quarta-feira, 30 de junho de 2021

O mito da direita democrática – A propósito da vitória de Pedro Castillo no Peru ***

 

*por Atilio A. Boron *

Castillo, o candidato vitorioso. Apesar do veredicto da história, é
irrefutável que a sabedoria convencional das ciências sociais e a
opinião pública estabelecida difundem sem cessar a concepção errada de
que a direita latino-americana se reconciliou com a democracia; que
cortou amarras com a sua génese oligárquica, racista, patriarcal e
colonial; que pôs fim à sua história como visível instigadora e
frequente executora directa de inumeráveis golpes de estado, atentados,
sabotagens, massacres e toda classe de violações aos direitos humanos e
às liberdades política. Apesar dessa origem perversa, dizem agora alguns
académicos e "opiniólogos" despistados (ou que jogam para a direita),
esta "aggionou-se" e aceita as regras do jogo democrático. Erro trágico,
confirmado, como dizia no princípio, pela vida prática: a direita nunca
foi democrática, não o é e jamais o será no futuro. Pelo seu
enraizamento cultural e interesses de classe está destinada a defender
com unhas e dentes a ordem social do capitalismo dependente do qual é
sua exclusiva beneficiária. Por isso apela a todos os imensos recursos
de que dispõe (dinheiro, greve de investimentos, fuga de capitais,
evasão e fuga tributárias, ataques especulativos contra a moeda local,
despedimentos de pessoal, fecho de estabelecimentos, terrorismo
mediático, apelo ao intervencionismo militar, o favor de juízes e
promotores, protecção "da embaixada", etc) perante qualquer ameaça, por
moderada que seja. No meu "Sete teses sobre reformismo, revolução e
contra-revolução na América Latina" (incluído no livro de
descarregamento gratuito compilado pelo CLACSO sob o título /Bitácora de
un Navegante/
<https://www.clacso.org.ar/libreria-latinoamericana/buscar_libro_detalle.php?id_libro=2233&campo=titulo&texto=Bit%E1cora%20de%20un%20navegante>
) indico alguns antecedentes decisivos sobre o tema. Por isso sugiro às
pessoas interessada que leiam o referido artigo para aceder a uma
elaboração mais completa sobre este argumento.

Por agora, conformo-me com este breve recordatório sobre a conduta da
direita latino-americana para que os leitores extraiam as suas próprias
conclusões. Na Argentina, em 2015, aquela representada por Maurício
Macri triunfou na segunda volta da eleição presidencial sobre Daniel
Scioli. A diferença foi de uns 3 por cento e a coligação perdedora
admitiu a derrota nessa mesma noite. Em 2017 o narco-político Juan O.
Hernández impôs-se na eleição presidencial hondurenha graças a uma
fraude escandalosa que foi tão descarada que aditou durante várias
semana o reconhecimento de Washington, do qual aquele era a sua peça.
Apesar dos protestos da oposição esta não teve outro remédio senão
admitir a sua "derrota". Nas presidenciais brasileira de 2018 triunfou
Jair Bolsonaro, porta-voz dos golpistas que derrubaram, mediante
/lawfare, / Dilma Rousseff da presidência. Apesar das grosseiras e
múltiplas violações da legislação eleitoral (entre as quais o não
comparecimento de Bolsonaro ao debate presidencial); o papel sinistro
desempenhado pelo poder judicial – que ilegalmente impediu que Lula
fosse candidato – e os meios de comunicação, ferreamente controlados
pela direita, a derrotada aliança opositora respeitou o resultado das
urnas. Os políticos brasileiros no Congresso, a "justiça" desse país e
os grandes meios de comunicação, cada qual mais corrupto, estão a fazer
pagar um preço imenso ao povo desse país por haver instalado no Palácio
do Planalto um sociopata como Bolsonaro, que com o seu negacionismo da
pandemia enviou à morte mais de meio milhão dos seus compatriotas.

No Uruguai, em 2019, o candidato da direita Luis Lacalle Pou derrotou
Daniel Martínze, da Frente Ampla, por 1,5 por cento dos votos válidos e
o perdedor admitiu sua derrota sem refilar. Pouco depois de assumir a
presidência Lacalle Pou fez gala de um negacionismo suicida, proclamando
com uma atitude chauvinista que no Uruguai não aconteceria o mesmo que
aos seus vizinhos argentinos e brasileiros. Teve que engolir suas
palavras e hoje o Uruguai está a pagar um preço muito elevado pela
soberba do seu presidente.

No México, o candidato de esquerda Cuauhtémoc Cárdenas ia ganhando a
eleição presidencial de 1988 até uma suspeita "queda do sistema" da
Comissão Federal Eleitoral obrou o milagre: ao serem reiniciados os
computadores o candidato de Washington, Carlos Salinas de Gortari,
aparecia a desfrutar de uma ampla vantagem sobre o seu oponente e foi
proclamado ganhador. De nada valeram os protestos populares diante de
uma fraude tão descarada como essa. A direita queria ganhar "de qualquer
forma" e, com o visto bom de Washington e da OEA, conseguiu.

Também no México, em 2016, a direita produziu outro roubo eleitoral.
Vários dias depois de finalizada a renhida eleição o Instituto Federal
Eleitoral emitiu um comunicado anunciando o fim da contagem dos votos e
que o candidato conservador Felipe Calderón se impunha por uma diferença
de 0,62 por cento dos sufrágios sobre Andrés M. López Obrador. Apesar do
repúdio generalizado perante um roubo eleitoral tão descarado – exemplo:
em numerosas mesas de votação votou muito mais gente do que a que estava
registada – Calderón foi proclamado ganhador da contenda eleitoral.

Na eleição presidencial da Nicarágua (25/Fevereiro/1990) triunfou a
candidata da União Nacional Opositora, Violeta Barrios de Chamorro.
Obteve 55 por cento dos votos, sobrepujando Daniel Ortega, então
presidente da Nicarágua e candidato do Sandinismo, que foi apoiado por
41 por cento do eleitorado. Dois dias depois de concluída a eleição
Ortega reconheceu publicamente a sua derrota e felicitou a candidata
triunfante. Ortega só voltaria a ser eleito presidente no ano de 2007.

Na Argentina da década dos trinta a fraude da direita adquiriu um status
quase institucional, sob o nome de "fraude patriótica". O objectivo:
impedir a qualquer custo que a "chusma radical" e os socialistas e
comunistas acedessem a qualquer cargo de eleição popular. A fraude era
exaltada como um serviço que uma virtuosa oligarquia, com seus partidos,
juízes e diários prestavam à pátria. Até os dias de hoje persistem nessa
atitude de pretender burlar a vontade popular, claro que recorrendo às
novas tecnologias do neuromarketing político para manipular, mediante o
ódio e o medo, as atitudes e as condutas das massas. A direita não só
recorreu à fraude; além disso proscreveu o peronismo durante dezoito
anos, a principal força política do país. E quando nem um nem outro eram
suficientes, a "carta militar" sempre estava à mão: uma interminável
sucessão de "planteos militares" carcomia os débeis e ilegítimos – por
causa da proscrição do peronismo – governos civis surgidos depois do
derrube do peronismo em 1955. Duas brutais ditaduras assinalaram este
processo de decomposição política: primeiro, a encabeçada por Juan C.
Onganía em 1966 e, dez anos depois, a apoteose do crime e do genocídio
com a ditadura cívico-militar instaurada com o golpe militar de 24 de
Março de 1976 que afundaria o país num inesquecível e imperdoável banho
de sangue. Em ambos os casos, a colaboração da direita argentina foi
essencial fornecendo ideias, projectos, funcionários, diplomatas e pondo
o seu aparelho mediático ao serviço dos ditadores.

Em contrapartida, em 20 de Outubro de 2019 Evo Morales ganhou as
eleições presidenciais da Bolívia ao obter 47,08 por cento dos votos,
contra os 36,51% do candidato da oposição Carlos Mesa. A legislação
eleitoral desse país estabelece que se nenhum candidato atingir os 50
por cento dos votos válidos deveria ser convocada uma segunda volta
eleitoral, salvo quando se superasse os 40 por cento e houvesse uma
diferença de 10 por cento ou mais em relação ao segundo, o que
efectivamente se verificou por aproximadamente 0,60 por cento do total
de votos. Apesar disso, dois relatórios da OEA, um antes e outro depois
da votação, assinalando alegadas irregularidades na contagem dos votos,
criaram um clima de fraude e suspeita que potenciou até ao infinito as
denúncias de uma direita que já havia declarado antes das eleições que
não reconheceria qualquer outra vitória que não fosse a do candidato da
oposição. Após uma série de manifestações violentas e perante a
incompreensível impotência oficial, os altos comandos do Exército e da
Polícia apoiaram as denúncias da direita racista e exigiram a demissão
do presidente Morales. Algumas semanas mais tarde, vários relatórios de
organizações académicas americanas, especializadas em assuntos
eleitorais, confirmaram a transparência e honestidade das eleições
bolivianas, mas era demasiado tarde e a Bolívia estava a esvair-se em
sangue perante a violência do novo regime. Um ano depois, o MAS
boliviano recuperava a presidência esmagando eleitoralmente a direita
golpista.

