quinta-feira, 28 de junho de 2018

Todo o mundo ocidental vive em dissonância cognitiva


    
       por Paul Craig Roberts


       Neste artigo vou utilizar três das notícias actuais para ilustrar a
      desconexão que permeia toda a mente ocidental.
       Vamos começar com a questão da separação familiar. A separação de filhos
      dos pais imigrantes/refugiados/asilados provou tal protesto público que o
      presidente Trump recuou na sua política e assinou uma ordem executiva
      terminando a separação familiar.
       O horror a crianças aprisionadas em armazéns operados por negócios
      privados com lucros extraídos dos contribuintes estado-unidenses, enquanto
      os pais são processados por entrada ilegal no país, desperta do seu
      estupor mesmo americanos "excepcionais e indispensáveis" satisfeitos
      consigo próprios. É um mistério que o regime Trump opte por desacreditar
      sua política de fiscalização de fronteiras com a separação de famílias.
      Talvez a política pretendesse deter a imigração ilegal enviando a mensagem
      de que se você vier para a América os seus filhos lhe serão tomados.
       A questão é: Como é que americanos podem ver e rejeitar esta desumana
      política de controle de fronteiras e não ver a desumanidade da destruição
      de famílias que tem sido o resultado predominante da destruição por
      Washington, no todo ou em parte, de sete ou oito países no século XXI.
       Milhões de pessoas foram separadas das suas famílias pela morte infligida
      por Washington e, durante quase duas décadas, os protestos têm sido
      praticamente inexistentes. Nenhum clamor público travou George W. Bush,
      Obama e Trump de actos clara e indiscutivelmente ilegais definidos no
      direito internacional estabelecido pelos próprios EUA como crimes de
      guerra contra os habitantes do Afeganistão, Iraque, Líbia, Paquistão,
      Síria, Iémen e Somália. Podemos acrescentar a isto um oitavo exemplo: Os
      ataques militares pelo estado fantoche neo-nazi da Ucrânia, armado e
      apoiado pelos EUA, contra a secessão de províncias russas.
       As mortes maciças, destruição de cidades e infraestrutura, a mutilação
      física e mental, a deslocação que lançou milhões de refugiados a fugirem
      das guerras de Washington para inundarem a Europa, onde os governos
      consistem de uma colecção de palhaços idiotas que apoiarem os crimes de
       guerra de Washington no Médio Oriente e Norte de África, não produziram
      clamor comparável ao da política imigratória de Trump.
       Como é possível que americanos possam ver desumanidade na separação de
      famílias por imposição do organismo de imigração mas não nos crimes de
      guerra maciços cometidos contra povos em oito países? Estaremos nós a
      experimentar uma forma de psicose em massa de  dissonância cognitiva ?
       Vamos agora ao segundo exemplo: a retirada de Washington do Conselho de
       Direitos Humanos das Nações Unidas.
       Em 2 de Novembro de 1917, duas décadas antes do holocausto atribuído à
      Alemanha nacional-socialista, o secretário britânico dos Negócios
      Estrangeiros, James Balfour, escreveu a Lord Rothschild que a Grã-Bretanha
      apoiava tornar a Palestina uma pátria judia. Por outras palavras, o
      corrupto Balfour descartava os direitos e as vidas de milhões de
      palestinos que haviam ocupado a Palestina durante dois milénios ou mais. O
      que eram estas pessoas em comparação com o dinheiro de Rothschild? Elas
      eram nada para o secretário britânico dos Negócios Estrangeiros.
       A atitude de Balfour em relação aos direitos dos habitantes da Palestina
      é a mesma atitude britânica em relação aos povos em cada colónia ou
      território sobre o qual prevaleceu o poder britânico. Washington aprendeu
      este hábito e tem-no sistematicamente repetido.
       Ainda outro dia a embaixadora de Trump na ONU, Nikki Haley, a
      enlouquecida e insana cadelazinha de Israel, anunciou que Washington se
      havia retirado do Conselho de Direitos Humanos da ONU devido a "um esgoto
      de viés político" contra Israel.
       O que fez o Conselho de Direitos Humanos da ONU para justificar esta
       repreensão da agente de Israel, Nikki Haley? O Conselho de Direitos
       Humanos denunciou a política de Israel de assassinar palestinos –
      médicos, crianças pequenas, mulheres, idosas e idosos, pais e
       adolescentes.
       Criticar Israel, não importa quão grande e óbvio seja o seu crime,
      significa que você é um anti-semita e um "negador do holocausto". Para
      Nikki Haley e Israel, isto coloca o Conselho de Direitos Humanos da ONU
      nas fileiras dos nazis adoradores de Hitler.
       O absurdo disto é óbvio, mas poucos, se é que algum, podem detectá-lo.
      Sim, o resto do mundo, com a excepção de Israel, denunciou a decisão de
      Washington, não só os inimigos de Washington e do palestino como até os
      seus fantoches e vassalos.
       Para ver a desconexão é necessário prestar atenção ao fraseamento das
      denúncias de Washington.
       Um porta-voz da União Europeia disse que a retirada de Washington do
       Conselho de Direitos Humanos da ONU "arrisca minar o papel dos EUA como
      um campeão e apoiante da democracia na cena mundial". Pode alguém imaginar
      uma declaração mais imbecil? Washington é conhecida como um apoiante de
      ditadura que aderem à sua vontade. Washington é conhecida como uma
      destruidora de toda democracia latino-americana que tenha eleito um
      presidente que representasse o povo do país e não os bancos de Nova York,
      os interesses comerciais dos EUA e a política externa estado-unidense.
       Mencione um lugar onde Washington tenha sido um apoiante da democracia.
       Só para falar dos anos mais recentes, o regime Obama derrubou o governo
       democraticamente eleito de Honduras e impôs ali o seu fantoche. O regime
       Obama derrubou o governo democraticamente eleito na Ucrânia e impôs ali
      um regime neo-nazi. Washington derrubou os governos na Argentina e no
       Brasil, está a tentar derrubar o governo da Venezuela e tem a Bolívia na
      sua alça da mira, juntamente com a Rússia e o Irão.
       Margot Wallstrom, ministra sueca dos Negócios Estrangeiros, disse:
       "Entristece-me que os EUA tenham decidido retirar-se do Conselho de
       Direitos Humanos da ONU. Ela vem num momento em que o mundo precisa de
      mais direitos humanos e uma ONU mais forte – não o oposto". Por que razão
      Wallstrom pensa que a presença de Washington, um conhecido destruidor de
      direitos humanos – basta perguntar aos milhões de refugiados dos crimes de
      guerra de Washington que inundam a Europa e a Suécia – fortaleceria ao
      invés de minar o Conselho? A desconexão de Wallstrom é estarrecedora. Ela
      é tão extrema que se torna inacreditável.
       A ministra dos Negócios Estrangeiros da Austrália, Julie Bishop, falou
      como o mais bajulador de todos os vassalos de Washington quando disse
       estar preocupada com o "viés anti-Israel" do Conselho de Direitos Humanos
      da ONU. Aqui temos uma pessoa com o cérebro lavado tão absolutamente que é
      incapaz de se conectar a qualquer coisa real.
       O terceiro exemplo é a "guerra comercial" que Trump lançou contra a
      China. A afirmação do regime de Trump é que devido a práticas injustas a
      China tem um excedente comercial contra os EUA de aproximadamente US$400
      mil milhões. Esta vasta soma supostamente deve-se a "práticas injustas"
      por parte da China. Nos factos reais, o défice comercial com a China
      deve-se à Apple, Nike, Levi e ao grande número de corporações dos EUA que
      deslocalizaram na China a produção das mercadorias que vendem aos
      americanos. Quando a produção deslocalizada de corporações
       estado-unidenses entra nos EUA elas são contadas como importações.
       Tenho apontado isto durante muitos anos, remontando mesmo ao meu
      testemunho perante a Comissão China do Congresso dos EUA. Tenho escrito
      numerosos artigos publicados por quase toda a parte. Eles estão resumidos
      no meu livro de 2013, The Failure of Laissez Faire Capitalism .
       Os media financeiros presstitutos, os lobistas corporativos, os quais
      incluem muitos economistas académicos com "nome", e os miseráveis
      políticos americanos cujo intelecto é quase não-existente são incapazes de
      reconhecer que o défice comercial maciço dos EUA é o resultado da
       deslocalização de empregos. Este é o nível da estupidez absoluta que
      domina a América.
       Em  The Failure of Laissez Faire Capitalism,  revelo o erro
      extraordinário de Matthew J. Slaughter, membro do Conselho de Assessores
      Económicos de George W. Bush, o qual de modo incompetente afirmou que para
      cada emprego estado-unidense deslocalizado seriam criados dois empregos
      nos EUA. Também revelei como uma farsa um "estudo" do professor Michael
      Porter da Universidade de Harvard feito para o chamado Conselho sobre
      Competitividade, um grupo de lobby para a deslocalização, o qual fabricou
      a afirmação extraordinária de que a força de trabalho dos EUA estava a
       beneficiar-se com a deslocalização dos seus empregos de alta
       produtividade e alto valor acrescentado.
       Os idiotas economistas americanos, os idiota media financeiros americanos
      e os idiotas responsáveis políticos americanos ainda não compreenderam que
      a deslocalização de empregos destruiu perspectivas económicas da América e
      empurrou a China para o primeiro plano 45 anos à frente das expectativas
      de Washington.
       Para resumir isto, a mentalidade ocidental e as mentalidades dos russos
       atlantistas-integracionistas e da juventude chinesa pró americana, estão
      tão cheias de insensatez propagandista que já não há conexão com a
      realidade.
       Há o mundo real e há o mundo propagandístico inventado que encobre o
      mundo real e serve interesses especiais. Minha tarefa é fazer com que o
      povo saia do mundo inventado e entre no mundo real. Apoio meus esforços.

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/eua/roberts_21jun18.html
21/6/2018

terça-feira, 26 de junho de 2018

George Soros e a presente conjuntura


por Prabhat Patnaik [*]]

O bilionário George Sores lançou nervosismo nos mercados financeiros ao sugerir que uma nova crise está iminente nas finanças mundiais. Num discurso recente a um think-tank, ele sublinhou que a saída do capital financeiro do terceiro mundo é provável que prenda estas economias num ciclo de desvalorizações da taxa de câmbio e austeridade. E ele mencionou especificamente a União Europeia que enfrenta uma "crise existencial" devido a três factores:   sua desintegração territorial exemplificada pelo Brexit; a austeridade e a crise de refugiados. A solução por ele sugerida para a Europa é tipicamente keynesiana e incluía um novo Plano Marshall que a UE como um todo deveria adoptar para com a África de modo a estancar o seu fluxo de refugiados para a Europa. 

As visões individuais de um George Sores não têm interesse para nós. Mas os factores para os quais ele chamou a atenção, tais como os EUA a sugarem capital financeiro do resto do mundo, especialmente do terceiro mundo; a valorização do dólar; o assomar da crise para o terceiro mundo; o problema dos refugiados para a Europa (o qual, embora Soros não o diga, equivale a afirmar que quem semeia ventos colhe tempestades [1] ) e as diferenças UE-EUA sobre o Acordo Nuclear com o Irão as quais também têm implicações económicas; estão todos em conjunto a pressionar o capitalismo mundial para uma crise grave, a qual, como financeiro arguto, ele reconhece – embora o establishment liberal burguês não o reconheça. 

Soros não é economista e não explica como exactamente actuariam os vários factores que considera acossarem o capitalismo contemporâneo a fim de provocar a crise financeira que adverte. Mas a sua intuição é importante especialmente porque ele próprio é um capitalista retinto e não um revolucionário socialista que está intelectualmente habituado a encarar a transitoriedade do capitalismo. 

