quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Joao Pedro Stedile: Composição do governo trava reforma agrária |

Unidos pela Reforma Agrária!

Joao Pedro Stedile: Composição do governo trava reforma agrária 4 de fevereiro
de 2013

Por Brasil 247

Presidente Dilma Rousseff está no Paraná (à dir.), para inaugurar programa de
agroindústrias ligadas a assentamentos do MST; em Arapongas, movimento produz
alimentos que serão servidos em almoço para a chefe de Estado e ministros; ao
247, líder João Pedro Stédile afirmou que correlação de forças políticas no
governo paralisou reformas; “Nem a redução da jornada de trabalho para 40 horas
semanas avançou”, criticou; para ele, diálogo com a adminstração federal passa
por “solução de necessidades sociais de emergência”

A presidenta Dilma Rousseff visita nesta segunda-feira 4 o assentamento do MST
Dorcelina Folador, no município de Arapongas, a 30 km de Londrina, para o
lançamento do Programa Nacional de Agroindústrias na Reforma Agrária. Será
inaugurada, por volta das 14h00, a agroindústria da Cooperativa de
Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran). A expectativa é que
aproximadamente 6 mil pessoas estejam presentes.
A presidente está acompanhada da ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann,
do ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, e do
governador do Paraná Beto Richa, além de prefeitos, deputados e vereadores do
estado. O dirigente nacional do MST João Pedro Stédile participa do ato como
representante de movimento.
A presidenta Dilma irá almoçar com os integrantes do assentamento, com cardápio
de alimentos produzidos pelas famílias locais. Depois, faz a inauguração da
agroindústria. Em seguida, ela visita a feira dos produtos da Reforma Agrária.
Por fim, haverá um ato político com a equipe ministerial.
Ao 247, o líder do MST concedeu a seguinte entrevista exclusiva a respeito do
atual estágio de relações entre o MST e o governo:
247 - Com o programa da agroindustria para os assentamentos, o diálogo
entre o MST e o governo pode ser destravado?
JOÃO PEDRO STÉDILE - Sempre tivemos diálogo com o governo. Com todos os
governos, inclusive. A questão é que estamos diante de um governo de composição
de forças políticas e sociais, em que as forças do capital e do agronegocio têm
muito poder nos aparatos do Estado brasileiro. E isso dificulta que esse tipo de
governo tenha uma proposta clara de Reforma Agrária, que é um programa de Estado
para democratizar a propriedade da terra. É um programa para o desenvolvimento
da indústria nacional e de distribuição de renda. Na atual correlação de forças,
não está na agenda política nem um projeto de desenvolvimento nacional nem de
reformas estruturas. Não só a reforma agrária que está travada, mas também a
reforma tritbutária, a reforma política, a reforma educacional. Não avança nem a
pauta da reduçao da jornada para 40 horas.
247 - Os números sobre desapropriações no atual governo são os mais tímidos
dos útimos 20 anos. Ainda há condiçõies para a atual a presidente
Dilma fazer mais e melhor? Como?
STÉDILE - Temos apresentado ao governo uma pauta com a necessidade social de
emergência, que é resolver o problema dos acampados. Há mais de 80 mil familias
do MST que estão acampadas debaixo de lona preta, algumas desde o inicio do
governo Lula. É preciso fazer desapropriações de latifúndios improdutivos, como
manda a Constituição, para assentanr as famílias nessas condições. Há mais de
120 milhões de hectares improdutuvos no cadastro do Incra.  Então, basta cumprir
a Lei, e enfrentar os interesses politicos dos latifundiários presentes em todas
as esferas.
O governo precisa priorizar o assentamento dessas familias nos projetos de
irrigação no nordeste. O governo diz que terá 200 mil hectares irrigados. Ora,
só ali se poderia colocar 100 mil familias.
Há também o tema do limite que o Brasil precisa colocar na compra de terras por
estrangeiros. O governo precisa dar um sinal claro nesse sentido.
