domingo, 24 de julho de 2022

Programa anticapitalista e anti-imperialista para o Brasil

 

 



*RESUMO DO PROGRAMA POLÍTICO DO PCB PARA AS ELEIÇÕES 2022*
*PRÉ-CANDIDATURA DE SOFIA MANZANO A PRESIDENTE E ANTÔNIO ALVES
VICE-PRESIDENTE*

O Brasil vive atualmente a maior crise do último meio século – uma crise
econômica, social e política, agravada pela crise sanitária que
explicitou todas as mazelas do capitalismo brasileiro. Não podemos
esquecer ainda que a crise brasileira, apesar de suas singularidades,
está inscrita na crise sistêmica do capitalismo mundial, cujos
desdobramentos continuarão tendo profundos impactos no nosso país. Essa
crise foi agravada por mais de três décadas de políticas “neoliberais”,
que reduziram dramaticamente o crescimento econômico, aprofundaram o
processo de desindustrialização do país, entregaram o patrimônio público
para o capital nacional e internacional, dilapidaram o fundo público em
favor das grandes empresas, reduziram direitos e salários dos
trabalhadores, juventude e pensionistas, precarizaram as condições de
trabalho, concentraram escandalosamente os rendimentos e ampliaram a
miséria entre vastos setores da população.

Os ataques aos trabalhadores e trabalhadoras se intensificaram após o
golpe jurídico-parlamentar de 2016, com o governo Temer e,
especialmente, sob o governo de Jair Bolsonaro. Nessa ofensiva contra o
povo foram realizadas as reformas trabalhistas e da previdência, dezenas
de medidas que levaram à devastação das condições de trabalho, à entrega
do patrimônio público ao capital nacional e internacional e ao aumento
da miséria entre amplas camadas da população. O governo Bolsonaro é a
expressão concentrada dos interesses dos banqueiros, dos grandes
monopólios industriais, financeiros, comerciais e de serviços, do
agronegócio e do imperialismo. Um governo inimigo dos trabalhadores, da
educação pública, da ciência, do meio ambiente e, especialmente, um
governo que conspira permanentemente contra as liberdades democráticas,
sendo o principal responsável pela tragédia sanitária que matou mais de
670 mil brasileiros.

Mesmo enfraquecido pelas contínuas denúncias de corrupção entre seus
familiares, aliados e ministros de Estado, pelo aumento da inflação,
pela maior taxa de desemprego e informalidade das últimas décadas, pela
miséria que obriga os setores mais pobres da população a disputar no
lixo ossos de boi e pelancas de carne, o bolsonarismo ainda é perigoso,
tanto pela base social que construiu quanto pelo apoio de milicianos,
setores militares e de setores da classe dominante. Portanto, esse
projeto não pode ser derrotado apenas nas urnas: a luta institucional
deve estar atrelada e subordinada à organização da força independente da
classe trabalhadora, por meio da combinação dessa luta institucional às
lutas de massa nas ruas e nos locais de trabalho, rumo à paralisação da
produção e circulação. Nosso entendimento é que só a combinação dessas
lutas poderá derrotar o pacto das frações da classe dominante e abrir
perspectiva para a construção de um novo rumo para o país, na
perspectiva do Poder Popular e do socialismo.

É por isso tudo que, nas eleições de 2022, mesmo reconhecendo no
bolsonarismo a principal ameaça à classe trabalhadora, o Partido
Comunista Brasileiro apresenta de maneira independente seu programa e
suas convicções revolucionárias. Não podemos nos contentar com as
alternativas políticas reformistas, que propõe a derrota do governo
Bolsonaro por meio de um grande pacto de conciliação nacional entre os
movimentos populares e os golpistas, entre a classe trabalhadora e seus
exploradores. Essa conciliação impossível já mostrou, ao longo de 13
anos de governos petistas, que apenas favorece o acúmulo de forças da
burguesia, enquanto desorganiza e desorienta a classe trabalhadora em
sua luta política, preparando derrotas cada vez mais catastróficas.
Mesmo se conseguir derrotar o bolsonarismo nas urnas, tal política
jamais poderá deter os ataques da burguesia à classe trabalhadora, ou
desarticular efetivamente as forças reacionárias, e nem mesmo enfrentar
a deterioração das condições de vida do povo pobre.

Sendo assim, em meio à luta eleitoral, por meio do lançamento das
pré-candidaturas da professora e economista Sofia Manzano a Presidente e
do sindicalista Antônio Alves a vice, sem abandonar as lutas nas ruas,
nos locais de trabalho, estudo e moradia, fazemos de nosso programa uma
ferramenta ideológica de luta, que nos arma com uma política capaz de
expressar com nitidez os interesses da classe trabalhadora e do povo
pobre por seus objetivos imediatos e últimos, visando a conquista do
poder político pela organização autônoma dos/as trabalhadores/as. Faz-se
necessária uma alternativa popular/revolucionária centrada na autonomia
e independência da classe trabalhadora para tirar o país da crise e
avançar nas transformações sociais e políticas no Brasil, pela
construção do Poder Popular e do Socialismo.

Somos pela revogação de todas as contrarreformas e toda a legislação
neoliberal contrária aos interesses dos trabalhadores, da juventude e da
população pobre; defendemos uma política que assegure emprego e moradia
para todos, com a estatização dos transportes públicos e reestruturação
da dívida interna; a revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal e do
teto dos gastos e a criação de uma Lei de Responsabilidade Social, que
garanta recursos para investimento público no desenvolvimento do país e
nas áreas sociais; a transformação do Banco Central num instrumento
financiador das políticas governamentais, tanto econômicas quanto
sociais; uma política para acabar com a fome e distribuir a renda, além
de uma reforma tributária progressiva que taxe os lucros e dividendos,
grandes fortunas e herança, transações financeiras, isentando da
cobrança do imposto de renda quem ganha até cinco salários mínimos; além
de uma política de recomposição das perdas salariais e valorização do
salário mínimo, aliada a uma reforma agrária sob o controle popular e ao
combate permanente a todas formas de opressão.

NOSSAS PRINCIPAIS PROPOSTAS SÃO:

1) Revogação de todas as contrarreformas neoliberais, como a
previdenciária e a trabalhista, da PEC do teto de gastos, a
autonomização do Banco Central, a legalização da terceirização, as
privatizações e todas as flexibilizações legais e tributárias em favor
dos grandes capitalistas. Revogação de todos os cortes orçamentários nos
setores de interesse social. Extinção da DRU (Desvinculação de Receitas
da União).

2) Criação da Lei de Responsabilidade Social, que assegure recursos para
educação, saúde, saneamento, programas sociais e investimentos públicos.
Revogação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Restrição dos privilégios e
vencimentos dos altos mandatários dos poderes civis e militares.
Revogação da lei das estatais (13.303/2016), que dificulta a
planificação econômica das empresas públicas, submetendo-as à lógica de
mercado.

3) Combate ao desemprego. Redução da jornada de trabalho semanal para 30
horas sem a redução do salário real, com reajuste automático e indexação
aos níveis da inflação, para promover a criação de postos de trabalho e
melhorar a qualidade de vida das trabalhadoras e dos trabalhadores,
fomentando ainda um debate nacional sobre a semana de 4 dias de
trabalho. Abertura de concursos públicos para provimento das vagas hoje
existentes e expansão dos serviços essenciais. Programas de emprego
emergenciais, com a criação de frentes de trabalho urbanas e rurais
associadas a obras de saneamento, habitação, de reforma de escolas e
hospitais, bem como de expansão da malha ferroviária nacional.

4) Acabar com a fome. Criação de uma rede de restaurantes e mercados
populares nos bairros e no centro da cidade como forma de reduzir
emergencialmente a fome e o preço dos alimentos, devendo o governo
suprir essas instituições mediante a aquisição de grãos, verduras e
legumes diretamente do produtor. Serão mantidos e ampliados os programas
de auxílio emergencial para os trabalhadores desempregados e
precarizados. Congelamento do preço dos itens da cesta básica enquanto
durarem os efeitos econômicos da pandemia e da alta inflação.

5) Reestatização das empresas estratégicas: Vale, Embraer, CSN,
Eletrobras e Petrobras, combinada com uma política de massivos
investimentos públicos e ensino técnico de qualidade, para conduzir uma
política industrial de ampliação dos setores de tecnologia/informática e
telecomunicações, com vistas à criação de empregos. Instituir piso
salarial no serviço público federal, vinculado ao salário-mínimo do Dieese.

6) Reestruturação da dívida interna. Reestruturar a dívida interna a
partir da criação de uma Comissão Especial para analisar todo o processo
de constituição da dívida, bem como a suspensão do pagamento dos juros
pelo período em estiver sendo realizada a investigação. Recuperar as
prerrogativas do BNDES como instrumento financiador do governo e
supridor das necessidades de liquidez da economia.

7) Reforma tributária. Isenção da cobrança do imposto de renda para os
trabalhadores que ganham até 5 salários-mínimos. Congelamento das
tarifas de eletricidade, saneamento e outros serviços essenciais.
Redução da tributação sobre o consumo, com cobrança progressiva de
impostos, de acordo com o rendimento de cada contribuinte, além da
criação de um imposto especial sobre lucros e dividendos, grandes
fortunas, transações financeiras e herança.

8) Terra e agricultura. Confisco sem indenização de todas grandes
propriedades fundiárias e utilização para produção de alimentos
saudáveis. Regularização imediata dos assentamentos rurais. Demarcação e
regularização das terras dos povos indígenas, quilombolas e ribeirinhas.
Incentivo à redução do uso de agrotóxicos nas plantações, combinando o
apoio à agricultura familiar, o fomento à organização de cooperativas
para a produção agroecológica, armazenamento e escoamento de gêneros
para alimentação e a produção estatal.

9) Moradia. Confisco sem indenização dos imóveis ociosos nos grandes
centros urbanos, aliado a um vasto programa de reforma e construção de
habitações populares, de forma a superar o déficit habitacional no
período de quatro anos.

10) Saúde Pública. Expansão do sistema público de saúde, com a reversão
das privatizações e revogação dos contratos de todas as OSs no setor,
bem como estatização de todo o setor privado de saúde, incluindo a rede
de assistência (hospitais, serviços ambulatoriais, de apoio diagnóstico
e terapêutico), setores de pesquisa e produção de fármacos,
imunobiológicos, hemoderivados e de insumos, indústria de material
médico-hospitalar e de equipamentos: só uma saúde 100% pública pode
colocar a vida acima dos lucros. Proibição das comunidades terapêuticas
e fortalecimento do SUS dentro da perspectiva da luta antimanicomial.
Expansão da Fiocruz e do Instituto Butantã para outros estados, com
ampliação dos investimentos públicos. Investimento de 10% do PIB na
saúde pública.

11) Educação. Revogação da Reforma do Ensino Médio e da lei das escolas
cívico-militares. Criação de um programa nacional de alimentação escolar
para toda a educação básica. Fim do vestibular e estatização das
instituições de ensino superior. Construção de creches nas universidades
públicas federais. Destinação da maioria das vagas das universidades
públicas para os alunos de escolas públicas, principalmente os de baixa
renda.

12) Cultura. Resgate da cultura popular e de massas, buscando romper com
os interesses dos monopólios dominantes nacionais e internacionais e com
a mercantilização da cultura e das artes. Incentivo à criação de espaços
culturais nos bairros, como forma de garantir o amplo acesso da
população às artes e o surgimento de novos talentos culturais nas
regiões populares.

