domingo, 25 de julho de 2021

Desintegração: indicadores do próximo colapso do império americano (2)

 



*por Daniel Vaz de Carvalho [*] 

*  *

*As elites dos EUA e seus seguidores europeus consideraram que podiam

ser livres em relação à sociedade, em especial àquela que traíram. É

altura de deixarem o palco da História.

Andrei Martyanov (p. 146) [1] <#notas> *


'Disintegration', de Andrei Martyanov. *5 - Geopolítica *


Geopolítica num sentido abrangente tem que ver com expansão económica,

conquista de mercados, acompanhada frequentemente de extrema violência.

(p.42) Não pode deixar de se reconhecer que efetivamente os objetivos

geopolíticos dos EUA têm sido acompanhados de morte e destruição, não

tendo apenas uma motivação militar, mas também económica.


Trata-se de um termo inventado pelos EUA para polir todo um conjunto de

instrumentos que usam na política internacional, meios regulares e

irregulares, desde massivas operações militares a sabotagem económica,

guerra psicológica, etc. (p.155) Em resumo, geopolítica é um eufemismo

para mascarar os processos usados para travar o seu óbvio declínio.


Como diz o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia

<https://www.mid.ru/en/foreign_policy/news/-/asset_publisher/cKNonkJE02Bw/content/id/4801890>

, quando alguém age contra a vontade do Ocidente imediatamente respondem

com a alegação de que "as regras foram violadas" (sem se preocuparem em

apresentar qualquer evidência) e declaram ser seu "direito

responsabilizar os perpetradores". "A Carta da ONU é um conjunto de

regras, mas essas regras foram aprovadas por todos os países do mundo e

não – como neste caso – por um grupo fechado de amigos numa reunião

intima".


A arrogância dos EUA atinge o nível do ridículo, protegida pelo controlo

mediático, como Obama a declarar que a economia da Rússia "ficaria em

farrapos" após as sanções americanas. Não apenas a Rússia desenvolveu

com êxito um programa de substituição de importações, como contra-atacou

sancionando o Ocidente e desenvolveu tecnologias próprias. O /Financial

Times / escrevia: "A Rússia, adaptando-se às sanções, conseguiu uma

economia robusta. Analistas dizem que Moscovo tem agora mais medo do fim

das sanções que o contrário". (p.100) O que, diga-se deita por terra as

teses neoliberais do "mercado livre"…


As ilusões geoestratégicas baseiam-se num poder irreal e em teorias

económicas totalmente falseadas. A forma como lidam com a Rússia mostra

a extrema ignorância e incompetência para com o único país que pode

varrer os EUA do mapa. (p.127) Estabelecem, por exemplo, comparações

absurdas do PIB da Rússia com o da Itália ou da Espanha, como se estes

países, mesmo a Alemanha, possuíssem as capacidades científicas e

tecnológicas no sector aeroespacial, aeronáutica, informática, indústria

petrolífera, armamento sofisticado, da Rússia.


Do desastre no Iraque, à guerra perdida no Afeganistão, à Líbia, à

Síria, etc., tudo tem sido um desastroso registo de incompetência

geopolítica nos domínios diplomático, militar e de informações. (p.114)


Em 2007, Putin tornou evidente a irrelevância da geopolítica americana

ao rejeitar o comportamento supranacional dos EUA: "É inadmissível que

um país estenda a sua jurisdição para além das suas fronteiras." (p.116)

Estas e outras declarações, como as revelações sobre o armamento russo,

foram recebidas com desdém e objeto de censura para que a opinião

pública não chegasse a apreender o seu significado. As pessoas são desta

forma conduzidas para situações que põem os seus países à beira de

confrontos militares de incalculáveis consequências na perfeita

ignorância das opções tomadas. É esta a democracia da geopolítica vigente.


Gastos militares, 2019. *6 - Armamento [2] <#notas> *


Os EUA perderam todas as guerras do século XXI e a superioridade em

armamentos. AM salienta que o poder militar dos EUA é suportado pela

hegemonia do dólar e não por qualquer mítica competitividade da sua

economia. O dólar e o poder militar estão de facto numa relação

simbiótica, alimentando uma hipotética superioridade que as produções de

Hollywood se encarregam de difundir. (p.152)


Apesar dos enormes montantes do orçamento militar o seu poder reduz-se

drasticamente. Os misseis Tomahawk foram em 70% derrubados no ataque à

Síria em 2018, sem que este país sequer dispusesse dos mais avançados

mísseis defensivos russos. Na Arábia Saudita os sistemas defensivos dos

EUA não puderam evitar os ataques a refinarias por parte de drones dos

Houtis do Iémen.


