quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

A UE no fio da navalha

 



    Daniel Vaz de Carvalho [*]
Destruição da agricultura na UE.

*1 – A UE segue o seu destino*

E segue-o sem honra nem glória num inevitável declínio da economia à
cultura. Nem algo diferente era de esperar. Aquilo a que se chama UE é
apenas a entidade encarregada da gestão económica e (anti)social da área
UE/NATO europeia. Segue uma doutrina económica totalmente errada, mais
que evidenciado na teoria e na prática: o neoliberalismo. Em termos
geopolíticos identifica-se como os interesses de uma potência a 10 000
km de distância, funcionando como um espaço colonizado ou um protetorado.

Fez da democracia uma farsa dominada por burocracias federalistas, meros
agentes da finança e do poder hegemónico. Uma burocracia desligada dos
interesses das populações, que alojada na CE e no BCE controla as
políticas dos Estados com poder de aplicar sanções. Contudo nada mais
produz que medidas desadequadas, agindo atrás dos acontecimentos e
crises na tentativa de remediar os erros das suas decisões, mas sem
alterar os procedimentos. Quanto ao PE é um espaço de poder virtual, bom
para os respetivos membros obterem prebendas.

Nos Estados apenas são governantes os que aceitam o poder hegemónico
transatlântico e o da burocracia. Uma ou outra exceção é sujeita a
constantes pressões, ameaça de sanções ou equivalente, discriminação e
descredibilização mediática.

Outro aspeto fundamental da UE é a incompetência dos seus principais
dirigentes. É difícil encontrar algo no mínimo com bom senso, dito pela
sra. von der Leyen. O mesmo se aplica genericamente aos demais elementos
da burocracia europeia. O Stoltenberg da NATO é incapaz de articular uma
frase consequente. Fica-se a duvidar da sua lucidez militar e
geopolítica. Os governos acabam nas mãos de trafulhas como Macron ou
Scholtz. A incompetência geral é disfarçada com propaganda e alardear de
ilusões sem qualquer sentido realista. A extrema-direita aproveita este
contexto para desacreditar e vir a liquidar o que resta de democracia e
direitos sociais.

Os debates centram-se na mediocridade de se falar de pessoas ou relatos
dos media, sempre dentro dos dogmas instituídos. É o resultado do
combate à cultura, ao sindicalismo de classe, à formação integral dos
indivíduos. O proletariado levado por estas políticas, prosseguidas por
décadas, foi colocado ao nível de lumpen e levado a aceitar a demagogia
que reforça este sistema destrutivo. É um círculo vicioso.

Para garantir a “unidade” do complexo divergente de Estados que é a UE/
NATO, foram instituídos inimigos: a Rússia, a China, etc. Todos para os
quais os neocons de Washington apontarem. Azar – o nosso, claro – o tal
país que é suposto defender em nome da “democracia e valores do
ocidente”, é um reduto de neonazis em que Stepan Bandera e outros
criminosos nazis, responsáveis pelo assassinato de milhares de judeus,
russos e polacos, foram transformados em heróis nacionais, com estátuas
e ruas em sua homenagem. Um regime em que militantes realizam desfiles
neonazis, glorificam criminosos da 2ª Guerra Mundial, usam insígnias e
emblemas da divisão SS ucraniana e colocam símbolos da Wehrmacht em
equipamento militar fornecido pela NATO. Um regime assim, nascido de um
golpe, organizado pelos EUA em 2014, tinha obviamente ser apoiado pela
UE/NATO.

Apartamento de Zelensky no Dubai.

Uma das características do fascismo e dos regimes de extrema-direita é
além do terrorismo de Estado, a corrupção, por muito que se apresentem
como “regeneradores” quer raciais quer da moral pública. O regime de
Kiev está neste caso, é considerado um mundo de corrupção e os exemplos
vêm dos chefes:   são os desvios de dezenas de milhões que vêm UE/NATO
para munições. São as mansões de Zelensky, a última registada no Dubai
por 16 milhões de dólares em 22 de dezembro. (Geopolítica ao vivo
<https://t.me/geopolitics_live/15710>, Telegram, 07/02)

Em conformidade com o que exibem, nos serviços de segurança (SBU) a
prática de prisões arbitrárias e tortura é corrente desde o início do
regime, tudo abafado na censura mediática e negação. O que poderia ser
um escândalo ou rebate de consciência dos defensores dos “valores do
ocidente”, ocorreu recentemente com o jornalista cidadão dos EUA,
Gonzalo Lira, morto em janeiro de 2024 depois de torturado nas masmorras
do regime de Kiev por publicar textos críticos sobre Zelensky.