13) Ciência e tecnologia. Aumento da dotação orçamentária para a
promoção do desenvolvimento científico e tecnológico realizado a partir
das universidades, instituições públicas e empresas estatais. Expansão
dos programas de bolsas de metrado e doutorado e de apoio à pesquisa,
para o atendimento prioritário das demandas da classe trabalhadora, como
meio ambiente, desenvolvimento urbano, tecnologias de saúde e produção
de medicamentos, estudos sociais, artes, formação de professores/as e
outros.

14) Política de combate às opressões. O combate permanente a todas as
formas de opressão (como o machismo, o racismo, a LGBTfobia) deve
realizar-se não apenas em uma dimensão cultural e de valores, mas por
meio da efetiva garantia dos direitos e condições dignas de vida desses
grupos oprimidos. Também defendemos a manutenção da atual política de
cotas raciais, a defesa da liberdade de culto religioso, combate ao
preconceito e aos ataques às religiões de matriz africana e o fim do
genocídio dos povos indígenas e do povo negro. Além da ampliação da
licença-maternidade e paternidade, defendemos a legalização do aborto,
com garantia de atendimento na rede pública de saúde, bem como políticas
públicas que possibilitem a emancipação da mulher dos trabalhos
domésticos (creches, refeitórios e lavanderias públicas, por exemplo).

15) Direitos das pessoas com deficiência. Campanhas contra o
capacitismo, acessíveis e com ampla divulgação nos meios de comunicação
de massa. Garantia de ledores, intérpretes de Libras e mediadores
concursados em todas as escolas e universidades. Implementação de aulas
de Libras – Língua Brasileira de Sinais e Libras táteis como disciplina
obrigatória nas escolas. Acessibilidade arquitetônica e comunicacional
em escolas, universidades, hospitais, centros de lazer e cultura,
segundo os princípios do desenho universal. Criação do Programa Nacional
do cão-guia, com a construção de centros de treinamento e garantia ao
usuário da manutenção da saúde e bem-estar destes animais.

16) Transportes. Redução dos preços dos combustíveis e reestatização da
Petrobras, utilizando os bancos públicos como o BNDES, Caixa e Banco do
Brasil para tal, com o fim imediato da política de Preço de Paridade
Internacional (PPI). Expansão da malha metro ferroviária de transporte
de passageiros e cargas por todo o país. Passe-livre para estudantes e
trabalhadores isentos do imposto de renda (até cinco salários-mínimos).
Estatização do setor de transportes coletivos de passageiros, com
imediata redução da tarifa ao custo operacional do setor, com a meta de
alcançar a tarifa zero. Implementação do transporte público 24 horas nas
médias e grandes cidades.

17) Segurança Pública. Fim da política de “guerra às drogas”.
Descriminalização do uso de drogas, com legalização da maconha a curto
prazo. Desmilitarização completa da segurança pública, com unificação
das polícias e instituição do ciclo completo junto com a desvinculação
das forças de segurança do exército, sob bases curriculares e formativas
completamente reestruturadas numa lógica democrática, contribuindo
efetivamente para o fim do genocídio da população negra. Revogação
completa da lei antiterrorismo (12.850/2013). Implementação da política
de cotas raciais em todos os concursos públicos federais e estaduais.
Fim imediato das Unidades de Polícia Pacificadoras e políticas
similares. Adoção das 16 medidas contra o encarceramento em massa do
IBCCRIM.

18) Reforma Política. Fim do Senado e instituição de um Parlamento
Unicameral. Para garantir que os representantes eleitos cumpram os
programas e reivindicações de quem os elegeu, os mandatos poderão ser
revogados pela população, garantindo-se assim uma representação de
acordo com os interesses populares. Uma das normas fundamentais do novo
Parlamento será a obrigatoriedade da realização de plebiscitos e
referendos sobre temas de interesse nacional e popular. Reversão da
reforma eleitoral de Eduardo Cunha (Lei 13165/2015 e Emenda
Constitucional 91/2016). Fim da cláusula de barreira e do financiamento
privado eleitoral.

19) Justiça, Memória e Verdade. Julgamento e punição dos responsáveis
pelas torturas, assassinatos e outras violências cometidas pelos
aparatos de repressão e seus agentes contra o povo brasileiro, desde a
Ditadura Civil-Militar até os dias de hoje. Combate ao legado ideológico
não apenas da Ditadura Civil-Militar, mas também da escravidão. Abertura
total dos arquivos dos órgãos de repressão, preservando a documentação
existente e ampliando do acesso ao conhecimento sobre os períodos da
escravidão, das ditaduras e sobre o genocídio da população negra e dos
povos indígenas ainda em curso.

20) Política de comunicação. Ampliação da EBC para todos os estados, com
fortes investimentos e abertura da programação para as universidades
públicas, escolas e movimentos populares. Redução do prazo de concessão
pública dos grandes meios de comunicação para cinco anos, tendo em vista
a sua estatização a longo prazo.

21) Política internacional. Relações internacionais pautadas pelos
princípios da solidariedade internacionalista e à integração dos povos
latino-americanos e caribenhos. Fortalecimento de iniciativas como a
ALBA e UNASUL, trazendo-as para uma perspectiva de cooperação nos níveis
econômico, social, político e militar. Realização de parcerias
comerciais estratégicas priorizando o desenvolvimento industrial e
tecnológico, assim como a retenção das riquezas e lucros em nosso país.
Defender a incorporação de Chile, Bolívia, Peru, Colômbia, Equador,
Guiana e Suriname como membros plenos do Mercosul, junto com a reversão
da suspensão da Venezuela. Forte combate e denúncia às investidas
imperialistas da OTAN, OEA e Cúpula das Américas. Estabelecimento de
relações diplomáticas plenas com Estados de fato: Autoridade Nacional
Palestina, Frente Polisário, etc e defesa do fim da OTAN em todos os
fóruns internacionais. Estabelecer relações diplomáticas e econômicas
com os países em África levando em conta as vantagens mútuas,
trabalhando para quebrar a relação subimperialista da burguesia
brasileira com esses países. Pautar a criação de uma organização de
Países Exportadores de Energia, Petróleo e Riquezas Minerais em âmbito
latino-americano e africano, para proteger os interesses dessas regiões
frente às investidas imperialistas. Defender na ONU o fim do Conselho de
Segurança e das investidas imperialistas.

Em
PCB
https://pcb.org.br/portal2/29060
23/7/2022

quarta-feira, 20 de julho de 2022

O fim da civilização ocidental (1)

 



    Michael Hudson [*]

'Destiny of Civilization', o livro mais recente de Michael Hudson.

O maior desafio que confronta as sociedades sempre foi efetuar comércio
e crédito sem deixar que mercadores e credores ganhassem dinheiro
explorando seus clientes e devedores. Toda a antiguidade reconhecia que
o impulso para ganhar dinheiro é viciante e na verdade tende a ser
explorador e portanto socialmente nefasto. Os valores morais da maior
parte das sociedades opõem-se ao egoísmo, acima de tudo na forma de
avareza e dependência da riqueza, o que os gregos chamavam de
/philarguria/ – amor à moeda, mania da prata. Indivíduos e famílias que
se entregavam ao consumo conspícuo tendiam a ser ostracizadas, porque
era reconhecido que a riqueza muitas vezes era obtida a expensas de
outros, especialmente os fracos.

O conceito grego de /hubris/ envolvia comportamento egoísta que
provocasse danos a outros. Avareza e cobiça deviam ser punidas pela
deusa da justiça Nemesis, que tinha muitos antecedentes no Oriente
Próximo, tais como Nanshe de Lagash na Suméria, protegendo o fraco
contra o poderoso, o devedor contra o credor.

Essa proteção é o que se esperava que os governantes providenciassem ao
servirem os deuses. Eis porque os governantes foram imbuídos com poder
suficiente para proteger a população de ser reduzida à dependência da
dívida e ao clientelismo. Chefes, reis e templos eram encarregados de
distribuir crédito e terra agriculturável para permitir que pequenos
proprietários servissem no exército e fornecessem trabalho de corvéia.
Governantes que se comportassem de modo egoísta era passíveis de serem
destituídos, ou os seus súbditos poderiam fugir, ou apoiar líderes
rebeldes ou atacantes estrangeiros que lhes prometessem cancelar dívidas
e redistribuir a terra mais equitativamente.

A função mais básica de reinos do Oriente Próximo era proclamar a “ordem
económica”, /misharum/ e /urarum,/ deixar um passado em branco mediante
cancelamentos de dívida, refletindo o Ano Jubileu do judaísmo. Não havia
“democracia” no sentido de cidadãos a elegerem os seus líderes e
administradores, mas a “realeza divina” era obrigada a alcançar o
objetivo económico implícito da democracia: “proteger o fraco do poderoso”.

O poder real era apoiado por templos e sistemas éticos ou religiosos. As
principais religiões que emergiram no primeiro milénio AC, as de Buda,
Lao-Tzu e Zoroastro, sustentavam que impulsos pessoais deveriam ser
subordinados à promoção do bem-estar geral e à ajuda mútua.

O que não parecia provável 2500 anos atrás era que uma aristocracia de
senhores da guerra conquistasse o mundo ocidental. Ao criar o que se
tornou o Império Romano, uma oligarquia tomou o controle da terra e, ao
seu tempo, o sistema político. Ela aboliu a autoridade real ou cívica,
mudou o fardo fiscal para classes mais baixas, e levou a população e a
indústria a endividarem-se.

Isto foi feito de modo puramente oportunista. Não houve tentativa de
defender isto ideologicamente. Não há sinal de um arcaico Milton
Friedman a emergir para popularizar uma nova ordem moral radical
celebrando a avareza, sob a alegação de que a cobiça é o que impulsiona
as economias para a frente, não para trás, convencendo a sociedade a
deixar a distribuição de terra e moeda ao “mercado” controlado por
corporações privadas e usurários ao invés da regulação comunalista pelos
governantes do palácio e dos templos – ou, por extensão, o socialismo de
hoje. Palácios, templos e governos cívicos eram credores. Eles não eram
forçados a contrair empréstimos para funcionar e, assim, não eram
sujeitos às exigências políticas de uma classe de credores privados.

Mas dirigir a população, indústria e mesmo governos à dívida a uma elite
oligárquica foi precisamente o que se verificou no ocidente, o qual está
agora a tentar estender a variante moderna deste regime económico
baseado em dívida – o capitalismo financeiro neoliberal centrado nos EUA
– a todo o mundo. É disso que trata a Nova Guerra Fria de hoje.

De acordo com a moralidade tradicional de sociedades primitivas, o
ocidente – a começar na Grécia clássica e Itália em torno do século VIII
– era bárbaro. O ocidente na verdade estava na periferia do mundo antigo
quando comerciantes sírios e fenícios introduziram a ideia da dívida
portadora de juros do Oriente Próximo a sociedades que não tinham a
tradição real de cancelamentos periódicos de dívida. A ausência de um
forte poder do palácio e da administração do templo permitiu emergirem
oligarquias credoras por todo o mundo mediterrânico.