Novas armas russas como o míssil Buresvestnik (Petrel) com alcance

ilimitado colocam os EUA num atraso de dezenas de anos. O Kinzhal com

alcance de 2 000 km, Mach 9, não é interceptável por qualquer sistema

antimíssil dos EUA. Os 3M22 Zircon excedem significativamente o alcance

da aviação dos porta-aviões. Os P800 ONIKS

<http://www.military-today.com/missiles/p800_oniks.htm> são considerados

dos mísseis anti-navio mais versáteis e perigosos da atualidade. Com

velocidade supersónica têm excelente resistência a contra-medidas

eletrónicas e podem voar pouco acima do mar, tornando-se praticamente

invisíveis ao radar. A Rússia dispõe também do míssil intercontinental

(alcance 18 000 km) RS-28 Sarmat

<https://en.wikipedia.org/wiki/RS-28_Sarmat> , Mach 20, e dos Avangard

<https://missilethreat.csis.org/missile/avangard/> Mach 20, míssil

planador com alcance de 6 000 km.


Os super porta-aviões morreram como instrumento militar viável para a

guerra moderna. Seriam destruídos antes de poderem concretizar qualquer

impacto sério à Rússia ou à China. Note-se que já nos anos 1980 aqueles

navios poderiam não sobreviver num combate real convencional com a União

Soviética. (p.162)


Os modernos S-400 e os revolucionários S-500

<https://www.rt.com/russia/529705-anti-aircraft-system-display/> de

defesa aérea fecham o espaço aéreo russo e de seus aliados a quaisquer

ataques aéreos, balísticos e armas colocadas no espaço. Os EUA não têm

meios contra o caça SU-35C russo, ou o novo SU-57. O radar do SU-35C

pode detetar aviões ditos invisíveis ao radar a 100 km, dispondo de uma

inultrapassável capacidade de manobra. A nova tecnologia radiofotónica

tornou os aviões "invisíveis" F-35 (em que os EUA gastaram cerca de 1,5

milhões de milhões de dólares) obsoletos.


Não apenas a Rússia, também a China tem capacidade contra alvos dos EUA

ou NATO. O Irão, com armamento próprio, da China e da Rússia pode fechar

completamente o Golfo Pérsico e o Estreito de Ormuz. Atacar o Irão seria

um suicídio para os países ocidentais, mas apesar disto é um objetivo

incentivado pelos corruptos promotores de guerras. (p.169)


Nos EUA a produção de armamento é um negócio. A capacidade militar dos

EUA tem pouco a ver com a defesa do seu território – ao contrário da

Rússia e da China –, são forças armadas concebidas para policiamento

colonial. (p.182)


Sem dúvida que os EUA são capazes de desencadear uma guerra contra a

Rússia, mas se isto acontecer significa que os EUA deixarão de existir,

tal como a maior parte da civilização humana. Este horror é algo que

para alguns nos EUA representa um preço pequeno a pagar para satisfizer

o seu vício de poder. (p.229)


*7 – Elites *


As elites dos EUA deixaram de ter gente verdadeiramente competente,

capaz de prever mesmo ao nível mais geral as consequências das ações,

militares ou outras, que promovem. (p.140) São incultas,

insuficientemente preparadas e hipnotizadas por décadas de propaganda.

Também são arrogantes e corruptas. (p.228)


Estas elites escondem-se atrás de uma retórica escolástica, incapazes de

reconhecer a catastrófica situação económica, militar, política e

cultural, cujas raízes estão na crise sistémica do liberalismo. (p.43)

Em geral estão em completa negação do facto de que a crise capitalista

atingiu uma tendência muito mais profunda e perigosa, a nível económico

e político, que os meros ciclos capitalistas. (p.82)


Defendem uma economia baseada em teorias que resultam de abstrações do

real. Uma economia gerida pela elite financeira à qual comentadores e

políticos se prostram em patética admiração. Vários deles foram

responsáveis por estrondosas falências e fraudes, alguns apanhados nas

malhas da justiça, apesar de muito largas nestes casos.