Por exemplo, o sr Dantas comprou em apenas três anos mais de 600 mil hectares de
terras em diversas fazendas no sul do Pará, com recursos de fundos de
investimentos dos americanos. Com isso, é claro que vai se agravar os conflitos
pela terra no sul do Pará. O governo precisa interferir e sinalizar, que não vai
tolerar a concentração da propriedade da terra por capitais especulativos
estrangerios.
247 - Quais são as metas mais importantes a serem cumpridas no setor de
reforma agrária, pelo governo, este ano, segumdo o ponto de vista do
MST?
STÉDILE - Resolvido o problema emergencial da famílias acampadas, que é um
problema social - diante de um governo de composição que impossibilita uma
reforma agrária estrutural combinada com um projeto de desenvolvimento nacional
- precisamos então desenvolver políticas públicas, que consigam favorecer a
produção de alimentos, sadios, e a agricultura familiar. Assim, desenvolver um
novo modelo agrícola de produção, que gere emprego e renda para os
trabalhadores.
O agronegocio como modelo de produção é concentrador da terra e da produção. 
Produz só na base do monocultivo, desequilibrando o meio ambiente, e só produz
com muito veneno.
Nós queremos e apresentamos ao governo propostas de programas que incentivem a
produção de alimentos saidos, para o mercado interno, e sem uso de agrotóxicos.
Programas que garantam a compra da produção dos agricultores familiares. 
Programas que levem a instalar pequenas agroindústrias em todos os municípios e
povoados do interior, como forma de beneficiamento dos alimentos, geração de
empregos para a juventude.
Assim vamos fixar a população no meio rural, distribuindo renda e melhorando a
vida da população do meio rural. Não apenas de meia duzia, como faz o
agronegocio, que dá lucro para apenas 1% da população do meio rural.
247 - O sr, tem criticado os técnicos do governo. É possível superar a
barreira de burocracia? O entendimento está melhor hoje ou pior do que
antes?
STÉDILE - Há uma burocracia instalada no Estado brasileiro, que é um aparelho
organizado apenas para beneficiar os ricos, a burguesia.  Então, pela lógica
normal de funcionamento dele, todos os programas que se destinam aos pobres, aos
trabalhadores, esbarram nessa burocracia, que é de classe.
Por isso, há programas bons que acordamos com o centro de governo e depois não
chegam aos trabalhadores. Por exemplo: em abril de 2011, a Presidenta deu a
ideia e determinou que para resolver o passivo das 180 mil casas que faltam nos
assentamentos, a maneira mais barata e rápida seria enquadrá-los no programa
"Minha casa, minha vida", da Caixa.
Nós achamos muito imteressante. Era uma ótima alternativa. Até hoje, passados
dois anos, não saiu ainda a portaria, que é uma página de ofício A4, que
qualquer funcionário poderia digitar e o ministro das cidades assinar, para que
a CAIXA possa implementar. Então, o resultado é que 180 mil familias tem terra,
mas continuam morando em barracos.
Na área do crédito rural, da mesma forma.  Já provamos:o PRONAF  só atende os
pequenos agricultores remediados. Por isso, não consegue ultrapassar o patamar
dos 25% do total de pequenos. Entre os assentados, 8% deles tiveram acesso. Com
isso, precisamos planejar outro formato de crédito rural para os camponeses mais
pobres. Poderia ser vinculado à compra antecipada da CONAB, que seria mais
prático e vinculado à  produção.
Outro exemplo é a comercialização dos alimentos. Durante o governo Lula tivemos
duas conquistas importantissimas. Uma foi garantir que 30% de toda merenda
escolar em todo país fosse abastecida por produtos da agricultura familiar do
próprio município. A outro foi o programa de compra de alimentos pela CONAB, que
depois destina a entidades ou serviços publicos, o PAA (Programa de Aquisição de
Alimentos).
Esses programas são ótimos e necessários.  Mas esbarram na falta de recursos (só
porque é para pequeno..) e na burocracia, falta de servidores e má vontade dos
gestores na ponta.
