terça-feira, 4 de julho de 2017

“No Brasil, a barbárie tem a cara de um processo de reversão neocolonial que está nos levando ao século XIX”


 Entrevista especial com Plínio de Arruda Sampaio Jr

Por Patricia Fachin e Ricardo Machado


A absolvição da chapa Dilma-Temer das acusações de abuso de poder econômico e
político, além de ter sido um “escárnio”, demonstra que o Judiciário foi
“irremediavelmente contaminado pela crise política”, afirma o economista Plínio
de Arruda Sampaio Jr..
Segundo ele, o que se assistiu no julgamento do Tribunal Superior Eleitoral –
TSE “foi um conluio entre PSDB, PMDB e PT para manter Temer na presidência”. O
economista frisa que “as forças políticas que se alinham em torno do objetivo de
‘estancar a sangria’ são poderosas, congregam todos os espectros dos partidos da
ordem, possuem amplas ramificações no Judiciário e resistem com desfaçatez e
tenacidade à cruzada moralizadora que ameaça suas posições no interior do
aparelho de Estado”. E alfineta: “Quando os interesses comuns na preservação do
status quo ficam ameaçados, a guerra de foice entre petistas, peemedebistas e
tucanos pelo controle do aparelho de Estado é suspensa” e “os partidos da ordem
atuam como irmãos siameses”. Por enquanto, adverte, alguns personagens estão
sendo “blindados de qualquer investigação”, como os bancos, o sistema financeiro
e o capital estrangeiro, e a “ramificação da rede criminosa no sistema
judiciário e na grande mídia é negligenciada”.
Na avaliação do economista, uma alternativa à crise política seria a realização
de eleições diretas. Contudo, adverte, “a convocação de eleições gerais também
não é suficiente para sanar a crise política. Não adianta nada trocar pessoas.
Se as regras do jogo não mudarem, sai um Eduardo Cunha e entra outro. É o
sistema político como um todo que precisa ser livre do controle absoluto do
capital”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, o economista
também comenta a atual situação econômica do país e pondera que, depois da
contração de quase 4% em 2016 e da estagnação econômica atual, “não há nada que
permita imaginar que 2018 possa ser muito diferente. Depois que Temer assumiu o
governo, a taxa de desemprego aumentou para 14% e mais de 1,6 milhão engrossaram
o exército de desempregados. O Brasil tem 14,2 milhões de desempregados, um
contingente populacional equivalente à força de trabalho conjunta da Argentina e
do Uruguai”.
Plínio de Arruda Sampaio Jr é professor do Instituto de Economia da Universidade
Estadual de Campinas – IE/Unicamp. Possui mestrado em Economia e doutorado em
Economia Aplicada pela mesma instituição. É autor de Capitalismo em crise: a
natureza e dinâmica da crise econômica mundial (São Paulo: Editora Sundermann,
2009) e Entre a nação e a barbárie: os dilemas do capitalismo dependente
(Petrópolis: Vozes, 1990).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como o senhor analisa a atual conjuntura política, com o revés da
cassação da chapa Dilma-Temer? Quais devem ser os impactos políticos e
econômicos desta decisão?
Temer já caiu, mas pode demorar para chegar ao chão
Plínio de Arruda Sampaio Jr – Temer já caiu, mas pode demorar para chegar ao
chão. Depois da Greve Geral do 28 de abril e da delação de Joesley, sua
autoridade política ruiu. Ele pode até encontrar força parlamentar para não ser
deposto, mas dificilmente governará da maneira despótica como vinha fazendo. O
presidente é um morto-vivo. Passará todos os dias restantes de sua presidência
lutando desesperadamente para permanecer no cargo. Sabe que se for apeado do
poder, será preso. A debilidade de Temer não diminui em nada o caráter altamente
nefasto de seu governo. Para que a plutocracia não aproveite sua extrema
vulnerabilidade para aprofundar as medidas regressivas do ajuste neocolonial, é
fundamental que o povo esteja alerta e mobilizado. Se os trabalhadores saírem
das ruas, a ofensiva reacionária não será derrotada.
