyecto radical e incluso, si se quiere, revolucionario, el
neoliberalismo no se confunde, por tanto, con un conservadurismo que se
contenta con reproducir las estructuras desigualitarias establecidas. A
través del juego de las relaciones internacionales de competencia y
dominación y de la mediación de las grandes organizaciones de
/gobernanza mundia/l (FMI, Banco Mundial, Unión Europea, etc.), este
modo de gobierno se ha convertido con el tiempo en un verdadero sistema
mundial de poder, comandado por el imperativo de su propio mantenimiento.

Lo que caracteriza este modo de gobierno es que se alimenta y se
radicaliza por medio de sus propias crisis. El neoliberalismo solo se
sostiene y se refuerza porque gobierna mediante la crisis. En efecto,
desde la década de 1970, el neoliberalismo se nutre de las crisis
económicas y sociales que genera. Su respuesta es invariable: en vez de
poner en tela de juicio la lógica que las ha provocado, hay que llevar
todavía más lejos esa misma lógica y tratar de reforzarla
indefinidamente. Si la austeridad genera déficit presupuestario, hay que
añadir una dosis suplementaria. Si la competencia destruye el tejido
industrial o desertifica regiones, hay que agudizarla todavía más entre
las empresas, entre los territorios, entre las ciudades. Si los
servicios públicos no cumplen ya su misión, hay que vaciar esta última
de todo contenido y privar a los servicios de los medios que precisan.
Si las rebajas de impuestos para los ricos o las empresas no dan los
resultados esperados, hay que profundizar todavía más en ellas, etc.

Este gobierno mediante la crisis solo es posible, claro está, porque el
neoliberalismo se ha vuelto sistémico. Toda crisis económica, como la de
2008, se interpreta en los términos del sistema y solo recibe respuestas
que sean compatibles con el mismo. La /ausencia de alternativas/ no es
tan solo la manifestación de un dogmatismo en el plano intelectual, sino
la expresión de un funcionamiento sistémico a escala mundial. Al amparo
de la globalización y/o al reforzar la Unión Europea, los Estados han
impuesto múltiples reglas e imperativos que los llevan a reaccionar en
el sentido del sistema.

Pero lo que es más reciente y sin duda merece nuestra atención es que
ahora se nutre de las reacciones negativas que provoca en el plano
político, que se refuerza con la misma hostilidad política que suscita.
Estamos asistiendo a una de sus metamorfosis, y no es la menos
peligrosa. El neoliberalismo ya no necesita su imagen liberal o
/democrática/, como en los buenos tiempos de lo que hay que llamar con
razón el /neoliberalismo clásico/. Esta imagen incluso se ha convertido
en un obstáculo para su dominación, cosa que únicamente es posible
porque el gobierno neoliberal no duda en instrumentalizar los
resentimientos de un amplio sector de la población, falto de identidad
nacional y de protección por el Estado, dirigiéndolos contra chivos
expiatorios.

En el pasado, el neoliberalismo se ha asociado a menudo a la /apertura/,
al /progreso/, a las /libertades individuales/, al /Estado de derecho/.
Actualmente se conjuga con el cierre de fronteras, la construcción de
/muros/, el culto a la nación y la soberanía del Estado, la ofensiva
declarada contra los derechos humanos, acusados de poner en peligro la
seguridad. ¿Cómo es posible esta metamorfosis del neoliberalismo?

*Trumpismo y fascismo *

Trump marca incontestablemente un hito en la historia del neoliberalismo
mundial. Esta mutación no afecta únicamente a EE UU, sino a todos los
gobiernos, cada vez más numerosos, que manifiestan tendencias
nacionalistas, autoritarias y xenófobas hasta el punto de asumir la
referencia al fascismo, como en el caso de Matteo Salvini, o a la
dictadura militar en el de Bolsonaro. Lo fundamental es comprender que
estos gobiernos no se oponen para nada al neoliberalismo como modo de
poder. Al contrario, reducen los impuestos a los más ricos, recortan las
ayudas sociales y aceleran las desregulaciones, particularmente en
materia financiera o ecológica. Estos gobiernos autoritarios, de los que
forma parte cada vez más la extrema derecha, asumen en realidad el
carácter absolutista e hiperautoritario del neoliberalismo.

Para comprender esta transformación, primero conviene evitar dos
errores. El más antiguo consiste en confundir el neoliberalismo con el
/ultraliberalismo/, el libertarismo, el /retorno a Adam Smith/ o el /fin
del Estado/, etc. Como ya nos enseñó hace mucho tiempo Michel Foucault,
el neoliberalismo es un modo de gobierno muy activo, que no tiene mucho
que ver con el Estado mínimo pasivo del liberalismo clásico. Desde este
punto de vista, la novedad no consiste en el grado de intervención del
Estado ni en su carácter coercitivo. Lo nuevo es que el antidemocratismo
innato del neoliberalismo, manifiesto en algunos de sus grandes
teóricos, como Friedrich Hayek, se plasma hoy en un cuestionamiento
político cada vez más abierto y radical de los principios y las formas
de la democracia liberal.

El segundo error, más reciente, consiste en explicar que nos hallamos
ante un nuevo /fascismo neoliberal/, o bien ante un /momento neofascista
del neoliberalismo/ *2/*. Que sea por lo menos azaroso, si no peligroso
políticamente, hablar con Chantal Mouffe de un /momento populista/ para
presentar mejor el populismo como un /remedio/ al neoliberalismo, esto
está fuera de toda duda. Que haga falta desenmascarar la impostura de un
Emmanuel Macron, quien se presenta como el único recurso contra la
/democracia iliberal/ de Viktor Orbán y consortes, esto también es
cierto. Pero, ¿acaso esto justifica que se mezcle en un mismo fenómeno
político el /ascenso de las extremas derechas/ y la /deriva autoritaria
del neoliberalismo/?

La asimilación es a todas luces problemática: ¿cómo identificar si no es
mediante una analogía superficial el /Estado total/ tan característico
del fascismo y la difusión generalizada del modelo de mercado y de la
empresa en el conjunto de la sociedad? En el fondo, si esta asimilación
permite arrojar luz, centrándonos en el /fenómeno Trump/, sobre cierto
número de rasgos del /nuevo neoliberalismo/, al mismo tiempo enmascara
su individualidad histórica. La inflación semántica en torno al fascismo
tiene sin duda efectos críticos, pero tiende a /ahogar/ los fenómenos a
la vez complejos y singulares en generalizaciones poco pertinentes, que
a su vez no pueden sino dar lugar a un desarme político.

Para Henry Giroux *3/*, por ejemplo, el /fascismo neoliberal/ es una
“formación económico-política específica” que mezcla ortodoxia
económica, militarismo, desprecio por las instituciones y las leyes,
supremacismo blanco, machismo, odio a los intelectuales y amoralismo.
Giroux toma prestada del historiador del fascismo Robert Paxton (2009)
la idea de que el fascismo se apoya en /pasiones movilizadoras/ que
volvemos a encontrar en el /fascismo neoliberal/: amor al jefe,
hipernacionalismo, fantasmas racistas, desprecio por lo /débil/, lo
/inferior/, lo /extranjero/, desdén por los derechos y la dignidad de
las personas, violencia hacia los adversarios, etc.