Resultado: de um universo de 4 milhões de pequenos agricultores que poderiam se
beneficiar, com a lei existente, menos de 300 mil tem acesso.
Então, a Presidenta vai ter que mexer nos métodos adminsitrativos e na vontade
política do segundo escalão.
247 -  Qual a importância do Programa da Agroindústria?
STÉDILE - O programa de agroindústria para os assentamentos é fundamental.  É a
principal forma que temos de instalar pequenas e médias unidades industriais no
interior, dentro dos assentamentos. Viabiliza agregar valor aos produtos,
aumentando a renda dos assentados, e gerar empregos fora da lavoura, que exigem
conhecimento especializado e assim absorvem a juventude do campo.
Com isso, gera novas relações sociais, pois uma unidade de agroindústria precisa
ser na forma de cooperação do trabalho, o que muda a cultura e a cabeça das
pessoas.
Estamos negociando com o governo há mais de três anos.  E somente foi possivel
uma brechinha, por que encontramos servidores no Incra e no BNDES que tiverem
visão política e sensibilidade social. Nesse primeiro passo esperamos
implementar pelo menos três projetos de agroindústrias por estado. Mas ainda é
muito pouco.  Espero que nos próximos anos se formatize um programa mais leve,
menos burocratico, mais rapido. Poderia envolver também a Caixa, que é um banco
público e tem maior capilaridade por todo territorio nacional.
Entao, vemos esse lançamento do programa como um primeiro passo, para depois
avançar para universalizar o seu acesso a todas as áreas de reforma agrária e
pequenos agricultores.
A agroindustria é uma necessidade para a geração de renda, fixação das pessoas
no campo, com qualidade de vida. Ninguém sai da pobreza produzindo matéria-prima
para as empresas do agronegocio e transnacionais ganharem dinheiro, como
acontece agora.
247 - E a questão da mecanização agricola?
STÉDILE - É outra area fundamental para o progresso e o desenvolvimento
sustentavel. O atual padrão de mecanização da produçao agricola é todo dominado
pelas empresas multinacionais e pelo padrão da economia americana, que produz
grandes máquinas para grandes áreas buscarem escala econômica e lucro máximo.
Com isso, agridem o meio ambiente e desequilibriam a biodivesidade, para ficar
com no mínimo 20% de toda a renda agrícola. O estudo de custo de produçao da
CONAB de todos os produtos agricolas no Brasil aponta que a indústria de
maquinas fica com 20% da renda e outros 20% vão para os fabricantes de venenos.
Então, mesmo os fazendeiros são ignorantes e não enxergam que 40% de toda a sua
renda está sendo transferida para o capital estrangeiro.
A alternativa é o governo criar uma empresa pública de pesquisa, ciência e
tecnologia para novas máquinas agricolas voltadas para o pequeno agricultor.
Seria uma Embrapa das máquinas. E aí os pesquisadores criam os protótipos, para
lavração, capina, colheita, beneficiamento, na pequena unidade de produção e a
indústria brasileira passaria a multiplicar.    Com isso, reduzimos o sacrificio
das pessoas e aumentamos a produtividade do trabalho na lavoura.
Espero que a Presidenta tenha visão estratégica sobre a importância de
implementar um programa assim.
247 - Qual é o atual estágio do histórico processo de violência no campo?
A Justiça está mais eficaz? Os confilitos estão aumentando, se
reduzindo ou permanecem nos altos patamares de sempre?
STÉDILE - Na medida em que a sociedade brasileira vai se democratizando e as
forças sociais melhoram sua capacidade organização, a truculência dos
latifundiários diminui. Por isso, o padrão de violência, de trabalho de escravo,
perseguições e assassinatos, tem diminuido. Embora sempre aqui e acola se
repetem vergonhosamente.