O que se viu no julgamento do TSE foi um conluio entre PSDB, PMDB e PT para
manter Temer na presidência. O PSDB que impetrou o pedido de anulação da Chapa
Dilma-Temer, já não tinha o menor interesse na sua deposição e mobilizava sua
artilharia nas altas esferas do judiciário para salvar a pele do presidente. O
advogado do PT, ignorando a consigna “Fora Temer”, desdobrava-se pelo “Fica
Temer”. As forças políticas que se alinham em torno do objetivo de “estancar a
sangria” são poderosas, congregam todos os espectros dos partidos da ordem,
possuem amplas ramificações no Judiciário, e resistem com desfaçatez e
tenacidade à cruzada moralizadora que ameaça suas posições no interior do
aparelho de Estado. Quando os interesses comuns na preservação do status quo
ficam ameaçados, a guerra de foice entre petistas, peemedebistas e tucanos pelo
controle do aparelho de Estado é suspensa. No momento de viabilizar a anistia da
corrupção, impulsionar o ajuste neoliberal e evitar instabilidades políticas que
possam acirrar a luta de classes, os partidos da ordem atuam como irmãos
siameses.
Ignorando as provas cabais de financiamento ilícito da Chapa Dilma-Temer, a
decisão do TSE aprofundou a crise política e aumentou a descrença nas
instituições. A exposição detalhada das relações promíscuas entre empresários e
políticos reforçou o sentimento de que “todos os políticos são corruptos”. A
incoerência e a falta de compostura do PT e do PSDB no episódio agravaram a
desmoralização dos partidos políticos. A racionalização da corrupção como um
“mal necessário” da vida política, em rede nacional de televisão, reafirmou a
convicção de que a justiça brasileira é completamente arbitrária. Obedecendo ao
ditame de que “para os amigos tudo, para os inimigos, a lei”, Gilmar Mendes
enterrou o TSE. A metástase da crise política chegou definitivamente ao
Judiciário.
IHU On-Line – No Congresso, o senhor vê alguma possibilidade de que os pedidos
de impeachment contra Temer prosperem?
Plínio de Arruda Sampaio Jr – O Congresso Nacional é o sustentáculo da República
dos Delinquentes. Todos os partidos da ordem, inclusive o partido da presidente
deposta, trabalham com afinco para “estancar a sangria”. Os parlamentares só se
colocarão contra Temer se forem acuados por uma rebelião popular. Enquanto não
se sentirem ameaçados, defenderão com unhas e dentes seu chefe no Planalto e
resistirão desavergonhadamente à ofensiva da operação “Fora Todos” liderada pelo
Ministério Público Federal e pela Rede Globo.
IHU On-Line – O mercado financeiro deu um voto de “confiança” a Temer mesmo
diante de todos os escândalos políticos. O atual presidente continua sendo a
opção do mercado porque ainda é a tábua de salvação para garantir as reformas?
O congresso nacional é o sustentáculo da República dos Delinquentes
Plínio de Arruda Sampaio Jr – O mercado financeiro pisa em ovos. É impossível
montar as gigantescas redes de corrupção desvendadas pelo Ministério Público sem
a participação ativa de bancos. A relação da alta finança com Temer e Meirelles
é íntima e delicada. Não há dúvida de que o agravamento da crise política e o
progressivo enfraquecimento de Temer comprometem sua capacidade de comandar a
guerra aberta contra os trabalhadores – a essência do ajuste neoliberal. No
entanto, o “mercado”, termo utilizado para camuflar os imperativos do grande
capital, não tem muita alternativa. Enquanto não encontrar alguém capaz de
continuar o trabalho sujo (iniciado, diga-se de passagem, por Dilma), a
plutocracia ficará encalacrada com Temer.
IHU On-Line – Como avalia as tentativas do governo em tentar retomar o
crescimento econômico? Elas têm se mostrado uma estratégia política, econômica e
social insuficiente?