O capítulo mais recente desta saga fraudulenta da direita
latino-americana está a ter lugar nestes dias, em Junho de 2021, no
Peru. Ali o candidato presidencial da esquerda, Pedro Castillo, impõe-se
diante da corrupta representante dos poderes de facto nesse país, Keiko
Fujimori. Apesar das virulentas reclamações da oposição a contagem
definitiva concede uma vantagem clara, ainda que pequena, ao candidato
do /Perú Libre. / Complexos procedimentos de verificação de actas com
irregularidades realizadas por organizações especializadas concluem que
em caso algum estas alteram o resultado eleitoral. Apesar disto a
coligação direitista recorre a toda classe de recursos, incluindo o
subreptício apelo a um golpe militar feito por Mario Vargas Llosa para
impedir que o Peru "caia nas garras do totalitarismo chavista". Houve
inclusive um pronunciamento de militares reformados neste sentido,
energicamente repudiado pelo presidente Francisco Sagasti. De qualquer
modo não se descarta que possa produzir-se um golpe parlamentar
destinado a anular as eleições ou a desqualificar o seu vencedor, Pedro
Castillo. Desgraçadamente, o Congresso da República do Peru, composto
por 130 membros, tem poderes para destituir o presidente por múltiplas
causas, dentre elas as muito enigmática "incapacidade moral". A
presidente dessa instituição, Mirtha Vásquez – frente-amplista com vasta
experiência na defesa dos direitos humanos no seu país – apelou à
reflexão dos seus colegas para evitar converterem-se em cúmplices da
manobra de derrube ou golpista da direita. Para que isso aconteça esta
deve controlar dois terços dos votos no Congresso, ou seja, 87
congressistas. Que por enquanto não tem mas, conforme rumores em Lima,
"não os tem mas pode alugá-los". O êxito ou não desta manobra dependerá,
como sempre, da capacidade de mobilização e organização das forças de
esquerda que se oponham à mesma. O desenlace desta eleição será
conhecido nos próximos dias.

Conclusão desta breve revisão: quando ganha a direita, a esquerda admite
o veredicto adverso das urnas; quando ganha a esquerda, a direita
recorre à chantagem, à fraude ou ao golpe militar ou institucional,
ratificando pela enésima vez que a direita não é nem será democrática.
Não esqueçamos esta lição. À direita não se pode confiar nem um
bocadinho, nada!, como dizia Che Guevara em relação ao imperialismo. E a
mesma atitude convém seguir com os filhos putativos do império,
espalhados por toda a América Latina e o Caribe.
In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/peru/boron_21jun21.html
21/6/2021

***
Tem um resumo da atividade golpista na região

domingo, 27 de junho de 2021

“Conspiração internacional para derrubar o PT começou em 2012”, diz

 

    Guido Mantega

Ex-ministro da Fazenda avaliou que o golpe contra Dilma Rousseff, em
2016, foi resultado de um processo que teve início em 2012, quando o
lucro dos bancos brasileiros foi reduzido por conta de políticas de
incentivo aos bancos públicos. Assista na TV 247 edit



Guido Mantega


*247 - *O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, em entrevista à TV 247,
avaliou que a derrubada do PT do poder em 2016, através do golpe contra
Dilma Rousseff, foi resultado das políticas dos governos petistas que
levaram à redução das margens de lucro do grande capital, nacional e
internacional.

“Em 2011, começamos a interferir na entrada de capital volátil. Taxamos
o mercado de derivativos, que é onde a coisa pega, onde se tem um
conjunto grande de investimentos. Então, os capitais que vinham aqui,
com a vida fácil, ganhar todo esse lucro, passaram a não ter mais esse
lucro. Compramos uma briga com cachorro grande, com os grandes fundos
internacionais e o capital financeiro internacional”, disse Mantega.

A conspiração pela derrubada de Dilma, segundo o ex-ministro, teve
início quando os bancos públicos passaram a ganhar competitividade em
relação aos bancos privados, cujos lucros caíram. “Depois, em 2012-2013,
começamos a atacar o spread dos bancos. Liberamos os bancos públicos
para colocar mais crédito na economia com juros menores, fazendo
concorrência. Os bancos privados baixaram o spread a contragosto.
Fizemos inclusive uma campanha contra as tarifas dos bancos, que eram
enormes no Brasil”, lembrou.

“Isso trouxe popularidade para Dilma. Ela estava melhor avaliada até que
Lula, a não ser o primeiro período. Agora, isso nos custou uma luta
política que nos desgastou. Começou a ter matérias na The Economist e no
Financial Times criticando a nossa gestão, dizendo que estávamos
intervindo. Eles estavam respondendo aos interesses do grande capital
internacional. E os bancos locais também ficaram possessos com as nossas
atividades, porque foi a primeira vez que o lucro deles começou a cair.
Os bancos brasileiros tinham lucros maiores até que os bancos
americanos, proporcionalmente”.

A conspiração foi bem-sucedida, de forma que em junho de 2013 campanhas
antipetistas financiadas por grupos estrangeiros já começavam a se
espalhar pela internet. “Então, essa festa meio que acabou. Derrubamos
isso. É claro que os bancos são importantes. O financiamento é
importantíssimo, sem ele a produção e o consumo não sobrevivem. Mas foi
aí que começou o nosso desgaste. A partir de 2012, se inicia uma
conspiração internacional para nos derrubar, porque estávamos pisando
nos calos. Em 2013, já se tinha uma campanha na internet. Não percebemos
o poder que a internet já tinha naquela época, com grupos americanos
financiando aqui no Brasil os grupos de direita. Em junho de 2013, após
as manifestações, a popularidade da Dilma caiu 30%”, completou Guido
Mantega.

In
BRASIL 247
https://www.brasil247.com/brasil/conspiracao-internacional-para-derrubar-o-pt-comecou-em-2012-diz-guido-mantega
25/6/2021

quinta-feira, 24 de junho de 2021

La enorme mayoría pertenecemos a la clase trabajadora

 





*HADAS THIER, ESCRITORA Y PERIODISTA ESTADOUNIDENSE* *

Un conjunto muy diverso de experiencias y miles de opresiones definen a
la clase trabajadora —negra, blanca, indígena e inmigrante—, en la que
se cuentan todas las personas que son explotadas para generar las
ganancias de unos pocos capitalistas.

Comprender cómo funciona el concepto de clase y qué determina las
posiciones de clase sirve para revelar las estructuras de poder y
explotación de nuestra sociedad.

Una definición muy básica de las clases tal como existen en el
capitalismo comienza con esta premisa: los trabajadores están obligados
a vender su fuerza de trabajo y los capitalistas la compran y la gobiernan.

Es imposible explicar las posiciones de clase del trabajador o del
patrón sin entender que todo el sistema funciona con el objetivo de
poner en marcha el trabajo para generar una ganancia en beneficio de
otra persona. La clase, en otros términos, es una relación de explotación.

*La clase no se trata solo de números*

Los análisis más difundidos suelen pasar por alto esta definición de la
clase como relación social. Cuando se plantea el problema —algo poco
frecuente— se lo considera en términos de riqueza y estratificación social.

Se utilizan los niveles de ingreso y de educación, los estilos de vida y
los patrones de consumo para clasificar a las personas en una sociedad
que se presenta principalmente como de clase media, con algunos ricos y
pobres en los márgenes. En efecto, en buena parte de los informes, la
mayoría de la gente pertenece a la clase media y la clase trabajadora
prácticamente no existe.

Se nos recuerda este hecho al menos cada dos o cuatro años, durante las
campañas electorales, cuando los políticos apelan a la «clase media que
la pelea», una categoría que aparentemente incluye a todos los «buenos
americanos», como solía decir Bill Clinton, gente que «trabaja
arduamente y tiene los papeles en regla». Uno de los motivos por el que
las campañas de Bernie Sanders se destacaron, fue precisamente el haber
pronunciado las palabras «clase trabajadora».

Existe otra explicación de las clases, más progresista, que también se
funda en los niveles de riqueza: la popularizada por el movimiento
Occupy Wall Street en 2011. La consigna «Somos el 99%» se propagó como
el fuego luego que los activistas identificaran al 1% de la élite
económica del país, que posee alrededor de un tercio de la riqueza de la
nación, como el culpable de crear la crisis financiera de 2008 y la Gran
Recesión que le siguió. A pesar de que este análisis representa un
avance respecto al otro, que asume que casi todos somos parte de la
clase media, todavía supone que la cantidad de riqueza es el
determinante de las posiciones de clase.

Evidentemente, la clase y la riqueza están relacionadas, pero no son lo
mismo. Alguien con un empleo estable y bien remunerado (en la medida en
que algo así existe todavía) como, por ejemplo, un inspector de trenes
de Nueva York, cobra alrededor de 70 000 dólares por año, mientras que
el propietario de un pequeño almacén en el Bronx gana mucho menos. Aun
así, el primero es un trabajador, que no controla sus horarios ni las
condiciones en las que ejerce su actividad, mientras que el segundo es
un pequeño propietario que carga con su propia explotación y con la de
otros (por pocos que sean).

Los números que aparecen en un recibo de sueldo no dicen todo. No dicen,
por ejemplo, que un administrador en Starbucks, que gana menos que un
chofer de metro, tiene el poder de despedir a todos los empleados del
local en que trabaja. Entonces, comprendemos que la riqueza es solo una
parte del cuadro, más sintomática de la desigualdad de clase que
explicativa de sus orígenes. De hecho, el poder, el control sobre las
condiciones de trabajo y la posibilidad de tomar decisiones financieras
son las piedras de toque de la explotación.

Michael Zweig, profesor de economía y autor de The Working Class
Majoritity, lo explica en estos términos: «Al considerar únicamente el
ingreso y el estilo de vida, percibimos las consecuencias de la clase,
pero no sus orígenes. Vemos que somos distintos en virtud de nuestra
propiedad, pero no la forma en que nos relacionamos y conectamos, ni
aquello que nos hace diferentes en el proceso de llegar a tener lo que
poseemos».

La explicación marxista enfatiza que la posición que cada uno ocupa en
la sociedad no se mide en términos cuantitativos, sino que está
determinada por la relación que cada persona tiene con el trabajo, con
los frutos del trabajo y con los medios de producción.

Forma parte de la clase capitalista cualquiera que ejerza el poder
político, tenga control económico en un lugar de trabajo, sea capaz de
establecer las pautas de trabajo de los otros o posea capital
susceptible de ser invertido en la producción. Por el contrario, forma
parte de la clase trabajadora cualquiera que deba intercambiar su fuerza
de trabajo por un salario y no tenga posibilidad de producir lo
necesario para satisfacer sus propias necesidades vitales.