A Grécia acabou por ser conquistada, primeiro pela Esparta oligárquica,
a seguir pela Macedónia e finalmente por Roma. Foi a avareza do sistema
legal deste último, a favor dos credores, que modelou a civilização
ocidental subsequente. Hoje, um sistema financiarizado de controle
oligárquico cujas raízes remontam a Roma está a ser apoiado e na verdade
imposto pelos EUA através da diplomacia da Nova Guerra Fria, pela força
militar e pelas sanções económicas sobre países que procuram resistir-lhe.

*Tomada de controle oligárquica da antiguidade clássica*

A fim de entender como a Civilização Ocidental se desenvolveu de um modo
que continha as sementes fatais da sua própria polarização económica,
declínio e queda, é necessário reconhecer que quando a Grécia clássica e
Roma aparecem no registo histórico uma Idade das Trevas havia
interrompido a vida económica desde o Oriente Próximo até o Mediterrâneo
oriental, de 1200 a cerca de 750 AC. Alterações climáticas aparentemente
provocaram grave despovoamento, acabando as economias de palácio, com a
vida a reverter ao nível local durante este período.

Algumas famílias criaram autocracias estilo máfia, pela monopolização da
terra e amarrando o trabalho através de várias de formas de clientelismo
coercivo e dívida. Acima de tudo estava o problema da dívida portadora
de juros que os comerciante do Oriente Próximo haviam introduzido em
terras do Egeu e do Mediterrâneo – sem os correspondentes cancelamentos
reais de dívida.

A partir desta situação “tiranos”-reformadores gregos surgiram nos
séculos VII e VI AC, desde Esparta até Corinto, Atenas e ilhas gregas.
Relata-se que a dinastia Cipselíada em Corinto e novos líderes
semelhantes em outras cidades cancelaram as dívidas que mantinham
clientes em servidão sobre a terra, redistribuíram esta terra à
cidadania e empreenderam gastos em infraestrutura pública para
intensificar o comércio, abrindo o caminho para o desenvolvimento cívico
e rudimentos de democracia. Esparta promulgou as austeras reformas
“licurganas” contra o consumo de ostentação e de luxo. A poesia de
Arquiloquos na ilha de Paros e Solon de Atenas denunciaram o impulso
para a riqueza pessoal como vicioso, levando à arrogância e prejudicando
outros – a ser punido pela deusa da justiça Nemesis. O espírito era
semelhante ao babilónio, judaico e de outras religiões morais.

Roma teve lendários sete reis (753-509 AC), que dizem ter atraído
imigrantes e impedido a oligarquia de explorá-los. Mas famílias ricas
derrubaram o último rei. Não havia líder religioso para contrapor-se ao
seu poder, pois as principais famílias aristocráticas controlavam o
sacerdócio. Não houve líderes que combinassem reforma económica interna
com uma escola religiosa e não havia no ocidente a tradição de
cancelamentos de dívida tais como Jesus advogou ao tentar restaurar o
Ano Jubileu para a prática judaica. Havia muitos filósofos estóicos e
sítios religiosos anfictiónicos
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Anfictionia> [NT] <#nt> tais como Delfi e
Delos que exprimiam uma religião de moralidade pessoal que afastava a
arrogância.

Os aristocratas de Roma criaram uma constituição anti-democrática e um
Senado, assim como leis que tornavam a servidão da dívida – e a
consequente perda de terra – irreversível. Embora a ética “politicamente
correta” fosse evitar envolver-se em comércio e usura, esta ética não
impedia um oligarca de emergir para tomar a terra e reduzia grande parte
da população à servidão. Por volta do século II AC Roma conquistou todo
a região mediterrânica e a Ásia Menor. As maiores corporações era os
coletores de impostos publicanos, os quais relata-se terem saqueado
províncias de Roma.

Sempre houve caminhos para os ricos agirem hipocritamente em harmonia
éticas com altruístas abstendo-se da cobiça comercial enquanto se
enriqueciam. Os ricos da antiguidade era capazes de compatibilizar-se
com tais éticas evitando eles próprios o empréstimo direto e o comércio,
atribuindo este “trabalho sujo” aos seus escravos ou libertos e gastando
os rendimentos de tais atividades em filantropia ostentatórias (as quais
tornaram-se um espetáculo aguardado nas campanhas eleitorais de Roma). E
depois de a cristandade se ter tornado a religião romana no século IV
DC, o dinheiro era capaz de comprar absolvição com doações generosamente
adequadas à igreja.

*O legado de Roma e o imperialismo financeiro do ocidente*

O que distingue as economias ocidentais das primitivas do Oriente
Próximo e da maior parte das sociedades asiáticas é a ausência de alívio
da dívida para restaurar um equilíbrio económico amplo. Todas as nações
ocidentais herdaram de Roma a santidade de princípios de dívida
favoráveis ao credor que priorizam os direitos dos credores e legitimam
a permanente transferência a credores da propriedade de devedores em
incumprimento. Desde a Roma antiga até aos Habsburgos da Espanha, da
Grã-Bretanha imperial até aos Estados Unidos, oligarquias ocidentais
apropriaram-se do rendimento e da terra de devedores, enquanto se
livravam de impostos transferindo-os para o trabalho e a indústria. Isto
provocou austeridade interna e levou oligarquias a buscarem prosperidade
através da conquista estrangeira, para ganhar de estrangeiros o que não
estava a ser produzido por economias internas conduzidas ao
endividamento e sujeitas a princípios legais pró-credores, transferindo
terra e outras propriedade para uma classe rentista.

A Espanha no século XVI saqueou vastos carregamentos de prata e ouro do
Novo Mundo, mas esta riqueza fugiu das suas mãos, dissipou-se na guerra
ao invés de ser investida na indústria interna. Deixada com uma economia
desigual, polarizada e profundamente endividada, os Habsburgos perderam
as suas antigas possessões, a República Holandesa, a qual prosperou como
sociedade menos oligárquica do que a outra que auferia mais poder como
credor do que como devedor.

A Grã-Bretanha seguiu uma ascensão e queda semelhante. A I Guerra
Mundial deixou-a com pesadas dívidas de armas para com a sua antiga
colónia, os Estados Unidos. Ao impor a austeridade anti-trabalho
internamente, buscando pagar estas dívidas, a área da libra esterlina
britânica tornou-se posteriormente um satélite do US dólar nos termos do
/American Lend-Lease/ na II Guerra Mundial e do /British Loan/ de 1946.
As políticas neoliberais de Margaret Thatcher e Tony Blair aumentaram
drasticamente o custo de vida pela privatização e monopolização da
habitação pública e infraestrutura, eliminando a antiga competitividade
industrial britânica pela elevação do custo de vida e portanto dos
níveis salariais.

Os Estados Unidos seguiram uma trajetória semelhante de super-extensão
imperial à custa da sua economia interna. Seus gastos militares além-mar
a partir de 1950 obrigaram o dólar a desligar-se do ouro em 1971. Esta
mudança teve o benefício não previsto de inaugurar um “padrão dólar” que
permitiu à economia estado-unidense e à sua diplomacia militar obterem
refeições gratuitas do resto do mundo, aumentando o endividamento em
dólares de bancos centrais de outros países sem qualquer restrição prática.

A colonização financeira da ex-União Soviética na década de 1990 pela
“terapia de choque” das privatizações dádivas, seguida em 2001 pela
admissão da China à Organização Mundial de Comércio – com a expectativa
de que a China iria, como a Rússia de Yeltsin, tornar-se uma colónia
financeira dos EUA – levou a economia da América a desindustrializar-se
através da transferência do emprego para a Ásia. A tentativa de obrigar
a submissão ao controle estado-unidense através do início da Nova Guerra
Fria de hoje fez com que a Rússia, a China e outros países rompessem com
o comércio e o sistema de investimento dolarizado, deixando os Estados
Unidos e a Europa da NATO a sofrerem austeridade e aprofundamento da
desigualdade de riqueza pois os rácios de endividamento estão a
ascendfer para indivíduos, corporações e organismos governamentais.

Foi apenas a uma década que o senador John McCain e o presidente Barack
Obama caracterizaram a Rússia como um mero posto de gasolina com bombas
atómicas. Isso poderia ser dito agora dos Estados Unidos, que tem como
base do seu poder económico o controle do comércio de petróleo do
ocidente, enquanto os seus principais excedentes de exportação são
produtos agrícolas e armas. A combinação de alavancamento de dívida
financeira e privatização tornou a América uma economia de alto custo,
perdendo a sua antiga liderança industrial, tal como a Grã-Bretanha. Os
Estados Unidos estão agora a tentar viver principalmente de ganhos
financeiros (juros, lucros sobre investimento estrangeiro e criação de
crédito pelo banco central para inchar ganhos de capital) ao invés de
criar riqueza através do seu próprio trabalho e indústria. Os seus
aliados ocidentais procuram fazer o mesmo. O eufemismo deste sistema
dominado pelos EUA é “globalização”, mas isto é simplesmente uma forma
de colonialismo financeiro – apoiado pela habitual ameaça de força
militar e “mudanças de regime” encobertas para impedir países de se
retirarem do sistema.

Este sistema imperial baseado nos EUA e na NATO procura endividar países
mais fracos e forçá-los a entregar o controle das suas políticas ao
Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial. Obedecer ao “conselho”
neoliberal anti-trabalho destas instituições leva a uma crise de dívida
que obriga a taxa de câmbio do país devedor a depreciar-se. O FMI então
“resgata-os” da insolvência com a “condicionalidade” de que liquidem o
sector público e comutem impostos sobre a riqueza (especialmente a de
investidores estrangeiros) para o trabalho.

Oligarquia e dívida são as características definidoras das economias
ocidentais. Os gastos militares da América e as guerras quase constantes
deixaram o seu próprio Tesouro profundamente endividado a governos
estrangeiros e seus bancos centrais. Os Estados Unidos estão portanto a
seguir o mesmo caminho pelo qual o imperialismo da Espanha deixou a
dinastia dos Habsburgos em dívida para com banqueiros europeus, assim
como a participação da Grã-Bretanha em duas guerras mundiais na
esperança de manter sua posição dominante no mundo deixou-a endividada e
acabou com a sua antiga vantagem industrial. A ascensão da dívida
externa da América tem sido sustentada pelo seu privilégio de “divisa
chave” pois emite a sua própria moeda sob o “padrão dólar” sem que
outros países tenham qualquer expectativa razoável de alguma vez serem
pagos – exceto com ainda mais “dólares de papel”.

Esta afluência monetária capacitou a elite administrativa da Wall Street
a aumentar a sobrecarga rentista da América pela financiarização e
privatização, aumentando o custo de vida e de fazer negócio, tal como
ocorreu na Grã-Bretanha sob as políticas neoliberais de Margaret
Thatcher e Tony Blair. Empresas industriais responderam mudando as suas
fábricas para economias de baixos salários a fim de maximizar os lucros.
Mas à medida que a América se desindustrializa com o aumento da
dependência da importação da Ásia, a diplomacia dos EUA prossegue uma
Nova Guerra Fria que leva as economias mais produtivas do mundo a
desligarem-se da órbita económica estado-unidense.