A solução que apresenta, de um novo Plano Marshall para a África a ser operado pela UE, não é uma ideia nova. Soluções semelhantes têm sido apresentadas no passado a partir da tradição keynesiana. O Plano Marshall original, pode-se recordar, trouxe assistência dos EUA a uma Europa devastada após a Segunda Guerra Mundial a fim de recolocar aquelas economias em pé. A escala da assistência do Plano Marshall original tem sido estimada, aos preços de hoje, em torno dos US$110 mil milhões. O que Soros sugeriu para um Plano Marshall Europeu nos dias de hoje é uma assistência com um custo da ordem dos US$35 mil milhões para a África. Trata-se de uma medida keynesiana porque estimularia a procura agregada na economia mundial (e dentro da própria Europa se a assistência proposta estivesse ligada ao gasto só de bens europeus), mesmo quando provoca maiores investimentos e gastos sociais no interior de uma parte subdesenvolvida do mundo. 

A sugestão mais famosa nesta linha foi avançada pela Comissão Brandt para o mundo capitalista avançado como um todo: eles deveriam por de lado uma parte do seu PIB a fim de transferi-lo para os países pobres como doação (grants). Isto, argumentou-se, ajudaria ambos os conjuntos de países, os primeiros através de maior emprego e produção, pois sofrem de uma deficiência da procura agregada, e os últimos através de maiores recursos pois sofrem de escassez de recursos para empreenderem investimentos ou gastos sociais. 

A lógica deste esquema está no facto de que tais transferências não diminuiriam a disponibilidade de bens e serviços no mundo capitalista avançado, mas ao invésaumentariam esta disponibilidade. A razão para isso é como se segue: bens que não são procurados numa economia capitalista não são produzidos, resultando na existência de desemprego e capacidade inutilizada. Agora suponha-se que um valor de 100 rupias seja transferido para o terceiro mundo, então, para produzir estes bens, trabalhadores terão de ser empregados; para produzir os inputs exigidos para produzi-los no valor de 100 rupias, e com o consumo de bens procurados pelos trabalhadores recém empregados, mais trabalhadores terão de ser empregados, e assim por diante. Portanto algo como, digamos, bens no valor de 400 rupias terão de ser novamente produzidos, dos quais 300 rupias serão consumidas dentro do mundo capitalista avançado e 100 rupias transferidas para o exterior. 
O emprego, a produção e o consumo neste segmento portanto aumenta em consequência da transferência, e não diminui, em comparação com a situação original. Dito de modo diferente, tais transferências constituem um jogo de "soma não zero"; uma situação de capacidade inutilizada e desemprego é aquela a partir da qual todos podem ser beneficiados, se houver um aumento da procura agregada, a qual, de acordo com o argumento de Willy Brandt, teria decorrido das transferências para os países pobres. O que Brandt sugeriu para os países avançados em relação aos países pobres é exactamente o que agora está a ser sugerido por Soros para a Europa em relação à África. 

Contudo, a sugestão da Comissão Brandt caiu em ouvidos totalmente moucos, e o mesmo está a acontecer com a sugestão de Soros, porque o capitalismo não funciona deste modo.Não é um sistema que possa ser moldado como plasticina para se conformar a algum princípio de racionalidade social, pois, se o fizesse, então não teríamos o espectáculo absurdo, como o que temos hoje, da sua prática de "austeridade", a qual é uma redução da procura, em meio a uma recessão. De facto, o próprio Keynes, o qual estava ansioso por salvar o sistema da ameaça socialista, confundiu sua natureza fundamental, a qual érestringir todas as transferências, pois elas supostamente "estragariam" os beneficiários. A lógica do sistema, como o contemporâneo mais jovem de Keynes, Michael Kalecki, economista marxista, observou de modo incisivo é que "você deve ganhar o seu pão com o suor do seu rosto a menos que por acaso tenha meios privados". Isto foi a lógica utilizada para negar assistência a uma Grécia assolada por dívida. E de uma União Europeia que não pôde sequer salvar um dos seu próprios membros, a Grécia, dificilmente se pode esperar que faça transferências para a África, não importa quão "racionais" tais transferências possam se mostrar para todas as partes. 

A época em que o Plano Marshall original foi adoptado era totalmente diferente, quando o capitalismo estava de costas contra a parede, forçado a fazer concessões contra as quais normalmente teria combatido com unhas e dentes. Havia uma ameaça socialista que pairava, com a União Soviética, a qual havia vencido a Alemanha nazi, no pico do seu prestígio e popularidade. E a classe trabalhadora inquietava-se por mudanças, como evidenciaram as eleições britânicas a seguir à guerra em que Churchill e os conservadores foram derrotados. Ao mesmo tempo, o capitalismo fora enfraquecido pela própria guerra e não estava em posição de combater uma outra guerra, contra o socialismo. Foi neste contexto que foi obrigado a fazer ajustamentos ao seu modus operandi normal. Os EUA ajudarem a reconstruir a Europa foi um ajustamento para salvar o mundo da ameaça do socialismo. 

De facto, o Plano Marshall foi uma das muitas concessões que tiveram de ser feitas para salvar o sistema. A intervenção do Estado na "administração da procura" através de meios orçamentais, para trazer estas economias mais próximas ao pleno emprego, a qual fora evitada antes da guerra, e que foi evitada subsequentemente sob o neoliberalismo, teve de ser aceite para impedir que a inquietação da classe trabalhadora assumisse uma forma revolucionária. A descolonização política, a qual Churchill e seus semelhantes se opuseram totalmente, teve de ser concedida (muito embora a descolonização económica, no sentido de o terceiro mundo obter controle sobre os seus próprios recursos, exigisse um novo e ainda mais árduo combate). Da mesma forma, o direito de voto universal, a que até então resistira, teve de ser concedido. Tudo isto, que indirectamente foi a contribuição da União Soviética para os povos do mundo, mas quase nunca reconhecida, ocorreu dentro daquela conjuntura particular. 

Entretanto, aquela conjuntura hoje já não existe. Muito embora o capitalismo esteja em meio de uma crise profunda, e quanto a isto Soros está certo, ele actualmente não está a enfrentar quaisquer perspectivas de um derrube iminente pelas forças do socialismo. E mesmo se assim fosse, não está suficientemente devastado pela guerra para preferir fazer concessões a tomar uma postura agressiva. Um Plano Marshall Europeu para a África é uma fantasia ilusória neste contexto. De facto, o capitalismo europeu deixaria de preferência refugiados afogarem-se no Mar Mediterrâneo, preferiria apoiar ditadores militares na África que impedissem suas populações de fugirem para o exterior e estabeleceriam antes seus próprios postos avançados em países africanos para impedir tal emigração para a Europa, do que ajudaria estes países fornecendo-lhes concessões para o seu desenvolvimento. Os fundamentos epistémicos de capitalismo militam contra qualquer rota de acção que seja ditada por considerações "humanitárias". 
25/Junho/2018

[1] "The chickens came home to roost", no original. É uma frase famosa de Malcom X após o assassinato de Kennedy, em 1963, pretendendo com isso dizer que a política do imperialismo provocou o assassínio. 

[*] Economista, indiano, ver Wikipedia 

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2018/0624_pd/george-soros-current-conjuncture . Tradução de JF. 

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_25jun18.html
26/6/2018

domingo, 24 de junho de 2018

Por uma escola pública, classista e democrática!



Etapa estadual do III ENE – Encontro Nacional de Educação
Coordenação Estadual em Defesa da Educação Pública e Gratuita – SC
Carta de Florianópolis
Nós estudantes, trabalhadores e trabalhadoras em educação, das esferas
municipais, estadual e federal, organizados em movimentos, entidades e
sindicatos, nos reunimos na cidade de Florianópolis, na Etapa Estadual do III
Encontro Nacional de Educação, promovido pela Coordenação Estadual em Defesa da
Educação Pública e Gratuita, que realizou-se nos dias 15 e 16 de junho de 2018,
na Universidade Federal de Santa Catarina.
Vivemos um período de crise econômica mundial do capitalismo. Nesse contexto, os
governos têm desferido ataques aos direitos conquistados historicamente pela
classe trabalhadora, como vivenciamos aqui no Brasil, com a aprovação da
contrarreforma trabalhista, a lei das terceirizações e a ameaça da
contrarreforma da previdência. Entretanto, esta também é uma conjuntura marcada
pela brava resistência dos trabalhadores e dos setores oprimidos em nosso país e
em inúmeros países do mundo.
Os ataques à Educação Pública, agravados no período recente, são expressos: no
Plano Nacional de Educação (2014-2024) que ressignifica o público, retirando seu
caráter estatal, permitindo o repasse direto de recursos públicos para a esfera
privada subordinando todas suas estratégias e metas, o que torna um grande
equívoco das organizações da classe trabalhadora reivindicar sua efetivação,
pois este aspecto central está sendo implementado rapidamente; na promulgação da
Base Nacional Comum Curricular e na contrarreforma do Ensino Médio; no Projeto
Escola Sem Partido; no financiamento atrelado a resultados de avaliação externas
e em larga escala; na abertura para contratação de trabalhadores da educação via
Organizações Sociais; nos projetos de voluntariado para as escolas; na
destruição dos planos de carreira e concursos públicos, com a opção pela
contratação temporária; no preparo do quadro do magistério majoritariamente nas
instituições privadas e via EaD, bem como na retirada da autonomia universitária
na formação docente; nas Parcerias Público-Privadas com Institutos e Fundações
empresariais intervindo na formulação de políticas educacionais, na gestão das
escolas públicas, na elaboração de material didático, na  ormação de professores
e gestores, tendo como alvo a mercantilização da educação e a reprodução da
sociabilidade requerida pelo momento atual do capital; nos cortes de
financiamento para a Educação Pública gerados pela aprovação da EC 95/2016, cujo
congelamento de vinte anos do gasto público já implicou, entre outras coisas, na
degradação das condições de infraestrutura para pesquisa, ensino e extensão, na
precarização das condições de trabalho e estudo, no corte de bolsas agravando as
condições de permanência dos estudantes nas Instituições Educacionais;  no
incremento das verbas públicas para as instituições privadas, via FIES e PROUNI,
e na transformação dos direitos sociais em serviços, como ocorre com a EBSERH na
gestão dos Hospitais Universitários; no recrudescimento de políticas e ações
discriminatórias sobre a classe trabalhadora, que atingem com maior intensidade
as pessoas LGBTT, negras, quilombolas, mulheres, indígenas e do campo.
Levando em conta o cenário acima, nossos desafios para o próximo período são:
ampliar as lutas em defesa de Educação pública, estatal, gratuita, laica,
universal, com gestão pública e democrática e com qualidade na perspectiva da
classe trabalhadora; recusar e enfrentar a tática da conciliação de classes,
pois a história recente demonstrou que ela é incapaz de atender às
reivindicações dos/as trabalhadores/as e da juventude; não nos enganarmos na
tarefa política dando centralidade ao processo eleitoral na expectativa que este
gere efetivas mudanças sociais que suplantem a sociabilidade vigente; atualizar
a proposta de Plano Nacional de Educação da sociedade brasileira (1996); ampliar
a participação das entidades e dos movimentos em torno do ENE, fortalecendo um
espaço de aglutinação e construção de uma agenda comum de lutas; ampliar,
especialmente em nossos locais de atuação, a mobilização e resistência contra as
Organizações Sociais na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis; repudiar e
denunciar a participação das federações da indústria na agenda educacional por
imporem a subordinação da educação à lógica do capital, como a FIESC no projeto
“Movimento Santa Catarina pela Educação”; ampliar as lutas pela realização da
auditoria da dívida pública já, com a suspensão imediata de seu pagamento, pois
é a principal forma de transferência direta de recursos do fundo público ao
capital financeiro; denunciar e lutar pelo rompimento dos contratos e parcerias
existentes entre as secretarias de educação e organismos privados, como a do BID
e a do Grupo Educacional Augusto Cury com a Secretaria Municipal de Educação de
Florianópolis e a do Instituto Ayrton Senna com a Secretaria de Estado da
Educação de Santa Catarina.
Nossa necessidade premente é construirmos a unidade com base num diagnóstico
detalhado da realidade e com uma compreensão aprofundada, traçarmos a estratégia
e as táticas que caminhem para a superação da ordem do capital. Para
contribuirmos no processo de reorganização da classe trabalhadora, conclamamos
todos e todas à participação e construção do III ENE.
Florianópolis, 16 de junho de 2018.