*La riqueza y la pobreza no determinan la clase*

La definición no se reduce a los trabajadores que participan en la
producción de bienes físicos. Los docentes y los trabajadores de la
salud deben vender su fuerza de trabajo para prestar sus servicios, y,
por lo tanto, son parte de la clase trabajadora. Como dijo Marx: «/Si se
nos permite ofrecer un ejemplo al margen de la esfera de la producción
material, digamos que un maestro de escuela, por ejemplo, es un
trabajador productivo cuando, además de cultivar las mentalidades
infantiles, se mata trabajando para enriquecer al empresario. Que este
último haya invertido su capital en una fábrica de enseñanza en vez de
hacerlo en una fábrica de embutidos, no altera en nada la relación»./

En el mismo sentido, Marx y Engels escribieron que el «proletario es
quien carece de propiedad». «Proletario» es otra palabra para decir
trabajador; y propiedad privada no significa bienes personales, como el
televisor o la computadora, sino medios de producción: edificios,
maquinaria, software, equipamiento, herramientas y otros materiales que
están en manos de los capitalistas.

Marx no se refería a que los trabajadores no tuviésemos nada, aunque
esto es cada vez más cierto. Quería decir que carecemos de los medios
para producir y reproducir nuestras vidas, motivo por el que quedamos a
merced de la explotación capitalista. Una empresa constructora tiene
palas, taladros y topadoras que le permiten explotar a los trabajadores
y extraer una ganancia. Yo tengo una pala que apenas puedo usar para
plantar flores o tomates.

El historiador Geoffrey de Ste. Croix lo pone en estos términos:

[La clase] es la expresión social colectiva del hecho de la explotación,
la forma en que la explotación se encarna en una estructura social […].
La clase es esencialmente una relación, al igual que el capital, otro de
los conceptos fundamentales de Marx, que él define específicamente […]
como una «relación», «una relación social de producción», etc. Y una
clase (una clase particular) es un grupo de personas a las que es
posible identificar en virtud de su posición en la totalidad del sistema
de producción social, y se define principalmente en función de su
relación (sobre todo en términos de control) con las condiciones de
producción (es decir, los medios y las actividades productivas) y con
las otras clases.

Esta definición nos permite comprender que la riqueza y la pobreza no
determinan la clase. En cambio, son sus manifestaciones. Por lo tanto,
los patrones no se definen en función de sus niveles de incongruencia. A
su vez, los pobres de la sociedad no representan una «clase marginal»
que, debido a la falta de empleo o riqueza, estaría posicionada fuera de
la sociedad. La pobreza es una parte integral de la experiencia de la
clase trabajadora, y —como demuestra la crisis que estamos viviendo— el
desempleo siempre ronda cerca de la mayoría de los trabajadores.

Aun antes de la pandemia, casi la mitad de la población estadounidense
no era capaz de pagar sus cuentas si perdía un mes de salario, y una de
cada cuatro personas declaraba haberse privado de algún tratamiento de
salud porque no podía pagarlo. Un cuarto de la población se desempeñaba
en actividades que califican como empleos de bajos salarios.

A este lúgubre cuadro debe añadirse la montaña de deudas estudiantiles
que pesan sobre las espaldas de decenas de millones de personas y un
costo de vida que es cada vez más alto. Se comprende entonces que la
pobreza es algo intrínseco al entramado social estadounidense. Ahora,
con treinta millones de personas desempleadas y cuarenta millones que
corren el riesgo de ser desalojadas de sus hogares durante los próximos
meses, cobra nitidez la línea delgadamente brutal que separa al trabajo
de la indigencia.

De hecho, el capitalismo necesita que exista todo el tiempo un
determinado nivel de desempleo, o, como decía Marx, un «ejército
industrial de reserva». Los patrones dependen de este ejército a la hora
de garantizar que siempre habrá alguien dispuesto a quitarnos el
trabajo. De esa manera, logran disciplinar a la fuerza de trabajo
remunerada para que se conforme a los términos definidos por los
empleadores.

Los altos niveles de desempleo son un aspecto cruel que sale a relucir
en cada recesión económica, pero incluso en los momentos en que «las
cosas marchan bien», el desempleo es una realidad dolorosa que afecta a
millones de personas. En realidad, eso que los economistas
convencionales definen como «pleno empleo» significa 5% de desempleo. La
introducción de nueva maquinaria, el crecimiento de la fuerza de trabajo
debido a factores demográficos o flujos migratorios, los cambios
regulares de la estructura económica (qué se produce y dónde),
contribuyen a generar desempleo aun en los «mejores» momentos.

*Estados Unidos no es un país de clase media*

Esta explicación de la sociedad arroja una imagen muy distinta de la
versión popular que define a Estados Unidos como un «país de clase media».

Evidentemente, la clase media existe. No solo vive en el universo
paralelo que proyectan las pantallas de los televisores. La clase media
es una capa de la sociedad que está entre la clase trabajadora y la
clase dominante. Incluye a los propietarios de pequeños comercios, como
así también a los gerentes, a los supervisores y a quienes tienen
ocupaciones profesionales que les garantizan algo de autonomía al
interior del sistema (como los doctores y los abogados).

Con frecuencia son la cara cotidiana de la explotación. Uno se encuentra
con su gerente todos los días en el trabajo. Él tiene el poder de
recompensar el trabajo con un aumento o aplicar una reprimenda por una
tardanza. Pero lo cierto es que rara vez uno se encuentra con el
ejecutivo que se beneficia de esta situación.

Con todo, la clase media es mucho más pequeña de lo que suele pensarse,
y muchos de los que tradicionalmente formaban parte del grupo de los
«profesionales», están siendo arrastrados hacia la clase trabajadora (o
se están «proletarizando»), como los programadores que trabajan en
horarios definidos y marcan tarjeta, los trabajadores sociales que
enfrentan escritorios repletos de expedientes y deben pasar sus días
llenando formularios y los académicos que cada vez consiguen menos
cargos docentes y ocupan más posiciones auxiliares.

También sucede que entre los empleos que clasifican como clase media,
las diferencias entre las condiciones que enfrentan los profesores de
las universidades de élite y las que enfrentan los que trabajan en
universidades públicas, o los médicos que practican la profesión de
forma privada y los que trabajan en salas de emergencia, llevan a
niveles muy distintos en lo que respecta al control en el lugar de trabajo.

«La burguesía despojó de su halo de santidad a todo lo que antes se
tenía por venerable y digno de piadoso acontecimiento», escribieron Marx
y Engels. «Convirtió en sus servidores asalariados al médico, al
jurista, al poeta, al sacerdote, al hombre de ciencia».

Michael Zweig y Kim Moody, periodista especializada en cuestiones
laborales, estiman que la clase trabajadora representa cerca del 63% de
la fuerza de trabajo de Estados Unidos. (Según mis propios cálculos,
realizados en base a los datos oficiales, 63% sigue siendo una cifra muy
conservadora). La élite empresarial representa el 2% y la clase media
representa el 35%.

Si incluyéramos a la sociedad en general, más allá de la parte que
«califica» como fuerza de trabajo (es decir, miembros de la familia que
no trabajan, gente mayor, discapacitada, etc.), los números de la clase
trabajadora serían todavía más grandes. Como sostiene Moody: «Si las
personas de clase trabajadora empleadas representan solo dos tercios de
la fuerza de trabajo, aquellas que pertenecen a la clase a secas llegan
a representan tres cuartos de la población (es decir, a la enorme
mayoría). A medida que los docentes, los trabajadores de la salud y
otros profesionales son empujados a la clase trabajadora, esta mayoría
sigue ensanchándose».

Esto nos permite subrayar una cuestión más general: las clases son
fluidas y existe una enorme área gris entre ellas. Estos números solo
ofrecen una guía general para enfatizar una tendencia más amplia hacia
la polarización.

Es lo mismo que, hace más de 150 años —en una época en la que, por
cierto, la clase trabajadora representaba a una clara minoría de la
población mundial—, Marx y Engels escribieron en el Manifiesto del
Partido Comunista: «Hoy, toda la sociedad tiende a separarse, cada vez
más abiertamente, en dos grandes campos enemigos, en dos grandes clases
antagónicas: la burguesía y el proletariado».

En fin, uno pertenece a una clase sin importar si uno cree en esta
noción o se identifica con los intereses de esa clase. Aunque los
demócratas nos digan que somos parte de una clase media que ellos desean
salvar, o Donald Trump prometa alivianar la carga impositiva de la
«olvidada clase media», e independientemente de si les creemos, nada de
esto define si mañana debemos levantarnos temprano para ir a trabajar,
obedecer a las órdenes de otra persona y volver a casa con dolor de
espaldas y un salario miserable.

Es decir que la posición de clase está determinada por la realidad
material y no por la ideología.

*Atizando la conciencia de clase*

Al mismo tiempo, la estructura que determina a la clase trabajadora
imprime en ella la tendencia a desarrollar la conciencia de clase. En
este sentido, es posible identificar una definición secundaria de la
clase trabajadora en función de su conciencia y de su actividad.

Marx distinguía entre la clase trabajadora como una «clase en sí»,
definida por su relación con los medios de producción, y una «clase para
sí», que se organiza para luchar activamente por sus propios intereses.
Como explica Ste. Croix:

Los individuos que constituyen una clase determinada pueden ser o no ser
completa o parcialmente conscientes de su propia identidad y de sus
intereses comunes en tanto clase, y pueden sentir o no el antagonismo
hacia los miembros de otras clases. El conflicto de clase (la lucha de
clases, la Klassenkampf) es en lo esencial la relación fundamental que
existe entre las clases, e implica explotación y resistencia, pero no
necesariamente conciencia de clase ni actividad colectiva, política, o
de otro tipo.