O aumento da dívida destrói economias quando ele não é usado para
financiar novo investimento de capital em meios de produção. A maior
parte do crédito ocidental hoje é criada para inchar preços de ações,
títulos e imobiliário, não para restaurar capacidade industrial. Em
consequência desta abordagem dívida-sem-produção, a economia interna nos
EUA tem sido esmagada pelo endividamento para com a sua própria
oligarquia financeira. Apesar dos almoços gratuitos da economia
americana na forma de contínuos aumentos da sua dívida oficial para com
bancos centrais estrangeiros – sem nenhuma perspetiva visível de a sua
dívida internacional ou interna vir a ser paga – a sua dívida continua a
expandir-se e a economia tornou-se ainda mais alavancada pela dívida. A
América polarizou-se com riqueza extrema concentrada no topo enquanto a
maior parte da economia é conduzida profundamente ao endividamento.

*O fracasso de democracias oligárquicas para proteger a generalidade da
população endividada*

O que torna oligárquicas as economias ocidentais é o seu fracasso em
proteger a cidadania de ser conduzida à dependência dos credores da
classe que possui a propriedade. Estas economias retiveram leis de
dívida baseadas no direito romano, mais notavelmente a prioridade dos
direitos do credor sobre a propriedade dos devedores. Os credores do Um
Porcento tornaram-se uma oligarquia politicamente poderosa apesar das
reformas políticas nominalmente democráticas que ampliam direitos de
voto. Agências regulatórias do governo foram capturadas e o poder fiscal
tem sido tornado regressivo, deixando o controle económico e o
planeamento nas mãos da elite rentista.

Roma nunca foi uma democracia. E, em qualquer caso, Aristóteles
reconhecia que democracias evoluíam mais ou menos naturalmente para
oligarquias – as quais afirmavam serem democráticas para objetivos de
relações-públicas enquanto pretendiam que a sua crescente forte
concentração de riqueza no topo seria pelas melhores razões. A retórica
de hoje do gotejamento /(trickle-down)/ apresenta administradores da
banca e da finança como se dirigissem as poupanças do modo mais
eficiente para produzir prosperidade para toda a economia, não apenas
para si próprios.

O presidente Biden e os seu neoliberais do Departamento de Estado acusam
a China e qualquer outro país que procure manter a sua independência e
auto-suficiência económica de serem “autocráticos”. A sua
prestidigitação retórica justapõe democracia a autocracia. O que eles
chamam “autocracia” é um governo suficientemente forte para impedir uma
oligarquia financeira orientada pelo ocidente de endividar a população
para com ela – e a seguir intrometer-se nas suas terras e outras
propriedades passando-as para as suas próprias mãos e aquelas dos seus
apoiantes americanos e outros apoiantes estrangeiros.

O duplo pensar orwelliano de chamar oligarquias de “democracias” é
seguido por uma definição de mercado livre como aquele que é livre para
a busca de renda financeira. A diplomacia dos EUA tem endividado países,
forçando-os a venderem o controle da sua infraestrutura pública e
transformando os “altos comandos” das suas economias em oportunidades
para extrair renda de monopólio.

Esta retórica autocracia vs democracia é semelhante à retórica que as
oligarquias grega e romana utilizavam quando acusavam reformadores
democráticos de buscarem a “tirania” (na Grécia) ou a “realeza” (em
Roma). Foram os “tiranos” gregos que derrubaram autocracias semelhantes
à máfia nos séculos VII e VI AC, abrindo o caminho para os arranques
económicos e proto-democráticos de Esparta, Corinto e Atenas. E foram
reis de Roma que construíram sua cidade-estado ao darem apoio à posse da
terra pelos seus cidadãos. Esta política atraiu imigrantes das
cidades-estado italianas vizinhas cujas populações eram forçadas à
servidão da dívida.

O problema é que democracias ocidentais não se demonstram aptas a
impedir a emergência de oligarquias e a polarização da distribuição do
rendimento e da riqueza. Desde Roma, “democracias” oligárquicas não
protegem os seus cidadãos dos credores que procuram apropriar-se da
terra, do seu rendimento rentístico e do domínio público para si mesmos.

Basta perguntar-nos quem hoje está a aprovar e impor políticas que
procuram por em causa a oligarquia a fim de proteger os meios de vida
dos cidadãos, a resposta é que isto é feito pelos estados socialistas.
Só um estado forte tem o poder de por em causa uma oligarquia financeira
e em busca de rendas. A embaixada da China nos EUA demonstrou isto na
sua réplica à descrição da China feita pelo presidente Biden como uma
autocracia:

    Preso a uma mentalidade de Guerra Fria e à lógica hegemonista, os
    EUA seguem uma política de blocos, inventam a narrativa “democracia
    versus autoritarismo” … e intensificam alianças militares
    bilaterais, numa clara tentativa de combater a China.

    Guiado por uma filosofia centrada no povo, desde o dia sua fundação
    … o Partildo tem trabalhado incansavelmente pelo interesse do povo e
    tem-se dedicado a realizar as aspirações populares por uma vida
    melhor. A China vem avançando em todo o processo da democracia
    popular, promovendo a salvaguarda dos direitos humanos e defendendo
    a equidade social e a justiça. O povo chinês agora desfruta de mais
    amplos e mais extensos e abrangentes direitos democráticos.[1] <#notas>

Quase todas as primitivas sociedades não-ocidentais tinham proteções
contra a emergência de oligarquias mercantis e rentistas. Eis porque é
tão importante reconhecer que aquilo que se tornou civilização ocidental
representa uma rutura com o Oriente Próximo, a Ásia do Sul e do Leste.
Cada uma destas regiões tinha o seu próprio sistema de administração
pública para salvaguardar seu equilíbrio social da riqueza comercial e
monetária que ameaçava destruir o equilíbrio económico se não fosse
controlada. Mas o carácter económico do ocidente foi modelado pelas
oligarquias rentistas. A República de Roma enriquecia a sua oligarquia
pela retirada da riqueza das regiões que conquistava, deixando-as
empobrecidas. O que permanece na estratégia extrativa do colonialismo
europeu subsequente e, mais recentemente, da globalização neoliberal
centrada nos EUA. O objetivo tem sido sempre “libertar” oligarquias dos
constrangimentos à sua própria satisfação.

A grande questão é “liberdade” para quem? A economia política clássica
definia um mercado livre como aquele livre de rendimento não merecido
/(unearned income),/ a começar pela renda da terra e renda de outros
recursos naturais, renda de monopólio, juros financeiros e privilégios
relativos aos credores. Mas no fim do século XIX a oligarquia rentista
patrocinou uma contra-revolução fiscal e ideológica, redefinindo mercado
livre como aquele livre para rentistas extraírem renda económica –
rendimento não merecido.

Esta rejeição da crítica clássica do rendimento rentista tem sido
acompanhada redefinindo que “democracia” exige ter um “mercado livre” da
variedade oligárquica rentista, anti-clássica. Ao invés de os governos
serem os reguladores económicos no interesse público, a regulação
pública do crédito e dos monopólios é desmantelada. Isto permite às
empresas que cobrem o que quiserem pelo crédito que fornecem e pelos
produtos que vendem. Privatizar o privilégio de criar moeda-crédito
permite ao sector financeiro assumir o papel de distribuir a propriedade.

O resultado tem sido centralizar o planeamento económico na Wall Street,
na City de Londres, na Bolsa de Paris e em outros centros financeiros
imperiais. É disso que trata a Nova Guerra Fria de hoje: proteger este
sistema de capitalismo financeiro neoliberal centrado nos EUA, pela
destruição ou isolamento dos sistemas alternativos da China, Rússia e
seus aliados, enquanto procuram financiarizar ainda mais o antigo
sistema colonialista que patrocina o poder do credor ao invés de
proteger devedores, impondo a austeridade do endividamento ao invés do
crescimento e tornando irreversível a perda da propriedade através do
arresto ou da venda forçada.

*(continua)*


        12/Julho/2022


      [NT] Em 1826 Bolívar organizou um congresso a que denominou
      “Anfictiónico
    Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/m_hudson/colapso_11jul22_1.html
12/7/2022

domingo, 10 de julho de 2022

¿En que mundo viven los gobernantes de occidente?

 
  ***


*/Los líderes de la UE de hoy en día se han convertido en actores en un
‘teatro de ilusiones’ en el que cualquier opinión contraria se enfrenta
con su ira y a una refutación irreflexiva./*

ALASTAIR CROOKE, DIPLOMÁTICO SENIOR BRITÁNICO

Durante los últimos cuatrocientos años, los europeos occidentales han
vivido con una ‘visión’ muy particular; una idea que contradice la
noción que tenían anteriormente de las cosas. Mientras Galileo realizaba
sus investigaciones en Italia, fue Francis Bacon el que estableció la
teoría del procedimiento inductivo: hacer experimentos y sacar
conclusiones generales de ellos, para ser probados en experimentos
posteriores.

Bacon también fue pionero en la comprensión del mundo como una máquina,
una concepción complementada por dos figuras destacadas de la
civilización occidental, Descartes y Newton. Descartes describió a
“peatones corriendo bajo la lluvia como maquinas protegidas por
impermeables”. Atraído por el anhelo de certeza de la época, y la idea
de la maquina humana Descartes percibió que necesitaba «dar a la gente…
una ciencia completamente nueva que resolvería todas las cuestiones de
cantidad, continua o discontinua».

Le dio más importancia a la mente que a la materia, y llegó a la
conclusión que las dos estaban separadas y eran fundamentalmente
diferentes. Newton perfeccionó este paradigma al ver el cosmos
(nuevamente) como una máquina, gobernada por leyes inmutables: una
máquina cósmica gigante, completamente causal y determinada.

Estas historias del pensamiento occidental pueden parecer abstractas y
remotas. Sin embargo, no lo son. Muchos de nosotros todavía moramos en
esta “nueva comprensión del mundo ”. Sin embargo, si es así, somos
dinosaurios. Porque la ciencia ha mutado mucho desde entonces.

*Las consecuencias de las cosmovisiones mecanicistas nos están afectando
hoy.*

El pensamiento mecánico puede haber hecho a Europa occidental muy
poderosa en el pasado, pero llevado a los extremos (como lo ha sido) y
remodelada como esta ocurriendo ahora ha devenido en una /ideología de
transformación humana radical/, que está llevando a Europa al desastre
(el cuarto giro).

El reciente G7 es un claro ejemplo. Enfrentados a las innumerables y
graves crisis en Europa, sus líderes se han obsesionado con Ucrania,
ignorando lo que ocurre en casa y dejando en claro, implícitamente, su
indiferencia ante la difícil situación de los pueblos que viven dentro.

¿Qué es tan nuevo y diferente pensamos los occidentales? ¿Pensamos
diferente a como lo hacíamos hace cuatrocientos años?

Durante el Renacimiento la manera de pensar y ver era un asunto
esencial: el ‘ojo’ y el intelecto, en esa tradición, apuntaba hacia un
‘algo’, y cuando toca ese otro ser, era como si uno fuera a encontrarse
con otra persona.

Sin embargo, al contrario, desde la ilustración (es decir, en nuestro
modo de ver contemporáneo) el ver y conocer es esencialmente
discordante. El ‘ojo’ y el intelecto están separados y desvinculados de
los ‘objetos’ bajo escrutinio. (un giro equivocado que gran parte del
mundo */no occidental/*, no ha querido imitar).

Lo fundamental, por tanto, para occidente es que el modo de atención que
prestamos al mundo cambia el tipo de ‘cosa’ que surge ante nosotros. De
esa manera, cambia al mundo. Y, por lo tanto, también, creamos ‘nuestro
Mundo’ (o al menos nuestra representación de él). Si decidimos imaginar
el mundo como una máquina, entonces la ‘realidad’ se nos presentará como
una máquina.