In
PCB
https://pcb.org.br/portal2/20038/por-uma-escola-publica-classista-e-democratica
19/6/2018

sábado, 23 de junho de 2018

O novo feudalismo



Entrevista com o economista Michael Hudson

Sharmini Peries, CounterPunch

Na página 260 do seu livro, J is For Junk Economics: A Guide to Reality in an
Age of Deception, você trata da questão da Previdência Social e do mito que ela
deve ser pré-financiada por seus beneficiários, e que os impostos progressivos
deveriam ser trocados por um imposto de taxa fixa. Conversamos sobre isso antes,
mas vamos ver o que isso realmente significa quando se trata da Previdência
Social.

A mitologia pretende convencer as pessoas de que, se forem beneficiárias da
Previdência Social, devem ser os responsáveis por poupar para pré-financiá-la. É
como dizer que, como você é o beneficiário da educação pública, você precisa
pagar pela escola. Ou que, como você é o beneficiário da assistência médica,
precisa economizar para pagar por ela. Se você é o beneficiário dos gastos
militares dos Estados Unidos que nos impedem de ser invadidos na semana que vem
pela Rússia, você tem que gastar com tudo isso – antecipadamente e emprestar o
dinheiro para o governo quando for necessário.

Como estabelecer o limite? Ninguém previu no século 19 que as pessoas teriam que
pagar por sua própria aposentadoria. Isso era visto como uma obrigação da
sociedade. O primeiro programa público de previdência social surgiu na Alemanha,
sob Bismarck. A ideia é que se trata de obrigação do Estado. Há alguns direitos
dos cidadãos, e entre esses direitos está o de, após a vida profissional, todo
cidadão poder parar de trabalhar, ou se aposentar. Isso significa que é preciso
ter a garantia de que parar de trabalhar não vai obrigar ninguém a pedir
dinheiro na rua. As pessoas foram enganadas para acreditar que precisam pagar
para ser beneficiárias da Previdência Social.

Este foi o truque de Alan Greenspan na década de 1980 com a Comissão Greenspan.
Ele disse que os EUA precisavam traumatizar os trabalhadores – sufocá-los a tal
ponto que não teriam coragem de fazer greve nem de exigir melhores condições de
trabalho. Ele reconheceu que a melhor maneira de sufocar os assalariados era
aumentar drasticamente seus impostos. Ele não chamou a retenção do Federal
Insurance Contributions Act (FICA) de imposto, mas é claro que é um imposto. Seu
truque foi dizer que não se trata de um imposto, mas de contribuição para a
Previdência Social. E hoje ela retém 15,4% do contracheque de todos.

O efeito do truque de Greenspan foi além de fazer os assalariados pagarem o FICA
todo mês direto de seus salários. A cobrança era tão alta que o Fundo da
Previdência Social emprestou o excedente ao governo. Agora, com o enorme
excedente que tiramos dos assalariados, há um limite: cerca de 120 mil dólares.
As pessoas mais ricas não precisam pagar pelo financiamento da Previdência
Social, apenas a classe assalariada precisa. Suas economias forçadas são
emprestadas ao governo para que ele possa afirmar que tem tanto dinheiro extra
no orçamento oriundo da previdência que pode se dar ao luxo de cortar os
impostos sobre os ricos.

Assim, o aumento acentuado do imposto da Previdência Social para os assalariados
foi acompanhado de reduções acentuadas nos impostos sobre imóveis, movimentações
financeiras e para o 1% mais rico. Aqueles que vivem de renda, não do trabalho,
não produzindo bens e serviços, mas que ganham dinheiro a partir de seus
imóveis, ações e títulos "enquanto dormem". É assim que os 5% mais ricos
ganharam dinheiro na prática.

A ideia de que a Previdência Social tem que ser financiada por seus
beneficiários é uma armação dos ricos para afirmar que o orçamento do governo
não é suficiente para garantir o pagamento. A Previdência Social pode começar a
ter déficit orçamentário.

Depois de termos superávit desde 1933, por 70 anos, agora temos que começar a
desembolsar algumas dessas economias. Chama-se isso de déficit, como se fosse um
desastre e tivéssemos que começar a cortar a Previdência Social. E como se os
assalariados estivessem fadados a passar fome na rua depois de se aposentar.

O Federal Reserve acaba de publicar estatísticas dizendo que a família americana
média, de 55 e 60 anos, tem apenas cerca de 14 mil dólares em economias. Isso
não é suficiente para se aposentar. Também houve um grande saque de fundos de
pensão, em grande parte por Wall Street. Por isso, os bancos de investimento
tiveram que pagar dezenas de bilhões de dólares em multas por enganar os fundos
de pensão e outros investidores. A atual taxa de retorno livre de risco é de
0,1% sobre os títulos do governo, de modo que os fundos de pensão não têm
dinheiro suficiente para pagar as aposentadorias na proporção prevista por seus
conselheiros de lixo econômico (junk economics). Aquele dinheiro que as pessoas
achavam que estaria disponível para sua aposentadoria, de repente não está. A
desculpa é que ninguém poderia ter previsto isso!

Há tantos fundos de pensão corporativos falindo que a Pension Benefit Guarantee
Corporation - PBGC (Corporação de Garantia de Benefícios de Pensão) não tem
dinheiro suficiente para socorrê-los. O PBGC está em déficit. Seja você um
investidor agressivo, um Governador Romney ou o que quer que seja, se você
assumir uma empresa, você fará o que Sam Zell fez com o Chicago Tribune: saqueia
o fundo de pensão, deixa-o vazio e paga os portadores de títulos que lhe
emprestaram o dinheiro para comprar a empresa. E você dirá então aos
trabalhadores: “Desculpem, mas não há mais nada. Está zerado”. Metade dos
programas de propriedade de ações por funcionários vai à falência. Essa crítica
já era feita nos anos 1950 e 1960.

Os Chicago Boys desenvolveram essa estratégia no Chile. Os economistas da
Universidade de Chicago tornaram isso possível, privatizando o sistema de
previdência. A estratégia era reservar um fundo de pensão administrado pela
empresa principalmente para investir em ações próprias. A empresa então criaria
uma afiliada, que seria na realidade proprietária da primeira por meio de uma
organização guarda-chuva, e então deixaria a empresa e seu fundo de pensão irem
à falência – já tendo esvaziado o fundo de pensão, que havia sido emprestado
para aquela empresa de fachada.

A estratégia se mostrou um jogo de cartas marcadas. Não há, na realidade, nenhum
problema com a previdência social. É claro que o governo tem receita suficiente
para pagar a Previdência. Para isso serve o sistema tributário. Basta olhar para
os nossos gastos militares. Mas se você fizer o que Donald Trump faz, e disser
que não vai taxar os ricos; e se você fizer o que Alan Greenspan fez, isentando
os indivíduos de renda mais alta da contribuição para o sistema de previdência
social, é claro que surgirá um déficit. E o déficit vai crescer à medida que
mais pessoas se aposentam. A intenção sempre foi criar um déficit. Mas agora que
o governo não está usando os excedentes da Previdência Social para fingir que,
assim, pode isentar os ricos do pagamento de impostos, fazem propaganda
enganosa. Basicamente, faz parte do jogo de cartas marcadas. Explicar este mito
é, em parte, o que tento fazer no meu livro.

Se os ricos não precisam contribuir para a Previdência Social, podem usá-la?

Eles vão sacar a Seguridade Social até o teto a partir do qual não se paga, que
é de até 120 mil dólares hoje. Então sim, eles usam um pouco. Mas o que as
pessoas ganham acima de 120 mil é completamente isento do sistema de previdência
social. Estes são os ricos que administram empresas e dão a si mesmos retornos
milionários.

Mesmo empresas que se envolveram em fraudes financeiras maciças, grandes bancos
como o Citibank e o Wells Fargo – todos pagam rescisões polpudas a seus
executivos, que recebem enormes aposentadorias pelo resto de suas vidas. E falam
como se as previdências privadas estivessem em déficit, mas para os diretores,
os arranjos são bem diferentes das aposentadorias dos operários e dos
assalariados em geral. Portanto, há uma série de estatísticas econômicas
fictícias.

Descrevo isso no meu dicionário como "mathiness" (algo como matematismo). A
ideia de que, se você puser qualquer coisa em números, aquilo se torna uma
verdade científica. Mas o número é, na realidade, produto de contadores e
lobistas empresariais reclassificando rendimentos de forma a que não sejam
tributáveis.

Dar dinheiro para os 5% mais ricos, enquanto se finge que o déficit é problema
dos outros 95% é uma economia do tipo “a culpa é da vítima”. Pode-se dizer que é
assim que as contas econômicas são apresentadas pelo Congresso ao povo
americano. O objetivo é popularizar a economia "a culpa é da vítima". Como se a
culpa da falência da Previdência Social fosse sua. É o mito de que não devemos
tratar a aposentadoria como uma obrigação do Estado. Da mesma forma, está se
criando o mito de que os serviços de saúde não são uma obrigação do Estado.

Temos os custos de saúde mais altos do mundo, portanto, do seu salário – que não
está aumentando – você terá que pagar cada vez mais para a retenção do FICA para
a Previdência Social, cada vez mais para a saúde, para o monopólio farmacêutico
e o monopólio dos planos de saúde. Você também terá que pagar cada vez mais
pelos serviços públicos de transporte para ir ao trabalho, porque o estado não
os financia mais. Estamos cortando impostos dos ricos para que não tenhamos a
capacidade de pagar pelos serviços que as democracias sociais devem oferecer. As
estradas serão privatizadas para que você tenha que pagar para dirigir até o
trabalho, se não puder ir de transporte público.

A economia está sendo transformada em algo que antes se chamava feudalismo. Só
não temos a servidão absoluta, porque as pessoas podem viver onde quiserem. Mas
todos têm que pagar a essa nova classe “financeira /imobiliária /estatal”
hereditária que está transformando a economia.

Michael Hudson é ex-economista de Wall Street. Professor e pesquisador na
Universidade do Missouri, Kansas City (UMKC), é autor de muitos livros,
incluindo Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire. Seu
último livro é Killing the Host: How Financial Parasites and Debt Bondage
Destroy the Global Economy.

Tradução de Clarisse Meireles

In
CARTA MAIOR
https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-novo-feudalismo/4/40687
21/6/2018