Aunque es muy probable que estos rasgos sobrevengan cuando una clase
alcanza cierta etapa de desarrollo y se convierte en lo que Marx
(utilizando la jerga hegeliana) definió como «una clase para sí».

Una clase para sí es una clase organizada. La posición de clase común
crea las condiciones objetivas que nos conectan y nos unen. Pero, si
deseamos pasar de esta posibilidad objetiva a un avance subjetivo,
debemos combatir las divisiones que se producen al interior de la clase
y las formas en que las opresiones de raza y de género, entre otras,
afectan a los trabajadores.

Los socialistas y otros militantes de la clase trabajadora pueden jugar
un rol fundamental a la hora de forjar una política solidaria y ayudar a
que la clase en sí emerja como una clase para sí.

* Fragmento del libro «A People’s Guide to Capitalism: An Introduction
to Marxist Economics» escrito por Hadas Thier

In
OBSERVATORIO DE LA CRISIS
https://observatoriocrisis.com/2021/06/23/la-enorme-mayoria-pertenecemos-a-la-clase-trabajadora/
23/6/2021

terça-feira, 22 de junho de 2021

 

Como a privatização da Eletrobras é o negócio do século, por Luis Nassif

Marcello Casal Jr - Agência Brasil

A privatização da Eletrobras é o chamado golpe do século. E beneficia o mais ladino dos capitalistas brasileiros, Jorge Paulo Lehmann.

A lógica é simples.

Hoje em dia, o capital da Eletrobras é dividido da seguinte maneira. As ações ordinárias – com direito a voto – são 51,82% da União, 16,78%o do BNDESPAR, 3,62%o de fundos governamentais e 27,78% de investidores privados. As ações preferenciais – sem direito a voto – são 13,19% do BNDESPAR e 86,81% de investidores privados.

A Eletrobrás já tem dois grandes sócios privados, o grupo de Jorge Paulo Lehmann e J.J.Abdalla. A privatização consistirá em um dispositivo que impedirá a União de participar do conselho de administração dz empresa; e na autorização para que as usinas da Eletrobras, que hoje vendem energia através do mercado regulado, possam vender no mercado livre, a um preço imensamente superior.

Significará uma explosão no custo da energia, independentemente dos jabutis colocados pelo Congresso.

Sem precisar aportar um tostão, portanto, os atuais acionistas da empresas terão uma elevação exponencial no valor de sua participação. Em vez de uma empresa preocupada em gerar energia barata, se terá uma gestão medida por sua capacidade de gerar dividendos aos acionistas.

Pela métrica de avaliação de eficiência do mercado – adotada pela mídia -, o gestor mais eficiente será aquele que cortar todos os investimentos, tratar de colocar a energia no mercado pelo mais alto valor, e reduzir todos os gastos em manutenção.

O estilo Lehmann de gestão é este, conhecido pela visão de curtíssimo prazo, e pela busca incessante de cortes de custos, redução de investimentos, em pesquisas, para poder garantir o máximo possível de dividendos. Até hoje, sua preferência sempre foi por setores tradicionais, com baixa propensão à inovação, justamente para privilegiar os resultados trimestrais.

Recentemente, esse estilo foi atropelado no mercado de alimentos pela revolução inesperada do consumidor em favor de alimentos naturais.

Agora, Lehmann assumirá o controle da maior empresa brasileira de energia, em um momento em que ocorre a mais importante revolução energética desde o uso do carvão. O setor caminha para as energias naturais, eólica, solar, biocombustível e hidrelétrica. Há uma mudança radical, com o lançamento dos carros elétricos; uma pressão cada vez mais por energias limpas, o avanço da energia distribuída.

As novas formas de energia não dispõem de sistemas de armazenamento. Se venta muito em determinado período, a energia produzida é imediatamente gasta. Não há como armazenar. Por isso mesmo, o setor hidrelétrico é essencial, com suas “baterias” – os lagos acumulando água-energia. É essa garantia que permite despachar outras formas de energia quando necessário, mas sempre preservando aquelas de menor custo pra o consumidor.

Mais do que nunca, a Eletrobras deveria desempenhar um papel central. É a única empresa de energia a bancar um centro de pesquisas, a Cepel. 

Além disso, há uma resistência enorme do setor privado em investir em hidrelétricas e outros investimentos de longa maturação. No Brasil, os grandes investimentos, mesmo sendo privados, sempre foram feitos com base na segurança proporcionada pelo setor público, com estatais entrando como sócias e o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) financiando.

Essas duas pernas estão sendo desmontadas. E isso em um momento em que, mais que nunca, o setor exige um planejamento meticuloso do futuro.

Mais uma vez, a financeirização se impõe sem que um setor sequer – governo, Congresso ou mídia – se importem em defender os chamados interesses difusos.

Você pode fazer o Jornal

segunda-feira, 21 de junho de 2021

 


Queridos amigos e amigas,

Saudações do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.

Em 26 de junho de 2021, dezenas de milhares de agricultores indianos se reunirão em frente aos escritórios do governo nos 28 estados da Índia. Eles irão comemorar a conclusão de sete meses de seu protesto nacional contra o governo de extrema direita do Partido Bharatiya Janata (BJ), do primeiro-ministro Narendra Modi. Esse encontro fará parte de um longo ciclo de protestos que começou em 26 de novembro de 2020, como parte de uma greve geral de 250 milhões de trabalhadores e camponeses indianos. Desde novembro, dezenas de milhares de agricultores, ou kisans, cercaram a capital da Índia, Nova Delhi, formando uma Comuna de Kisan [agricultores]. Esta surgiu 150 anos depois da Comuna de Paris, de cuja derrota, escreveu Marx, surgiria a próxima experiência com a democracia socialista. A Comuna de Kisan, ao lado das comunas da Venezuela e das ocupações de terra da África do Sul, é um desses experimentos.

Os camponeses enfrentaram o inverno indiano com rebeldia. O que os provocou foi a aprovação de três leis em setembro de 2020 que entregaram a agricultura indiana nas mãos de um pequeno grupo de mega corporações. A Samyukta Kisan Morcha [Frente Unida dos Agricultores], formada por mais de 40 sindicatos de agricultores e trabalhadores agrícolas, convocou o protesto em junho. Sua palavra de ordem para esse protesto, Kheti Bachao, Loktantra Bachao [Salve a agricultura, salve a democracia], resume a luta dos agricultores.

 


Os trabalhadores agrícolas imediatamente perceberam, assim que o governo Modi aprovou essas leis, que as mega corporações assumiriam o controle dos mandis, o mercado para os produtos agrícolas. As leis enfraquecem a intervenção do Estado e entregam mecanismos de preços a poderosas firmas monopolistas que têm uma relação estreita com Modi e seu partido. A sobrevivência da vida agrária está em jogo. Isso não é um exagero. Os agricultores conhecem o impacto da política neoliberal: desde 1991, quando a Índia adotou tais políticas em todos os aspectos da vida econômica, incluindo para a Índia agrária, mais de 300 mil agricultores cometeram suicídio. Esse movimento de protesto, a Comuna Kisan, é um grito contra o suicídio.

O Censo de 2011 diz que 833,1 milhões de pessoas em uma população de 1,2 bilhão vivem na Índia rural, o que significa que dois em cada três indianos vivem no campo. Nem todos são agricultores ou trabalhadores agrícolas, mas todos estão de uma forma ou de outra ligados à vitalidade da economia rural. Existem artesãos e tecelões, trabalhadores florestais e carpinteiros, mineiros e trabalhadores industriais. Todo um mundo social baseado em uma economia agrícola sustentável e saudável corre o risco de ser destruído. Isso é o que os agricultores sabem: que o ataque capitalista minará a existência dos trabalhadores rurais da Índia e sua capacidade de alimentar a crescente população urbana do paí



 

Dois meses depois do início do protesto, os fazendeiros ocuparam Delhi. A data que escolheram para entrar na cidade foi 26 de janeiro, Dia da República, quando a recém-independente Índia adotou sua Constituição em 1950. Os agricultores dirigiram 200 mil tratores em direção ao coração da capital, enquanto outros chegaram a cavalo ou a pé. A polícia os deteve em barricadas ao longo das principais rodovias. A trilha sonora desse confronto entre quem alimenta o povo e quem se alimenta do povo foi fornecida em 1971 pelo poeta Sahir Ludhianvi, em sua meditação no Dia da República:

 

O que aconteceu com nossos lindos sonhos?

Quando a riqueza do país aumentou, por que essa pobreza cresce?

O que aconteceu com o caminho para o aumento da prosperidade dos comuns?

Aqueles que uma vez caminharam conosco para a forca,

Onde estão esses amigos, esses companheiros, esses amados?

Cada rua está em chamas, cada cidade é um campo de matança.

O que aconteceu com a nossa solidariedade?

A vida nos arrasta pelos desertos das trevas.

Para onde foi a lua que uma vez surgiu no horizonte?

Se eu sou culpado, você também é um pecador.

Líderes de nosso país, vocês também são culpados.

 

 



 

Do escritório do Instituto Tricontinental em Nova Delhi chega um importante dossiê, A revolta dos agricultores na Índia (dossiê n. 41, junho de 2021), que faz perguntas simples: o que aconteceu com a agricultura na Índia e por que os agricultores estão em revolta? No cerne do dossiê está uma exploração da crise agrária, uma condição crônica cujos sintomas são variados: as contingências da agricultura, incluindo quebras de safra, que resultam em rendas baixas a negativas; endividamento, subemprego, desapropriação e suicídio. As raízes dessa crise não são inevitáveis; elas podem ser encontradas na estrutura do domínio colonial britânico, nos fracassos do novo Estado indiano após 1947 (um Estado que capitulou perante o senhorio e a classe burguesa) e nos fracassos acelerados do período neoliberal de 1991 até o presente.