Si bien hallamos todos estos ingredientes en el trumpismo y más todavía
en el bolsonarismo brasileño, ¿acaso no se nos escapa su especificidad
con respecto al fascismo histórico? Paxton admite que “Trump retoma
varios motivos típicamente fascistas”, pero ve en él sobre todo los
rasgos más comunes de una “dictadura plutocrática” *4/*. Porque también
existen grandes diferencias con el fascismo: no impone el partido único
ni la prohibición de toda oposición y de toda disidencia, no moviliza y
encuadra a las masas en organizaciones jerárquicas obligatorias, no
establece el corporativismo profesional, no practica liturgias de una
religión laica, no preconiza el ideal del /ciudadano soldado/ totalmente
consagrado al Estado total, etc. (Gentile, 2004).

A este respecto, todo paralelismo con el final de la década de 1930 en
EE UU es engañoso, por mucho que Trump haya hecho suyo el lema de
/America first/, el nombre dado por Charles Lindbergh a la organización
fundada en octubre de 1940 para promover una política aislacionista
frente al intervencionismo de Roosevelt. Trump no convierte en realidad
la ficción escrita por Philip Roth (2005), quien imaginó que Lindbergh
triunfaría sobre Roosevelt en las elecciones presidenciales de 1940.
Ocurre que Trump no es a Clinton o a Obama lo que fue Lindbergh a
Roosevelt y que en este sentido toda analogía es endeble. Si Trump puja
cada vez más en la escalada /antiestablishment/ para halagar a su
clientela electoral, no trata, sin embargo, de suscitar revueltas
antisemitas, contrariamente al Lindbergh de la novela, inspirada
directamente en el ejemplo nazi.

Pero, sobre todo, no estamos viviendo un /momento polanyiano/, como cree
Robert Kuttner (2018), caracterizado por la recuperación del control de
los mercados por los poderes fascistas ante los estragos causados por el
no intervencionismo. En cierto sentido ocurre todo lo contrario, y el
caso es bastante más paradójico. Trump pretende ser el campeón de la
racionalidad empresarial, incluso en su manera de llevar a cabo su
política tanto interior como exterior. Vivimos el momento en que el
neoliberalismo segrega desde el interior una forma política original que
combina autoritarismo antidemocrático, nacionalismo económico y
racionalidad capitalista ampliada.

*Una crisis profunda de la democracia liberal*

Para comprender la mutación actual del neoliberalismo y evitar
confundirla con su fin es preciso tener una concepción dinámica del
mismo. Tres o cuatro decenios de neoliberalización han afectado
profundamente a la propia sociedad, instalando en todos los aspectos de
las relaciones sociales situaciones de rivalidad, de precariedad, de
incertidumbre, de empobrecimiento absoluto y relativo. La generalización
de la competencia en las economías, así como, indirectamente, en el
trabajo asalariado, en las leyes y en las instituciones que enmarcan la
actividad económica, ha tenido efectos destructivos en la condición de
los personas asalariadas, que se han sentido abandonadas y traicionadas.
Las defensas colectivas de la sociedad, a su vez, se han debilitado. Los
sindicatos, en particular, han perdido fuerza y legitimidad.

Los colectivos de trabajo se han descompuesto a menudo por efecto de una
gestión empresarial muy individualizadora. La participación política ya
no tiene sentido ante la ausencia de opciones alternativas muy
diferentes. Por cierto, la socialdemocracia, adherida a la racionalidad
dominante, está en vías de desaparición en un gran número de países. En
suma, el neoliberalismo ha generado lo que Gramsci llamó /monstruos
/mediante un doble proceso de desafiliación de la /comunidad política/ y
de adhesión a principios etnoidentitarios y autoritarios, que ponen en
tela de juicio el funcionamiento /normal/ de las democracias liberales.
Lo trágico del neoliberalismo es que, en nombre de la razón suprema del
capital, ha atacado los fundamentos mismos de la vida social, tal como
se habían formulado e impuesto en la época moderna a través de la
crítica social e intelectual.

Por decirlo de manera un tanto esquemática, la puesta en práctica de los
principios más elementales de la democracia liberal comportó rápidamente
bastantes más concesiones a las masas que lo que podía aceptar el
liberalismo clásico. Este es el sentido de lo que se llamó /justicia
social/ o también /democracia social/, a las que no cesó de vituperar
precisamente la cohorte de teóricos neoliberales. Al querer convertir la
sociedad en un /orden de la competencia/ que solo conocería /hombres
económicos/ o /capitales humanos/ en lucha unos contra otros, socavaron
las bases mismas de la vida social y política en las sociedades
modernas, especialmente debido a la progresión del resentimiento y de la
cólera que semejante mutación no podía dejar de provocar.

¿Cómo extrañarse entonces ante la respuesta de la masa de/perdedores/ al
establecimiento de este orden competitivo? Al ver degradarse sus
condiciones y desaparecer sus puntos de apoyo y de referencia
colectivos, se refugian en la abstención política o en el voto de
protesta, que es ante todo un llamamiento a la protección contra las
amenazas que pesan sobre su vida y su futuro. En pocas palabras, el
neoliberalismo ha engendrado una crisis profunda de la /democracia
liberal-social/, cuya manifestación más evidente es el fuerte ascenso de
los regímenes autoritarios y de los partidos de extrema derecha,
respaldados por una parte amplia de las clases populares /nacionales/.
Hemos dejado atrás la época de la posguerra fría, en la que todavía se
podía creer en la extensión mundial del modelo de /democracia de mercado/.

Asistimos ahora, y de forma acelerada, a un proceso inverso de/salida de
la democracia/ o de /desdemocratización/, por retomar la justa expresión
de Wendy Brown. A los periodistas les gusta mezclar en el vasto marasmo
de un populismo /antisistema/ a la extrema derecha y a la izquierda
radical. No ven que la canalización y la explotación de esta cólera y de
estos resentimientos por la extrema derecha dan a luz un nuevo
neoliberalismo, aún más agresivo, aún más militarizado, aún más
violento, del que Trump es tanto el estandarte como la caricatura.

*El nuevo neoliberalismo*

Lo que aquí llamamos /nuevo neoliberalismo/ es una versión original de
la racionalidad neoliberal en la medida que ha adoptado abiertamente el
paradigma de la guerra contra la población, apoyándose, para
legitimarse, en la cólera de esa misma población e invocando incluso una
/soberanía popular /dirigida contra las élites, contra la globalización
o contra la Unión Europea, según los casos. En otras palabras, una
variante contemporánea del poder neoliberal ha hecho suya la retórica
del soberanismo y ha adoptado un estilo populista para reforzar y
radicalizar el dominio del capital sobre la sociedad. En el fondo es
como si el neoliberalismo aprovechara la crisis de la democracia
liberal-social que ha provocado y que no cesa de agravar para imponer
mejor la lógica del capital sobre la sociedad.