quinta-feira, 21 de junho de 2018

A cruenta implosão de uma sociedade condenada



   Henrique Júdice 

Com 2,7% da população mundial, o Brasil concentra mais de 10% dos assassinatos
no planeta. Em 2016, foram 61,6 mil, além de 49,5 mil casos de estupros
notificados e 12 mil suicídios que também dizem algo sobre esta sociedade. Das
50 cidades mais violentas do mundo, 25 ficam aqui.
Fernando Fraz
 Protesto no Rio repudia violência policial que assassinou mais de 4 mil pessoas
em 2016 no Brasil
As duas bases oficiais de dados (ocorrências policiais e registros de óbitos)
contêm falhas e divergências, mas a explosão de violência letal é visível a olho
nu – e não só nas metrópoles. Aliás, os números reais são maiores, pois, pelo
estigma que recai sobre as vítimas, muitos suicídios são registrados como
acidentes e inúmeros estupros não são nem ao menos denunciados.
Quanto aos assassinatos, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
agência oficial, destaca que muitos se ocultam sob o rótulo “morte violenta com
causa indeterminada”. Em São Paulo, Minas Gerais e Bahia, que concentram metade
da população brasileira, esses registros equivaliam, em 2015, a respectivamente,
42,9%, 30,4% e 30,3% dos homicídios reconhecidos. Por certo, as 71,8 mil
desaparições registradas em 2016 também escondem muitas mortes não naturais.
Tanto quanto a disparada do número de mortes violentas, estarrecem a crueldade
de muitas delas e a futilidade de seus motivos: decapitações filmadas e
difundidas por redes de dados no contexto de desavenças associadas ao tráfico de
drogas; uma mãe morta ao esperar sua criança na porta da escola; dois rapazes
executados pelo segurança de um restaurante devido à quantidade de sachês de
catchup que queriam levar para casa; uma trabalhadora rendida ao sair de um
plantão noturno e trucidada a golpes de chave de fenda após entregar tudo aos
assaltantes; e outro envenenado e esquartejado por um colega para roubar-lhe o
dinheiro da rescisão são exemplos citados a esmo de crimes ocorridos nos dois
últimos anos na região metropolitana de Porto Alegre.
Pseudociência e mistificações
Não é de surpreender que o aparato ideológico composto pela imprensa mercantil
monopolista, instituições oficiais de pesquisa e algumas ONGs admitam a
existência dessa orgia de sangue. Mas que explique como ela se coaduna com a
visão rósea que tanto propagou sobre a evolução da sociedade brasileira durante
os oito anos de governo do PSDB e – atritos de outro tipo à parte – os 13 do PT,
ou identifique com alguma precisão e honestidade suas causas, seria pedir muito.
O morticínio em curso no Brasil não se compreende por nenhuma das teses com que
intelectuais orgânicos do sistema tentam explicá-lo a partir de cálculos
viciados e da pseudociência social burguesa de matriz estadunidense. Este artigo
não desvenda os mecanismos que impelem parte das massas empobrecidas à
autofagia, mas desmente mistificações em voga, sopesa elementos importantes e
aponta causas profundas.
Juventude – No estudo Efeito da mudança demográfica sobre a taxa de homicídios
no Brasil, publicado em 2015, Daniel Cerqueira, diretor do Ipea no governo da
senhora Rousseff, e Rodrigo Leandro de Moura, da Fundação Getúlio Vargas (FGV),
dizem que um quarto do crescimento dos assassinatos entre 1991 e 2000 e metade
entre 2000 a 2010 se deve à existência de jovens do sexo masculino no Brasil (em
outros países, ou não há homens, ou eles saltam da infância à maturidade...).
Cerqueira e Moura admitem nada saber sobre os autores dessas mortes – nem
poderiam, pois a estimativa mais otimista sobre elucidação de homicídios no
Brasil diz que, em 80% dos casos, nem se chega a ter um suspeito. Mas como 92%
das vítimas entre 2005 e 2015 eram homens entre 15 e 29 anos, deduzem que os
assassinos também são e que a quantidade de homicídios varia em função do peso
relativo desse segmento populacional.
Um dado que consta de seu próprio estudo os desmente: no período analisado
(1991-2010), enquanto a taxa de homicídios cresceu 30%, o peso relativo do
segmento masculino entre 15 e 29 anos sobre a população brasileira diminuiu
levemente e o da fração de 15 a 23 (considerada a mais perigosa na literatura
estadunidense em que se baseiam) despencou.
Não há um só indício de correlação – muito menos causalidade – entre quantidades
relativas de homens jovens e de assassinatos. Ao contrário: no Brasil, a matança
é simultânea ao envelhecimento da sociedade. De 1960 a 2015, a média de filhos
por mulher cai de 6 para 1,7 e a expectativa de vida sobe de 48 para 75,5 anos
(dados do IBGE). De 1980 (quando começa a haver estatísticas de homicídios e os
nascidos em 1960 tinham 20 anos) a 2015, os assassinatos sobem de 11,4 para
quase 30 por 100 mil habitantes.
A única conclusão que isso permite é a que li na Argentina como palavra de ordem
e se aplica ao Brasil como constatação científica: os meninos não são perigosos,
estão em perigo.
Famílias – Em 2009, a FGV conferiu o grau de doutor em Economia a Gabriel
Chequer Hartung por seus Ensaios em Demografia e Criminalidade. Com a chancela
de seu orientador, Samuel Pessôa, ele diz que a proporção de famílias
monoparentais com crianças de 5 a 15 anos num determinado tempo e local se
reflete na taxa de assassinatos dez anos depois, quando elas têm entre 15 e 25.
Abstendo-se de demonstrar ou sequer descrever a relação de causa e efeito sem a
qual essa coincidência numérica verificada em alguns lugares é só ilusão de
ótica, Hartung conclui que filhos de mães sozinhas têm maior propensão a matar e
que a criminalidade violenta se reduziria pelo aborto eugênico deles (não prega
explicitamente sua eliminação após nascidos, mas para bom entendedor...).


Aproximadamente 26,8% das famílias brasileiras com filhos tinham apenas um
adulto (em regra, a mãe) segundo dados do IBGE para 2015 que, cotejados com os
do Eurostat para 2016, nos colocam entre a Dinamarca (30%) e a Suécia (25%)
nesse quesito.
Se essa configuração familiar fosse fator de letalidade, as taxas dinamarquesa e
sueca de homicídios seriam similares à nossa. Mas são próximas de zero: 0,58 e
1,07 assassinatos por 100 mil pessoas em 2015, respectivamente. Mesmo no cotejo
entre essas nações escandinavas, parecidas em todo o resto, o impacto da
monoparentalidade sobre a violência letal é nulo: a campeã mundial de mães
solteiras tem menos crimes de morte que sua vizinha.
Armas – Túlio Kahn, alto funcionário das administrações Alckmin e Serra em São
Paulo, sustenta que o número de armas de fogo entre a população determina a taxa
de homicídios.
O dedo no gatilho é só o último elo da cadeia de eventos que desemboca num
assassinato, e nem assim a disponibilidade de pistolas e revólveres ajuda a
compreender o que se passa no Brasil: segundo o governo federal, 650 mil foram
entregues voluntariamente entre 2004 e o início de 2014.
Não localizei dados de igual amplitude sobre apreensões. Mas só as entregas
espontâneas já permitem afirmar que o aumento dos homicídios se deu enquanto o
estoque de armas entre a população caía expressivamente.
No documentário Tiros em Columbine, Michael Moore mostra que o Canadá, com uma
população tão armada quanto a do USA, tem muito menos assassinatos (1,7 contra
4,9 por 100 mil habitantes em 2015, segundo o site Countryeconomy; nos dois
casos, muito mais armas e menos mortes que no Brasil). E que se pode e deve
condenar a demência do fetiche armamentista sem confundir o instrumento do crime
com sua causa.
Algo, mas não tudo
Outras explicações tocam em importantes aspectos da tragédia brasileira que se
vinculam ao banho de sangue em curso, mas não o explicam em toda profundidade.
Evasão escolar – O sociólogo e ex-deputado Marcos Rolim é um pesquisador sério,
dedicado à preservação e a melhoria da vida da juventude pobre. Ao estudar a
violência em que ela está imersa, não busca sua raiz nos cromossomos nem nas
mães dos jovens, mas no que o Estado lhes sonega.
Em sua tese de doutorado A formação de jovens violentos – Estudo sobre a
etiologia da violência extrema, apresentada à Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS), Rolim busca desvendar não tanto a quantidade de assassinatos,
mas sua desmesurada crueldade. Para isso, entrevistou adolescentes que haviam
matado futilmente e outros que, vindos de um quadro sociofamiliar semelhante ao
dos primeiros, construíram suas vidas fora do crime. A diferença que ele
identificou entre os dois grupos é que os membros do primeiro haviam sido
violentados na infância, excluídos da escola e recrutados por adultos que os
ensinaram a agir brutalmente.
O desprezo pela integridade física e emocional das crianças e a ausência de uma
escola pública forte, capaz de suprir o que lhes falta em casa e na vizinhança
em termos culturais e de socialização sadia, são as maiores dívidas do Brasil
para com seu povo e dados basais da tragédia que vivemos. Mas não parece que a
evasão escolar seja a causa do fenômeno em tela: as crianças e adolescentes
permanecem, hoje, muito mais anos na escola (ruim) do que nas décadas de 70 e 80
– para não falar nas de 50 e 60, quando era comum que o início da vida laboral
ou o insucesso no exame de admissão ao ginásio encerrassem o ciclo escolar aos
10/11 anos de idade. Ainda que a evasão escolar seja um dado importante na vida
dos autores dos crimes pesquisados por Rolim, ela caiu enquanto tais crimes
aumentavam.
Drogas – Uma parte enorme dos assassinatos no Brasil está associada à cocaína e
seus subprodutos (maconha e outras drogas não se incluem). De todas as variáveis
analisadas, esta é a única cujo crescimento coincide no tempo com a escalada de
crimes de morte.
Vários são cometidos sob o efeito delas ou da ânsia causada por sua abstinência,
e muitos mais na disputa por pontos de varejo, punição de devedores e outras
desavenças vinculadas à sua compra e venda – inclusive extorsões e queimas de
arquivo perpetradas por policiais contra pequenos traficantes e usuários.
Todavia, embora sejam um forte catalisador da violência, essas substâncias não
explicam sozinhas a dimensão que ela assumiu em nosso país. Seu comércio – a
atividade em si, não violenta – existe no mundo inteiro, mas só aqui e em alguns
países da América Central se faz acompanhar por tal letalidade. Mesmo no México,
considerado em colapso por causa do narcotráfico, há em torno de 20 homicídios
por 100 mil pessoas, e não 30, como aqui.
Raízes profundas
Como raízes mais profundas do fenômeno, restam dois aspectos da dinâmica social
brasileira:
1. O legado de uma instituição brutal que foi, aqui, particularmente violenta: a
escravidão. No Brasil, o Estado, as classes dominantes e a maior parte dos
setores médios nunca reconheceram valor algum à vida das massas negras e pardas,
vistas ora como mercadoria, ora como ameaça a ser reprimida ou eliminada; nem
das massas camponesas, submetidas à servidão ou expulsas da terra para se
juntar, na cidade, aos descendentes de escravos.
2. A intoxicação dessas massas por uma contrapropaganda que levou parte delas a
incorporar os antivalores de uma classe dominante em decomposição: consumismo,
individualismo possessivo, imediatismo, ostentação, narcisismo. Christopher
Lasch (A Rebelião das Elites e a Traição da Democracia) e Richard Sennett (A
Cultura do Novo Capitalismo) analisaram esse fenômeno no país do qual o Brasil
vem se tornando, desde 1964, uma cópia mal feita: o USA. João Manuel Cardoso de
Melo e Fernando Novais (Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna) e,
especialmente, Jurandir Freire Costa (O Vestígio e a Aura) identificaram-no
aqui. “A violência emerge como uma conseqüência da avidez na busca dos objetos
supérfluos, estimulados pela publicidade. Essa distorção não começou com o
miserável que porta a arma, mas sim com a elite que deu a norma da destruição” –
dizia Freire Costa numa entrevista em 2004.
Estado assassino
Sobre essa combinação de fatores, o Estado promove o banho de sangue.
Victor Silva
 Incursões policiais têm derado mortes diárias dos moradores. PM no Complexo do
Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, outubro de 2012
Fardadas e em horário de expediente, as polícias matam mais que os ladrões: em
2016, o Brasil teve 2.703 ocorrências de latrocínio (roubo com morte) e 4.224 de
“mortes por intervenção policial”. Esses números não incluem o “trabalho” das
milícias paraestatais que vicejam no Rio, nem dos grupos da PM de SP que matam
com o rosto coberto (“bandido pelo menos mostra a cara”, ouve-se comumente na
periferia paulistana).
Além de matar com as próprias mãos, o Estado organiza grupos para extermínio
(inclusive recíproco) de pobres – seja pela lucrativa associação de políticos e
funcionários a máfias emaranhadas à estrutura policial, como denuncia, há
tempos, o professor José Cláudio Alves de Sousa; seja enviando traficantes e
ladrões de pouca monta a presídios cuja administração terceiriza (não de graça)
as facções que os recrutam à força e transformam vários deles em delinquentes
violentos, como assinala Rolim. A concentração do foco policial e prisional
nessas pessoas é também uma maneira de deixar livres os matadores, cuja posição
nas facções é mais alta.
Se houver dúvida sobre a quem servem essas ações, ou sobre a interpenetração
entre as altas esferas do mercado ilegal de drogas e as do Estado, basta lembrar
que hoje vivemos sob um governo que tem dois ministros (Blairo Maggi e Aloysio
Nunes) e um secretário (Gustavo Perrella) envolvidos com transporte e
armazenamento atacadista de cocaína.
‘De ir à guerra se trata’
A mais sombria concepção sobre o Estado, elaborada por Thomas Hobbes, pregava a
submissão a ele como preço da garantia da vida e integridade física de seus
súditos. Quando ele não é capaz de prover isso, há uma crise que não será
resolvida dentro de seus marcos.
O drama brasileiro é que a corrosão terminal das estruturas estatais antecedeu
em anos (décadas?) o amadurecimento da única possibilidade histórica de
superá-la: uma revolução. Construí-la nesta sociedade degradada é trabalho
hercúleo e arriscadíssimo, mas premente.
As dúvidas que podem existir sobre sua conveniência e custo-benefício quando
envolve romper a paz dos cemitérios não têm lugar quando se trata do único meio
para estancar a perversidade e a violência fomentadas pelo Estado. Se a
mortandade intrínseca ao andamento “normal” desta sociedade já é a de uma
guerra, “de ir à guerra se trata”, como dizia, num verso composto com límpida
consciência em outro contexto, Idea Vilariño.