Uma coisa é reconhecer a revolta dos agricultores; sua presença ativa nos arredores de Nova Delhi não pode ser totalmente ignorada. Outra é tentar entender por que eles estão ali, compreender as raízes profundas da crise a que respondem com tanta firmeza. Esse dossiê amplia as opiniões dos sindicatos camponeses e fornece uma avaliação resumida da transferência total do governo de Modi da economia indiana para a classe bilionária, especialmente seus comparsas mais próximos, os Adanis e as famílias Ambanis. Em janeiro de 2020, a Oxfam afirmou que o 1% mais rico da Índia possui quatro vezes mais riqueza do que a soma da renda de 953 milhões de pessoas, ou os 70% mais pobres da população, a maioria dos quais vive em áreas rurais.

Essa desigualdade só piorou durante a pandemia. Entre março e outubro de 2020, Mukesh Ambani, o homem mais rico da Índia, viu sua riqueza dobrar para 78,3 bilhões de dólares, tornando-o a sexta pessoa mais rica do mundo. Em quatro dias, Ambani ganhou mais do que o total dos salários de seus 195 mil funcionários. Durante esse período, o governo de Modi alocou apenas 0,8-1,2% do PIB à sua população para alívio. Os fazendeiros e suas famílias respondem a essa guerra de classes nua e crua com a formação de sua inflexível Comuna de Kisan.

 

 



 

Modi não pode desistir facilmente de seu compromisso com as megacorporações, e os trabalhadores agrícolas não podem entregar suas vidas. O impasse não tem saída fácil. Grande parte da população urbana simpatiza com aqueles que a alimentam. A aplicação da força, muitas vezes mascarada sob o pretexto de impor o bloqueio, foi feita, mas falhou. O governo de Modi arriscará usar mais força? Em caso afirmativo, a opinião pública irá tolerar? Não existe uma resposta fácil para essas perguntas.

Um importante estudo da Sociedade para Pesquisa Social e Econômica, de Vikas Rawal e Vaishali Bansal, mostra que a agricultura indiana é destruída por uma enorme desigualdade econômica. Mais da metade das famílias nas áreas rurais da Índia não têm terra, enquanto alguns poucos proprietários possuem não apenas a maior área cultivada, mas também as melhores terras. A falta de terra e a desigualdade de acesso à ela aumentaram nas últimas décadas, demonstram Rawal e Bansal, e as relações inseguras de arrendamento apenas se tornaram mais comuns. Eles mostram que o campo indiano “é caracterizado por uma vasta massa de camponeses e trabalhadores rurais que vivem em extrema pobreza, não têm acesso a educação e saúde decentes e não têm acesso a comodidades básicas para viver uma vida digna”. Essa é a razão pela qual eles protestam. É por isso que, argumentam Rawal e Bansal, as reformas agrárias são uma pré-condição para sua liberdade.

 

 



As fotos deste boletim são do dossiê. Foram feitas por Vikas Thakur, que é membro do departamento de arte do Tricontinental. Sobre suas fotos, Vikas escreve: “Esses são retratos de seres humanos com nomes, lutas e aspirações, um modo de vida. Esses são retratos de uma classe. Esses são retratos de um protesto histórico”.

Cordialmente,

Vijay.

In

TRICONTINENTAL

A Comuna de agricultores da Índia | Carta semanal 24 (2021) (thetricontinental.org) 

17/6/2021


sábado, 19 de junho de 2021

Jones Manoel. «Uma organização revolucionária tem de ter um departamento de hackers»

 


Por Nuno Ramos de Almeida
 

Tem 31 anos, é historiador, marxista, /youtuber/, professor de História,
comunicador popular, escritor, militante do Partido Comunista
Brasileiro, e conhecido pelo seu canal no /YouTube/ denominado Jones
Manoel. Nascido numa favela do Recife, chegou ao marxismo-leninismo a
partir da vida e do rap. A conversa com o /*AbrilAbril*/ começa com a
questão do Estado e acaba nas redes sociais.

Historiador e um dos jovens marxistas com maior audiência nas redes
sociais brasileiras.

Historiador e um dos jovens marxistas com maior audiência nas redes
sociais brasileiras.CréditosRennan Peixe / DR

*Fez 150 anos que a Comuna de Paris foi derrotada depois da Semana
Sangrenta. Há alguma razão comum que justifique esta derrota e todos os
outros insucessos nas revoluções feitas pelos explorados?*

A Comuna Paris surge numa situação muito adversa, num contexto da guerra
Franco-Prussiana em que o governo da França assumiu uma postura de
traição nacional, entregou o país à Prússia e os operários de Paris
resolveram tomar o poder. Marx tinha alertado, antes da Comuna, que
seria um suicídio os operários tentarem tomar o poder. Quando eles o
fizeram, Marx analisou objectivamente as razões que levaram à sua
derrota. A esquerda ocidental tem um fetiche pela derrota e pelo
martírio. Ela adora quem perdeu.

*Talvez porque nunca ganharam.*

A ideologia dominante permite que a gente tenha referências, mas desde
que elas sejam referências de martírio e não de exercício de poder. Para
sectores da burguesia e dos intelectuais democráticos, uma figura como
Che Guevara é muito mais saborosa que uma figura como Fidel Castro. Che
Guevara morre enquanto exemplo de martírio e Fidel Castro permanece
enquanto líder e estadista do processo revolucionário. Há gente que
gosta muito de assassinados, como Che Guevara, Rosa Luxemburgo e
Gramsci, esvaziando-os da perspectiva comunista e apagando o que
defendiam. Paralelamente, dirigentes revolucionários como Fidel Castro,
Ho Chi Minh, Mao Ze Dong e Kim Il-Sung são quase sempre odiados,
ostracizados e chamados de ditadores que trairam a revolução em algum
lugar da história.

    «Não se deve perder as oportunidades de golpear o inimigo de classe
    o mais profundamente possível, para melhorar as nossas condições no
    enfrentamento.»

Mas voltando à Comuna, acho muito importante vermos o que são os
ensinamentos da derrota. Marx e Engels apontam duas coisas: primeiro, os
/communards/ não tomaram o Banco da França, elemento fundamental que os
colocaria numa situação de maior poder para pressionar e negociar com a
burguesia francesa; segundo, usaram muito pouco a capacidade de
repressão e de eliminação do inimigo de classe. Isso está muito bem
documentado num texto de Engels sobre a autoridade. O ensinamento
importante que a Comuna deixa é que a burguesia não tem ética, não tem
pudor, e trata a luta de classes como uma guerra de classes, o que
significa que elimina fisicamente o inimigo. Na esquerda, a gente pensa
muito pouco em termos estratégicos e subordinamos a estratégia à ética.
Não se deve perder as oportunidades de golpear o inimigo de classe o
mais profundamente possível, para melhorar as nossas condições no
enfrentamento. Caso contrário, vamos estar a chorar derrotas e a
orgulhar-nos da pureza. Lembro quando aconteceu o golpe de Estado na
Bolívia, em 2019, o filósofo Slavoj Zizek lançou um texto em que se
dizia orgulhoso pelo governo boliviano não ter sido um governo
autoritário, e que mesmo quando veio o golpe de Estado não reprimiu os
golpistas. Esse tipo de pensamento é tudo menos marxista.

*Não pode haver a acusação inversa? No sentido de que a necessidade de
defender a revolução exige muitas vezes uma permanente militarização dos
regimes socialistas e a necessidade de usar meios policiais, deixando a
certa altura de existir o socialismo, dado que se esvazia a participação
popular e dos trabalhadores?*

Para mim, o maior problema das experiências socialistas no século XX foi
não conseguir uma dialéctica que permitisse a defesa interna do processo
revolucionário contra a pressão imperialista e, ao mesmo tempo,
conseguir ampliar e fortalecer a democracia socialista. A União
Soviética é um belo exemplo de que a defesa dos ataques do imperialismo
acabou por conduzir à legitimação de um processo progressivo de
esvaziamento da democracia socialista. Levando ao enfraquecimento da
base de consenso do projecto socialista ao ponto de ser destruído. Já no
caso de Cuba, vai-se conseguindo defender do imperialismo, ao mesmo
tempo que conserva uma vitalidade e um nível de democracia socialista
muito interessante. Isto é um problema real, considerando que os EUA têm
mais de 800 bases espalhadas pelo mundo, o maior orçamento militar, o
maior aparelho de espionagem, sabotagem e guerra suja do mundo, que é a
CIA. Isso sem contar que estamos na era das redes sociais que permite um
nível de vigilância e controlo nunca antes possível.

A defesa da revolução pode acabar por criar processos de burocratização,
mas isso não nos deve levar a subestimar a necessidade das revoluções se
defenderem. A visão de Lénine da necessidade do povo em armas continua
actual. É importante socializar ao máximo a defesa. Mas a questão é que,
na era dos mísseis intercontinentais, o povo em armas não garante a
defesa de qualquer país. Sem estrutura militar não é possível manter o
segredo militar. A necessidade de defesa em relação à maior potência
imperialista do mundo impõe restrições ao processo de democratização
socialista. Enquanto não se fizer uma revolução no centro do império é
um problema que vamos ter de enfrentar.