As teorias da "vitória na guerra fria", do "fim da História" ou do

"choque de civilizações" mostram claramente as severas limitações da

ciência política dos EUA. Estes trabalhos provaram ser falsos nos seus

principais pontos de vista e mesmo no seu conjunto idiotas. (p.115) Não

deixaram por isso de ser propagandeados como súmulas da sabedoria

liberal, orientar a mentalidade de milhões de pessoas e acalentar as

ilusões dos belicistas dos EUA e seguidores deste lado do Atlântico.


Os intelectuais dos EUA aparecem como pouco convincentes se confrontados

com os factos, mesmo risíveis, incompetentes e vulgares. A degeneração

moral e intelectual da elite ocidental não é acidental ou episódica, é

sistémica, do mesmo modo que a crise liberal é sistémica. (p.145)


Por exemplo, no caso da Ucrânia a agitação fomentada pelos EUA e UE

resultou numa guerra civil, regiões que se desligaram de Kiev, a Crimeia

em referendo preferindo integrar-se na Rússia. A Ucrânia tornou-se um

Estado disfuncional dominado por grupelhos neonazis, atolado na pobreza

e na corrupção. "O facto das elites não reconhecerem as consequências do

que faziam e o que se iria desde logo desencadear mostra o seu completo

colapso intelectual." (p.121)


A objetividade deriva de bases científicas baseadas na realidade, não

pode operar em narrativas opostas à evidência empírica, mas isto está

dramaticamente em falta nos EUA. Aquilo que nos EUA se designa de

esquerda é apenas revolta e anarquia; tal como o conservadorismo é

revolta e anarquia. (p.133)


A democracia americana revela-se como um espetáculo político financiado

pela oligarquia que procura legitimar o seu poder enquanto evita por

todos os meios quaisquer reformas ao sistema económico. Apesar de muito

rica a oligarquia não percebe que os EUA já não são o superpoder global.

Podem aqui e ali ameaçar e chantagear políticos, estrangeiros, enviar

porta-aviões, mas ninguém no terceiro mundo está a tremer nas suas botas.


Tudo isto devia ser ponderado pelos políticos europeus, que pelo

contrário seguem os EUA, cegos arrastados por outros cegos, como no

quadro de Brugel, para o pântano das crises insolúveis e da insegurança

coletiva.


*8 – Colapso e desintegração *


Atualmente os EUA são confrontados com forças de desintegração. A

questão é quantos dos interesses vitais dos EUA são de facto verdadeiros

interesses nacionais. Quem define esses interesses são os lóbis do

complexo militar industrial, de Israel e outros. (200) O seu exército

tem estado envolvido em tarefas, imprudentes, mesmo miseráveis e

impossíveis de levar a cabo. É usado como instrumento de agressão e não

de defesa. A questão que se coloca é se representa a nação ou é um mero

instrumento das transnacionais. (p.192)


Como dizia um veterano da guerra do Vietname: "O procedimento normal nos

EUA é sobrestimar o poder americano, subestimar o inimigo e não

entenderem o tipo de guerra em que se metem". (p.160)


AM afirma que os EUA são cada vez mais vistos como um fanfarrão,

provocador e agressor, do qual há cada vez menos receio. As habituais

mentiras de espalhar a democracia não passam qualquer análise factual.

As suas análises são meras câmaras de ecos, que as grandes agências

mediáticas espalham pelo mundo, não deixando por isso de ser menos

perigosas. (p.125)


A hegemonia dos EUA baseia-se na convicção que outros países tenham da

sua capacidade de punir aqueles que duvidem da sua omnipotência militar

ou tenham visões alternativas sobre a economia e a finança dos seus

países e do mundo, nas quais o dólar não seja a única medida do valor do

trabalho humano. (p.156)


Esta agenda global colapsa porque são incapazes de vencer guerras. Isto

não quer dizer que não tentem e usem todos os meios: sanções, sabotagem,

bombardeamentos, mesmo invasões. Milhões de pessoas poderão ser mortas,

perecerem pela fome ou tornarem-se refugiados para satisfazer as elites

dos EUA e a ilusão de serem a nação mais poderosa do mundo. (p.157) E

tudo isto vale a pena, como disse Madeleine Allbright sobre as mortes de

crianças no Iraque devido às sanções.