Nos últimos dois meses perdemos dois líderes locais, que se dedicavam inclusive
à agroecologia, o companheiro Mamede em Belém e o companheiro Cicero em Campos,
no Rio. Assassinados, no caso, pelo conluio entre o poder econômico, ávido pela
especulação imobiliária.
Há ainda uma impunidade impressionante no Poder Judiciário, que continua como
fiel escudeiro dos interesses da burguesia, defendem em primeiro lugar a
propriedade de bens materiais, e depois a vida das pessoas.   Dos mais de 1600
casos de assassinatos no campo, depois da redemocratizaçao, apenas 80 deles
chegaram a juri popular.
Nesse sentido, nossa avaliação é que agora a repressão aos movimentos sociais
não é mais pela truculência física. Agora a maior repressão é feita
ideologicamente e de forma preventiva. Os autores são o Poder Judiciário, que
nos discrimina em todos as questões, e pela imprensa burguesa. A grande mídia
faz uma campanha permanente contra os sem-terra, povos indigenas, sem-tero,
quilombolas  e contra todos os que fazem luta social.  Constroem uma visão
distorcida e discriminadora para a população que só vê TV, contra os que lutam.
247 - Hoje, qual é o ser balanço de resultados da ação do MST? Quantos já
são os assentandos, quantos ainda precisam de terra? Quanto se está
produzinho nos assentamentos, quantos assentamentos ainda não
conseguem produzir?
STÉDILE - Apesar da paralisação das desapropriações nos últimos dois anos do
governo Dilma - que se não se recuperar, vai colocá-la entre os piores governos
nesse quesito, comparado apenas aos governos militares - o balanço histórico é
positivo.
Nesses quase trinta anos de redemocratização, mais de 800 mil familias
conquistaram terra, trabalho, escola, moradia digna, alimentação sadia e
dignidade. Caso contrário, estariam nas periferias das cidades, enfrentando um
inferno.
Por mais que muitas dessas famílias ainda continuem pobres, tem dignidade, tem
trabalho e podem educar seus filhos com cidadania.
Nossa linha para o desenvolvimento dos assentamentos prioriza a produção de
alimentos e requer uma mudança no modelo tecnológico, com a adoção da
agroecologia.
Temos a compreensão de que é processo lento, que depende da consciência das
famílias, do trabalho do MST, das políticas públicas e do apoio das entidades da
sociedade.
Uma verdadeira reforma agrária, casada com um projeto de desenvolvimento
nacional, viabilizará assentar mais de 4 milhões de famílias, que hoje trabalham
no campo e recebem os piores salários da sociedade, porque não tem terra. 
Muitos vivem como assalariados, posseiros, arrendatários e outros estão nas
periferias das pequenas e médias cidades, com trabalhos temporários na
agricultura.
Há dezenas de teses e pesquisas que comprovam que todas as familias depois de
assentadas, por mais dificuldades que ainda enfrentem, vivem bem melhor do que
antes. E sobretudo conquistam a dignidade, que não aparece em estatística
nenhuma.
247 - O MST se sente, até aqui, um movimento vitorioso?
STÉDILE - A sobrevivência do MST nesses trinta anos já é uma vitória. Em outros
períodos da história política brasileira, os latifundiários e a classe dominante
sempre conseguiram destruir todas as formas de organização dos pobres do campo.
Ainda estamos longe dos nossos sonhos. Estamos numa etapa de resistência e
acúmulo de experiência. E o futuro nos pertence!
O latifúndio, a grande propriedade, a produção em monocultura, os agrotóxicos, a
expulsão dos camponeses e a agressão ao meio ambiente, que a burguesia faz no
campo buscando apenas o lucro, é o atraso.  É o passado.
O futuro, é uma sociedade mais justa, igualitária, produzindo alimentos para
todos, sadios, sem venenos, em equilíbrio com o meio ambiente, gerando vida
digna para todas as pessoas. Esse é o nosso projeto, que será vitorioso!
In:
http://www.mst.org.br/content/joao-pedro-stedile-reforma-agraria-esta-travada
4/2/2013

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