*Em Marx, a ditadura do proletariado era uma fase curta para cimentar o
poder do proletariado. Em /O Estado e a Revolução/, Lénine defende que o
Estado deveria imediatamente ir desaparecendo, que só será democrático
quando puder ser dirigido pela empregada doméstica. Como é possível num
contexto em que as revoluções são nacionais, defender o novo poder e
democratizar ao mesmo tempo?*

Lénine alterou parcialmente a sua posição depois de /O Estado e a
Revolução/. Muda de perspectiva com a experiência da revolução russa e
compreende, a partir de 1920, que a temporalidade da transição
socialista é muito maior do que a imaginava. Altera a sua posição em
relação ao defenecimento do Estado, para fazer deste um aparelho
alicerçado nos sovietes e que dê efectividade às reivindicações das
massas. Lénine falava até em aprender com as melhores práticas de
administração pública dos capitalistas.  Cuba, Vietname, Laos, China e
Coreia do Norte não caíram, conseguiram sobreviver, uns com formas mais
qualificadas do que outros, mas existe um histórico de experiências
socialistas que não sucumbiram ao ponto de perderem o apoio da base da
classe trabalhadora a esses regimes de transição. A primeira coisa é
fazer um balanço sistemático, real e nosso de todas as experiências.

*Coloca a Coreia do Norte e Cuba no mesmo campo? Não lhe parece que
existem aspectos da Coreia que têm muito pouco a ver com o socialismo, a
sucessão quase dinástica, o culto exacerbado da personalidade, por exemplo?*

A ideia do culto da personalidade é um termo ocidental muito ligado à
própria realidade da União Soviética que, a meu ver, não se encaixa na
explicação da Coreia. Também não acho que haja passagem de poder de pai
para filho, porque os cargos que exerciam Kim Il-Sung, Kim Jong-il, Kim
Jong-un são diferentes. Eles são evidentemente um elemento de simbologia
da revolução nacional, mas exerceram e exercem cargos diferentes. A
representação dos /media/ de que Kim Jong-un é um ditador todo-poderoso,
que controla tudo, é totalmente falsa. Existe pouca literatura e pouco
estudo sistemático sobre a Coreia [do Norte] e há uma desconsideração
sobre o estado permanente de agressão militar em que o país vive.
Recorde-se que foi um país destruído pela guerra com os EUA, em que as
forças norte-americanas destruíram todas as cidades da Coreia do Norte e
mataram 30% da população. Os EUA  mantêm, até hoje, mais de 50 mil
soldados a cercar o país. E têm armas atómicas apontadas à Coreia [do
Norte].

    «Um povo que se consegue defender já é olhado de lado pela esquerda
    ocidental. Para essa gente, uma criança com uma pedra contra um
    tanque israelita é heróico, quando para mim é uma coisa brutal e
    quase pornográfica»

Vamos lembrar que o principal palco militar dos EUA, na segunda metade
do século XX, foi a Ásia. Atacaram o Vietname, atacaram o Laos, atacaram
o Camboja, para além da Coreia [do Norte]. Usaram na guerra da Coreia
mais bombas do que todas as que foram usadas na II Guerra Mundial. E até
hoje, formalmente, a guerra da Coreia não acabou, foi apenas assinado um
armistício, que significa, do ponto de vista do direito internacional,
apenas uma pausa numa guerra.

A Coreia [do Norte] é uma experiência socialista que é olhada de uma
forma muito preconceituosa e preguiçosa pela esquerda Ocidental, que não
estuda o país e tem aquela coisa com que começamos a conversa que é o
fetiche da derrota. Veja, a Coreia [do Norte] foi invadida para ser
liquidada, conseguiram resistir, consolidar um Estado, formar uma
economia nacional. Têm um nível de industrialização considerável,
constituíram um complexo industrial militar importante e, ao contrário
do povo palestiniano, têm a capacidade de se defender. Um povo que se
consegue defender já é olhado de lado pela esquerda ocidental. Para essa
gente, uma criança com uma pedra contra um tanque israelita é heróico,
quando para mim é uma coisa brutal e quase pornográfica. Mas essa
esquerda gosta disso e de sofrimento, mas não gosta de países como a
Coreia [do Norte] que têm mísseis intercontinentais com armas atómicas e
que podem atingir os EUA.

Eu dou um outro exemplo, a Líbia de Muammar al-Gaddafi não era uma
experiência socialista, mas algo que surgiu no contexto das lutas
anticoloniais, que tinha uma certa política anti-imperialista e
nacionalista de apropriação dos recursos naturais do país.

*Na senda de Nasser e do socialismo pan-arabista.*

A Líbia tinha um programa nuclear, mas Gaddafi, tentando aproximar-se da
União Europeia, desistiu do seu programa nuclear. Quatro anos depois de
ter desistido desse programa, a NATO intervém na Líbia, derruba Gaddafi
e destrói o país. Hoje temos um local que até tráfico de pessoas
escravizadas tem. Em Tripoli, estão a vender-se escravos como no século
XVI. A Líbia foi destruída, era dos países mais ricos de África e agora
está nesta situação. Tenho várias divergências com o modelo socialista
coreano, está bem longe daquilo que quero para o socialismo, mas eu
apoio qualquer experiência socialista. O que aconteceu na Líbia, e quem
acompanha o sofrimento do povo palestiniano, sabe, como dizia o velho
Luckács, que «o pior socialismo é melhor que o melhor capitalismo». E o
melhor capitalismo na periferia do sistema não existe. Basta ver a
desgraça que aconteceu com a Líbia.

A Coreia [do Norte] é um Estado muito militarizado, cercado, que tenta
manter a coesão nacional máxima frente às ameaças militares, que se
expressa por exemplo na continuidade de símbolos de unidade nacional,
como a continuidade da família de Kim Il Sung. Tem várias coisas que eu
acho problemáticas, mas que não estou preocupado em criticar: para mim,
o essencial é a acção do imperialismo e o cerco feito a esse país.
Quando acabar esse cerco militar, aí a gente pode debater livremente os
problemas do regime, agora não dá para brincar, porque o imperialismo
não brinca em serviço.

*A questão que coloco é que em que medida a necessidade de militarização
e defesa de um regime não torna esse poder a certa altura pouco
socialista. Não é possível uma estratégia de resistência que passe pelo
aumento do poder do povo e da democracia socialista?*

Temos que considerar várias coisas. O Brasil é mais militarizado que a
Coreia [do Norte] em termos de violência contra a população. A República
Democrática da Coreia não sabe o que é ter, todos os anos, 62 mil
pessoas assassinadas. O cidadão norte-coreano não sabe o que é ter, nas
favelas, a polícia todos os dias a agredir e a xingar as pessoas,
entrando nas casas sem mandado e por vezes matando. Essa própria ideia
de militarização tem que ser muito bem contextualizada. Em termos de
segurança do indivíduo em relação ao Estado,  a Coreia [do Norte]
disfruta de infinitamente mais democracia que o Brasil.

Segundo ponto, se não existisse legitimidade, e um certo consenso e
apoio na sociedade coreana, nenhum governo ficaria de pé. Durante os
anos 90, o país perdeu o seu principal parceiro económico, que era a
União Soviética, sofreu uma série de inundações e catástrofes, teve um
problema sério de desnutrição, e o regime continuou de pé com um alto
nível de consenso e apoio. Nos últimos dez anos, a qualidade de vida da
população tem melhorado muito. Houve uma mudança relativa da orientação
que colocava as Forças Armadas em primeiro lugar. A partir do momento
que o país alcançou o domínio do armamento atómico e mísseis
intercontinentais, a necessidade de ter forças terrestres diminuiu.

    «Todo o projecto anti-imperialista só se mantém se tiver uma forte
    base de apoio, de outra maneira não se aguentaria um minuto»

A guerra moderna é muito mais definida pelos mísseis, caças e submarinos
do que pelo número de soldados. Há uma redução do peso na economia do
exército e uma passagem maior de recursos para habitação e para melhorar
as infraestruturas sociais. A Coreia [do Norte] vive um boom da
construção civil. A melhoria da qualidade da habitação dos
trabalhadores, o aumento de construção de equipamentos colectivos
– bibliotecas, parques, ginásios e equipamentos desportivos –, é visível
e significativa. Há um debate no partido, respondendo aos pedidos das
bases, que reivindicavam melhores condições de vida e de consumo. Assim
como existe um debate sobre o país se tornar um centro mundial de
criptomoedas e a partir daí quebrar o bloqueio económico dos EUA, para
conseguir recursos para adquirir a modernização das infraestruturas e
melhorar mais a vida das populações.

A Coreia [do Norte] tem vários problemas, mas está longe de ser um país
sem uma base social de consenso e legitimidade. Eu dou sempre este
exemplo: os média liberais e certa esquerda representam o governo de
Nicolas Maduro como ultra-militarizado e que só se mantem por causa do
apoio do exército. Veja, eu tenho várias críticas ao governo Maduro, que
nos últimos tempos resolveu lançar uma ofensiva contra o Partido
Comunista Venezuelano, mas é uma ilusão maluca achar que um governo
atacado pela maior potência do mundo, os Estados Unidos, vai conseguir
manter-se no poder só pela força, se não tiver apoio popular. Isso não é
possível. Todo o projecto anti-imperialista só se mantém se tiver uma
forte base de apoio, de outra maneira não se aguentaria um minuto. Não
apenas uma base passiva, mas uma base activa. E isso diferencia a
esquerda da Venezuela em relação à do Brasil. A Dilma [Rousseff] foi
retirada do poder muito facilmente, em 2016, sem nenhuma revolta das
massas. Só tinha uma base de apoio passiva.

*Como é que foi o seu trajecto político do rap para o comunismo?*

 O Brasil tem uma tradição de uma cultura de rap que nasceu em São Paulo
e que é muito politizada. Nos anos 90, Racionais Mcs, RZO, GOG, Sabotage
falavam de violência policial, racismo e de desigualdades. Falavam
inclusive de líderes revolucionários. O GOG tem uma música em que diz:
«Malcolm X foi a Meca e o GOG ao nordeste», ele conta a história de
Malcolm X, a primeira vez que ouvi falar dele foi nessa música. Os
Racionais MCs tem uma música chamada «Jesus chorou» em que se fala:
«Malcom X, Ghandi, Lennon, Marvin Gaye, Che Guevara, 2Pac, Bob Marley, e
o evangélico Martin Luther King». O rap historicamente no Brasil, embora
hoje menos, é muito politizado e serve como voz da comunidades
periféricas. Não só para denunciar das mazelas da sociedade, mas como
memória de uma identidade e de luta contra o racismo. Em formações que
eu dava, antes da pandemia, usava muito o rap.