In
A NOVA DEMOCRACIA
http://anovademocracia.com.br/no-211/9041-a-cruenta-implosao-de-uma-sociedade-condenada
Junho de 2018

RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/brasil/homicidios_jun18.html#asterisco
21/6/2018

quarta-feira, 20 de junho de 2018

CRISE ARGENTINA ESCANCARA A TRAGÉDIA DA INCOMPETÊNCIA NEOLIBERAL E DESMENTE MAIS UMA VEZ O MITO DE QUE O PT QUEBROU O BRASIL.





(Do blog com equipe) - O pedido de penico da Argentina ao FMI, de 50 bilhões de dólares, uma situação impensável no governo Kirchner, que zerou o passivo do país com a instituição e diminuiu a dívida pública em dois terços, mostra o perigo de se entregar o país aos “analistas” do mercado, que só pensam em manipular investidores e promover a especulação, e em mentir descaradamente a serviço de uma mídia mendaz e hipócrita, na televisão e em outros meios de comunicação.


Quando Nestor Kirchner subiu ao poder, depois do desastroso governo austericida e conservador - na economia - de Fernando De La Rúa, as reservas internacionais argentinas eram de 14 bilhões de dólares e a relação dívida pública-PIB de 135% - uma das mais altas do mundo.


Quando sua mulher, Cristina Kirchner, que o sucedeu, saiu do poder, em 2015, a Argentina havia pago sua dívida com o FMI, as reservas eram de quase o dobro e a relação dívida-PIB quase três vezes menor, ou de 42% do PIB, mesmo com os pagamentos feitos aos fundos “abutres” que não aceitaram a renegociação da dívida nacional anterior à era Kirchner, determinados pelo juiz Griesa, de Nova Iorque.


Mas de nada adiantou esse esforço.


A relativa dignidade argentina - com todos os problemas e desafios enfrentados pelos governos Kirchner - durou menos que uma década.


Em apenas dois anos, a administração neoliberal, conservadora, entreguista, “pró-mercado” do governo Macri conseguiu aumentar a dívida pública do país em 10 pontos percentuais, para 56% do PIB, a inflação, no ano passado, foi de 25% e neste ano já passa de 15%.


Levando Buenos Aires a pedir novamente, depois de muitos anos, arrego ao Fundo Monetário Internacional.


I


Quase exatamente - lembram do efeito Orloff ? - o que está começando a acontecer aqui.


Cantinho do mundo em que o governo neoliberal e entreguista atual recebeu o Brasil com uma relação dívida bruta-PIB de 63% e está correndo o risco de repassá-la ao próximo governo, no final do ano, próxima de 80%;


Com um aumento de mais de 16 pontos percentuais em pouco mais de dois anos, quando ela diminuiu, tanto no conceito bruto como no líquido - consultem os dados do Banco Mundial - nos 12 anos dos governos do PT.


Se Temer também ainda não está, como Macri, batendo às portas do Fundo Monetário Internacional, agradeça-se não ter tido ainda tempo, com as atitudes que anda tomando, de obrigar o país a tomar esse caminho.


E também aos governos nacionalistas anteriores, que pagaram em 2015 a dívida que FHC deixou com o FMI, de quarenta bilhões de dólares, e ainda multiplicaram por 10 as reservas internacionais, de 37 bilhões de dólares em 2002, para 370 bilhões de dólares em 2016.


O patamar em que se encontravam quando do desfecho da conspiração parlamentar, jurídica e midiática golpista que tirou - ao som das panelas e dos foguetes de milhares de otários - a Presidente Dilma Roussef do poder,


A ponte para o “futuro”, do neoliberalismo abjeto e antinacional está dando certo na Argentina.


Já conseguiu levou o país do tango e das empanadas de volta para o passado e - de banho tomado, chupeta, pijaminha de seda e gumex no cabelo - de novo para o colo do Fundo Monetário Internacional.


Enquanto, por estas bandas, a parcela da mídia mais farsante e solerte continua insistindo, com asseclas próprios, além daqueles que são “convidados” e alugados, no discurso único, parcial, falacioso e calhorda de que o PT quebrou o Brasil.


Um país que já arrecadou um trilhão de reais em impostos este ano, produz quase três milhões de barris de petróleo por dia e é - ainda hoje - para a tristeza de certos vira-latas americanófilos que aqui coaxam permanentemente - o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos, como se pode conferir no site do tesouro dos EUA.


Mas, afinal, se o povo ficasse sabendo disso, como continuar destruindo os bancos públicos, os direitos dos trabalhadores e entregando o país aos gringos, a preço de banana, como se está fazendo permanentemente nesse governo ?


MAURO SANTAYANA
http://www.maurosantayana.com/
14/6/2018

terça-feira, 19 de junho de 2018

A Educação está nocauteada


 
Michel Temer completou no mês de maio dois anos à frente do Executivo. Desde que
assumiu, seu governo vem implementando uma agenda de reformas na educação que é
alvo de críticas de educadores. Medidas como a reforma do ensino médio, a Base
Nacional Comum Curricular e também a Emenda Constitucional 95 estão entre as
medidas que mais impactaram a educação no período. Para Gaudêncio Frigotto,
professor do Programa de Pós Graduação de Políticas Públicas e Formação Humana
da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o governo Temerrepresenta o
maior retrocesso para as políticas de educação dos últimos 70 anos.
O pesquisador Gaudência Frigotto concedeu entrevista à André Antunes, publicada
por EPSJV/Fiocruz, 15-06-2018.
IHU
Eis a entrevista.
De maneira geral, o que governo Temer representou para a educação nesses dois
anos?
Ele representou o maior retrocesso dos últimos 70 anos ou mais. Por duas razões.
Uma que diz respeito à Emenda Constitucional 95, que visa exatamente não fazer
mais nenhum investimentoalém de repor a inflação em toda a esfera pública por 20
anos. E a gente vê que nesses dois anos as áreas mais atingidas foram a educação
e saúde. E agora mesmo, para subsidiar o diesel, ao invés de criar um imposto
das grandes fortunas, uma auditoria da dívida pública, enfim, aquilo que a
sociedade organizada luta há décadas, ele vai cortar da educação e saúde. É um
retrocesso que tem consequências brutais a médio e longo prazo.
O outro retrocesso é a contrarreforma do ensino médio, que dividiu a formação em
itinerários. Na verdade a maioria absoluta dos 5.570 municípios tem uma escola,
então não é verdade que o aluno vai poder escolher. Vão oferecer uma ou duas
opções de itinerários. Segundo, os estudantes são muito jovens para uma escolha
que vai definir o restante da sua vida acadêmica: 40% daqueles que hoje que
entram em uma universidade desistem do curso que escolheram no primeiro ano.
Você vai mandar um jovem escolher com 14, 15 anos? Isso é um absurdo, uma
falsificação.
Portanto é um retrocesso do ponto de vista da expansão, e é um retrocesso do
ponto de vista da concepção do que seja a educação básica. E é um governo cuja
popularidade está 82% negativa na pesquisa que foi feita essa semana. O que
expressa um fracasso do ponto de vista social e um ganho aos oligopólios, às
oligarquias, hoje especialmente à oligarquia do capital financeiro, e aos seus
testas de ferro no Congresso, no Judiciário, que sustentam este Estado de
exceção.
Quais são os destaques em relação à educação profissional?
A contrarreforma do ensino médio piora o que foi o decreto 2.208 do governo
Fernando Henrique Cardoso, que separava o ensino geral daquele que ia formar
para o trabalho. E ela induz esse jovem que busca a educação profissional a
buscar um curso muito rápido com a promessa que isso vai lhe dar futuro. Então
também é um retrocesso brutal na concepção do ensino técnico e tecnológico. A
educação profissional está reduzida à perspectiva da ‘Senaização’, de tornar as
escolas de educação básicas quase que um Senai [Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial]. E veja, o governo permite que as escolas agora contratem
professores práticos sem nível superior de um lado, só pela experiência, e
sobretudo permite ao sistema S e outras instituições privadas fazerem parceira
com as escolas. É nessa perspectiva que eu coloco o retrocesso nesse campo
também.
Pelo que tem acompanhado a implementação do Plano Nacional de Educação nesses
dois anos, qual é a avaliação que o senhor faz?
A Emenda Constitucional 95 de um lado e a reforma do ensino médio de outro
enterraram o Plano Nacional. A única meta que foi mais ou menos cumprida diz
respeito à formação de professores de mestrado e doutorado. É uma meta
importante, mas não é central. A meta fundamental seria a universalização do
ensino médio, da educação básica, os 10% do PIB.Imagina se vai ter 10% do PIB
para a educação! Primeiro que o PIB não está crescendo e, segundo, mesmo que
isso aconteça, o crescimento não vai ser incorporado. Então, curto e grosso, o
golpe simplesmente enterrou o Plano Nacional. Se a gente não consegue reverter
esse quadro agora na eleição e ter força parlamentar e força social que revogue
essas medidas nós vamos chegar no final do PNE sem cumprir praticamente nenhuma
das metas. Então a educação está nocauteada, assim como a saúde.
Um problema historicamente apontado no campo da educação é o subfinanciamento,
que prejudicaria ações em todos os níveis. Como você avalia o financiamento da
educação nesses dois anos?
É interessante registrar que os intelectuais do golpe são muito articulados com
o capital financeiro e, portanto, são funcionários dos grandes intelectuais
coletivos, dentre eles o Banco Mundial. Você deve ter visto o relatório do Banco
Mundial que se chama ‘Um Ajuste Justo’, que prega a austeridade no gasto público
especialmente nas áreas de educação e saúde. Então todas essas reformas estão
lá. São reformas que abocanham a parte do fundo público que era destinada a
garantir direitos universais (que ainda não eram universais na realidade). A
Emenda 95 atinge os mais pobres de várias formas: primeiramente estanca o
aumento do salário mínimo real, um mecanismo que nos últimos 15 anos garantiu
efetiva distribuição de renda. O salário mínimotriplicou praticamente. Hoje o
salário mínimo está estagnado e quem paga o preço? Vai ter menos qualidade de
vida, menos saúde, menos possibilidade de as famílias apoiarem seus filhos na
educação.
Nesse período também tivemos a elaboração da Base Nacional Comum Curricular, que
segundo seus críticos abre caminho para várias formas de privatização da
educação pública. O que a BNCC representou nesse cenário?
Eles estão avançando, cercando todos os campos. A BNCC, a contrarreforma do
ensino médio, mas também a Emenda 95, permitem que a educação seja ainda mais
negócio do que é hoje. O avanço agora é no ensino médio, porque já eram
hegemônicos na privatização do ensino superior. São os meganegócios da
privataria da educação. O grande investimento também dos grandes grupos, a
Kroton, entre outros, é no ensino médio através de parcerias público-privadas.
Estão tomando de assalto aquilo que era público, aquilo que era minimamente
debatido com a sociedade. E o que vem pela frente é pior. Quem assumiu a
secretaria executiva do MEC foi o Haroldo Corrêa, ex-secretário de educação do
Espírito Santo. O que ele fez lá foi um horror: fechou escolas do campo, salas
de aula, houve um decréscimo de 68% no investimento na educação. Ele vem
completar o trabalho sujo nos meses que faltam a este desgoverno, que é a
palavra mais adequada. Então, o que vem por aí aprofunda o retrocesso.
Tivemos nesse período o crescimento do movimento Escola sem Partido. Existe uma
relação entre esses dois anos de mandato e a ascensão deste e de outros
movimentos conservadores na educação?
Tem toda relação. Tem sido caracterizado o golpe de agosto de 2016 como um golpe
jurídico, parlamentar e midiático, mas eu vi algumas análises, e concordo, que
acrescentam também ‘policial’. Agora sob um governo de exceção, há uma tentativa
de criminalizar todo pensamento crítico e os movimentos que vêm da sociedade que
visam a mudanças coletivas e ampliação de direitos. O Escola sem Partido é a
parte mais fascista, eu diria, do golpe e que, portanto, tem um caráter
policial. É um movimento que sequer leva em conta aquilo que os clássicos da
Revolução Burguesa entendiam como o papel da escola, que era ensinar os
conhecimentos produzidos até então, mas também educar as novas gerações para se
integrar à sociedade. O Escola sem Partidoé a face obscura, é a face
ideologicamente violenta do golpe. No fundo, se está dizendo que o professor é
um entregador de conhecimento e quem vai preparar esse conhecimento são os
institutos reunidos em torno de movimentos como o Todos pela Educação, que reúne
14 grupos financeiros, bancos, empresas industriais e 18 institutos privados que
querem abocanhar o fundo público e dirigir a escola, a educação, no seu conteúdo
e na forma de educar. O Escola sem Partido é a ‘cereja do bolo’ dentro desse
processo de regressão, é dizer que professor não tem direito à opinião. Então,
há uma relação total entre o Estado de exceção e a virulência de caráter
neofacista do movimento Escola sem Partido.
Há algo a comemorar?
Eu acho que há sinais. Um sinal importante foi que eles não conseguiram aprovar
a reforma da Previdência. Foi a única que o povo entendeu, porque as pessoas
veem que vão morrer antes de se aposentar. A maior parte das pessoas vai pagar e
não vai usufruir. Esse é um sinal de que quando as classes populares percebem o
efeito dessas medidas elas se contrapõem e criam forças para resistir. O grande
problema nosso é a barreira da mídia monopolizada. Se a gente explicasse bem o
significado da reforma da Previdência, reforma trabalhista, até pelo bom senso,
as pessoas iriam se organizar. E um ponto positivo que nos dá esperança é a
reprovação massiva do governo golpista. São sinais que nos apontam duas
alternativas: ou retomamos de fato a perspectiva de barrar as contrarreformas e
revertê-las ou o país entra em uma convulsão social dramática. O país não vai
aguentar essas reformas por cinco, dez anos. Então, contraditoriamente a crise
pode ser a possibilidade de dizer que não dá mais para fazer aquilo que a gente
fazia antes.
http://www.ihu.unisinos.br/579997-a-educacao-esta-nocauteada-entrevista-com-gaudencio-frigotto