Esta recuperación de la cólera y de los resentimientos requiere sin
duda, para llevarse a cabo efectivamente, el carisma de un líder capaz
de encarnar la síntesis, antaño improbable, de un nacionalismo
económico, una liberalización de los mecanismos económicos y financieros
y una política sistemáticamente proempresarial. Sin embargo, actualmente
todas las formas nacionales del neoliberalismo experimentan una
transformación de conjunto, de la que el trumpismo nos ofrece la forma
casi pura. Esta transformación acentúa uno de los aspectos genéricos del
neoliberalismo, su carácter intrínsecamente estratégico. Porque no
olvidemos que el neoliberalismo no es conservadurismo. Es un paradigma
gubernamental cuyo principio es la guerra contra las estructuras
/arcaicas/ y las fuerzas /retrógradas/ que se resisten a la expansión de
la racionalidad capitalista y, más ampliamente, la lucha por imponer una
lógica normativa a poblaciones que no la quieren.

Para alcanzar sus objetivos, este poder emplea todos los medios que le
resultan necesarios, la propaganda de los medios, la legitimación por la
ciencia económica, el chantaje y la mentira, el incumplimiento de las
promesas, la corrupción sistémica de las élites, etc. Pero una de sus
palancas preferidas es el recurso a las vías de la /legalidad/, léase de
la Constitución, de manera que cada vez más resulte irreversible el
marco en el que deben moverse todos los /actores/. Una legalidad que
evidentemente es de geometría variable, siempre más favorable a los
intereses de las clases ricas que a los de las demás. No hace falta
recurrir, al estilo antiguo, a los golpes de Estado militares para poner
en práctica los preceptos de la escuela de Chicago si se puede poner un
cerrojo al sistema político, como en Brasil, mediante un golpe
parlamentario y judicial: este último permitió, por ejemplo, al
presidente Temer congelar durante 20 años los gastos sociales (sobre
todo a expensas de la sanidad pública y de la universidad). En realidad,
el brasileño no es un caso aislado, por mucho que los resortes de la
maniobra sean allí más visibles que en otras partes, sobre todo después
de la victoria de Bolsonaro como punto de llegada del proceso. El
fenómeno, más allá de sus variantes nacionales, es general: es en el
interior del marco formal del sistema político representativo donde se
establecen dispositivos antidemocráticos de una temible eficacia corrosiva.

*Un gobierno de guerra civil*

La lógica neoliberal contiene en sí misma una declaración de guerra a
todas las fuerzas de resistencia a las /reformas/ en todos los estratos
de la sociedad. El lenguaje vigente entre los gobernantes de todos los
niveles no engaña: la población entera ha de sentirse movilizada por la
/guerra económica/, y las reformas del derecho laboral y de la
protección social se llevan a cabo precisamente para favorecer el
enrolamiento universal en esa guerra. Tanto en el plano simbólico como
en el institucional se produce un cambio desde el momento en que el
principio de competitividad adquiere un carácter casi constitucional.
Puesto que estamos en guerra, los principios de la división de poderes,
de los derechos humanos y de la soberanía del pueblo ya solo tienen un
valor relativo. En otras palabras, la democracia /liberal-social/ tiende
progresivamente a vaciarse para pasar a no ser más que la envoltura
jurídico-política de un gobierno de guerra. Quienes se oponen a la
neoliberalización se sitúan fuera del espacio público legítimo, son
malos patriotas, cuando no traidores.

Esta matriz estratégica de las transformaciones económicas y sociales,
muy cercana a un modelo naturalizado de guerra civil, se junta con otra
tradición, esta más genuinamente militar y policial, que declara la
/seguridad nacional/ la prioridad de todos los objetivos
gubernamentales. El neoliberalismo y el securitarismo de Estado hicieron
buenas migas desde muy temprano. El debilitamiento de las libertades
públicas del Estado de derecho y la extensión concomitante de los
poderes policiales se han acentuado con la /guerra contra la
delincuencia/ y la /guerra contra la droga/ de la década de 1970. Pero
fue sobre todo después de que se declarara la /guerra mundial contra el
terrorismo/, inmediatamente después del 11 de septiembre de 2001, cuando
se produjo el despliegue de un conjunto de medidas y dispositivos que
violan abiertamente las reglas de protección de las libertades en la
democracia liberal, llegando incluso a incorporar en la ley la
vigilancia masiva de la población, la legalización del encarcelamiento
sin juicio o el uso sistemático de la tortura.

Para Bernard E. Harcourt (2018), este modelo de gobierno, que consiste
en “hacer la guerra a toda la ciudadanía”, procede en línea directa de
las estrategias militares contrainsurgentes puestas a punto por el
ejército francés en Indochina y en Argelia, transmitidas a los
especialistas estadounidenses de la lucha anticomunista y practicadas
por sus aliados, especialmente en América Latina o en el sudeste
asiático. Hoy, la “contrarrevolución sin revolución”, como la denomina
Harcourt, busca reducir por todos los medios a un enemigo interior y
exterior omnipresente, que tiene más bien cara de yihadista, pero que
puede adoptar muchas otras caras (estudiantes, ecologistas, campesinos,
jóvenes negros en EE UU o jóvenes de los suburbios en Francia, y tal
vez, sobre todo en estos momentos, migrantes ilegales, preferentemente
musulmanes). Y para llevar a buen término esta guerra contra el enemigo,
conviene que el poder, por un lado, militarice a la policía y, por otro,
acumule una masa de informaciones sobre toda la población con el fin de
conjurar toda rebelión posible. En suma, el terrorismo de Estado se
halla de nuevo en plena progresión, incluso cuando la /amenaza
comunista/, que le había servido de justificación durante la Guerra
Fría, ha desaparecido.

La imbricación de estas dos dimensiones, la radicalización de la
estrategia neoliberal y el paradigma militar de la guerra
contrainsurgente, a partir de la misma matriz de guerra civil,
constituye actualmente el principal acelerador de la salida de la
democracia. Este enlace solo es posible gracias a la habilidad con que
cierto número de responsables políticos de la derecha, aunque también de
la izquierda, se dedican a canalizar mediante un estilo populista los
resentimientos y el odio hacia los enemigos electivos, prometiendo a las
masas orden y protección a cambio de su adhesión a la política
neoliberal autoritaria.