Así es como los líderes políticos del G7 se han hecho de una
‘representación del mundo’ imaginaria: no escuchan ni ven (y en
apariencia a no son conscientes de la imagen del mundo que ellos mismo
se han forjado). Están cautivos de los aplausos de sus compinches de
ideas afines.

El filósofo Alasdair MacIntyre en After Virtue, señala cómo las fuerzas
‘caóticas’ y desintegradoras de hoy “casi han borrado la investigación
moral en la cultura europea moderna”. Las características contemporáneas
de estridencia son el resultado directo de esta catástrofe. Una
catástrofe tan grande, señala MacIntyre , que el vocabulario de la
investigación moral casi ha sido exorcizado de nuestro lenguaje.

Cualquier discusión moral hoy en día, tiene el potencial de convertirse
en una pelea a gritos… o algo peor (puñetazos, cancelación, etc.). Pero
la característica más llamativa de los debates morales es su tendencia a
nunca llegar a una resolución: las líneas se trazan temprano y los
participantes se apresuran a tomar partido. Pero al tomar partido
parecen volverse incapaces de escuchar al otro: “todo el mundo siente el
calor, pero nadie ve la luz”.

*Las preguntas siguen siendo lo más importante*

La ciencia avanza solo cuestionando el estado actual del conocimiento.
Pensemos en las disputas entre Albert Einstein y Niels Bohr sobre las
implicaciones de la mecánica cuántica. Einstein acribilló constantemente
a Bohr con una letanía de objeciones. Y como Bohr y otros respondieron
acertadamente las objeciones de Einstein a la mecánica cuántica el campo
científico avanzó enormemente. Avanzó porque tuvo que lidiar con los
problemas complicados y sofisticados planteados por Einstein.

La ciencia, por su propia naturaleza, nunca está satisfecha. La
respuesta a cualquier problema no sólo está sujeta a modificaciones
futuras, sino que invariablemente plantea muchas más preguntas de las
que responde. Sin embargo, muchos de los grandes temas científicos de
hoy se rigen por el dogma en lugar del debate, y con la cancelación de
aquellos que cuestionan la ciencia oficial.

Esto es comprensible porque la ‘nueva ideología’ procedente de Silicon
Valley y de Davos ha puesto al mundo literalmente ‘del revés’. La ‘nueva
sabiduría’ que surgió a raíz de la revolución cibernética de la década
de 1960 afirma que la tecnología ‘crece’ con la vida, pero separada de
ella, como un ‘élan vital’ sintético y determinista sin ninguna
consideración por el pensamiento humano o el libre albedrío.

Esto parecerá extraño a la experiencia de la mayoría de los lectores,
pero la ciencia, en esta nueva visión, ya no debe estar al servicio de
la humanidad. Los grandes de Silicon Valley, ven a la ciencia y a la
tecnología como unos recursos más, que transformarán a las maquinas en
seres autónomos al borde de volverse conscientes.

*Hariri: “los humanos ahora son animales hackeables”*

El Gurú del Gran Reinicio del Foro Económico Mundial, el profesor
israelí Yuval Noah Harari, lo ha declarado explícitamente:

/“Si tienes suficientes datos y suficiente poder de computación, puedes
entender a las personas mejor de lo que ellas se entienden a sí mismas y
luego puedes manipularlas de formas que antes eran imposibles y, en tal
situación, los viejos sistemas democráticos dejan de funcionar.
Necesitamos reinventar la democracia en esta nueva era en la que los
humanos ahora son animales hackeables. Toda la idea de que los humanos
tienen ‘alma’ o ‘espíritu’ y tienen libre albedrío… se acabó”./

Bueno, fue en Afganistán donde se planteó tal visión en los últimos
años. Este país iba a ser un escaparate para el gerencialismo técnico.
En términos muy reales, Afganistán se convirtió en un banco de pruebas
para cada innovación en la gestión de proyectos tecnocráticos, con cada
innovación anunciada como precursora de nuestro futuro más prometedor.
Llovieron los fondos y llegó un ejército de tecnócratas globalizados
para supervisar el proceso. Los grandes datos, la IA y la utilización de
conjuntos de métricas técnicas y estadísticas en constante expansión
iban a derribar viejas ideas “atrasadas”. La sociología militar, con
«equipos en el terreno» y otras creaciones innovadoras, se desplegó para
poner orden en el caos.

La caída del régimen instituido por Occidente en Afganistán, sin
embargo, reveló tan claramente que la clase gerencial actual, consumida
por la noción de la tecnocracia como el único medio para lograr un
gobierno funcional, dio a luz, en cambio, algo completamente podrido: la
«derrota impulsada por los datos», ha escrito un veterano de la guerra
en Afganistán, “era un asunto tan podrido que se derrumbó en cuestión de
días”.

El Profesor Hariri nuevamente nos da la clave de este pensamiento: /El
principal problema para la élite gobernante que maneja el mundo no será
resolver la guerra o el hambre, sino más bien manejar la emergente
“nueva clase global inútil”:/

/“Creo que la pregunta más importante hoy en día es … ¿qué hacer con
toda esta gente inútil? …. Mi mejor conjetura, en la actualidad, es una
combinación de drogas y juegos de computadora como solución para [la
mayoría]. Ya está sucediendo… Creo, firmemente, que una vez que eres
superfluo, no tienes poder”./

El profesor Hariri continúa:

/“El COVID ha sido crítico. La pandemia ha permitido convencer a las
personas a que acepten la legitimidad de la vigilancia biométrica total.
Necesitamos no sólo monitorear a las personas, necesitamos monitorear lo
que está sucediendo debajo de su piel”./

Entonces, cuando escuchamos a Hariri- y a los tecnócratas de Silicon
Valley- que ven a los humanos como seres factibles de «hackearse» y
“reconfigurarse” muchas otras cosas se vuelven claras.

El entusiasmo de las redes sociales estadounidenses por normalizar el
fenómeno en el que “las personas con cromosomas normales se identifican
como lo opuesto a su sexo fenotípico y genotípico se vuelve más claro ”:
estos nuevos reformadores se apresuran a afirmar que las tontas nociones
de género, moralidad, patriotismo o libertad son conceptos abstractos
creados por el hombre que no tienen existencia ontológica en el universo
mecanicista, frío y, en última instancia, sin propósito en el que se
supone que existimos.

Alterar el desarrollo sexual de las personas concuerda precisamente con
esta noción (el profesor Hariri nuevamente): /“Los humanos solo tienen
dos habilidades básicas: física y cognitiva. Cuando las máquinas nos
reemplazaron en habilidades físicas, pasamos a trabajos que requieren
habilidades cognitivas. … Si la IA se vuelve mejor que nosotros en eso,
no hay un tercer campo al que los humanos puedan moverse”/. En resumen,
a medida que avanzamos en esta dirección nos convertiremos en
transhumanos, por tanto, el género es solo un componente que se vuelve
irrelevante.

Espere un momento, debes estar pensando, ¡esto es muy extraño! Estoy de
acuerdo.

Sin embargo, elementos de este pensamiento han proliferado desde Davos y
se promueven sigilosamente a través del cine, la música y las
plataformas de redes sociales como TikTok. Sí, hay una cadena que une a
Silicon Valley, la Big Philanthropy, los Big Business, Bruselas y, los
think tanks occidentales, es como ven el futuro con una mayor
robotización del trabajo y un exceso en el mano de obra no calificada.

Por eso la situación es tan grave y peligrosa. En su influyente,
MacIntyre argumentó que el proyecto de la Ilustración cortó al hombre
occidental de sus raíces tradicionales, pero no logró producir una moral
vinculante basada únicamente en la razón. En consecuencia, vivimos en
una cultura de caos moral, en la que muchas cuestiones son simplemente
imposibles de resolver. Esto indica que nos dirigimos a un Cuarto Giro.

El argumento de MacIntyre es que es sólo la tradición cultural (que Jung
denomina nuestras ‘narrativas arquetípicas’) brinda contexto a términos
como bien, justicia y telos. “A falta de tradiciones, el debate moral se
desarticula y se convierte en un teatro de ilusiones en el que la simple
indignación y la mera protesta ocupan el centro de la escena”.

*Líderes que viven en un mundo imaginario*

La profecía de MacIntyre es notable: los líderes de la UE de hoy en día
se han convertido en actores en un ‘teatro de ilusiones’ en el que
cualquier opinión contraria se enfrenta con su ira y a una refutación
irreflexiva.

El psiquiatra, Iain McGilchrist, ha escrito en su libro, The Master and
his Emissary, que este enfoque ha alterado nuestra atención: /ha
‘creado’, literalmente, nuestro mundo; ha cambiado la apariencia física
del mundo; dio forma a nuestro arte y arquitectura; y de esta manera dio
forma a cómo ‘vemos’ el mundo. Encontramos esto hoy difícil de admitir:
que hemos ‘creado’ nuestra propia realidad./

Seguramente todos pensamos, y hemos pensado de manera similar. Lo
hicimos, pero eso fue hace siglos. La nueva racionalidad mecánica ha
‘creado’ la forma en que ‘vemos’ el mundo, y al verlo de esa manera, ha
‘creado’ el mundo tal como es ahora. Es decir, nos dio el ‘mundo moderno’.

Esta forma de pensar nos plantea una proposición desconcertante: la
insípida inautenticidad, la soledad y la falta de sentido del mundo
moderno, ¿no es algo que, de alguna manera, inconscientemente,
‘elegimos’, cuando optamos por el desapego y la distancia? Aquí es
pertinente la funesta advertencia de Fukuyama: “la sociedad, en su
conjunto, se cansaría del tedio de su propia existencia”

Y nosotros agregamos, se trata de una producción creada para ponernos a
dormir. Solo cuando despierte nuestra conciencia podremos comprender que
hemos estado viviendo una ilusión todo el tiempo.

La noción antigua era que una cultura segura y ‘viva’ es la raíz del
poder soberano tanto personal como comunal. Su condición necesaria y
suficiente es tener como fundamento un pueblo mentalmente ‘activo’ y
despierto; uno que está vivo a la naturaleza quimérica del mundo; que
pueda reactivar su vitalidad y su fuerza cultural, y así el pueblo pueda
predominar sobre las fuerzas financieramente más ricas y conservadoras

OBSERVATORIO DE LA CRISIS
https://observatoriocrisis.com/2022/07/08/en-que-mundo-viven-los-lideres-de-occidente/
8/7/2022

***

sexta-feira, 8 de julho de 2022

Michael Hudson: "vocês estão vivendo o equivalente a uma sociedade feudal, mas em vez de latifundiários, vocês têm financistas"



"Não vejo como o Brasil pode sair disso. Quando Lula planejou algo para
o povo, foi derrubado com a ajuda americana para implantar uma
ditadura", diz o economista dos EUA edit



*Por Cesar Calejon, 247 - *Com base em uma entrevista exclusiva
realizada com Michael Hudson, economista norte-americano, professor de
economia na Universidade do Missouri do Kansas, pesquisador do Levy
Economics Institute do Bard College e autor do livro The Destiny of
Civilization: finance capitalism, industrial capitalism or socialism,
que foi lançado em inglês no último mês de maio, esta matéria está
dividida em três partes.