Plínio de Arruda Sampaio Jr – Após décadas de especialização regressiva na
divisão internacional do trabalho, o crescimento da economia brasileira depende
basicamente da recuperação das vendas externas. Como o comércio internacional
continua patinando, não há como esperar uma retomada do crescimento. Factoides
de que o pior já passou não atuam sobre a realidade. Num ambiente de grande
incerteza, a redução das taxas de juros não é suficiente para incentivar o
aumento da demanda agregada. Se a massa salarial diminui, a falta de confiança
em relação ao futuro paralisa as decisões de investimentos e a política de
austeridade fiscal contrai os gastos públicos, não há como esperar uma
recuperação do crescimento.
Os efeitos do ajuste ortodoxo sobre o crescimento são incertos e demorados. No
curto prazo, as medidas que compõem o receituário neoliberal buscam apenas
atenuar o impacto da crise sobre as empresas, recompondo a rentabilidade do
capital pela diminuição dos gastos com salário e tributos; abrindo oportunidades
de negócios para o capital excedente pela privatização dos serviços públicos,
isto é, transferindo patrimônio público para as empresas; e permitindo que a
riqueza privada tenha possibilidade de se valorizar ficticiamente na dívida
pública, pela garantia de sua sustentabilidade intertemporal, ou seja, pela
sacralização do ajuste fiscal permanente. Os efeitos de longo prazo do ajuste
ortodoxo sobre o crescimento dependem de um conjunto de fatores altamente
indeterminados que condicionarão a posição da economia brasileira na nova
divisão internacional do trabalho. Entre o curto e o longo prazo, o país fica no
limbo, à espera de dias melhores, amargando uma longa estagnação.
IHU On-Line – Tem sido possível garantir a manutenção da empregabilidade e mesmo
a abertura de novos postos de trabalho no contexto? Como avalia a situação da
empregabilidade no país no atual momento?
Plínio de Arruda Sampaio Jr – Para quem vive do próprio trabalho e depende de
políticas públicas, o ajuste neoliberal é um inferno. É, portanto, fundamental
iludir a opinião pública de que o pior já passou ou está prestes a passar. Há
dez anos o Fundo Monetário Internacional – FMI repete que a crise mundial
terminará no próximo semestre. Daí a importância do controle absoluto sobre os
meios de comunicação. Se os trabalhadores tivessem acesso a uma visão crítica da
realidade, jamais aceitariam as mentiras que são ditas para justificar uma
política econômica completamente comprometida com os negócios do grande capital.
Se os trabalhadores tivessem acesso a uma visão crítica da realidade, jamais
aceitariam as mentiras que são ditas para justificar uma política econômica
completamente comprometida com os negócios do grande capital
Quem acreditou na estória que a chegada de Temer resolveria a crise, caiu do
cavalo. Depois de sofrer uma contração de quase 4% em 2016, a economia
brasileira encontra-se estagnada. Em 2017, o desempenho do PIB deve ficar entre
-0,5 e 0,5%. Não há nada que permita imaginar que 2018 possa ser muito
diferente. A situação do mercado de trabalho é dramática. Depois que Temer
assumiu o governo, a taxa de desemprego aumentou para 14% e mais de 1,6 milhão
engrossaram o exército de desempregados.
O Brasil tem 14,2 milhões de desempregados, um contingente populacional
equivalente à força de trabalho conjunta da Argentina e do Uruguai. Para além
das flutuações esporádicas, não há nada que indique uma reversão do quadro de
profunda prostração do mercado de trabalho. O emprego reage às flutuações do
nível de atividade com defasagem. Logo, mesmo que o crescimento volte com alguma
intensidade no futuro, demorará muito tempo para que a economia brasileira
consiga absorver as pessoas que foram jogadas no desemprego. Na crise de 1980, a
absorção dos desempregados demorou praticamente uma década.
IHU On-Line – Como o senhor analisa o atual Congresso Nacional, que está imerso
em escândalos de corrupção, com 167 deputados e 28 senadores financiados pela
JBS? Qual a legitimidade desse Congresso para aprovar as reformas trabalhistas
ou quaisquer outras pautas, até mesmo a cassação de pares?