*El neoliberalismo de Macron *

Sin embargo, ¿no es exagerado meter todas las formas de neoliberalismo
en el mismo saco de un /nuevo neoliberalismo/? Existen tensiones muy
fuertes a escala mundial o europea entre lo que hay que calificar de
tipos nacionales diferentes de neoliberalismo. Sin duda no asimilaríamos
a Trudeau, Merkel o Macron con Trump, Erdogan, Orbán, Salvini o
Bolsonaro. Unos todavía permanecen fieles a una forma de competencia
comercial supuestamente /leal/, cuando Trump ha decidido cambiar las
reglas de la competencia, transformando esta última en guerra comercial
al servicio de la grandeza de EE UU (“America is Great Again”); unos
invocan todavía, de palabra, los derechos humanos, la división de
poderes, la tolerancia y la igualdad de derechos de las personas, cuando
a los otros todo esto les trae sin cuidado; unos pretenden mostrar una
actitud /humana/ ante los migrantes (algunos muy hipócritamente), cuando
los otros no tienen escrúpulos a la hora de rechazarlos y repatriarlos.
Por tanto, conviene diferenciar el modelo neoliberal.

El macronismo no es trumpismo, aunque solo fuera por las historias y las
estructuras políticas nacionales en las que se inscriben. Macron se
presentó como el baluarte frente al populismo de extrema derecha de
Marine Le Pen, como su aparente antítesis. Aparente, porque Macron y Le
Pen, si no son personas idénticas, en realidad son perfectamente
complementarias. Uno hace de baluarte cuando la otra acepta ponerse los
hábitos del espantajo, lo que permite al primero presentarse como
garante de las libertades y de los valores humanos. Si es preciso, como
ocurre hoy en los preparativos para las elecciones europeas, Macron se
dedica a ensanchar artificialmente la supuesta diferencia entre los
partidarios de la /democracia liberal/ y /la democracia iliberal/ del
estilo de Orbán, para que la gente crea más fácilmente que la Unión
Europea se sitúa como tal en el lado de la democracia liberal.

Sin embargo, tal vez no se haya percibido suficientemente el estilo
populista de Macron, quien ha podido parecer una simple mascarada por
parte de un puro producto de la élite política y financiera francesa. La
denuncia del viejo mundo de los partidos, el rechazo del /sistema/, la
evocación ritual del /pueblo de Francia/, todo esto era quizá
suficientemente superficial, o incluso grotesco, pero no por ello ha
dejado de hacer gala del empleo de un método característico,
precisamente, del nuevo neoliberalismo, el de la recuperación de la
cólera contra el sistema neoliberal. No obstante, el macronismo no tenía
el espacio político para tocar esta música durante mucho tiempo. Pronto
se reveló como lo que era y lo que hacía.

En línea con los gobiernos franceses precedentes, pero de manera más
declarada o menos vergonzante, Macron asocia al nombre de Europa la
violencia económica más cruda y más cínica contra la gente asalariada,
pensionista, funcionaria y la /asistida/, así como la violencia policial
más sistemática contra las manifestaciones de oponentes, como se vio, en
particular, en Notre-Dame-des-Landes y contra las personas migrantes.
Todas las manifestaciones sindicales o estudiantiles, incluso las más
pacíficas, son reprimidas sistemáticamente por una policía pertrechada
hasta los dientes, cuyas nuevas maniobras y técnicas de fuerza están
pensadas para aterrorizar a quienes se manifiestan e intimidar al resto
de la población.

El caso de Macron está entre los más interesantes para completar el
retrato del nuevo neoliberalismo. Llevando más lejos todavía la
identificación del Estado con la empresa privada, hasta el punto de
pretender hacer de Francia una /start-up nation/, no cesa de centralizar
el poder en sus manos y llega incluso a promover un cambio
constitucional que convalidará el debilitamiento del Parlamento en
nombre de la /eficacia/. La diferencia con Sarkozy en este punto salta a
la vista: mientras que este último se explayaba en declaraciones
provocadoras, al tiempo que afectaba un estilo /relajado/ en el
ejercicio de su función, Macron pretende devolver todo su lustre y toda
su solemnidad a la función presidencial. De este modo conjuga un
despotismo de empresa con la subyugación de las instituciones de la
democracia representativa en beneficio exclusivo del poder ejecutivo. Se
ha hablado con razón de /bonapartismo/ para caracterizarle, no solo por
la manera en cómo tomó el poder acabando con los viejos partidos
gubernamentales, sino también a causa de su desprecio manifiesto por
todos los contrapoderes. La novedad que ha introducido en esta antigua
tradición bonapartista es justamente una verdadera gobernanza de
empresa. El macronismo es un bonapartismo empresarial.

El aspecto autoritario y vertical de su modo de gobierno encaja
perfectamente en el marco de un nuevo neoliberalismo más violento y
agresivo, a imagen y semejanza de la guerra librada contra los enemigos
de la seguridad nacional. ¿Acaso una de las medidas más emblemáticas de
Macron no ha sido la inclusión en la ley ordinaria, en octubre de 2017,
de disposiciones /excepcionales/ del estado de emergencia declarado tras
los atentados de noviembre de 2015?

*La aplicación de la ley en contra de la democracia *

No cabe descartar que se produzca en Occidente un /momento polanyiano/,
es decir, una solución verdaderamente fascista, tanto en el centro como
en la periferia, sobre todo si se produce una nueva crisis de la
amplitud de la de 2008. El acceso al poder de la extrema derecha en
Italia es un toque de advertencia suplementario. Mientras tanto, en este
momento que prevalece hasta nueva orden, estamos asistiendo a una
exacerbación del neoliberalismo, que conjuga la mayor libertad del
capital con ataques cada vez más profundos contra la democracia
liberal-social, tanto en el ámbito económico y social como en el terreno
judicial y policial. ¿Hay que contentarse con retomar el tópico crítico
de que el estado de excepción se ha convertido en regla?

Al argumento de origen schmittiano del /estado de excepción permanente/,
retomado por Giorgio Agamben, que supone una suspensión pura y simple
del Estado de derecho, debemos oponer los hechos observables: el nuevo
gobierno neoliberal se implanta y cristaliza con la promulgación de
medidas de guerra económica y policial. Dado que las crisis sociales,
económicas y políticas son permanentes, corresponde a la legislación
establecer las reglas válidas de forma permanente que permitan a los
gobiernos responder a ellas en todo momento e incluso prevenirlas. De
este modo, las crisis y urgencias han permitido el nacimiento de lo que
Harcourt denomina un “nuevo estado de legalidad”, que legaliza lo que
hasta ahora no eran más que medidas de emergencia o respuestas
coyunturales de política económica o social. Más que con un estado de
excepción que opone reglas y excepciones, nos las tenemos que ver con
una transformación progresiva y harto sutil del Estado de derecho, que
ha incorporado a su legislación la situación de doble guerra económica y
policial a la que nos han conducido los gobiernos.