Na primeira, Hudson explica de forma simples os três conceitos centrais
da sua obra: *o capitalismo industrial, o capitalismo financeiro e o
socialismo*. Na segunda, fala sobre o conceito de *Guerra Fria 2.0* e,
por fim, considera a atual condição do *Brasil no cenário geopolítico
global* em face das *eleições presidenciais de outubro*.

“No capitalismo industrial, os atores-chave são empregadores que
contratam o trabalho por salários para efetivarem a produção que vendem
e a maior parte do lucro é convertida em mais e mais investimento de
capital para contratar mais mão de obra para aumentar o investimento e
aumentar a produtividade e a produção”, explica o economista.

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Segundo ele, “(...) não é isso que ocorre hoje sob o capitalismo
financeiro. Hoje, 92% dos ganhos corporativos em termos de fluxo de
caixa nos Estados Unidos são gastos na recompra de ações ou no pagamento
de seus dividendos para aumentar o preço das ações. Portanto, as
corporações não ganham mais dinheiro contratando mão de obra para
produzir bens (ou serviços) para vender com lucro, elas meio que vivem
do que investiram no passado e gastam os lucros que obtêm para aumentar
os preços das ações para ganhar dinheiro com as finanças”.

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Para Hudosn, esse mecanismo caracteriza um modelo de engenharia
financeira e não engenharia industrial. “E o que o socialismo quer
fazer, e estou pensando no socialismo chinês, é, na verdade, financiar o
capitalismo com características americanas de um século atrás. É como a
Alemanha ficou rica, como a América construiu a sua indústria.
Essencialmente, os governos dos estados gastam dinheiro em
infraestrutura pública para reduzir o custo dos salários para os
investidores industriais. A ideia dos investidores industriais, no final
do século 19, era pagar o mínimo possível de salários, mas sabendo que o
trabalho precisaria ser remunerado com altos salários para ser mais
produtivo”, ressalta o autor.

“Trabalhadores bem alimentados, bem educados e que têm acesso ao lazer
são mais produtivos. Então, eles pensaram como pagar menos pelo
trabalho. A resposta era minimizar o custo de vida e, para isso, foi
necessária uma série de coisas, mas, principalmente, livrar-se da classe
latifundiária. O capitalismo industrial foi revolucionário nisso, porque
Adam Smith, John Stuart Mill, Ricardo, Marx e todos os pensadores do
século 19 queriam uma reforma política para acabar com o domínio da
classe latifundiária”, prossegue Hudson.

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Ainda de acordo com ele, “(...) o capitalismo financeiro foi o que
destruiu o capitalismo industrial nos Estados Unidos e está fazendo o
mesmo na Europa e em outras partes do mundo. O objetivo do socialismo é
recuperar o conflito de classes para lidar com essa questão da renda não
auferida”.


    Guerra Fria 2.0: a classe rentista financeira ocidental contra o Sul
    Global

“Hoje a classe bancária na América e na Europa está assumindo o papel
que os governos tiveram no século 19 sob o capitalismo industrial. Isso
é uma mudança no planejamento. As economias de livre mercado de hoje são
economias centralmente planejadas pelos bancos e não pelos governos e
são planejadas contra os interesses do trabalho e das indústrias”,
explica o economista.

Hudson argumenta que Wall Street, nos Estados Unidos, e a cidade de
Londres, bem como todos os rentistas financeiros ao redor do mundo
enfrentam hoje um grande problema: agora que as indústrias européias e
americanas estão fora do mercado, não são competitivas e foram
desmanteladas, a China e outros países que não são financeirizados estão
avançando.

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“Então os Estados Unidos dizem ‘como vamos tornar o mundo seguro para
nossos investidores? Como podemos ter nossos bancos dominando o mundo se
existem outros países que não permitem que os bancos privados dominem o
mundo, mas cujo governo cria bancos e dinheiro como utilidades públicas,
como fazem na China?’ A China cria dinheiro que é realmente gasto na
economia para construir ferrovias de alta velocidade, fornecer
assistência médica, construir moradias e não aumentar os preços das
ações e não apoiar o mercado de ações. Esse é um modelo que é uma ameaça
para a América”, pondera o autor.

Para ele, “(...) um dia os americanos podem dizer ‘por que não nos
livramos dos bilionários? Por que não damos dinheiro aos trabalhadores
em vez dos bilionários?’ Essa é uma ideia assustadora para Wall Street,
porque eles emprestam todo o dinheiro. Eles querem liderar o trabalho
apenas deixando-o na subsistência e olham para a China e seu socialismo
como uma ameaça existencial e sentem que precisam destruí-lo de alguma
forma. O problema é que eles não conseguem descobrir como fazer isso”,
complementa Hudson.


    O Brasil, o jogo geopolítico global e as eleições de outubro

“Eu me encontrei com o presidente (João Goulart) que foi derrubado pelos
Estados Unidos no início dos anos 1960 e ele descreveu como ele foi
derrubado e como, basicamente, os bancos haviam assumido o controle.
Cerca de 6 ou 7 anos atrás, o seu Conselho de Assessores Econômicos me
trouxe para o Brasil para conhecê-los. Eles me explicaram que o problema
com Lula era que lhe disseram que ele só poderia concorrer e ganhar a
eleição se concordasse em deixar os bancos brasileiros no controle”,
lembra Hudson.

O economista estadunidense também começou a trabalhar como consultor do
World's Sovereign Debt Fund, na década de 1990. “Naquela época, o Brasil
pagava 45% de juros anuais sobre seus títulos. A Merrill Lynch percorreu
os Estados Unidos tentando vendê-los (os títulos) para os americanos.
45% de juros! Ninguém chegaria perto disso. Eles foram para a Europa e
tentaram vendê-los. Isso é um grande retorno. Ninguém os quis. Por fim,
a Merrill Lynch passou por seu escritório em Brasília e quem comprou
toda a dívida externa brasileira em dólar? Os banqueiros centrais
brasileiros e todas as famílias ricas do Brasil. (...) Então a dívida
externa do Brasil está vinculada à sua própria classe alta, sua própria
classe financeira, que basicamente dirige o país”, enfatiza Hudson.

“E assim, a classe financeira, hoje, no Brasil, desempenha os papéis que
os latifundiários faziam no feudalismo. Vocês estão vivendo no
equivalente a uma sociedade feudal, mas em vez de latifundiários, vocês
têm financistas, oligarcas e monopolistas administrando o país. Todos
eles vivem de uma forma econômica ou de outra: juros, renda da terra,
renda dos recursos naturais, renda do monopólio e todos esses tipos de
renda. Então todos os recursos do país são direcionados para essa classe
rentista que sequer precisa de mais dinheiro. E a única maneira de se
livrar deles seria uma revolução, mas essa classe rentista sabe disso e
tem o apoio dos Estados Unidos como uma oligarquia cliente e não vejo
como o Brasil pode sair disso. Quando Lula planejou algo para o povo,
foi derrubado com a ajuda americana para implantar uma ditadura do
terceiro mundo na forma de Jair Bolsonaro”, explica o autor.

Para Hudson, a única forma de desmontar este processo é por meio da
construção de uma filosofia econômica diferente. “O grande inimigo do
desenvolvimento do Brasil tem sido o Banco Mundial. Desde o início, nas
décadas de 1950 e 1960, o Banco Mundial disse ao Brasil que faria
empréstimos para vocês, mas só faria empréstimos em moeda estrangeira. E
vocês só poderiam pagar os empréstimos via exportações. Há uma coisa que
vocês não poderiam fazer e se vocês fizessem isso, eles iriam matá-los.
Vocês não podem cultivar a sua própria comida, ou haveria uma revolução.
Vocês não devem cultivar seus alimentos, mas comprar seus grãos e
alimentos dos Estados Unidos”.

Ele prossegue: “(...) vocês devem se concentrar na exportação para não
competir com os Estados Unidos e não devem fazer uma reforma agrária.
Vocês devem ter grandes plantações e agricultura, plantações tropicais
para exportar, mas não alimentos. Essa era a condição absoluta. Então,
se você ler a missão do Banco Mundial ao Brasil, diz que o país precisa
de reforma agrária e gastos com moeda nacional para promover a
agricultura familiar e local como os Estados Unidos, para fornecer
educação agrícola, sementes, sistemas de transporte, contudo, o Banco
Mundial disse que vocês não poderiam fazer isso porque, se vocês
cultivassem seus próprios alimentos, não seriam um mercado para os
Estados Unidos. As pessoas pensam nos EUA e em uma economia industrial,
mas seus principais produtos de exportação por décadas têm sido a
agricultura. Então, se você tentar cultivar sua própria comida e se
livrar dessa classe rentista e bilionários, os EUA vão impor sanções ao
Brasil e tentar matá-lo de fome. A única defesa que o Brasil tem é
cultivar seus próprios alimentos. É por isso que China, Rússia e outros
países estão percebendo que para desdolarizar o mundo e libertá-lo do
capitalismo financeiro é necessária uma alternativa ao Banco Mundial”.

Hudson aponta que o Sul Global precisa de seu próprio fundo monetário e
todo um conjunto de instituições espelho para se opor à filosofia
predatória usada pelos Estados Unidos e à estratégia de
subdesenvolvimento conduzida pelos Estados Unidos, principalmente.

“China e Rússia podem simplesmente mostrar por exemplo. Eles podem
mostrar pelo seu sucesso. Neste verão e outono (no hemisfério Norte),
acredito que a maior parte do Sul Global terá uma crise: os preços do
petróleo e da energia estão subindo. Você está tendo os preços dos
alimentos subindo. Isso é projetado pelos Estados Unidos nas sanções que
o presidente Biden impôs contra a Rússia. É a inflação de Biden”, diz
Hudson.

Ao mesmo tempo, conforme a interpretação dele, o Federal Reserve vai
tornar os dólares muito mais caros para os países estrangeiros comprarem
com sua própria moeda.

“O Brasil e outros países da América Latina têm enormes dívidas externas
vencidas. Como esses países poderão importar energia e alimentos e ainda
pagarem as suas dívidas? Algo deverá ceder. Você tem a Rússia e a China
dizendo que estão dispostas a exportar alimentos e energia, mas isso
contradiz os interesses dos EUA e, portanto, os interesses daqueles
oligarcas que governam o Brasil e querem permanecer no poder sob a
proteção dos EUA. Será que a população brasileira vai passar fome no
escuro, sem comida ou energia, e deixar o seu padrão de vida cair se
endividando e perdendo suas casas? Ou será que, de alguma forma, deverá
agir politicamente para não pagar a dívida externa? Essa classe
dominante vai dizer que o país precisa pagar a dívida. O que eles não
dirão, porém, é que suas classes superiores são as proprietárias desses
fundos, que estão localizados, principalmente, em offshores ocultas no
exterior. Essa é a atual guerra de classes que está acontecendo no
Brasil e vai realmente ganhar força nos próximos meses”, reitera o autor.

Por fim, Hudson afirma que “(...) a classe bancária tentará manter Lula
em rédea curta. Ele sabe que foi derrubado antes pela interferência
corrupta (dos EUA) e terá que encontrar uma maneira de se proteger, mas
precisará do apoio de alguns elementos do exército, porque no final vai
ser sobre quem controla a violência. Ele terá que limpar o exército e,
em um certo ponto, terá que enfrentar as classes altas como o próprio
inimigo interno do Brasil, o que é extremamente difícil de se fazer sem
sofrer um golpe de estado”, conclui o economista.