In
PCB
https://pcb.org.br/portal2/20030/a-educacao-esta-nocauteada
19/6/2018

segunda-feira, 18 de junho de 2018

Trump contra todo o resto



       por Prabhat Patnaik [*]


       O abandono de Donald Trump da cimeira do G-7 sem que tivesse alterado nem
      uma vírgula do seu proteccionismo indica desunião entre os principais
       países capitalistas acerca da estratégia para ultrapassar a crise dos
      mesmos. Trump decidiu que os EUA seguiriam seu próprio caminho, ampliando
      o défice orçamental, não apenas dando concessões fiscais às corporações, o
      que teria pouco efeito no estímulo à procura, mas também pelo aumento da
      despesa governamental o que teria este efeito  e, ao mesmo tempo, o de
      proteger o mercado interno. 
       Estas duas fibras da estratégia de Trump juntaram-se. Na realidade, na
       ausência de proteccionismo, qualquer estímulo orçamental no interior da
      economia estado-unidense, tal como uma maior despesa governamental
       deliberada, extravasaria para fora do país com a criação de maior procura
      por importações de bens de outros países, caso em que os EUA estariam a
      gerar emprego não dentro de casa mas sim no exterior – e também  a
      incorrer em dívida para com aqueles mesmos países se assim fizesse.  Mas
      um maior défice orçamental combinado com o proteccionismo assegura que
      sejam criados empregos internos e não se incorra com isso em dívida
      externa.
       Trump pode permitir-se empreender esta estratégia devido à posição dos
      EUA no mundo capitalista. Qualquer outro país que prosseguisse uma tal
      estratégia de défice orçamental ampliado juntamente com proteccionismo
      testemunharia um fluxo de saída financeiro pois a "confiança do
      investidor" naquele país seria minada. Mas os EUA estão numa posição
       diferente: a sua divisa ainda é considerada "tão boa quanto o ouro"
      apesar de não ser oficialmente tão ordenada (como era sob o Sistema de
      Bretton Woods). E isto constitui, por uma variedade de razões, a base
      principal das finanças, de onde, a menos que haja fortes provocações, elas
      não gostariam de sair. Trump está, assim, a explorar essa posição dos
      Estados Unidos como o  Grande Senhor  do mundo capitalista, junto sem
      dúvida com algum aumento na taxa de juros dos EUA, a fim de pressionar uma
      estratégia para a revitalização só dos EUA,  sem sequer pensar na
      revitalização do mundo capitalista como um todo. 
       O que há de errado com esta estratégia não é a habitual afirmação
      destituída de fundamento de que "o proteccionismo é mau", de que "o livre
      comércio é bom", ou de que esta estratégia representa um "nacionalismo"
      que é reaccionário pois oposto ao "internacionalismo" que é progressista.
      O que está errado com esta estratégia é que  "não funcionaria mesmo para
      os EUA (embora actualmente possa parecer ter êxito), muito menos para o
      mundo capitalista como um todo. 
       Todo este discurso acerca de "nacionalismo" contra "internacionalismo" é
      não só analiticamente errado, porque estes termos não podem ser definidos
      sem referência ao seu conteúdo de classe ("nacionalismo" por exemplo não é
      uma categoria homogénea e o "nacionalismo" de Ho Chi Minh é bastante
      diferente do de Hitler); ele é também eticamente não fundamentado: se
      níveis mais altos de emprego pudessem ser alcançados por toda a parte,
      juntamente com níveis mais altos de despesas sociais, colocar cada país a
      seguir uma estratégia "nacionalista", quando comparados a uma situação
      onde tentam em vão prosseguir uma estratégia "internacionalista", então
      contestar uma tal estratégia "nacionalista" é claramente indefensável.
       Actualmente a estratégia de Trump, destaca muita gente, parece estar a
       funcionar nos EUA. A taxa de desemprego está  oficialmente  baixa e em
      torno dos 4 por cento. Embora a taxa de participação da força de trabalho
      continue a estar abaixo da que estava antes da crise de 2008, de modo que,
      na suposição de uma taxa de participação da força de trabalho inalterada,
      a taxa de desemprego seria apenas superior a 6 por cento, esta mesma taxa,
      sugerem alguns, representa um declínio em comparação com a de alguns anos
      atrás. Ao mesmo tempo, embora Trump tenha utilizado o défice orçamental
      para agradar os capitalistas através de isenções fiscais, ele não tem,
      sugere-se, restringido demasiado os gastos sociais. E ainda assim, apesar
      destas supostas condições de boom, a taxa de inflação é bastante baixa e o
      dólar continua a estar forte.
       Vamos para argumentar assumir que todas estas afirmações acerca do êxito
      da estratégia de Trump sejam verdadeiras, embora um momento de reflexão
      mostre que todas elas não poderiam ser verdadeiras em simultâneo. Por
      outras palavras, é impossível haver uma coexistência, excepto apenas
       transitória, das seguintes quatro características: uma baixa taxa de
      desemprego; um grande défice orçamental; uma política de proteccionismo e
      uma baixa taxa de inflação. As primeiras três delas provocariam excesso de
      pressões da procura que fariam subir a taxa de inflação, a qual não mais
      permaneceria baixa. Mas ainda assim vamos assumir que todas as quatro
      características fossem verdadeiras.
       Mas todas estas características são apenas os resultados da primeira fase
      da estratégia Trump. Outros países, aqueles atingidos pelo proteccionismo
      dos EUA, não ficariam apenas passivos e a aceitar o aumento do desemprego
      que a estratégia dos EUA de avançar sozinho lhes exportaria. A breve
      trecho começariam a tomar medidas compensatórias através da ampliação dos
      seus próprios défices orçamentais, juntamente com o proteccionismo
      necessário. No caso deles, no entanto, tais medidas implicariam uma fuga
      das finanças, já que lhes falta o status de Grande Senhor que os EUA
      desfrutam. Eles teriam, portanto, que aplicar controles sobre os fluxos
      financeiros, ou seja, “controles de capitais”; ou elevar suas taxas de
      juros a fim de estimular as finanças a não os abandonarem.
       Controles de capitais, contudo, atacariam as próprias raízes da actual
      globalização. Vale a pena notar que mesmo Trump, com todas as suas medidas
      proteccionistas contra as importações  de bens e serviços,  não aplicou
      restrições contra os fluxos financeiros livres. Da mesma forma, os outros
      países capitalistas seriam avessos a restringir fluxos de capitais através
      das suas fronteiras. Eles portanto recorreriam a altas de taxas de juros
      para impedir quaisquer saídas financeiras.
       Estas altas nas taxas de juros anulariam numa certa medida seus esforços
       para expandir para reduzir o aumento do desemprego devido ao
      proteccionismo dos EUA  e também provocariam um aumento correspondente nas
      taxas de juro dos EUA.  O que neste momento parece ser uma "guerra
      comercial" iniciada por Trump – e está a ser discutida e ridicularizada
      como tal pelos seus oponentes – em breve assumiria a forma de altas
       competitivas  nas taxas de juro, da qual a presente ascensão nas taxas de
      juro dos EUA teria sido o primeiro sintoma. E tais altas para todos os
      países capitalistas tomados em conjunto, incluindo os Estados Unidos,
      anulariam quaisquer ganhos no emprego que um défice orçamental ampliado e
      o proteccionismo pudessem ter causado.
       O que a conjuntura actual mostra claramente é que  é impossível
      ultrapassar a crise capitalista sem impedir fluxos financeiros globais, o
      que significa livrar-se da hegemonia da finança globalizada.  A estratégia
      de Trump não pretende afastar esta hegemonia e muito menos os outros
      países capitalistas estão desejosos de se livrarem da mesma, eles iriam
      todos empenhar-se numa luta competitiva de altas de taxas de juro as quais
      colectivamente não implicaria qualquer melhoria na situação da economia
      capitalista mundial.
       Só há dois caminhos lógicos possíveis para a economia capitalista mundial
      poder sair da sua actual crise prolongada. Um é através de um estímulo
      orçamental coordenado de todos os países avançados, da espécie que Keynes
      e um grupo de sindicalistas alemães sugeriu durante a Grande Depressão da
      década de 1930. Isto naturalmente teria a oposição categórica do capital
      financeiro internacional, o qual se opõe a todo activismo  directo  do
      Estado que não passe por seu intermédio. Mas a unidade entre os principais
      Estados-nação que pudesse, através da mesma, actuar como um Estado mundial
      substituto, poderia concebivelmente ultrapassar esta oposição. Mas ninguém
      no G-7 está sequer a falar acerca desta estratégia, o que significa que
      ela não faz parte da agenda do mundo capitalista. Qualquer tentativa de
      persegui-la, uma vez que teria de superar a oposição do capital financeiro
       internacional, o que o capitalismo é incapaz de fazer, teria
       necessariamente de implicar uma transição para além do capitalismo, ou
      seja, uma transcendência do capitalismo no próprio processo de superação
      da sua crise.
       O segundo caminho lógico é países particulares decidirem avançar
      sozinhos, como Trump está a tentar fazer. Mas para isto ter êxito, teriam
      de ser postos em prática controles de capitais pois, de outro modo, a
      prevenção de saídas de capital como uma consequência de tal avanço
      solitário (que necessariamente exigiria activismo orçamental a que a
      finança sempre se opõe) pressionaria o país, e seus rivais, para altas de
       taxas de juro competitivas, as quais subvertem – tanto individualmente
       para países particulares como colectivamente para o mundo capitalista
       como um todo – as perspectivas de revitalização económica.
       O êxito aparente de Trump com a economia dos EUA – se é que há algum
      êxito, o que é duvidoso – representa portanto apenas a primeira etapa
      nesta luta competitiva. Este êxito está destinado a ser eliminado quando
      os outros reagirem aos seus movimentos. Uma vez que nem Trump nem os seus
      rivais estão sequer a pensar em quaisquer restrições aos fluxos de
      capital, o que minaria a hegemonia do capital financeiro internacional e
      por isso está descartado, a crise estrutural do capitalismo está fadada a
      continuar apesar de todas as aparências em contrário.