A decir verdad, los gobernantes no están totalmente desprovistos para
legitimar intelectualmente semejante transformación. La doctrina
neoliberal ya había elaborado el principio de esta concepción del Estado
de derecho. Así, Hayek subordinaba explícitamente el Estado de derecho a
la /ley/: según él, la /ley/ no designa cualquier norma, sino
exclusivamente el tipo de reglas de conducta que son aplicables a todas
las personas por igual, incluidos los personajes públicos. Lo que
caracteriza propiamente a la ley es, por tanto, la universalidad formal,
que excluye toda forma de excepción. Por consiguiente, el verdadero
Estado de derecho es el Estado de derecho material (/materieller
Rechtsstaat/), que requiere de la acción del Estado la sumisión a una
norma aplicable a todas las personas en virtud de su carácter formal. No
basta con que una acción del Estado esté autorizada por la legalidad
vigente, al margen de la clase de normas de las que se deriva. En otras
palabras, se trata de crear no un sistema de excepción, sino más bien un
sistema de normas que prohíba la excepción. Y dado que la guerra
económica y policial no tiene fin y reclama cada vez más medidas de
coerción, el sistema de leyes que legalizan las medidas de guerra
económica y policial ha de extenderse por fuerza más allá de toda
limitación.

Por decirlo de otra manera, ya no hay freno al ejercicio del poder
neoliberal por medio de la ley, en la misma medida que la ley se ha
convertido en el instrumento privilegiado de la lucha del neoliberalismo
contra la democracia. El Estado de derecho no está siendo abolido desde
fuera, sino destruido desde dentro para hacer de él un arma de guerra
contra la población y al servicio de los dominantes. El proyecto de ley
de Macron sobre la reforma de las pensiones es, a este respecto,
ejemplar: de conformidad con la exigencia de universalidad formal, su
principio es que un euro cotizado otorga exactamente el mismo derecho a
todos, sea cual sea su condición social. En virtud de este principio
está prohibido, por tanto, tener en cuenta la penosidad de las
condiciones de trabajo en el cálculo de la cuantía de la pensión.
También en esta cuestión salta a la vista la diferencia entre Sarkozy y
Macron: mientras que el primero hizo aprobar una ley tras otra sin que
les siguieran sendos decretos de aplicación, el segundo se preocupa
mucho de la aplicación de las leyes.

Ahí se sitúa la diferencia entre /reformar/ y /transformar/, tan cara a
Macron: la transformación neoliberal de la sociedad requiere la
continuidad de la aplicación en el tiempo y no puede contentarse con los
efectos del anuncio sin más. Además, este modo de proceder comporta una
ventaja inapreciable: una vez aprobada una ley, los gobiernos pueden
esquivar su parte de responsabilidad so pretexto de que se limitan a
/aplicar la ley/. En el fondo, el nuevo neoliberalismo es la
continuación de lo antiguo en clave peor. El marco normativo global que
inserta a individuos e instituciones dentro de una lógica de guerra
implacable se refuerza cada vez más y acaba progresivamente con la
capacidad de resistencia, desactivando lo colectivo. Esta naturaleza
antidemocrática del sistema neoliberal explica en gran parte la espiral
sin fin de la crisis y la aceleración ante nuestros ojos del proceso de
desdemocratización, por el cual la democracia se vacía de su sustancia
sin que se suprima formalmente.

/Pierre Dardot / es filósofo y /Christian Laval/ es sociólogo. Ambos son
coautores, entre otras obras, de /La nueva razón del mundo /y /Común/

/Traducción: viento sur/

*_Referencias_ *

Gentile, Emilio (2004) /Fascismo: historia e interpretación/. Madrid:
Alianza.

Harcourt, Bernard E. (2018) /The Counterrevolution, How Our Government
Went to War against its Own Citizens/. Nueva York: Basic Books.

Kuttner, Robert (2018) /Can democracy survive Global Capitalism?/ Nueva
York/Londres: WW. Norton & Company.

Paxton, Robert O. (2009) /Anatomía del fascismo/. Madrid: Capitán Swing.

Roth, Philip (2005) /La conjura contra América/. Barcelona: Mondadori.

*_Notas_*:

*1/ * Prefacio a la traducción en inglés, publicada por la editorial
Verso, de /La pesadilla que no acaba nunca/ (Gedisa, 2017), obra
publicada originalmente por La Découverte, París, en 2016.

*2/ * Éric Fassin, “Le moment néofasciste du néolibéralisme”,
/Mediapart/, 29 de junio de 2018,
https://blogs.mediapart.fr/eric-fassin/blog/290618/le-moment-neofasciste-du-neoliberalisme
<https://blogs.mediapart.fr/eric-fassin/blog/290618/le-moment-neofasciste-du-neoliberalisme>.


*3/ * Henry Giroux, /Neoliberal Fascism and the Echoes of History/,
https://www.truthdig.com/articles/neoliberal-fascism-and-the-echoes-of-history/
<https://www.truthdig.com/articles/neoliberal-fascism-and-the-echoes-of-history/>
, 08/09/2018.

*4/ * Robert O. Paxton, “Le régime de Trump est une ploutocratie”, /Le
Monde/, 6 de marzo de 2017.

Fuente: https://vientosur.info/spip.php?article14984

In
REBELION
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=258603
24/7/2019

segunda-feira, 22 de julho de 2019

A inacreditável eutanásia da produção industrial brasileira






por José Martins, da redação.



Para justificar a aprovação da reforma da Previdência os economistas
brasileiros (do governo e do mercado) não cansavam de dizer que ela era
necessária para que a economia voltasse a crescer. O mesmo argumento,
aliás, que também utilizaram nos casos da reforma trabalhista, teto de
gastos do Orçamento, privatizações de empresas e serviços públicos,
desregulações do mercado, etc.

Por que essas reformas fariam a economia retomar o crescimento?  Por
causa da “explosiva divida pública” do país. Nada mais além disso. Por
causa de um suposto desequilíbrio das contas públicas a economia não
poderia voltar a crescer. É o que eles sempre dizem..

Mas esses economistas ficam muito perturbados quando se compara a
relação divida pública/PIB do Brasil com o que existe no resto do mundo
– principalmente com as economias dominantes, como verificaremos mais
abaixo – e se conclui que essa “explosiva dívida pública” brasileira não
é tão explosiva a ponto de ser um motivo suficiente para paralisar a
produção no país.

O fato é que muita gente acreditou neste lero-lero que a “nova
Previdência” e outras reformas comandadas pelos capitalistas da
indústria e outras classes parasitas do sistema trariam a economia de
volta ao crescimento, à geração de emprego, etc.

É nisso que essas pessoas ingênuas acreditaram. E continuam acreditando.
Mesmo que os próprios patrões e seus economistas desmintam
posteriormente que essas promessas eram falsas.

Como agora, nas últimas semanas, depois de vencerem covardemente mais
uma batalha contra os trabalhadores produtivos no país, eles vêm a
público para dizer com a maior cara de pau do mundo que a *reforma da
Previdência é um passo importante, mas não garante retomada do
crescimento*
<https://g1.globo.com/economia/noticia/2019/07/16/previdencia-e-passo-importante-mas-nao-garante-retomada-do-crescimento-dizem-economistas.ghtml>.