Em
BRASIL247
https://www.brasil247.com/economia/michael-hudson-voces-estao-vivendo-o-equivalente-a-uma-sociedade-feudal-mas-em-vez-de-latifundiarios-voces-tem-financistas
4/7/2022

segunda-feira, 4 de julho de 2022

UMA ENTREVISTA COM AYMERIC MONVILLE SOBRE ESTALINE ***

 

  

    /A demonização faz parte da construção de um quadro apocalíptico,
    que descreve Estaline como um 'tirano vermelho' e o carrasco de
    Katyn. Na verdade, tudo isso serve à propaganda antissoviética,
    denegrindo a URSS e aprofundando a russofobia moderna./



/Aymeric Monville//, filósofo francês, diretor da editora /Les éditions
Delga /em Paris, editor-chefe adjunto da /revista La Pensée/, em
entrevista ao correspondente do /Pravda /na Europa Ocidental, Andrei
Dultsev, sobre os problemas de perceção do  legado teórico histórico de
JV Estaline na historiografia da Europa Ocidental./

 

*Andrei Dultsev [AD]: Você acaba de publicar um livro sobre Estaline,
/And For a Few More Canards: Counter-inqu//i//ry on //S//taline and the
Soviet Union/.[E por mais Falsidades: Contra-inquérito sobre Estaline e
a União Soviética (NT)] Na sua opinião,qual é o problema da perceção de
Estaline que existe no Ocidente hoje?*

 

Aymeric Monville [AM]: No Ocidente, a análise histórica, se é que se
pode chamar assim, baseia-se na comparação entre Hitler e Estaline,
necessária sobretudo para justificar a democracia ocidental. A visão da
Segunda Guerra Mundial baseia-se no facto de que um conluio objetivo
entre o capitalismo ocidental e o nazismo, que são de facto os dois
lados da mesma formação económica em diferentes estágios de
desenvolvimento político, está a ser empurrado para segundo plano, e o
termo 'totalitarismo, ele próprio mal fundamentado, é usado como
propaganda e ferramenta ideológica para mostrar que a Alemanha nazi e o
“estalinismo” são as principais ameaças à sociedade de valores ocidentais'.

 

Com meu livro, quero devolver ao espaço público a visão marxista das
coisas. Ou seja, a conspiração entre as democracias ocidentais e o
nazismo, cuja perceção sofreu no Ocidente sob a influência do feroz
anticomunismo do pós-guerra, e que também se implantou na França que é o
elo mais fraco da estrutura política do Ocidente.

 

Afinal, a França é o país da Comuna, um país de um movimento operário
muito forte, um país onde (juntamente com a Itália) havia o Partido
Comunista mais poderoso fora da comunidade socialista. Portanto, é
interessante analisar aqui o desenvolvimento da visão da URSS e da era
de Estaline.

 

/O Livro Negro do Comunismo/, que nos foi imposto, recebeu críticas
internacionais extremamente negativas da comunidade científica, devido à
sua tolice intelectual. Mas foi na França que este livro foi escrito
para começar a mudar a forma como as coisas são vistas na comunidade
científica.

 

Quando nos países da América Latina há um golpe de Estado e a chegada ao
poder de uma junta militar,  as universidades são cercadas por tanques e
os professores são mortos. Mas na França os marxistas são tolerados até
nas universidades. Aqui há uma tradição revolucionária diferente, que há
algum tempo foi mais uma vez confirmada pelo exemplo do movimento dos
'coletes amarelos'; portanto, os intelectuais estão a travar uma luta
feroz, tentando mudar as mentes por 'métodos suaves', a partir de dentro.

 

Essa batalha intelectual pelas mentes está a ser travada pelo método
infantil de demonizar um fenómeno tão comum como o ‘culto da
personalidade'; e, a julgar pelo resultado, esse método até agora tem
sido eficaz na deformação das consciências.

 

A demonização faz parte da construção de um quadro apocalíptico,  que
descreve Estaline como um 'tirano vermelho' e o carrasco de Katyn. Na
verdade, tudo isso serve à propaganda antissoviética, denegrindo a URSS
e aprofundando a russofobia moderna. É aqui que a atitude amigável do
povo francês para com o povo soviético, a sua gratidão, é um nó na
garganta dos anticomunistas de todos os matizes, porque, como disse uma
vez Maurice Thorez, “a França nunca entrará em guerra contra o URSS.”
Esta declaração de Thorez está principalmente associada aos sacrifícios
feitos pelo povo soviético no altar da vitória da luta pela libertação
da Europa do fascismo.

Sem Título.jpg

Quando o representante da Federação Russa não foi convidado para a
celebração do 8 de maio na França do ano passado, a memória da façanha
soviética, a memória dos 27 milhões de vítimas do povo soviético neste
massacre desencadeado pela Alemanha hitlerista, foi enxovallhada pela
primeira vez. A demonização de Estaline certamente contribui para o
acirramento dessa histeria. Isso reflete-se nos resultados das sondagens
de opinião: enquanto, no final da guerra, a maioria dos franceses estava
convencida de que foi a União Soviética que desempenhou um papel
decisivo na derrota do nazismo, hoje a situação é oposta – a maioria das
pessoas acredita que os Estados Unidos venceram a guerra.

 

Isto é, antes de tudo, uma consequência da influência de Hollywood. Os
filmes americanos levaram a população daqui a acreditar que foram os
Estados Unidos que vieram libertar a França, quando na verdade vieram
impor a Operação Overlord, que visava tornar a França vassala dos
Estados Unidos. Devemos a nossa relativa independência ao forte Partido
Comunista, que participou ativamente na luta contra a ocupação fascista
alemã.

 

Deve-se notar também que foi o general de Gaulle (poucas pessoas
mencionam este facto, pois geralmente falam apenas sobre os seus
méritos) quem ordenou a destruição da capela do Forte Mont-Valérien,
perto de Paris, onde muitos combatentes da Resistência foram fuzilados
[as paredes foram demolidas, a cripta foi preservada -AD]. Nas paredes
da capela, os combatentes da Resistência escreveram antes da sua
execução: “Viva Estaline!” Para o general de Gaulle, isso foi uma pedra
no sapato, porque se tornou óbvio que o papel dos comunistas no
movimento de resistência era esmagador e os vestígios dessa memória
precisavam de ser apagados.

 

*AD: Embora nos municípios onde os comunistas permaneceram no poder nos
anos do pós-guerra, tanto as praças como as avenidas com o nome
“Estalinegrado” foram preservadas…*

 

AM: Sem dúvida, o relatório de Khrushchev no XX Congresso do PCUS
influenciou o Partido Comunista Francês.No entanto, o PCF continuou a
ser um partido que não reconheceu imediatamente as partes do relatório
que pareciam simplesmente insanas (por exemplo, que a URSS,
supostamente, não estava pronta para a guerra).,Os comunistas franceses
recusaram-se a renunciar a Estaline. Mas, no final, o revisionismo
venceu e hoje é muito forte. Para os verdadeiros comunistas, a questão
não foi resolvida.

 

Vou citar como exemplo uma colaboração com o maravilhoso escritor
Domenico Losurdo, que é muito importante para mim. Traduzi as obras de
Losurdo do italiano para o francês e facilitei a tradução dos seus
livros para outras línguas europeias, e foi aí que me deparei com a
censura. Enquanto Losurdo criticava o liberalismo, ele foi publicado,
inclusive em editoras inglesas. A crítica ao liberalismo é perfeitamente
permitida.

 

Mas, assim que ele saiu em defesa do socialismo real, e até mesmo d
China, os britânicos deixaram de publicá-lo. Isto é censura. Nem é mesmo
uma questão da personalidade do autor, mas o facto de um determinado
tema ser rejeitado – o pensamento de Lenine e uma clara orientação para
o socialismo como modelo social. As pessoas de esquerda referem-se  a
todos os tipos de estereótipos trotskistas – “burocracia partidária”
etc. – mas simplesmente não falam sobre a construção do socialismo real.

 

*AD: Como membro do Comité Honecker para os Assuntos dos Presos
Políticos – os líderes da antiga República Democrática Alemã que foram
perseguidos na República Federal da Alemanha (RFA) após o colapso do
Muro – você acha que esta batalha contra Estaline, que está a ser
travada pelos que se fazem passar por pessoas de esquerda europeias
(Verdes, Social-Democratas, canal ARTE), é uma continuação do
revisionismo histórico para rever os resultados da Segunda Guerra
Mundial, iniciado por historiadores e políticos da RFA?*

 

AM: O melhor exemplo disso é o documentário do canal ARTE sobre Katyn, ,
onde historiadores europeus de autoridade confiam com toda a seriedade
nos documentos transferidos para a Polónia por Yeltsin, nos quais, em
1940, em vez de VKP(b)   [Vsesoyuznaya kommunisticheskaya Partiya
Bolshevikov – Partido Comunista de toda a União (bolchevique) (NT)]^1
estava escrito “PCUS” [Partido Comunista da União Soviética(NT)] , o que
testemunha a mais grosseira falsificação histórica. O mesmo é o caso do
complexo memorial de Mednoye, onde 6.000 polacos baleados foram
supostamente enterrados, mas cujos corpos nunca foram encontrados.
Infelizmente, apenas os historiadores estão cientes dessas inconsistências.

 

Mas, muito pior do que essas disputas históricas, o filme não reconhece
as fronteiras reais da Polónia moderna. É errado dizer que Estaline
“invadiu a Polónia depois do pacto germano-soviético”. Estas foram as
terras bielorrussas e ucranianas capturadas pelos polacos após a Guerra
Civil na Rússia. O problema das fronteiras da Polónia é importante para
os alemães. Isto significa que, para os alemães, a Polónia deveria ser
empurrada para o leste, para que a Alemanha pudesse reivindicar o
território da atual Polónia ocidental, o que abriria as portas para o
novo /Drang nach Osten [Dirigir para o Leste]./

 

Pode-se, é claro, argumentar que os políticos atuais não conhecem a
história e não estão interessados nela, mas acho que isso às vezes é um
truque, porque entre eles há aqueles que a conhecem muito bem. Acho que
os políticos responsáveis sabiam o que estavam a fazer em 22 de junho de
2021, quando a Europa anunciou sanções contra a Bielorrússia.

Considerando o financiamento descarado dos movimentos nazis na Ucrânia,
pode-se afirmar com segurança que há planos para um novo 'quarto Reich'.
Portanto, a solidariedade com os comunistas alemães é urgentemente
necessária.Vemos até que ponto o Partido Comunista Alemão (DKP) é
perseguido, e o mesmo se aplica a Junge Welt, que para mim, como o
Pravda, é o padrão do pensamento marxista hoje. Mas Junge Welt na
Alemanha está realmente sob ameaça de extinção.

 

No ano passado, até a Associação das Vítimas do Regime Nazi foi atacada
na Alemanha sob o pretexto de “extremismo”. Sem dúvida, a nossa criação
do Comité Honecker na França foi simbólica, porque foi esse comunista
que as autoridades da Alemanha Ocidental prenderam no início dos anos
1990 na mesma prisão de Moabit em que os nazis o  encarceraram nos anos
1930. A justiça da Alemanha Ocidental sabia perfeitamente o que estava a
fazer. Devemos defender os comunistas em todos os lugares, em todo o
mundo, diante da repressão anticomunista.