      17/Junho/2018
      [*] Economista, indiano, ver  Wikipedia
       O original encontra-se em 
      peoplesdemocracy.in/2018/0617_pd/trump-versus-rest . Tradução de JF. 

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_17jun18.html
17/6/2018

quinta-feira, 14 de junho de 2018

“No hay ningún vínculo necesario entre clase obrera y socialismo”


Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (XII)

Salvador López Arnal



Profesor de Historia de Europa y de Teoría de la Historia en la Facultad de
Humanidades de la Universidad Nacional de Comahue (Argentina), Ariel Petruccelli
ha publicado numerosos ensayos y artículos de marxismo, política y teoría de la
historia. Es miembro del consejo asesor de la revista Herramienta. En esta
conversación nos centramos en su libro Ciencia y utopía, Buenos Aires, Ediciones
Herramienta y Editorial El Colectivo, 2016. Se define como "marxista libertario
con una amplia participación política en el movimiento estudiantil (en tiempos
ya lejanos) y sindical docente". Ha cultivado el humor político en un colectivo
de agitadores culturales (El Fracaso) que editó a lo largo de más de una década
dos publicaciones satírico-revolucionarias: La Poronguita y El Cascotazo.
Nos habíamos quedado en este punto. Y a día de hoy, le preguntaba, ¿tiene
sentido un gobierno obrero y campesino? Incluso más: ¿es posible un gobierno
obrero o popular, formado íntegramente por gentes con esos orígenes sociales,
teniendo en cuenta la complejidad de la gestión y manejo de la máquina Estado?
No parece que las ideas de Lenin sobre el manejo fácil estatal de El Estado y la
revolución se hayan contrastado positivamente con el transcurso de la historia.
Usted comentaba que la pregunta era muy compleja y que cualquier respuesta debía
ser muy tentativa. Añadía: "Estamos ante una incógnita histórica, si me permite
la expresión". Le pedía un intento y usted me respondía que se trataba, en
realidad, "de varias problemáticas entrelazadas: a) la naturaleza social o
socio-económica del estado; b) la relación del estado con las clases; c) el
vínculo entre gobierno y estado; d) la posibilidad de un tipo diferente de
gobierno que construya un tipo distinto de estado en el marco de un proceso de
transformación social profunda. Si me lo permite, voy a abordar todo esto dando
un largo rodeo; pero prometo llegar al punto requerido". Adelante, pues, con el
largo rodeo. 
Los marxistas acostumbramos sostener que los estados contemporáneos poseen un
carácter capitalista porque el abanico de sus formas y de las políticas posibles
está limitado por los requerimientos estructurales de las relaciones
capitalistas de producción. De tal cuenta, todos los gobiernos deben satisfacer,
de buena o de mala gana, más amplia o más restringidamente, las necesidades de
la acumulación del capital. Deben generar quizá no necesariamente un clima
exultante para los "negocios"; pero sí cuando menos un clima que no haga que las
inversiones se desplomen. Los estados y los gobiernos están estrechamente
"atados" a la acumulación de capital. Y esto da, obviamente, un poder enorme a
la clase de los capitalistas, sin necesidad de que ninguno de ellos ocupe
directamente puestos políticos relevantes. De esto se deduce que el carácter
social de un estado o de un gobierno no depende esencialmente de los agentes
concretos que se hallan a su cabeza. Pero esta tesis general, cuyo contenido
acepto, presenta peculiaridades y problemas específicos cuando se trata de un
estado o un gobierno "proletario" (o póngale el nombre que guste). Veamos por
qué.