E o pior, a recuperação prometida ainda vai demorar, dizem eles. Só no
longo prazo, sabe-se lá quando, pode-se imaginar a economia voltando a
crescer acima de 3% ao ano, pelo menos. Só depois de um número infinito
de reformas no sistema.

E não desistem. Continuam com o mesmo lero-lero. Garantem que todas
essas infinitas reformas e apertos fiscais futuros terão o mesmo efeito
dinamizador da atividade econômica das reformas trabalhistas, do teto de
gastos, das privatizações, da Previdência, etc.

“O crescimento econômico requer outras reformas. Há um certo sonho de
que a simples aprovação da reforma da Previdência produziria uma
explosão de investimentos, e o Brasil voltaria a crescer como jamais
cresceu no passado. Isso não é verdade”,  diz o conhecido economista
Affonso Pastore, da USP e Ibre da Fundação Getúlio Vargas.

E explica: “Nós não temos o investimento sendo uma força propulsora. Não
temos também impulso vindo das exportações. E, finalmente, não é
possível usar estímulos fiscais porque o governo está fazendo o
contrário, está fazendo um ajuste. Ele corta gastos. Isso significa que
a recuperação da economia é lenta. Não há como sonhar uma recuperação
muito forte.”

Ele só não explica por que o governo brasileiro continua fazendo esses
idiotas ajustes fiscais e cortando gastos (não os gastos financeiros,
mas os gastos correntes). Desnecessariamente, pelo menos para a produção
real. Como se isso fosse a coisa mais natural do mundo. Como se algum
vestígio dessa desastrosa política fiscal da economia do imperialismo na
periferia do sistema ainda existisse nas principais economias do mundo,
como EUA, Alemanha e Japão.

Para Marcos Lisboa, outra figurinha carimbada da economia do
imperialismo no Brasil, o cenário para a retomada da produção é ainda
mais preocupante. Mesmo, repita-se, depois das reformas trabalhistas,
teto de gastos no Orçamento, privatizações, Previdência, etc.

Para ele, todos estes sacos de maldade que eles empurraram pela goela
abaixo dos trabalhadores produtivos nos últimos anos ainda não foram
suficientes. Vejam suas explicações:

“Se não acertar a questão tributária, do comércio exterior e da
infraestrutura, a notícia é ruim. O país chegou na situação em que
chegou por tentativas precipitadas de descobrir um atalho, inventar uma
novidade, desonerar a folhar, dar um crédito do BNDES, dar um estímulo
para um determinado setor. Essas medidas precipitadas é que geraram esse
caos institucional que a gente vive no ambiente de negócios. É preciso
desfazer o que foi feito na última década para que o investimento volte
a crescer e o país volte a gerar mais renda. Essa agenda está demorando
para avançar. E quanto mais demora para andar, piora a estagnação”.

Todos esses economistas da periferia capitalista são perigosos
chantagistas. O Sr. Lisboa é um pouquinho mais que os outros. Continua
jogando todos os males e dificuldades atuais da economia na desgastada
desculpa da “herança maldita” da administração de Guido Mantega na
economia. E aquela ingênua opinião pública acredita piamente nisso.

Todo lero-lero repetido milhões de vezes vira verdade.

Os economistas do mercado são altamente desonestos. Aquilo, por exemplo,
que o Sr. Lisboa chama de “tentativas precipitadas de descobrir um
atalho”, “inventar uma novidade”, “dar um estímulo para determinado
setor”, etc. nada mais é do que tudo que se faz atualmente nas economias
dominantes do sistema. Políticas anticíclicas para evitar, pelo menos
provisoriamente, a queda livre do sistema.

Assim, o relaxamento quantitativo dos famosos “helicópteros de Bernanke”
e todas as políticas monetárias “inventadas” pelos bancos centrais dos
EUA (Fed), da União Europeia, Japão, etc. para evitar uma súbita
paralisação das suas economias, a partir crise global de 2008/2009,
entrariam facilmente nesta lista de “medidas precipitadas” que o Sr.
Lisboa considera desonestamente como a verdadeira razão da estagnação da
economia brasileira.

Além destas políticas monetárias de taxas de juros zero e ampliação
desmesurada do crédito e endividamento das corporações privadas nas
economias dominantes do sistema, o que o Sr. Lisboa e comparsas diriam
das políticas fiscais anticíclicas aplicadas desde a crise de 2008/2009
nestas mesmas economias que comandam a economia do imperialismo na
periferia do mercado mundial?

Observe-se que foram estas políticas de gastos e déficits públicos
recordes nos últimos setenta anos que levaram, até este primeiro
semestre/2019, a uma relação dívida pública/BIB de mais de 100% nos EUA
<https://www.em.com.br/app/noticia/internacional/2019/02/20/interna_internacional,1032192/divida-dos-eua-bate-recordes-sob-a-presidencia-de-trump.shtml>,
de mais de 250% no Japão, Europa (85%) Itália (132%), França (99%),
Espanha (97%), Alemanha (61%).

Há uma mudança na política econômica mundial. Do mesmo modo que o
relaxamento quantitativo na política monetária dos bancos centrais, o
déficit público deixa de ser um problema fiscal nas economias dominantes
quando se trata de impedir que a crise periódica de superprodução do
capital ameaça empurrar a produção e o emprego para o precipício.

Guido Mantega simplesmente imaginava que no Brasil se pudesse fazer
essas políticas econômicas de gente grande. Ignorou, como escrevemos
abundantemente, no mesmo momento que ele as executava, a realidade do
imperialismo que comanda totalitariamente as políticas econômicas
impostas à economias dominadas como o Brasil.

A China, por exemplo, outra grande economia dominada, como o Brasil,
luta neste momento contra essa massacrante realidade imperialista.
Verifica-se que o estoque total de dívidas corporativas, domésticas e do
governo do até recentemente chamado “chão de fábrica do mundo” agora
excede 303% do produto interno bruto do país e representa cerca de 15%
de toda a dívida global. É o que informa nesta semana a Bloomberg News
<https://www.bloomberg.com/news/articles/2019-07-16/china-s-debt-growth-keeps-marching-on-as-economy-loses-pace>.

No Brasil, a relação divida pública/PIB subiu de 60,8% em 210 para
míseros 77,2% em março de 2019 (último dado disponível). A relação
divida pública/PIB no Brasil é menor que a média mundial (85%) e muito
menor que no Japão, EUA, França, Itália, etc. Pouco mais elevada que na
Alemanha.

No entanto, é essa falácia de um “explosivo endividamento público
brasileiro” que é usada pelos economistas do imperialismo – capitaneados
no Brasil por gente como os Srs. Lisboa, Pastore et caterva – para
justificar suas inócuas reformas e ajustes fiscais, engessar a economia
e, finalmente, encaminhá-la para o sucateamento puro e simples, para uma
inacreditável eutanásia das forças produtivas nacionais.