*Mas nem toda a gente que ouve o rap vira marxista-leninista*.

Há três elementos que contribuíram para isso. Primeiro elemento central,
a produção marxista no Brasil ficou muito centralizada na universidade.
E estas, até aos governos do PT, eram universidades da classe média e da
burguesia, o que tem impacto no tipo de produção marxista. No meu
primeiro contacto com os marxistas na faculdade, vi que eles não
correspondiam à minha realidade. Só para ter uma ideia, a influência no
Brasil era sobretudo uma leitura eurocomunista de Gramsci, de que dá
para construir o socialismo ampliando a democracia, e que a dominação
burguesa hoje se faz mais pelo consenso do que pela coerção. Só acredita
nisso quem é de classe média. Quem, como eu, nasceu numa favela de
Recife, não consegue levar isso a sério. O meu afastamento desse
marxismo hegemónico na universidade e adesão ao marxismo-leninismo para
mim foi natural na minha própria experiência empírica. Eu li estas
coisas e pensei: «Que país é esse? O Brasil não é».

    «Quem conhece a burguesia brasileira não consegue propor nenhuma
    aliança, mesmo que seja táctica, com essa classe»

O segundo elemento, é quando eu criei o hábito de leitura e decidi
organizar-me politicamente. Parei para ler os programas dos partidos
políticos do Brasil. Li os programas do PT, PC do B, PSOL, PSTU, PCR e
da Consulta Popular e por aí vai. Entrei no PCB, na sua organização da
juventude, a UJC, porque era o que deixava mais claro uma estratégia
socialista para a revolução brasileira. Quem conhece a burguesia
brasileira não consegue propor nenhuma aliança, mesmo que seja táctica,
com essa classe.

Um terceiro elemento, chamou-me muita atenção a história do PCB, quando
você estuda no vestibular, para a entrada da universidade, ouve muito
falar do PCB, de Luiz Carlos Prestes, Olga Benário e Ana Montenegro. E a
história do partidão sempre me encantou muito, principalmente via
Prestes. Quando entrei no PCB, deu-me muito orgulho: «vou militar no
mesmo partido que Luiz Carlos Prestes». Foi também isso que me levou a
concordar com o marxismo-leninismo do PCB.

*Em Recife, há uns anos, tentou candidatar-se na sua comunidade. Não o
fez porque foi ameaçado. Actualmente, com o domínio do tráfico de droga
e a repressão do Estado, há espaço nas comunidades para a luta
revolucionária?*

Há espaço. Mas é muito perigosa e difícil. Na favela, onde nasci e fui
criado, mantive um cursinho popular, chamado «Novo Caminho», para ajudar
jovens a conseguir entrar na universidade. Consegui manter essa
actividade durante dois anos, recrutei gente para a juventude do
partido, houve um reconhecimento social da comunidade para com o nosso
trabalho, mas quando foi a hora de disputar a associação de moradores o
meu caminho foi barrado. E repare que eu sou prata da casa, sou nascido
e crescido na favela do Borborema. Não consegui avançar nesse negócio.
Claro que na época eu não era ainda organizado no PCB. Tentei concorrer
à associação de moradores sozinho, sem um partido por trás, o que muda
bastante o cenário.

Agora é preciso dizer que todo o trabalho de base é perigoso. O Brasil é
um país muito perigoso para se militar. É perigoso, trabalhoso, exige
muita estrutura e planeamento. Exige muita paciência revolucionária. O
PCB tem vários trabalhos em comunidades, menos do que é necessário para
a revolução brasileira. Militar no Brasil não é como militar em Paris ou
em Londres. O nível de violência a que estamos submetidos, no
continente, só se compara com a Colômbia em que há um narco-Estado que
mata a rodos. Brasil e Colômbia são os países mais perigosos na região
para se militar.

*Pode-se dizer que a luta de classes no Brasil tem uma carga de ódio
muito maior devido ao peso da escravatura? Há um ódio da burguesia ao
proletariado aditivado pelo racismo?*

Com certeza. José Carlos Mariatégui, o famoso comunista peruano, matou a
charada nos anos 20 do século passado. Tem um texto que mostra que a
burguesia crioula se formou não só a partir de uma identidade classista
burguesa, mas também de uma identidade racial. Fazendo com que a
oposição de classe também assumisse uma forma de oposição racial,
inclusive eugénica, e que essa burguesia se achasse superior aos
caboclos, negros, mulatos e indígenas. Começamos a conversa pela
liquidação da Comuna de Paris, em que a burguesia matou 20 mil pessoas.
Aqui morre muito mais gente. O ódio de classe, quando se soma com o ódio
racial, toma traços neofascistas. É o que acontece com a burguesia
boliviana em Santa Cruz da Serra, a burguesia peruana em Lima. No Brasil
eles se auto-representam como brancos, descendentes directos dos
europeus, e a massa trabalhadora como uma espécie de ralé racialmente
inferior. E trabalham a partir de discursos de extermínio camuflados em
ideologia da segurança pública, em que «bandido bom é bandido morto»,
«tem que se matar o traficante». A grande diferença daqui e do discurso
do Hitler é que este afirmava claramente que odiava judeus, enquanto no
Brasil e em outros países mascara-se os genocídios com políticas de
segurança pública, mas no final o resultado é o mesmo.                 

*Concorda que as categorias de capitalismo, racismo e patriarcado fazem
parte do mesmo quadro da luta de classes?*

Totalmente, desde a obra de Marx e Engels que já está colocada a
multiplicidade de formas de expressão da luta de classes. Essa luta
nunca foi só o conflito capital e trabalho no âmbito da fábrica.
Estou-me a lembrar, por exemplo, no /Manifesto Comunista/, Marx e Engels
colocavam na luta de classes a luta pela libertação da Polónia, que era
uma luta de emancipação nacional. Assim como põem, no mesmo texto, a
importância da luta contra a opressão da mulher. Engels no seu famoso
/Anti-Duhring/, e no seu mais célebre capítulo intitulado do /Socialismo
Utópico ao Socialismo Ciêntífico/, repete a célebre frase de Charles
Fourier, em que o grau de emancipação de uma sociedade é medido pelo
grau de emancipação da mulher nessa sociedade. Assim como na /Origem da
Família, da Propriedade Privada e do Estado/, Engels defende que a
mulher é o proletariado do homem. E que o aparecimento da propriedade
privada significou a derrota mundial do sexo feminino, por ter provocado
um processo de exploração, no âmbito doméstico, do homem sobre a mulher,
numa estrutura patriarcal.

    « Os comunistas lutaram contra o /apartheid/. Isso faz parte também
    da luta de classes»

Diria mais, Domenico Losurdo, no seu livro /A Luta de Classes, uma
História Filosófica e Política/, demonstra que desde a obra de Marx e
Engels há uma compreensão sobre três níveis interligados de exploração e
opressão: o âmbito da vida doméstica, com o patriarcado e a exploração
da mulher; o âmbito nacional, com a retirada de mais-valia a partir da
exploração do proletariado; e o âmbito internacional, a partir da
exploração dos países e povos colonizados. Esses três níveis
articulam-se directamente e fazem com que a luta de classes passe também
por lutas contra a exploração, o imperialismo, o machismo e o racismo.
Algo que foi materializado muito bem na história do movimento comunista.

Há um exemplo que eu gosto muito de dar: hoje todo o mundo gosta de
Nelson Mandela, que virou um ícone mundial, mas quando ele estava preso,
os Estados Unidos chamavam-no de «terrorista», e eram os comunistas que
apoiavam a luta contra o/apartheid/. E Cuba mandou milhares de soldados
para lutar, ao lado dos revolucionários africanos, contra o /apartheid/
e pela independência das ex-colónias portuguesas em África. Os
comunistas lutaram contra o /apartheid/. Isso faz parte também da luta
de classes. Não se pode ter uma visão redutora e economicista da luta de
classes.

*Contesta algumas acusações de correntes da esquerda, e até de alguns
activistas anti-racistas, de que o marxismo é eurocentrista, em que as
questões raciais não estão devidamente espelhadas na teoria comunista?*

Estas críticas só se sustentam na base da falsificação histórica. O
marxismo é a tendência teórica política que, depois do liberalismo, teve
mais alcance mundial. O que significa que é possível encontrar de tudo
no marxismo: há marxismo estruturalista, marxismo humanista, marxismo
analítico, marxismo existencialista, marxismo weberiano, marxismo
pós-moderno. O que você procurar vai achar em algum canto do mundo.
Existiram e existem marxistas eurocêntricos, marxistas que não dão
atenção às lutas anticoloniais e anti-racistas. Agora existe também toda
uma larga tradição do marxismo que deu um papel fundamental, no século
XX, às lutas anti-racistas e coloniais.

    «O marxismo ser um negócio de brancos e que não deu atenção às lutas
    anticoloniais e anti-racistas é uma afirmação que não se sustenta
    sob nenhum prisma»

Três exemplos básicos: os principais líderes das lutas de libertação
nacional na África negra ou eram marxistas ou tinham relações com o
marxismo. Amílcar Cabral, Samora Machel, Agostinho Neto e Thomas Sankara
eram marxistas. E os que não eram marxistas, como Lumumba, tinham
óptimas relações com os marxistas e contavam com o movimento comunista
como aliado das suas lutas de libertação. Segundo exemplo importante,
nos EUA só houve o sufrágio universal – uma cabeça, um voto – em 1965,
quando acabou a segregação racial. A principal organização de luta
contra a segregação racial é o partido das Panteras Negras, uma
organização marxista-leninista que o FBI considerou a maior ameaça ao
capitalismo estado-unidense. O terceiro exemplo, muito significativo, é
que o processo de descolonização da Ásia passou pela liderança dos
partidos comunistas: o chinês, o vietnamita, o coreano, o do Laos. Mesmo
na Índia, os partidos comunistas têm um papel importante, e até hoje na
região de Kerala há uma grande tradição comunista enraizada nas massas.