Plínio de Arruda Sampaio Jr – As investigações judiciais comprovaram o que todos
sabiam. A corrupção é um elemento estrutural do padrão de acumulação e dominação
do capitalismo brasileiro. As delações dos altos executivos do capital são
didáticas. O capital é o elo dominante da relação criminosa. Os partidos são
comprados pelos empresários. Os políticos funcionam com despachantes de
interesses privados nos aparelhos de Estado. Sem a relação promíscua do capital
com o Estado, a burguesia brasileira não duraria um dia.
Não deve causar estranheza que o verdadeiro objetivo da operação “pega ladrão”
em curso, por mais paradoxal que possa parecer, não seja erradicar a corrupção.
Os paladinos da moralização – Janot, Moro, Teori Zavascki e Fachin – não vão à
raiz do problema. As investigações são seletivas. O sistema financeiro é
blindado de qualquer investigação e, no entanto, é impossível a lavagem de
dinheiro sem a cumplicidade explícita dos bancos. O capital estrangeiro é
poupado de qualquer investigação. A ramificação da rede criminosa no sistema
judiciário e na grande mídia é negligenciada.
Políticos corruptos e empresários corruptores recebem tratamento diferenciado.
Os primeiros são presos e achincalhados. Os segundos – as grandes empresas que
se beneficiam do assalto ao Estado – safam-se da cruzada moralizante, às vezes
um pouco chamuscados, mas sem maiores reveses. Com a benção do Ministério
Público e do Supremo Tribunal Federal, os acordos de delação livram os
burgueses; e os acordos de leniência isentam o capital. No final, sob a
aparência de uma faxina geral, permanece tudo como dantes. A engrenagem do roubo
não é abalada. As relações promíscuas entre o grande capital e o Estado
permanecem incólumes. A operação “Fora Todos” apenas prepara o caminho para uma
“modernização” dos esquemas de intermediação espúria dos interesses do capital
nos aparelhos de Estado, adaptando-os às novas exigências do padrão de
acumulação.
O verdadeiro objetivo da operação Fora Todos é colocar o poder político na
defensiva a fim de abrir espaço para o avanço acelerado da ofensiva do capital.
Desmoralizada, “a política” não tem como conter a ofensiva do capital contra o
trabalho e assume integralmente uma agenda de desmonte da Nação que jamais seria
aprovada pelas urnas. Nesse contexto, a autoridade do parlamento para modificar
a Constituição é nula. As Emendas Constitucionais aprovadas nos últimos anos,
muitas delas, em manobras parlamentares espúrias, na calada da noite, não
passaram pelo crivo da vontade popular e devem ser todas revogadas com a máxima
urgência.
IHU On-Line – Qual sua leitura da esquerda na atual conjuntura política? Ela tem
conseguido oferecer algum tipo de resposta ou saída da crise à esquerda? Ainda
nesse sentido, que futuro vislumbra para a esquerda brasileira?
Plínio de Arruda Sampaio Jr – A tarefa da esquerda socialista é enfrentar a
barbárie capitalista. Para tanto, precisa colocar na ordem do dia a necessidade
de transformações que ataquem as causas estruturais dos problemas responsáveis
pelas mazelas do povo. Elas são conhecidas: a perpetuação da segregação social,
a continuidade de dependência externa e as taras do capital. A tarefa da
esquerda é fazer a revolução brasileira. O primeiro passo é afirmar a
necessidade histórica de uma ruptura radical com a ordem global. Sem o fim da
Lei de Responsabilidade Fiscal, é impossível imaginar políticas públicas. Sem
centralizar o câmbio, é impossível defender a economia brasileira dos ataques
desestabilizadores do capital internacional. Sem subordinar a gestão da moeda a
uma política de recuperação da economia nacional, é impossível combater o
rentismo.
Sem ousadia e radicalidade, a esquerda esteriliza-se e corre o risco de se
transformar em linha auxiliar da esquerda da ordem. A miséria do possível é uma
armadilha que circunscreve as alternativas da sociedade à possibilidade de
graduar o ritmo e a intensidade da marcha para a barbárie. Se não houver uma luz
no fim do túnel que aponte uma saída civilizada para o grande impasse histórico
que ameaça a sociedade brasileira, abre-se a brecha para que qualquer
aventureiro acenda um fósforo e se apresente como salvador da pátria. A esquerda
socialista tem uma grande responsabilidade histórica. É a invisibilidade de uma
saída civilizada que alimenta o crescimento da barbárie. É a esterilidade da
esquerda que alimenta o crescimento da ultradireita.