 

*AD: Um dos livros que saiu recentemente na sua editora é um livro dos
historiadores italianos Daniele Burgio, Massimo Leoni e Roberto Sidoli
sobre o conluio de Trotsky com os nazis, a partir de documentos até
então desconhecidos do segundo 'julgamento de Moscovo' (contra Pyatakov
e Radek).*

 

AM: Este livro me parece absolutamente necessário, porque fala do
segundo "julgamento de Moscovo”, em janeiro de 1937, e fornece provas
irrefutáveis da colaboração de Trotsky e do centro trotskista na URSS
com os nazis. Insisto na palavra “irrefutável”, já que o relatório de
Khrushchev põe em dúvida todo este período.

 

Sem dúvida, o período de purgas do partido teve os seus pontos escuros,
mas é necessário distinguir entre as atividades do Comissário do Povo
Yezhov, do 'Yezhovismo' e os julgamentos de Moscou. O problema é que o
“yezhovismo”, e mais tarde o próprio relatório de Khrushchev no XX
Congresso, difamou os “julgamentos de Moscovo”: este termo tornou-se na
Europa sinónimo de julgamento falsificado.

 

Através desta publicação, quero demonstrar que o segundo “julgamento de
Moscovo”, em particular, foi justificado. Isso é confirmado pelo estado
das fontes do caso, que não pode ser negado; este é o problema dos
arquivos de Trotsky, a inconsistência dos seus textos daquele período,
as suas declarações perante a Comissão Dewey. O livro compila
cuidadosamente os lapsos de Trotsky, as cartas até então desconhecidas
que foram encontradas nos arquivos e que provam, por exemplo, que ele
estava em contacto com Radek, embora ambos negassem isso.

 

O principal assunto da investigação dos historiadores foi o voo secreto
de Yuri Pyatakov para contactar Trotsky em Oslo, em dezembro de 1935.
Temos todas as evidências de que as autoridades norueguesas mentiram ao
desmenti-lo. Para se encontrar com Trotsky, Pyatakov aproveitou uma
missão oficial: em dezembro de 1935, ele voou para Berlim por instruções
do Partido para procurar fornecedores de bens industriais (depois de os
nazis chegarem ao poder, as relações económicas entre a URSS e Alemanha
que, no final da década de 1920, eram mais do que intensas, assim
permaneceram por algum tempo). Então, de Berlim, Pyatakov voou para Oslo
para ver Trotsky para um encontro de um dia, o que não poderia ser feito
sem a cumplicidade das autoridades alemãs, que lhe deram um visto.

 

A questão é, antes, por que razão Pyatakoy empreendeu tal ação, sabendo
que estava sob a supervisão da embaixada soviética? Porque Trotsky o
presenteou com o /facto//consumado /de uma aliança com os nazis. E
porque Pyatakov  decidiu encontrar-se com Trotsky a qualquer custo e com
tanto risco pois, do ponto de vista deles, havia a possibilidade de um
golpe de estado na URSS.

 

*AD: Você concorda que, por trás do ataque a Estaline, está um ataque ao
antifascismo e às ideias do socialismo em geral?*

 

AM: Além disso, em 1939, Trotsky assumiu uma posição de apoio à
independência da Ucrânia, publicando quatro artigos nos quais ele a
defendia apaixonadamente, apoiando os nacionalistas e sabendo muito bem
que a Ucrânia era a chave para os alemães no Cáucaso e nas plataformas
de petróleo de Baku. Esses fatos devem ser combinados com as posições
dos trotskistas e esquerdistas ocidentais de hoje. Sendo
anti-estalinistas e seguindo a linha de Trotsky, eles aliam-se aos
sociais-democratas na defesa da União Europeia.

 

Tomemos, por exemplo, o julgamento de Dimitrov na Alemanha nazi. Face à
absoluta ilegalidade e ao regime terrorista nazista, Dimitrov
defendeu-se corajosamente e Goering não conseguiu provar nada contra
ele. Então, por que razão Pyatakov e Radek, que tinham todos os meios de
defesa em face da justiça democrática socialista, não fizeram o mesmo?

 

É claro que o período estalinista é controverso, mas, considerando-o, é
preciso entender que Estaline foi um homem dotado da maior
responsabilidade política pelo destino do mundo no século XX. Sim,
Estaline é um homem de contrastes, que às vezes teve de fazer escolhas
políticas difíceis. Mas é uma pena que os livros desse 'maravilhoso
georgiano', como Lenine lhe chamava, não sejam publicados na Europa hoje.

*AD: No seu livro /A Few More Canard /você também volta ao número real
de processos repressivos na URSS, rejeitando o disparate sobre “centenas
de milhões de assassinados”. Até que ponto o seu livro é capaz de fazer
um avanço na mudança do equilíbrio de poder na batalha pela verdade
histórica?*

 

AM: Eu gosto de participar em debates usando a mais pequena oportunidade
em qualquer plataforma. Mas, dada a estratégia do Ocidente contra a URSS
e Estaline, tenho poucas esperanças. No caso de nosso novo livro, /O voo
 de Piatakov/, provamos aos nossos oponentes a exatidão histórica dos
julgamentos de Moscou. Além disso, se você se familiarizar com os
materiais desses julgamentos, verá que essa quantidade de evidências é
impossível de falsificar.

 

No entanto, o que, de facto, há a provar? Se em dezembro de 1935 Trotsky
se gabava de que Pyatakov tinha ido até ter com ele à Noruega, mais
tarde Trotsky cometeu perjúrio perante a Comissão Dewey ao dizer que
ele, enquanto estava na Noruega, caiu do esqui e não pôde encontrar-se
com ninguém. Sim, houve uma queda, mas aconteceu dez dias depois, depois
da visita de Pyatakov. Também comprovamos a inconsistência dos
relatórios do aeroporto de Oslo, onde as palavras “nem um único avião
estrangeiro chegou” foram proferidas. Mas Pyatakov veio de Berlim num
avião norueguês.

 

Além disso, o diário de Trotsky, até 1935, foi publicado, mas as
anotações dos seus últimos anos de vida nunca foram publicadas… Temos o
prazer de divulgar todos esses factos. A nossa principal tarefa é
restaurar a justiça histórica com uma abordagem aberta até mesmo aos
não-marxistas. Acredito que, a longo prazo, venceremos.

 

AM: Ao mesmo tempo, os textos de Estaline são extremamente importantes e
modernos: é preciso estudar as suas obras sobre linguística, sobre a
questão nacional, sobre os problemas do socialismo na URSS. É necessário
estudar Estaline precisamente como um teórico. Li com grande interesse o
livro de Viktor Trushkov, /Estaline como teórico/, e tenho grande
respeito pelo tremendo trabalho que ele fez.

 

Na França, estamos longe disso, devemos estudar primeiro o papel
histórico de Estaline, entender a organização do País dos Sovietes, a
arquitetura do avanço económico dos primeiros planos quinquenais, o
papel dos mecanismos de mercado na transição do capitalismo para o
socialismo. Tudo isso faz parte da análise de que precisamos em França.

 

*AD: Este ano, em França, o livro de Hitler /Mein Kampf /foi
republicado, com comentários de historiadores,  numa tiragem de 55.000
exemplares, o que é um recorde hoje. Ao mesmo tempo, ninguém publica as
obras de Estaline, e Lenin e Marx são extremamente raros nas prateleiras…*

 

AM: Nass Éditions Delga não publicamos os clássicos do
marxismo-leninismo, este não é o nosso formato, mas vamos publicar, por
exemplo, as transcrições dos “julgamentos de Moscovo” para expor a
mentira no Ocidente de que foram falsificados. Muitas pessoas aqui têm
uma opinião falsa de que, após o assassinato de Kirov, Estaline, como um
tirano louco, bateu à porta de toda a gente. Isso é uma redonda mentira.

 

*AD: Por que razão Estaline é o primeiro alvo dos anticomunistas de
todos os matizes?*

 

AM: Jean-Paul Sartre disse uma vez que, após os acontecimentos na
Hungria em 1956, a burguesia deu um suspiro de alívio: encontrou algo
para criticar por trás da Cortina de Ferro”. Até 1956, a burguesia
estava constantemente sob ataque unilateral devido à injustiça da
sociedade capitalista, à sua desordem interna, e em 1956  viram que um
conflito dentro do bloco socialista estava  em formação – e jogaram essa
carta. Esta é toda a tragédia do XX Congresso.

 

Para a burguesia, após a guerra, Estaline tornou-se uma espécie de
monólito que precisava de ser destruído a qualquer custo.  Inventaram
histórias dos horrores do Gulag para justificar os seus próprios crimes
– enquanto o sistema penitenciário soviético, baseado na reeducação, e
no qual havia bibliotecas, atividades independentes de prisioneiros e
tratamento (o mesmo Solzhenitsyn foi curado de cancro), é incomparável
com os campos de extermínio nazis, nos quais os abajures eram feitos com
pele humana.

 

Da mesma forma, é errado chamar a Estaline o czar vermelho – ele nunca o
foi, permaneceu até o fim dos seus dias um bolchevique, um leninista.
Estaline é uma imagem coletiva do que os anticomunistas não podem
aceitar. A experiência soviética, Estaline e, em certa medida, o sucesso
da China de hoje, estão a causar dores de cabeça aos capitalistas. Para
eles, esta é uma matriz incompreensível. Eles são incapazes de
compreender as razões do milagre económico e militar da URSS
estalinista. O ódio a Estaline dá-nos a nós, marxistas leninistas, a
chave para perceber o ódio dos imperialistas por qualquer forma de
organização social mais moderna que o capitalismo.

 

***

 

/Entrevista publicada em russo no /Pravda /nº 140 (31200) 21 a 22 de
dezembro de 2021 e disponível online em //https://tinyurl.com/2p9xhk6f//./

/Este artigo foi https://tinyurl.com/2p9xhk6fpublicado na /revista
Comunista /(Britain) Spring 2022, com tradução para o inglês pelo editor
do CR, usando recursos online. O livro de Aymeric Monville, /*Et pour
quelques bobards de plus (And for a Few More Canards) */foi publicado
por les Éditions Delga em 2020 e 2021 [pbk, 106 pp. € 10+ p&p, ISBN:
978-2-37607-189-1 ]  /

 

^1 Partido Comunista Bolchevique de toda a União é um partido fundado em
novembro de 1991  liderado por Nina Andreyeva, uma professora
universitária que ficou conhecida pela sua carta de 1988 "Não posso
desistir de meus princípios". Opõe-se ao Partido Comunista da Federação
Russa devido ao seu caráter "reformista" É também um crítico do regime
de Vladimir Putin. Em 1995 houve uma cisão no partido com a formação de
uma nova organização sob liderança de Alexander Lapin que tomaria a
denominação VKP(b)

 

/Fonte:
//https://mltoday.com/an-interview-with-aymeric-monville-on-Estaline//
<https://mltoday.com/an-interview-with-aymeric-monville-on-Estaline/>/,
publicado e accedido em 27.06.2022/

/Fonte da foto: //https://www.ebiografia.com/stalin//
<https://www.ebiografia.com/stalin/>

 Em
PELO SOCIALISMO
https://pelosocialismo.blogs.sapo.pt/uma-entrevista-com-aymeric-monville-204511
4/7/2022
***