Adelante con ese porqué.
Hoy en día, la idea de unas revoluciones burguesas (concebidas como hechas por
un actor de clase perfectamente organizado y autoconsciente) está hondamente
desacreditada, incluso entre los marxistas. La única vía para defender en algo
la idea de una revolución burguesa es por sus resultados, y no por quiénes las
hicieron o por las intenciones que perseguían (pocos burgueses apoyaron, por
ejemplo, a la revolución francesa, muchísimos se le opusieron, y Robespierre no
quería establecer el capitalismo, sino una república igualitaria de pequeños
propietarios). Sin embargo, fueran cuales fuesen sus diferencias sectoriales y
regionales o sus disímiles convicciones políticas o religiosas, todos los
capitalistas actuaban y actúan en su vida práctica y cotidiana sobre la misma
base y en virtud del mismo principio: la propiedad privada y la ganancia. Y esto
era así desde mucho antes de que se constituyeran lo que podríamos considerar
estados capitalistas. Es decir que, con independencia de las creencias y
acciones específicas de cada burgués particular y de cada burguesía específica,
esta clase tendía a reproducir (y muchas veces expandir) ciertas pautas comunes,
se lo propusiera conscientemente o no. No sucede lo mismo con el proletariado,
al menos en lo tocante a la propiedad colectiva o el socialismo. (Es obvio que
sí reproduce ciertas pautas comunes, aunque rara vez de un carácter tan absoluto
como la propiedad privada y la ganancia de los capitalistas: la organización
sindical obrera, siendo una fuerte tendencia general, no posee la universalidad
de la propiedad y la ganancia de los capitalistas). La base material de la clase
obrera no es la propiedad colectiva sino la carencia de propiedad (sobre los
medios de producción), y el principio que la mueve y preocupa cotidianamente no
es la auto-actividad libre sino el trabajo asalariado, el monto del salario,
fundamentalmente (fíjate incluso que la reducción de la jornada laboral ha ido
perdiendo centralidad, y cómo la mayoría de los trabajadores, al igual que las
otras clases, priorizan el aumento de los ingresos que permiten un mayor
consumo, antes que el aumento del tiempo libre para dedicarlo a actividades
auto-realizativas… incluso entre sectores que objetivamente están en condiciones
de hacerlo). Esto quiere decir que la burguesía podía, en cierto modo y hasta
cierto punto, constituir su mundo (el capitalismo) simplemente expandiendo lo
que ya estaba haciendo (obviamente, el proceso histórico fue mucho más complejo,
siendo quizá el problema fundamental el hecho de que la burguesía medieval no
tendía tanto a transformar el mundo feudal como a adaptarse a él; además del
pasaje del capital mercantil al industrial). Pero la situación del proletariado
es completamente diferente...
¿Completamente diferente? ¿Por qué?
Una nueva sociedad "proletaria" no podría surgir nunca simplemente expandiendo
las bases materiales de la clase obrera y el principio en que se guía. Por esa
vía sólo se reproduce el capitalismo. De aquí la paradoja de que el objetivo de
la clase obrera, para el marxismo, debe ser el de abolirse a sí misma. Pero esto
implica una contradicción mucho más grande que en el caso de la burguesía. Aun
cuando no se propusiera acabar con la servidumbre o derrocar al absolutismo, el
capitalista, en tanto que tal, incentivaba irremediablemente en su vida
cotidiana (sin necesidad de ninguna organización específica, sin necesidad de
ocuparse o manifestar intenciones políticas) la primacía del valor de cambio
sobre el valor de uso, el comercio, la prioridad del beneficio, el fetichismo de
la mercancía y la afirmación de la propiedad privada absoluta. Todo esto
colisionaba (no totalmente, de ahí las complejidades de la transición) con el
orden medieval.
Nada parecido sucede con el proletariado. En su vida cotidiana los miembros de
la clase obrera no incentivan "naturalmente", sin proponérselo conscientemente,
ninguna base material, ningún valor, ningún principio alternativo al del
capitalismo. Y allí donde lo hacen, el fenómeno se da entre sectores organizados
en coaliciones políticas o sindicales, que en general no aglutinan más que a una
parte (muchas veces minoritaria) de los trabajadores. Mientras que la propiedad
privada y la ganancia forman por así decirlo parte de la "naturaleza" social de
cada capitalista individual (y renunciar a ellas implica dejar de serlo), la
propiedad colectiva y el trabajo libremente asociado no forman parte de la
realidad cotidiana de los trabajadores. De aquí que no se equivocaran Kautsky y
Lenin cuando decían que por sí misma la clase trabajadora no desarrolla más que
sindicalismo. Pero siendo las cosas así, es difícil evitar los males del
sustituicionismo y del vanguardismo que los críticos de Lenin le reprochaban: el
drama ha residido, a mi juicio, en que tanto Lenin como sus críticos tenían
razón. Lenin en la descripción de la realidad, sus críticos en las consecuencias
que derivaban de ello.
El socialismo, pues, no es ni la vida práctica de los trabajadores, ni su
objetivo ineludible, ni su "verdadera" ideología, que es lo que piensa la casi
totalidad de las corrientes marxistas militantes.
¿Qué es entonces?
El socialismo es un sistema alternativo de valores, un objetivo político, una
posibilidad social, una alternativa histórica, que seguramente no podrá triunfar
sin el apoyo y la acción de la mayoría de los trabajadores, pero que en modo
alguno es la tendencia "natural" hacia la que se encamina objetivamente el
proletariado.
Todo lo dicho hace que la relación de la clase obrera con el socialismo sea
mucho más ambigua que la de la clase capitalista con el capitalismo (entendido
como una sociedad en la que el capital domina la producción y se ha convertido
en el núcleo económico fundamental). Un empresario puede vivir en una sociedad
que no es fundamentalmente capitalista y/o que se halla gobernada por una
nobleza hereditaria de carácter no capitalista, pero su día a día se basa en la
propiedad privada y en la ganancia, no pudiendo repudiarlas sin suicidarse como
actor social. Así pues, un burgués puede ser liberal, monárquico o republicano,
católico, ateo o protestante, fascista, demócrata o (incluso) "socialista",
partidario o adversario del estado benefactor, racista y machista empedernido o
partidario de la igualdad entre géneros y etnias. Puede ser cualquiera de estas
cosas, porque ninguna de ellas lo define como capitalista. Lo único que no puede
hacer es repudiar a la propiedad privada y la ganancia. Es decir, repudiarlas de
hecho, y no de palabra. Un burgués puede ser sincera y realmente anti racista y
anti patriarcal. Puede votar realmente a una lista de izquierda o entregar
grandes sumas a un partido revolucionario. Puede sentir honda y verdadera pena
por los pobres del mundo. Todo esto puede hacerlo sin dejar de ser capitalista.
Lo único que no puede hacer es renunciar a la propiedad privada o no respetar el
imperativo de la ganancia: en el primer caso se quedaría sin los medios de
producción que lo hacen capitalista; en el segundo no tardaría en fundirse.
Ganancia y propiedad son sagradas e inherentes al capitalista: simplemente, no
puede renunciar a ellas sin dejar de serlo. Por consiguiente hay un mínimo
ideológico inherente a la burguesía: el respeto de la propiedad privada y el
objetivo de la ganancia. Esto es consustancial a todos y cada uno de los
burgueses.
Sin excepción.
Todo lo demás no es necesario, y puede darse un amplio margen de variación
histórica: fascismo, liberalismo, monarquismo, estado benefactor,
neo-liberalismo, populismo, individualismo libertarista, responsabilidad social
empresaria y muchas cosas más son opciones posibles para un capitalista. Puede
optar por una u otra variante. Pero no puede optar en lo que hace a la propiedad
privada y la ganancia. Allí donde alguien propusiera abolirlas el burgués se
sentiría, con razón, amenazado. No hay, pues, una ideología que sea la ideología
capitalista. Hay varias ideologías compatibles con el capitalismo. Pero sí hay,
como mínimo, dos principios irrenunciablemente capitalistas, que ninguna
ideología o política capitalistas podría negar o ignorar. Y esto es
objetivamente así. A la misma conclusión llegamos tanto por medio del análisis
lógico como por medio de la indagación empírica: la inmensa mayoría de los
capitalistas defiende teóricamente estos principios y todos los respetan en la
práctica.
No sucede lo mismo con lo que podríamos considerar principios socialistas
rivales: propiedad colectiva y actividad libre auto-realizativa. Ninguno de
ellos define al proletario: al contrario, su negación es más bien lo que lo
define. Y empíricamente podremos hallar las respuestas más diversas. Lo único
que define a los trabajadores como tales, la venta de su fuerza de trabajo,
carece de contenido socialista alguno. Por consiguiente, los principios
socialistas carecen del arraigo que los principios capitalistas de propiedad y
ganancia en todos y cada uno de los sujetos en cuestión. La defensa de la
propiedad colectiva y de la auto-realización no es consustancial a los
trabajadores, como lo es la defensa de la propiedad privada y de la ganancia
para los capitalistas.
Es muy interesante lo que dice y no es frecuente recordarlo.
El caso de los campesinos es también ilustrativo.
¿Por qué, de qué?
Hay un mínimo ideológico de todos los campesinados existentes: el acceso a la
tierra. Incluso los campesinos siervos rusos, que aceptaban la servidumbre,
siempre reclamaron su derecho a la tierra. Se podría decir que hay un
equivalente en la clase trabajadora: el derecho al trabajo. Lo acepto, pero el
derecho al trabajo no es el socialismo.
Como comprenderás, si los análisis precedentes son correctos, se impone extraer
la conclusión de que no hay ningún vínculo necesario entre clase obrera y
socialismo (como lo hay entre burguesía y propiedad privada o entre campesino y
derecho a la tierra). Y creo que esto explica muy bien por qué los obreros
reales han profesado las creencias más diversas en este terreno, y por qué rara
vez han sido mayoritariamente revolucionarios. Nada de esto significa, sin
embargo, que no haya vínculo alguno entre clase obrera y socialismo.
Alguna explicación sobre esto último.
Yo acepto que el socialismo es inviable si no lo asume al menos la mayoría de
los trabajadores, y que el socialismo es incompatible con la burguesía. Pero no
creo que se pueda presentar al socialismo como el objetivo que todo obrero
debería tener si no estuviera alienado, engañado por la ideología burguesa o
manipulado quien sabe por quién. Hay muy buenas razones, por ejemplo, para que
un obrero sea socialdemócrata o peronista. Y estas razones se tornan tanto o más
claras ni bien comprendemos que quizá esos obreros persigan objetivos y tengan
anhelos diferentes a los nuestros, socialistas. Esto ayuda a entender por qué
casi nunca los trabajadores reales se desengañan con sus dirigencias reformistas
o conservadoras, como esperan y vaticinan los revolucionarios. Simplemente, no
perseguían los objetivos de revolucionar la sociedad, y acaso ni siquiera
aspiraban a la socialización de la propiedad y a una forma de vida basada en la
actividad libre. Esto remite a otro problema fundamental, que quisiera tratar
con cuidado para evitar malos entendidos y para diferenciar mis planteos de
otros que en apariencia son parecidos, pero que no tienen nada que ver con lo
que pienso (por ejemplo los de Laclau, a quien he criticado por extenso en El
marxismo en la encrucijada).
Un día le pregunto por esas críticas a Laclau.
La contradicción capital/trabajo no es una contradicción lógica (el tema de las
consecuencias perniciosas de la confusión entre lógica y empiria ha sido
excelentemente tratado por Manuel Sacristán). Es un antagonismo social, pero de
magnitud muy variable. Nada entraña necesaria o lógicamente que el capital no
pueda vivir más o menos "armónicamente" con el trabajo, ni que ganancias y
salarios no puedan crecer juntos. Me doy perfecta cuenta que decir esto me
coloca desmintiendo una arraigada creencia marxista. Pero estoy convencido que
esta creencia, o prejuicio, no tiene fundamento empírico. Desde luego que
patrones y obreros mantienen una relación asimétrica y basada en la explotación.
Esto es indudable. Pero no quiere decir que necesariamente no sea una relación
"armónica" (un término vago por lo demás): si ambas partes aceptan sus roles
puede ser "armónica", sin dejar de ser asimétrica y explotadora.
Le interrumpo. ¿Relación armónica?
Al menos "armónica" hasta cierto punto (aunque yo creo que incluso en las más
pacíficas y tranquilas condiciones las relaciones de clase entrañan una cuota de
antagonismo y generan mecanismos de resistencia), pero lo suficientemente
considerable como para alejar por plazo indefinido la perspectiva de una
revolución, como ha ocurrido en tantos países.
Prosiga, prosiga, le he interrumpido antes.
A la inversa, puede haber relaciones terriblemente conflictivas que no sean ni
asimétricas ni estén basadas en la explotación: por ejemplo la relación entre
dos boxeadores; o los vínculos entre dos corporaciones industriales o entre dos
estados capitalistas centrales rivales). El estado benefactor, de hecho, ha sido
una increíble maquinaria que ha priorizado los elementos potencialmente
armónicos sobre los conflictivos entre capital y trabajo. Y ha tenido éxito,
dado que han desaparecido los movimientos obreros revolucionarios allí donde
este tipo de estado se implantó. El punto, con todo, es que el marxismo
tradicional supone que el antagonismo entre capital y trabajo es de una
naturaleza tal que necesariamente debe desembocar en la emergencia de otro tipo
de sociedad, que además carecerá de antagonismos. Y esto no es algo que se pueda
deducir, como se cree, a partir de datos empíricos. Hagamos una analogía.
Adelante con ella.
En cualquier ambiente ecológico hay presas y predadores. Podríamos decir que hay
un conflicto entre unas y otros. Sin embargo, el sistema bien puede ser
armónico, equilibrado y estar en condiciones de reproducirse indefinidamente.
Desde luego que podría suceder que ciertas circunstancias hicieran que se
rompiera el equilibrio entre presas y predadores, y que esto condujera a una
radical modificación de la situación. Pero esto último no es una consecuencia
ineludible del hecho de que unas especies se coman a las otras, ni mucho menos
se deduce de ello que la situación ulterior se caracterice por la desaparición
de los predadores. (Creo y espero que las sociedades humanas puedan eliminar a
los predadores, aunque esto no sea posible en los ambientes naturales).
Yo no rechazo la conciliación de clases porque piense que es algo completamente
imposible. La rechazo porque se basa en un tipo de vínculo que me parece
totalmente injusto e inaceptable. Es cierto que el aumento conjunto de ganancias
y salarios pocas veces ocurre en los capitalismos reales; pero no es una
imposibilidad lógica. Es obvio, por lo demás, que el capitalismo ha demostrado
capacidad para mejorar sensiblemente las condiciones de vida de los
trabajadores. De hecho, ha sido esta mejora más o menos constante (de acuerdo a
las propias expectativas de los trabajadores) lo que ha hecho posible el
fenómeno inaudito en la historia de una clase explotada con derechos políticos.
La clase obrera contemporánea dista mucho de no tener nada que perder más que
sus cadenas, que era una descripción bastante acertada en el siglo XIX.
Sí, sí, una descripción que a veces no fechamos y la convertimos en tesis,
consigna o creencia transhistórica.
No es, pues, el socialismo, una mera consecuencia de tomar conciencia de la
relación antagónica entre capital y trabajo. Para afirmar el socialismo no basta
con comprender que capital y trabajo tienen intereses diferentes e incluso
antagónicos: es necesario postular la viabilidad de un orden en el que ellos
hayan desaparecido. Si aceptamos que los patrones querrán siempre mayores
ganancias, por lo que cada vez que puedan reducirán los salarios o incrementarán
el tiempo o la intensidad del trabajo, de ello no se deduce que haya que
construir el socialismo. Creo que la mayoría de los obreros aceptaría hoy en día
lo primero, pero muy pocos lo segundo. Y no porque carezcan de lógica, sino
porque la aceptación de que una relación es antagónica no implica necesariamente
que se la quiera abolir o se piense que es posible hacerlo. Hay incluso
situaciones en que los vínculos antagónicos son defendidos por todos los
participantes: en los deportes competitivos, por ejemplo. Desde luego que yo
creo que la relación entre capital y trabajo debería ser abolida; pero esto no
se debe a que me haya hecho consciente de que es una relación antagónica: se
debe a que me guío por una serie de principios éticos que me hacen juzgarla como
un tipo de relación condenable; y a que pienso que es posible una sociedad
fundada sobre otras relaciones.
Defender al socialismo y defender a la clase obrera, pues, no es la misma cosa.
Creo que ha quedado claro en su exposición.
Y aunque entre los capitalistas y los obreros los socialistas tomamos partido (y
sólo podemos tomar partido) por los segundos, no hay por qué pensar que en
cualquier huelga obrera habrá necesariamente una potencialidad socialista mayor
que en un movimiento campesino o en una acción ecologista. (Tampoco, claro, se
podría afirmar lo contrario). Los vínculos entre clase obrera y socialismo
carecen de la simplicidad que estábamos habituados a adjudicarle. Esto no
significa, desde luego, que el socialismo carezca de vínculo alguno con las
clases sociales, que sea un puro principio inmaterial. Es indudable, por
ejemplo, que la burguesía no es compatible con el socialismo.
Al llegar a este punto -además de disculparme por esta larga respuesta a una
pregunta no formulada- es ineludible regresar al meollo de tu pregunta efectiva,
Salvador; que puedo reformular, sin perder sustancia, creo, como el interrogante
sobre la posibilidad de una vida política no profesionalizada, no burocratizada.
Veamos pues.
Adelante con ella pero su larga digresión, desde mi punto de vista (confío en
que los lectores y lectoras opinen lo mismo), es más que interesante. Tomemos un
nuevo respiro, los lectores estarán exhaustos probablemente. El lema y
advertencia clásico, "De nada en demasía", no lo hemos cumplido hoy.
Es bueno transgredir las normas de cuando en cuando.
Conviene hacerlo, tiene razón.
***
Nota de edición. Entrevistas anteriores:
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (I). "La perspectiva materialista en los términos de Marx que asumo
puede sintetizarse en la sentencia: ‘el ser social determina la conciencia
social'"  http://www.rebelion.org/noticia.php?id=238338
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (II). "El socialismo como la organización de los productores libremente
asociados nunca vio la luz, salvo a pequeña escala o por momentos fugaces" 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=238571
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía en Marx y en la tradición
marxista (III). "Sobre el marxismo sin ismos de Paco Fernández Buey tengo la
mejor de las opiniones. En realidad la tengo del conjunto de su obra" (*) 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=238794
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (IV). "Antoni Domènech ha realizado un estudio histórico magistral del
concepto de fraternidad"  http://www.rebelion.org/noticia.php?id=239177
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (V). "Intento mostrar que Marx tuvo -hasta finales de los sesenta del
XIX- una concepción relativamente ingenua del proceso de expansión capitalista" 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=239526
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (VI). "Para Marx las cosas verdaderamente valiosas son las que
constituyen un fin en sí mismas y no un mero medio para otra cosa" 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=239785
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (VII), "La concepción usual de la dialéctica en la tradición marxista
se basa en generalidades como la negación de la negación" 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=240133
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (VIII). "La pasión política es tomar la política como una necesidad
vital, como un fin en sí mismo y en el que se juegan las convicciones" 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=240735
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (IX). "Marx, en sus últimos años, corrige algunas concepciones suyas de
años anteriores; pero no veo una ruptura total o completa". 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=241240
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (X). "Engels solía ser más perspicaz que Marx en muchas cuestiones
históricas, y en asuntos científicos, por no hablar de los militares" 
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=241504
Entrevista a Ariel Petrucelli sobre Ciencia y utopía. En Marx y en la tradición
marxista (XI). "Plajanov es un exponente del determinismo tecnológico: una
concepción que yo no comparto"  http://www.rebelion.org/noticia.php?id=242601
In
REBELION
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=242899
15-6-2018