IHU On-Line – Como o senhor vê a possibilidade de realização de eleições
diretas? Até que ponto isso seria possível?
Os paladinos da moralização – Janot, Moro, Teori Zavascki e Fachin – não vão à
raiz do problema
Plínio de Arruda Sampaio Jr – A eleição direta é um pleito legítimo. Sem o crivo
do voto, o poder é ditatorial. A imposição de uma agenda de contrarreformas
espúrias que vai na contramão da vontade da cidadania caracteriza uma situação
de violência inaceitável que convoca a população à desobediência civil. Eleições
diretas é, portanto, uma necessidade real. Contudo, ela não pode ficar restrita
à eleição de presidente, pois é todo o Congresso que está apodrecido.
Contudo, a convocação de eleições gerais também não é suficiente para sanar a
crise política. Não adianta nada trocar pessoas. Se as regras do jogo não
mudarem, sai um Eduardo Cunha e entra outro. É o sistema político como um todo
que precisa ser livre do controle absoluto do capital. É isso que as delações
deixam cristalino (mas que o Judiciário não tira as consequências). Portanto, a
solução da crise política passa por uma refundação do sistema político. Para não
ser um aberto embuste, a democracia pressupõe: plena liberdade de organização
política, proibição de financiamento empresarial aos partidos, rígidos tetos de
gastos nas campanhas eleitorais, revogação de mandatos eletivos que violarem os
compromissos com os eleitores, ampla democratização dos meios de comunicação a
fim de libertar o debate público da ditadura do grande capital, o que implica a
imediata revogação da concessão da Rede Globo, SBT etc. Evidentemente, uma
mudança dessa envergadura não seria possível sem uma ruptura profunda com o
status quo, o que só seria possível no contexto de uma verdadeira revolução
democrática.
IHU On-Line – Por ocasião das investigações da Lava Jato e depois durante o
processo de retirada de Dilma Rousseff do Planalto, muito se falou que esses
fatos indicavam um “fortalecimento das instituições” nacionais. Todavia, a cada
dia que passa, a frase de Jucá “É preciso um grande acordo, com o Supremo, com
tudo” tem parecido mais trágica e verdadeira. Nesse contexto, para onde estão
indo nossas instituições?
Plínio de Arruda Sampaio Jr – A Nova República está ruindo. A radiografia da
corrupção pelo Ministério Público e sua espetacularização pelos grandes meios de
comunicação trucidaram o sistema político brasileiro e todas as suas
instituições. A decisão do TSE de inocentar a chapa Dilma-Temer foi um escárnio.
O Judiciário foi irremediavelmente contaminado pela crise política.
A crise que abala a República expressa a exaustão da democracia de cooptação
cristalizada no pacto político que institucionalizou a democracia restrita
implantada em 1964. Assim como a crise de 1929 destruiu a República Velha, a
crise de 2015 está destruindo a Nova República. O fim do reinado do café acabou
com a supremacia da oligarquia cafeeira. A crise terminal do processo de
industrialização por substituição de importações exige um novo padrão de
dominação. Em última instância, a causa da crise política reside na absoluta
incompatibilidade entre as promessas de um capitalismo com um patamar mínimo de
civilidade expressas na Constituição de 1988 e a dura realidade de uma sociedade
em reversão neocolonial.
A resposta reacionária à crise econômica aprofunda e acelera o movimento de
rebaixamento do patamar mínimo de civilidade conquistado a duras penas no último
século. Assim como a política social não cabe no regime de austeridade imposto
pelas grandes finanças e os direitos trabalhistas não cabem nos cálculos de
rentabilidade dos empresários, o padrão de dominação baseado na democracia de
cooptação não cabe nos planos de ajuste ortodoxo e no padrão de acumulação
baseado na produção de commodities para o mercado internacional.