Outro aspeto negro do que a UE/NATO apoia intransigentemente é o site
Mirotvorets (onde Gonzalo Lira estava listado como “propagandista anti-
ucraniano”). O Mirotvorets, fundado em março de 2014 é um banco de dados
na internet, com extensas informações sobre pessoas classificadas como
"inimigos da Ucrânia", chefiado por Roman Zaitsev, ex-funcionário da
SBU, e supostamente controlado pelo SBU. Contém imagens de cadáveres e
mutilados e apelos ao massacre dos russos e de outros “inimigos” da
Ucrânia, inclui jornalistas ucranianos e estrangeiros, políticos,
figuras da oposição, bloguistas e nada menos que 327 menores de idade,
conforme relatado pela Foundation to Battle Injustice <https://
dcweekly.org/2023/12/01/the-ukrainian-governments-misuse-of-myrotvorets-
an-investigation-by-the-foundation-to-battle-injustice/>. Entre os
indivíduos assassinados que estavam na "lista de mortes" constam o
publicitário ucraniano Oles Buzina, o legislador Oleg Kalashnikov,
jornalistas russos como Zemfira Suleimanova, Anton Voloshin, Andrey
Stenin, Vladlen Tatarsky e a jovem Daria Dugina. A foto-jornalista
italiana Andrea Rocchelli também foi alvejada e morta. Entre os
numerosos cidadãos americanos na “lista de morte” do regime de Kiev
estão Tucker Carlson, Scott Ritter, Tulsi Gabbard, Oliver Stone, Douglas
McGregor, Ray McGovern, Roger Waters (dos Pink Floyd), etc. (Geopolítica
ao vivo <https://t.me/geopolitics_live/15759>, Telegram, 08/02)

*2 - Um sistema em colapso*

As “regras” do Pacto de Estabilidade e Crescimento, não trouxeram nem
estabilidade nem crescimento sendo retomadas com ligeiras “adaptações”:
  os excedentes orçamentais terão de ser utilizados para reduzir a
dívida pública até 60% do PIB, com uma fase mais rigorosa até a 90% do
PIB. *A austeridade é o lema e os trabalhadores e seus direitos
continuam a ser a variável de ajustamento económico, enquanto /o império
impõe mais despesas militares./ Compete aos políticos do sistema e aos
media irem mantendo ilusões e “jogo democrático”, de acordo com decisões
tomadas longe da plebe, como nas reuniões semestrais do Institut
International d'Etudes Bancaires <https://en.wikipedia.org/wiki/
Institut_International_d%27Etudes_Bancaires>, com dirigentes dos
principais bancos europeus. Trata-se de uma organização cujo secretismo
é de norma, não mantém um site nem divulga os seus membros.*

*Ao “país excecional” não se aplicam as mesmas regras que aos vassalos.*
Nos EUA a dívida federal é de 122,7% do PIB e incluindo a dos Estados e
locais 136%, tendo crescido nos últimos quatro anos, 1,6 milhões de
milhões de dólares ao ano, embora aumente a pobreza, as desigualdades e
a insegurança e prossigam a queda do nível de vida, a degradação das
infraestruturas, a par das guerras sem solução.

O BCE não consegue controlar a inflação, 6,2% em 2023, muito acima da
meta nunca explicada de 2%, persistindo em taxas de juro que levam a
economia para a estagnação ou mesmo em alguns países à recessão. Mas a
banca agradece.

Não se trata de uma conjuntura:   a estagnação económica é persistente.
De 2000 a 2023, o crescimento anual em valores constantes foi na UE de
1,4%, Zona Euro 1,15%, Alemanha 1,2%, França 1,12%, Portugal 0,8%, na
Itália e Grécia ainda menos. As perspetivas são sombrias, sem energia
abundante e barata não será possível reverter o processo de
desindustrialização nem garantir a competitividade dos seus produtos,
mesmo os agrícolas dependentes de combustíveis e fertilizantes
encarecidos pelo clima de guerra e sanções, além da sabotagem do Nord
Stream que garantiu aos EUA a exportação de gás natural liquefeito, com
preços 30-40% mais elevados que o gás natural russo.