Para finalizar, como se materializará no curto-prazo esta eutanásia?
Volta-se à angustiante pergunta inicial: o que se pode esperar da
economia real para os próximos trimestres?

A economista Alessandra Ribeiro, responsável pela área de macroeconomia
da consultoria Tendências, bem mais ingênua politicamente que seus
colegas acima citados, abre o jogo e dá alguns números para o futuro da
massacrada massa trabalhadora no Brasil.

“ A Tendências projeta um crescimento da economia um pouco abaixo de 1%
neste ano. No ano que vem, um avanço de 2%. A economia ganha um pouco
mais de tração a partir de 2021. Nesse cenário, a taxa de desemprego cai
muito gradualmente, ainda estimamos taxa de desemprego em 11% ao final
de 2022. Mas isso não significa que a economia não está gerando emprego.
Está, mas é um trabalho mais informal. Nós esperamos este ritmo de
criação de emprego ganhando mais tração, crescendo ao redor de 1,5% ao
ano, mas com uma mudança na sua composição, de menos informal e mais
formal.”

No começo de 2019 eles previam, computando a aprovação da reforma da
Previdência, que acabou acontecendo, um crescimento de 2,5% para este
ano. Agora, depois da dita cuja aprovada, estão prevendo “um pouco
abaixo de 1%”, como informa a Sra. Ribeiro.

Considerando o histórico pouco recomendável destas previsões do mercado,
não há muito risco de se prever um crescimento real “um pouco abaixo de
zero¨. Na virada do ano a economia brasileira estaria saindo da
estagnação e entrando na depressão.

Neste cenário da empresa da Sra. Ribeiro, que é mais ou menos
compartilhado por todos os economistas do mercado, só dentro de dois a
três anos “a economia ganha um pouco mais de tração”.

O desemprego? Continuará, segundo essa previsão, praticamente no mesmo
nível até final de 2022. Portanto, por mais três anos e meio os
trabalhadores serão obrigados a enfrentar filas cada vez mais
quilométricas para uma mísera vaga de emprego. Informal, diga-se de
passagem, considerando-se os efeitos maléficos mais do que evidentes da
reforma trabalhista sobre os trabalhadores produtivos.

E depois do final de 2022? Isso é um grande mistério. O futuro a Deus
pertence, dirá a Sra. Ribeiro e os inabaláveis economistas do capital e
do imperialismo.

Com essa sublime imprecisão e cinismo perante o mundo real, perante o
sofrimento da classe trabalhadora expulsa da produção, eles estão
prometendo à nação em transe que haverá melhora do crescimento só no
longo prazo. Vai demorar anos e anos…

Que até lá cada um se vire como pode. Eles se esquecem o que dizia lorde
John Keynes, o guru dos economistas de Estado: “no longo prazo todos nós
estaremos mortos”.

Ele se referia, evidentemente, à classe capitalista e todos os demais
parasitas do sistema.

Lorde Keynes se referia às classes proprietárias que ele mesmo
representava e procurava salvar naquele momento de crise catastrófica da
economia mundial da revolta e da revolução dos trabalhadores produtivos
em todo o mundo.

In
CRÍTICA DA ECONOMIA
https://criticadaeconomia.com/2019/07/a-inacreditavel-eutanasia-da-producao-industrial-brasileira/
18/9/2019

sábado, 20 de julho de 2019

Por que o morro não desce?




por Fernando Horta

Resposta fácil e verdadeira nos dias de hoje, com sua força de atração
através da promessa do compartilhamento da violência dos intolerantes.
Vamos olhar para o “morro”.

Por
Fernando Horta

Um amigo me perguntou por que, afinal, o morro não desce?

A pergunta, em si, já é reveladora. Parcela da classe média progressista
reconhece a sua falta de capacidade de mobilização e pergunta como
aqueles que materialmente estão sendo mais prejudicados não se revoltam.
Não vamos falar da classe média, dos motivos da pergunta, da falta de
organização e etc. Não vamos apelar para o fascismo. Resposta fácil e
verdadeira nos dias de hoje, com sua força de atração através da
promessa do compartilhamento da violência dos intolerantes. Vamos olhar
para o “morro”.

Nasci e fui criado praticamente dentro de terreiro de umbanda. Comendo
pipoca com dendê, galinha com farofa e canjica. Perdi a conta de quantas
noites dormi em casa de Pais de Santo cujas camas, lá pelos anos 80,
eram partilhadas pelos filhos dos seus filhos de santo, enquanto as
celebrações aos orixás entravam até a madrugada. Um Terreiro era, antes
de mais nada, uma ode à diversidade, uma elegia ao acolhimento e um
símbolo de tolerância. Perdi a conta das vezes que me foi explicada a
fúria incontida de alguém ou sua sobriedade introspectiva pela Iansã ou
Oxalá “na cabeça”, respectivamente. O laranja de Ogum convivia com o
vermelho de Xangô como adversários respeitosos. Rivais tolerantes e
nunca inimigos. Reverenciados pelos seus filhos e respeitados pelas
diferenças.

O terreiro foi sempre parte do “morro”. E o terreiro é o termômetro da
resposta acima. O “morro” não desce, porque o “morro” não existe mais.

*O que é “o morro”?*

O “morro” é uma construção sócio-cultural de duas vias: uma advinda da
exclusão que sofre pela sociedade branca do “asfalto”, e outra pelo
constante incensar das relações de solidariedade locais que terminam por
criar uma comunidade cultural própria, vibrante, diversa e aguerrida. O
morro era o eterno adaptar-se às limitações materiais financeiras e de
espaço pela solução coletiva da celebração da comunidade. Não era nada
parecido com a romantização da pobreza que vemos hoje. Ninguém no
“morro” bate palma para pai de família que levanta três da manhã para
fazer pastel e vender numa caixa de isopor pendurada nas costas. Isto é
o normal.

O morro surge com o samba criminalizado nos séculos XIX e início do XX,
ao mesmo tempo que com as reformas elitistas que ocorrem em todo o
Brasil mas tem em Pereira Passos no RJ, um exemplo já estudado. É o
“malandro” violeiro que aprendia a colocar em versos a ginástica que
fazia para sobreviver na vida. O “morro” desenvolve linguagem própria.
Símbolos e sons oriundos tanto da exclusão quanto da solidariedade. O
“morro” exerce, para toda a sua comunidade, ao mesmo tempo, a noção de
segurança e pertencimento. Nos anos 80, bicheiros e traficantes eram as
“lideranças benevolentes”, a quem se dava respeito em troca segurança, e
alguma ajuda material.

Leia também:  Governo agora é do Centrão, por Helena Chagas
 <https://jornalggn.com.br/politica/governo-agora-e-do-centrao-por-helena-chagas/>

É importante salientar que o “bicheiro” e o traficante viviam no morro e
não “do” morro. Mesmo as celebridades que lá surgiam, no morro ficavam.
Ou ficavam ou faziam de tudo para voltar e se manter próximas. O jogador
Adriano é exemplar: “Rei de Roma”, e um milionário que só queria voltar
para sua comunidade. Muito diferente dos dias de hoje, até o início dos
anos 2000, todo morro era uma orgulhosa comunidade pobre. A pobreza
material era constituição subjetiva positiva e não mácula social insanável.