A crise da Nova República comporta duas soluções. A resposta do capital requer o
estreitamento ainda maior da já bem rebaixada democracia brasileira, o que
pressupõe a liquidação da Constituição de 1988. É o vetor que está prevalecendo.
É uma solução para a crise de poder que aponta para um perigoso recrudescimento
do autoritarismo e da violência política. A alternativa, a resposta do trabalho,
passa pelo caminho inverso, uma ampliação radical do espaço democrático, o que
supõe a busca de uma solução para a crise econômica que não leve ao
aprofundamento da inserção subalterna na ordem global.
IHU On-Line – Tanto o Brasil quanto a América Latina têm pautado grande parte de
suas políticas públicas a partir de um paradigma desenvolvimentista ou
neodesenvolvimentista. Esse modelo não chegou aos seus limites? Que alternativas
emergem e podem resgatar a cidadania das populações mais vulnerabilizadas?
É a hora e a vez de colocar a revolução brasileira na ordem do dia
Plínio de Arruda Sampaio Jr – Existe muita confusão sobre o que significa
desenvolvimento. Entendido como a luta dos povos que vivem na periferia do
capitalismo para submeter a acumulação de capital aos desígnios da sociedade
nacional, estabelecendo um patamar mínimo de civilidade para a vida social – o
entendimento de nossos grandes intérpretes, Caio Prado Jr, Florestan Fernandes,
Celso Furtado -, o desenvolvimentismo terminou no Brasil em 1964, quando a
burguesia derrotou as reformas de base e consolidou o capitalismo como um
capitalismo dependente. A partir daí, a economia brasileira tornou-se território
livre para tenebrosas transações. De lá para cá, o Brasil teve períodos – breves
– de alto crescimento, como o chamado “milagre econômico”; alguns momentos de
crescimento razoável, como o efêmero “neodesenvolvimentismo” de Lula;
prolongadas fases de estagnação, como os oito anos de FHC; e momentos de
recessão aguda, como a década de 1980, e a que se vislumbra agora, com a crise
instalada em 2015. Até a crise da dívida externa e os planos de ajuste liberais,
os negócios do capital vieram acompanhados de avanço na industrialização por
substituição de importações. Depois do ajuste ortodoxo comandado pelo FMI e da
inserção na ordem global, a acumulação de capital veio acompanhada de um
processo irreversível de desindustrialização que comprometeu irremediavelmente
as bases materiais da economia nacional. Enfim, pelo menos desde 1964, a utopia
do desenvolvimento nacional não está mais inscrita no campo de possibilidades da
sociedade brasileira.
O chamado neodesenvolvimentismo é, portanto, uma grande farsa. A integração da
economia mundial impulsionada pela globalização dos negócios solapou as bases
objetivas e subjetivas de um desenvolvimento capitalista nacional. A modesta
prosperidade material dos anos Lula foi condicionada por um ciclo de crescimento
puxado pelo boom do comércio internacional. Quando o boom acabou, a economia
despencou e o caráter subdesenvolvido e dependente da economia brasileira veio
rapidamente à tona.
Nos marcos da ordem global, o capitalismo de nosso tempo, é simplesmente
impossível resgatar um processo civilizador. Dentro da ordem burguesa, não há
luz no fim do túnel. A crise estrutural do capital coloca no horizonte o
recrudescimento da barbárie capitalista. No Brasil, a barbárie tem a cara de um
processo de reversão neocolonial que está nos levando ao século XIX. Qualquer
solução civilizada para os problemas que infernizam a vida dos brasileiros passa
por profundas mudanças estruturais. É a hora e a vez de colocar a revolução
brasileira na ordem do dia. Essa é a conversa séria capaz de abrir novos
horizontes para a sociedade brasileira.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Plínio de Arruda Sampaio Jr – Agradeço a rara oportunidade de apresentar uma
visão da realidade que contraria o senso comum e que se contrapõe aos interesses
mercantis que controlam ditatorialmente o debate público.
http://www.ihu.unisinos.br/?catid=159&id=568941:a-relacao-promiscua-entre-capital-e-estado-e-a-metastase-da-crise-politica-no-judiciario-entrevista-especial-com-plinio-de-arruda-sampaio-jr

In
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27/6/2017

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