Desindustrialização alemã.

O RU, o mais assanhado militarista do bloco UE/NATO encaminha-se para a
recessão. A Alemanha – considerada economia líder da UE – tenta sair da
recessão, com a *produção industrial a cair meses consecutivos, como a
do importante sector químico alemão que entrou em crise em 2023,
atingido pela crise energética na sequência das sanções. Segundo a
Bloomberg: “Os dias da Alemanha como superpotência industrial estão a
chegar ao fim”. Industriais e responsáveis económicos partilharam esta
perspetiva sombria. “Já não somos competitivos”, admitiu o ministro das
Finanças alemão. Muitas empresas fecham ou mudam-se para o estrangeiro”.
Mas a Alemanha continua a pagar quantias absurdas pelo gás natural
liquefeito americano, ao mesmo tempo que mantém as sanções ao gás
russo.* (Geopolítica ao vivo <https://t.me/geopolitics_live/16014>,
Telegram, 10/02).

Numa coisa os políticos do sistema e burocratas são férteis:   na
prosápia. Como vão obter fundos para as despesas militares impostas pelo
império, onde está a fanfarronada da economia digital iludindo a
desindustrialização, quando *a UE produz apenas 10% <https://
commission.europa.eu/strategy-and-policy/priorities-2019-2024/europe-
fit-digital-age/european-chips-act_fr>, dos semicondutores a nível
mundial; produzia 40% há trinta anos.*

*Mas há mais problemas que a burocracia dirigente é incapaz de resolver,
agravando-os todos. Não existe uma real estratégia de desenvolvimento,
além de palavreado inconsequente face a concorrentes como a China ou a
Índia. Que solução têm para resolver os problemas energéticos ou de
matérias-primas e componentes para equipamentos eletrónicos necessários
para praticamente todas as atividades, ou lítio para baterias de
viaturas elétricas? /O bloco UE/NATO tem ainda de enfrentar o problema
do tráfego de navios no Mar Vermelho que caiu para metade./ Com isto as
indústrias enfrentam interrupções nos fornecimentos, cortes na produção,
aumentos de preço. Até agora as prioridades políticas reduzem-se a
apoiar guerras, favorecer a finança ou os oligopólios da grande
distribuição e que os governos não incomodem o grande capital.*

Sobrepreço do GN adquirido pela UE.

Segundo o vice-ministro russo das Relações Exteriores, as perdas totais
da UE devido às sanções à Rússia atingiram 1,5 milhão de milhões /
(trillion) /de dólares. (Geopolítica ao vivo <https://t.me/
geopolitics_live/9043>, Telegram, 03/11/2023). A partir dos dados do
Eurostat, os países da UE tiveram de pagar cerca de 185 mil milhões de
euros adicionais em gás natural nos últimos 20 meses, ao cortarem o
acesso ao gás russo. (Geopolítica ao vivo <https://t.me/
geopolitics_live/12834>, Telegram, 02/01)

As sanções criaram pelo contrário um dinamismo económico na Rússia e na
China que atraiu países de todos os continentes estabelecendo com eles
relações preferenciais, em detrimento do ocidente. A Rússia apresentou
recordes de exportações estratégicas, como combustíveis e cereais,
tornando-se um país fundamental na oferta mundial destes bens. Em 2023 o
orçamento russo apresentava um excedente equivalente a 2 300 milhões de
dólares. (Geopolítica ao vivo <https://t.me/geopolitics_live/5092>,
Telegram, 08/09/2023)

Expulsa da plataforma de trocas financeiras SWIFT, fundamental para o
comércio internacional, a Rússia criou um sistema alternativo, à qual
cerca de 159 participantes estrangeiros de 20 países tinham aderido em
2023, estando em curso o alargamento da adesão à plataforma financeira
russa.

*3 – O agravamento da degradação social*

Agrava-se a situação social na UE e aumentam as lutas económicas em
praticamente todos os setores, mas também protestos contra a hipocrisia
do conluio em relação aos crimes de Israel contra os palestinos,
exigindo um cessar-fogo na Faixa de Gaza.