Hoje, ninguém mais quer ser visto como “comunidade pobre”. Que não se
queira ser “pobre” é compreensível, mas o problema é que não se quer
mais ser “comunidade”.

*As transformações em três eixos*

Desde o final dos anos 90, uma silenciosa e violenta transformação se
deu “no morro”. E, enquanto a transformação se dava, a classe média
aplaudia.

A revolução dos meios de comunicação não levou não somente “o
capitalismo” a todos os lugares do planeta, como também o levou para
dentro do morro. E, enquanto nos anos 2000, este sistema se associava ao
governo para perseguir expressões culturais locais (como as rádios
comunitárias, por exemplo) ele construía toda uma nova rede de imposição
simbólica. O morro hoje consome Felipe Neto e Anitta. Não mais os
personagens locais, que refletiam a sua linguagem, seus anseios e suas
esperanças, mas figuras estilizadas e caricaturizadas pelo marketing e
os valores do “asfalto”. A cantora negra que aparece quase sempre branca
e com cabelos alisados, e um “bad boy” estético, caricaturizado de “bom
mocinho” para “atingir mais público”. A diversidade do morro deu lugar à
máquina de homogeneização da internet capitalista. A destruição do
espaço cultural subjetivo que era “o morro” foi aplaudida pela classe
média como sinal de “civilização” e “desenvolvimento”. O preconceito
encruado não permitiu a percepção da alteração do equilíbrio social e
como isto influenciaria no jogo democrático.

A destruição dos terreiros é a destruição do morro. Economicamente, um
terreiro de umbanda ou candomblé era um ponto de atração de recursos de
fora para dentro do morro. Os participantes da casa, seus filhos de
santo e ajudantes, realizavam o trabalho físico, mas o retorno
financeiro era provido em maioria pela peregrinação social que cada
terreiro fazia realizar. Hoje, além da intolerância, do ódio e do falso
moralismo religioso, as igrejas neopentecostais da teologia da
prosperidade vivem “do morro”. É extraindo riqueza do morador mais pobre
que estas igrejas sobrevivem, num processo de concentração tão violento
quanto o de dominação simbólica. Qualquer terreiro do “povo de santo”,
em qualquer lugar do Brasil, é imensamente mais tolerante à diversidade
social de gênero, de cor, de credo e de classe que a mais progressista
igreja neopentecostal. Sumiram os despachos nos “cruzeiros” e sobram as
mortes pelo preconceito.

Leia também:  Estatuto da Criança e do Adolescente completa 29 anos sob
ameaça de esvaziamento
 <https://jornalggn.com.br/noticia/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-completa-29-anos-sob-ameaca-de-esvaziamento/>

Toda comunicada geograficamente marginal no Brasil vive uma tensão com
as forças repressivas do Estado. Isto é “lei” para qualquer estudo de
sociologia da violência. Contudo, até o início dos anos 90, o “pacto” de
legitimidade de espaços geográficos diminuía a violência dentro deles.
Hoje, aumenta.

O crescimento da população urbana no Brasil e a grave crise econômica do
final dos anos 90 acirraram a violência tanto dentro do “morro”, quanto
“no asfalto”. As guerras entre grupos criminosos rivais, incitadas pelo
aumento do consumo de drogas nas cidades viu como resposta do Estado o
acirramento da violência policial. A polícia passou a matar tanto quanto
o crime, no Brasil. Ao invés de criar um clima de ordem e respeito à
lei, as medidas policiais tomadas nos anos 90 e início dos anos 2000
fizeram explodir a criminalidade, a violência e a exclusão. O “morro”
antes um lugar romantizado e culturalmente auto-identificado, tinha se
tornado “uma chaga” na visão branca e elitista dos governantes. O
tráfico era “tolerado” pelas populações locais, na narrativa das
autoridades de segurança. E não demorou muito para que os moradores de
periferia virassem “bandidos”. Nesta criminalização, o morro virou
“favela”. A “favela” virou sinônimo de poder paralelo e núcleo de todo o
mal nas cidades brasileiras. Entre a dominação por “traficantes”
oriundos da comunidade, ou o controle destas regiões por “milicianos”,
que têm um passado associado ao poder público, a classe média e mesmo o
Estado brasileiro preferiram os crimes das milícias.

O “morro” morreu a golpes de capitalismo. Uma comunidade que tinha na
sua estrutura cultural a coletividade, a solidariedade, a diversidade e
a exclusão, foi demolida. A internet, as igrejas neopentecostais e as
milícias não resolveram o problema da pobreza ou da exclusão. Passaram a
lucrar com elas. E para lucrarem mais precisaram reificar e fortalecer
estas condições. Ao mesmo tempo, o morro passou a ser parasitado
financeira e culturalmente. Qualquer comunidade pobre no Brasil “fatura”
mais do que algumas das maiores empresas do país. E este dinheiro vai
sendo centralizado fora dos morros, gerando relações de poder e
submissão externas, enquanto homogeneízam o tecido social.

Leia também:  Violência e banalidade do mal, por Odílio Alves Aguiar
 <https://jornalggn.com.br/politica/violencia-e-banalidade-do-mal-por-odilio-alves-aguiar/>

No processo de tornar todos muito parecidos, o capitalismo deu ao
asfalto uma parte do morro, e deu ao morro uma parte do asfalto. Se hoje
sabemos o que é uma “popozuda”, fica claro que há uma apropriação
simbólica e cultural da periferia, mas apenas por meio comercial. Seria
de se esperar que o mesmo movimento fosse feito também em sentido
contrário. O “asfalto” deu ao morro as noções de “empreendedorismo”, a
intolerância social e o ódio pela política. Tudo por meio das mãos dos
vetores do “mercado” nestas comunidades.

Não nos enganemos. Hoje o “morro” é a cara de Bolsonaro. É moralista,
intolerante, violento e ignorante. Vive cultivando um ódio de si porque
teve seus valores invertidos. Vive achando que a violência que aprendeu
a suportar é ferramenta com a qual deve conformar o mundo. O morro se
convenceu que é pobre porque não “se esforçou o suficiente”, porque não
“acredita suficientemente em Deus” ou porque “alguém lá em cima roubou”.

Retomando o argumento inicial, a cada terreiro que é destruído, o morro
morre um pouquinho. E ele tem morrido sem ninguém se preocupar com isto
desde o final dos anos 90.

Neste estado de coisas, não há por que sair às ruas para protestar. A
política, neste viés, é causa dos males sociais, e não ferramenta de
transformação.

In
GGN
https://jornalggn.com.br/noticia/por-que-o-morro-nao-desce/
19/9/2019