O marxismo ser um negócio de brancos e que não deu atenção às lutas
anticoloniais e anti-racistas é uma afirmação que não se sustenta sob
nenhum prisma, a não ser que se reduza o marxismo às suas expressões
eurocêntricas, a figuras como Kaustky ou, actualmente, a Zizek. E queria
acrescentar mais um elemento: o Portugal fascista, dominado pelo
salazarismo, foi aceite pelo Ocidente, entrou na NATO, e a nossa amiga
Hannah Arendt, famosa pela sua teoria sobre o totalitarismo, que tentava
igualar a União Soviética ao nazismo, não colocou o fascismo salazarista
como totalitário, dizia que era apenas autoritário. Esse discurso acaba
por fazer o jogo do liberalismo que se relacionou muito bem com o
fascismo salazarista. Escondendo, por exemplo, que os comunistas
organizados no PCP, que eram a principal força de resistência contra o
fascismo, apoiaram as lutas anticoloniais de África, enquanto os EUA
apoiavam o regime colonialista e fascista. Quando se diz que o marxismo
é eurocêntrico, não só se está a falsificar a história como se está
apoiar os liberais que foram aliados históricos do salazarismo.

*Um autor dos EUA,  Asad Haider,  afirma que o racismo não é produto das
raças, mas as raças é que são produto do racismo. E que a luta
anti-racista tem como objectivo a liquidação da ideia de raças e as
desigualdades que por ela são sustentadas e não a criação de qualquer
«negritude». Concorda?*

Concordo plenamente, inclusive li a entrevista do Asad Haider no
/*AbrilAbril*/, uma entrevista muito boa, como sempre. É um autor muito
qualificado e o que ele fala não é uma ideia nova, baseia-se muito nas
ideias do Frantz Fanon. Defende uma perspectiva que eu gosto de chamar
de humanismo radical. Comprende que a divisão do mundo em raças é um
produto da modernidade, a partir da acumulação primitiva de capital que
se consolida no capitalismo, e que a questão, em última instância, não é
uma sociedade de igualdade racial, mas é uma sociedade desracializada.
Evidentemente, que enquanto elemento táctico nós vamos reivindicar
elementos da positividade do negro na luta anti-racista. Só que isso não
significa que a gente abra mão do horizonte último de desracialização;
da mesma forma que o objectivo de acabar com a classe trabalhadora
enquanto classe, no socialismo, em que todos serão trabalhadores, não
implica que, nas lutas imediatas, no capitalismo, a gente não organize
sindicatos para melhorar os salários:  apesar disso reproduzir o
assalariamento. Como na luta de classes, no caso do racismo acontece o
mesmo.Usamos os elementos de positivação de ser negro, frente à
inferiorização do ser negro, que são intrínsecos à ideologia racista.
Mas o horizonte último é a desracialização da sociedade. Frantz Fanon
estava correctíssimo, fazer com que o signo raça deixe de ser um
marcador e um estruturador de relações sociais.   

*O capitalismo vive em permanente crise e ela parece, cada vez, mais
aguda. Mas por que é que parece mais possível uma catástrofe natural ou
a invasão de extraterrestres, para usar uma imagem de Fredric Jamenson,
do que a simples superação do capitalismo?*

Vivemos uma época contra-revolucionária da qual não nos libertamos
totalmente. A queda da União Soviética e a derrota do socialismo foi
muito grande. E há um processo de reconstrução do movimento
revolucionário. Essa reconstrução é muito tímida, está mais avançada
nuns países que em outros. Há ainda uma busca de horizontes
revolucionários que não estão claros. Há muitos debates sobre
pós-marxismo, sobre socialismo revolucionário no século XXI, sobre
populismo de esquerda, debates que não têm consequências práticas, mas
ainda vamos ter um caminho muito longo para que o marxismo-leninismo
renovado, com todos os novos problemas do século XXI, consiga dar
respostas aos desejos das massas. Ainda vai demorar muito a construir um
movimento revolucionário mundial e conseguir colocar na ordem do dia,
como já esteve, o fim do capitalismo.

*Não pode haver necessidade de uma adequação teórica aos novos tempos e
uma necessidade de identificar o que será hoje um sujeito revolucionário
para a transformação, e o que é hoje essa «classe
operária» revolucionária e ainda como criar um movimento revolucionário
a partir desse sujeito?*

Acho que sim, mas a resposta para isso não está em abandonar o
marxismo-leninismo, mas em renovar a teoria assimilando novos problemas,
acompanhando as transformações do sistema capitalista. Vou dar um
exemplo, há um processo claro no Ocidente de desindustrialização com a
deslocação de várias indústrias para a Ásia, com a recomposição da
economia do mundo em que a China é a fábrica do planeta. Isso faz com
que cresça, no chamado Ocidente, o trabalho informal e o assalariamento
nos sectores do comércio e serviços, uma mudança no perfil da classe
trabalhadora. Hoje faz muito mais sentido falar de assalariados urbanos
do que falar em classe operária, no sentido fordista. Isso é um problema
do ponto de vista organizativo e em relação às novas reivindicações. A
classe trabalhadora brasileira é maioritariamente feminina, mesmo a que
tem emprego formal; a classe trabalhadora informal para além de ser
maioritariamente feminina é muito negra. Então, a figura da mulher negra
e mãe solteira é muito presente no exército industrial de reserva.

*A ideia de classe operária estava ligada à produção de mais-valia, isso
só era possível em trabalhos que criassem valor. O marxismo excluía
desse quadro a distribuição, os serviços e o comércio. Hoje, ao
considerar-se que na nova classe trabalhadora estão, por exemplo, os
distribuidores da Uber Eats, não há uma mudança na teoria valor-trabalho?*

Não creio que haja uma mudança teórica, mas uma mudança nas formas de
exploração. Quando Marx escreveu o livro I de /O Capital/, a maioria da
população era explorada via colonialismo; o trabalho assalariado, como
forma dominante de exploração, é da segunda metade do século XX. Quando
a Internacional Comunista é criada, a maioria da população era
colonizada e vivia em formas de semi-escravidão. A teoria do
valor-trabalho e do fulcro do capitalismo com a exploração estava
valendo, agora nós temos outras transformações, só que o essencial da
coisa continua: a propriedade privada dos meios de produção, a
existência de um contingente gigantesco da população que não tem mais do
que a sua força de trabalho para vender e a apropriação privada da
riqueza socialmente criada. A partir daqui vamos pensar em novas
tácticas e formas de organização e comunicação para organizar os
explorados e oprimidos, mas eles continuam explorados e oprimidos. O
núcleo da questão continua a ser explicado pela teoria marxista.

*Num filme muito conhecido, /Matrix/, a humanidade estava presa numa
ilusão gerada por um programa computorizado e só era possível combater
essa ilusão desconectando-se dele. É possível fazer luta revolucionária
no quadro do capitalismo de vigilância e das tecnologias de comunicação
e redes sociais?*

Totalmente, mas é preciso uma política leninista séria. Hoje, no Brasil,
é mais fácil arrecadar dinheiro, do que era no tempo da ditadura
militar. Também é muito mais fácil a vigilância, mas escapar dela exige
um nível de planeamento e de organização e estrutura... Inclusive uma
organização revolucionária que se preze tem de ter um departamento
interno de /hackers/ e segurança da informação. Tem de aprender a
actuar, fazer guerrilha virtual, uma área que é muito dominada pelos
anarquistas, os cyber-punks, e os marxistas-leninistas estão a dormir
nessa área. Há algumas experiências existentes interessantes mas é
necessário voltar a ter a ideia leninista de uma política planeada e
organizada. O espontaneísmo, numa altura que se tem as maiores
capacidades de vigilância, é facilmente derrotado, aliás sempre o foi.

*Usa as redes para fazer política, mas foi uma acção espontânea. O PCB
nada teve a ver com isso.*

(Risos) Eu acho errado, isso devia ter sido discutido politica e
internamente. Acho que até partidos leninistas precisam de mais
leninismo. Há um conservadorismo muito grande. É muito difícil debater
uma política /hacker/ com qualquer comunista. Usou o termo de
«capitalismo de vigilância». Conheço várias pessoas que o usam, acho
interessante o debate, mas colocando a pergunta de Lénine, eu quero
saber é «o que fazer?» E aí não se vê uma reacção prática concreta.
Pode-se dizer que o capitalismo tem a maior capacidade de vigilância da
história, é verdade. Mas cadê o nosso sistema de comunicação
criptografado que não passe pelo Google? Qual é o nosso recrutamento
direccionado para pessoas das Tecnologias de Informação para que
possamos fazer uma guerrilha que impeça essa vigilância? Isso é um
problema, há um certo tradicionalismo, muito forte, que não percebe que
a mudança das relações de produção capitalistas e nas formas de
dominação exigem alterações tácticas, de organização e comunicativa. Do
mesmo jeito que Engels, no famoso prefácio a /As Lutas de Classes em
França/, defendeu que a táctica de barricadas já não era eficaz com o
desenvolvimento da ciência militar, e que era preciso outras formas de
acção, é preciso hoje encontrar essas novas formas. É difícil? É. Temos
de ter uma criatividade política sem sair do marxismo-leninismo, é esse
o 'x' da questão, sem andar com teorias eclécticas da moda.

In
ABRIL ABRIL
https://www.abrilabril.pt/internacional/jones-manoel-uma-organizacao-revolucionaria-tem-de-ter-um-departamento-de-hackers
15/6/2021