As lutas económicas ainda não têm grande expressão política no sentido
de refletirem uma rejeição consciente das políticas discricionárias e
dogmas absurdos mantidos por uma burocracia zelosa. O aumento do
ativismo da classe trabalhadora é um facto, apesar da
desindustrialização, da promoção do individualismo e da propaganda
contra tudo o que é coletivo. São programas de que a oligarquia não
prescinde e que os defensores do liberalismo apoiam com a vacuidade dos
“equilíbrios automáticos do mercado”. Porém, conduzem à desestruturação
das sociedades, nas quais também o crime organizado prospera,
aproveitando a impotência, a solidão, a fragilidade dos seres humanos –
sociais por natureza – reduzidos a formas de isolamento e insegurança.

Com a desindustrialização, o grande capital pensava ter ganho o seu
“jogo democrático”, mas eis que o descontentamento se alarga por toda a
UE aos agricultores. Manifestações, bloqueios de estradas e cidades com
tratores e camiões na Alemanha, França, Bélgica, Holanda, Polónia,
República Checa, Áustria, Suíça, também em Portugal. Os protestos têm
que ver com aumento dos combustíveis e fertilizantes, consequência
direta das sanções, corte de subsídios (a austeridade), políticas
ambientais inconsistentes ditadas pela burocracia, importação de cereais
ucranianos, pagamentos irrisórios face às despesas, que se refletem nos
lucros dos oligopólios da distribuição.

Os governos tentam fazer algumas concessões aos agricultores, mas como
habitualmente não tocam no essencial. A CE permite (!?) aos países que
fazem fronteira com a Ucrânia restringirem as importações de produtos
agrícolas ucranianos, o que mostra o estado de desorientação que reina
entre a burocracia. A sra. von der Leyen, fazendo jus à sua
irresponsabilidade culpou a Rússia e as alterações climáticas pelos
problemas dos agricultores!

No meio da degradação a todos os níveis da UE, desenvolve-se a extrema-
direita como parasita das crises. A extrema-direita sempre foi o recurso
do grande capital confrontado com a sua incapacidade de dar solução às
contradições e antagonismos que origina. É também, o recurso para
impedir que se evidenciem e desenvolvam soluções da esquerda.

O crescimento da extrema-direita é mais um símbolo da decadência da UE.
Os erros, as sucessivas crises, as medidas antissociais são a base da
sua promoção aproveitando a despolitização resultante de décadas de
desindustrialização, propaganda neoliberal e manipulação mediática.

Demagogia sem limites, *linguagem boçal e arruaceira, a extrema-direita
e o extremismo liberal, seu parente snobe*, aproveitam a corrupção e
disfuncionalidade gerada pelo sistema ao serviço do grande capital.
Exibem-se como querendo mudar o sistema, mas apenas para o tornar ainda
mais drástico. Procuram impor uma agenda fascizante entre a pura
aldrabice e a distorção de factos. Apesar das diferenças, a extrema-
direita na UE em certos casos aparentemente contra algumas políticas da
CE, alinha no essencial com a burocracia.

Como afirma Prabhat Patnaik <https://resistir.info/patnaik/
patnaik_18fev24.html>, "a crise produziu regimes fascistas /no interior/
de muitos países; mas está também a produzir uma ordem global
extremamente repressiva, em que tanto poderes capitalistas fascistas
como não fascistas se combinam para suprimir o povo trabalhador, tanto a
nível interno como externo. Não há lugar para qualquer moralidade nesta
repressão e as potências capitalistas estão unidas na defesa desta
barbárie, independentemente da potência específica que a perpetra".

O declínio da UE, exacerbado pela russofobia, colocou os países à beira
do colapso económico e social, que tentam iludir através da propaganda e
do colaboracionismo dos partidos alinhados com o sistema. Assim, na
Cimeira da UE, os líderes aprovaram 50 mil milhões de euros de ajuda
financeira à Ucrânia. Em conformidade com a lógica capitalista, cabe à
classe trabalhadora e aos sectores explorados da pequena burguesia, como
os agricultores, suportar os custos da guerra e do militarismo, defender
o império e apoiar a oligarquia… liberal. É este o sistema que está em
causa e tem de ser mudado.


Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/v_carvalho/ue_fio_da_navalha.html#asterisco
21/2/2024

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