Esta insensibilidade, ignorância e incapacidade de aprender fundamentam

a política dos EUA e leva-os ao seu dramático declínio. O debate sobre

política externa diz apenas respeito a conservarem a hegemonia, referida

como os seus interesses e a sua segurança, sem se aperceberem de quão

perigosa é esta falácia. (p.191)


A estrutura da ordem liberal global colapsa ante os nossos olhos.

Enquanto os EUA continuam a proclamar-se o poder hegemónico a sua

economia e a de outros países ocidentais afunda-se e amplas regiões da

Eurásia saem da sua influencia. (p.119)


Quando "comentadores" falam de Cuba como "uma das últimas ditaduras

comunistas" ou apoiam o Estado fantoche e nazificado da Ucrânia contra a

Rússia, vemos a que ponto a UE se afunda, dominada pela mentira e

ilusões do império, incapaz de uma atitude e um pensamento racional,

mesmo na defesa dos mais evidentes interesses dos seus países. O facto

dos mesmos nunca por nunca questionarem as atrocidades direta ou

indiretamente cometidas pelo império, em agressões militares,

conspirações, sanções sobre pequenos países, mostra a degeneração moral

e intelectual atingida pela elite ocidental.


Atualmente os EUA são confrontados com forças históricas e

antropológicas de desintegração. AM expõe as razões pelas quais os EUA

estão num processo que pode levar à sua desintegração como Estado

Federal por credos políticos, raciais, religiosos, fragmentação social e

desigualdades gritantes. Na base deste processo verifica-se porém que os

interesses a que a sua política está sujeita, pouco têm a ver com os

interesses da nação americana. (p.201)


Os EUA não são nem uma democracia nem uma república, são governados por

uma oligarquia, representada por dois clãs dirigentes. O perigo reside

em que têm capacidade para desencadear um conflito termonuclear global

na sua desesperada tentativa de preservar um imaginário estatuto de

excecionalismo. E se isto não assusta as pessoas, nada o fará. (p.113)


No "colapso da URSS", à parte fatores internos, as suas forças armadas

não eram inferiores às da NATO, nem a educação inferior e a população

soviética estava (pelo menos antes da perestroika) a viver melhor que em

qualquer outra época da sua História, no entanto grandes massas do povo

foram seduzidas pela riqueza exibida no Ocidente. (p.20) A Rússia sofreu

então os horrores da sombria experiência liberal e de um revisionismo

histórico que custou milhões de vidas. Paradoxalmente os EUA parecem

encaminhar-se para uma experiência semelhante. (p.235) E não é o seu

discurso de ilusória hegemonia global que pode travar a desintegração.


A UE é arrastada neste desastre e está a desintegrar-se ainda mais

rapidamente que os EUA. (p.214) Em todas as ações do império nem uma

única se pode dizer que beneficiou de alguma forma a Europa no seu

conjunto a começar pelo que realmente importa ao seu povo.


No final, conclui AM, é espírito da nação que decide o resultado quando

tudo parece perdido. Se a América vai encontrar este espírito para se

preservar como um país unido e inverter a sua desintegração, é o que se

espera para ver. E tudo decorrerá daqui. (p.235)


25/Julho/2021



    A primeira parte encontra-se em

    resistir.info/v_carvalho/desintegracao_martyanov_1.html

    <https://resistir.info/v_carvalho/desintegracao_martyanov_1.html>


[1] /Disintegration, Indicators of the Coming American Collapse,/

<https://www.bookdepository.com/Disintegration-Andrei-Martyanov/9781949762341?ref=pd_gw_1_pd_gateway_1_1>

Clarity Press, 2021.

Esta e outras obras de Martyanov podem ser descarregadas na secção

livros <https://resistir.info/livros/livros.html> .

O capítulo 4 de /Disintegration, / sobre energia, está traduzido e

publicado em resistir.info/energia/martyanov_energia.html

<https://resistir.info/energia/martyanov_energia.html> .

[2] Sobre este tema ver:   A perda da supremacia militar e a miopia do

planeamento estratégico dos EUA, aqui

<https://resistir.info/v_carvalho/martyanov_resenha_1> e aqui

<https://resistir.info/v_carvalho/martyanov_resenha_2> , bem como A

revolução nos assuntos militares

<https://resistir.info/v_carvalho/rev_militar_resenha.html>


In

RESISTIR.INFO

https://www.resistir.info/v_carvalho/desintegracao_martyanov_2.html

25/7/2021


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