domingo, 16 de junho de 2013

A semana em que uma nuvem de bombas cobriu o céu de SP

Carta Maior - Movimentos Sociais -
A semana em que uma nuvem de bombas cobriu o céu de SP

Quarta manifestação contra o aumento da tarifa do transporte público reuniu
milhares nas ruas da capital paulista. Com um saldo de mais de 250 detidos, a
escalada de repressão chegou à imprensa sob a forma de balas de borracha contra
os seus jornalistas. Apesar das cenas de guerra, o governo estadual e o prefeito
da cidade não cedem: a tarifa e a “ordem” serão mantidas. Por Xenya Bucchioni e
Tulio Bucchioni, Esquerda.net
Xenya Bucchioni e Tulio Bucchioni - Esquerda.net
Enviar ! Imprimir ! São Paulo - Eram cinco horas da tarde. Trabalhadores,
estudantes, idosos e famílias ganhavam, pouco a pouco, as ruas, exercendo o
direito de manifestar livremente as suas opiniões em um ato contra o aumento da
tarifa do transporte público de São Paulo. Juntos, somavam 15 mil pessoas – algo
raro para um país pouco habituado às ruas, legado de seus vinte e um anos de
ditadura civil-militar. Deslegitimados pela grande imprensa desde o começo das
mobilizações, sob a alcunha de “baderneiros” e “vândalos”, os manifestantes
gritaram em coro pela não-violência e, mesmo assim, receberam, na noite de
quinta-feira, 13 de junho, um tratamento exemplar: à base de bombas de gás
lacrimogêneo, balas de borracha e muito cassetete – espetáculo promovido pela
Polícia Militar e pela Rota, polícia especial subordinada à PM. O resultado de
tal atuação contabiliza até o momento um saldo de mais de 250 presos, entre eles
cerca de dez jornalistas.

Algumas horas antes, no início da manifestação, o major Lidio Costa Junior, do
Policiamento de Trânsito da PM, já havia confessado que a situação tinha saído
do controlo e advertiu: “Não nos responsabilizamos mais pelo que vai acontecer”.
As palavras de Lidio tornaram-se realidade antes mesmo da concentração tomar
fôlego, quando a polícia militar fazia revistas em jovens e os detinham na
sequência. O motivo? Porte “ilegal” de vinagre – sim, no Brasil, andar com
vinagre, agora, pode dar cadeia. Nem mesmo os jornalistas saíram imunes. Piero
Locatelli, repórter da revista Carta Capital, teve o seu “artefato” confiscado e
seguiu para a prisão. Há relatos de jovens presos por formação de quadrilha
(crime inafiançável), fichados em presídios da capital, onde, após a nefasta
noite de quinta, passam a ter um número no cadastro de criminosos – sem sequer
terem sido submetidos a qualquer julgamento. Além disso, a criminalização do
movimento contra o aumento repercute, também, nos bolsos: a fiança para os
presos na manifestação é de inacreditáveis 20 mil reais – valor que, em uma
rápida pesquisa na internet, demonstra-se incompatível com as fianças cobradas
em atropelamentos culposos ou em casos de porte de arma ilegal no Brasil, entre
outros exemplos.

Enraízado na história do país, o autoritarismo presenciado na capital paulista
não se limita à ação policial e é, sobretudo, endossado pelas autoridades
estaduais e municipais e pela grande imprensa, sendo também compartilhado por
amplos setores da classe média. Um dia antes do ocorrido, no dia 12 de junho, o
governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do partido de oposição (PSDB),
elogiara o trabalho da polícia, enquanto o prefeito Fernando Haddad, do partido
do governo (PT), optara por declarações de “não diálogo em situações de
violência”. Apesar de supostamente atuarem em campos políticos opostos, ambos
viram os seus discursos convergirem para um ponto comum: a defesa da manutenção
da tarifa e da ordem contra as manifestações e o fecho de vias públicas.

Os títulos dos editoriais dos dois maiores jornais da capital paulista,
publicados no dia da manifestação, eram claros: “Retomar a Paulista” (Folha de
S. Paulo) e “Chegou a hora do basta” (O Estado de São Paulo). O repúdio à
postura da grande imprensa, de incentivo tácito à ação da polícia na repressão
aos manifestantes, foi sentido nas muitas mensagens que circularam pelo Facebook
ao longo do dia. Entretanto, foi apenas depois do primeiro estalo das balas de
borracha nos corpos de jornalistas destes dois veículos que o horror mostrou a
sua verdadeira face em uma capa de jornal. A partir daí, não havia mais como
manipular a opinião pública.

Vídeos e imagens capturadas por manifestantes e pessoas comuns invadiram as
redes e a notícia das muitas agressões contra os jornalistas vieram a público.
Uma coletânea significativa dessa produção pode ser vista no Tumblr Feridos no
Protesto em São Paulo. O caso mais emblemático, com repercussão internacional,
foi o da jornalista Giuliana Vallone, da Folha de S. Paulo, atingida no olho
direito por uma bala de borracha disparada por um policial da Rota enquanto a
jornalista prestava socorro a uma mulher durante as barricadas.

No Brasil, o transporte público coletivo urbano atende maioritariamente às
pessoas de média e baixa renda, o que torna o valor da tarifa desses serviços um
instrumento importante na formulação de políticas de inclusão social e também na
gestão da mobilidade urbana. De acordo com a inflação, com dados básicos de
correção pelo IPCA (IBGE), a passagem de ônibus que custava R$ 0,50 em 1994,
deveria custar R$ 2,16 em maio de 2013. De lá para cá, a alta da inflação foi de
332,22%. Já o valor do metrô, seguindo o mesmo índice, deveria ser de R$ 2,59.
Ambos custavam, em 2013, R$ 3,00 e passaram a custar, com o reajuste atual, R$
3,20 (aproximadamente 1,12 euros - 5 vezes maior do que a tarifa da vizinha
Buenos Aires e 4 vezes maior que na Cidade do México).

Segundo dados do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em relatório
publicado em 2011, entre 1995 e 2008 as tarifas dos sistemas de ônibus urbanos
nas nove maiores cidades brasileiras – Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza,
Goiânia, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo – tiveram um
aumento de cerca de 60% acima da inflação medida pelo Índice Nacional de Preços
ao Consumidor (INPC). O estudo ainda aponta o sucessivo aumento na tarifa do
transporte público como um dos elementos que permitem explicar a perda da
capacidade de compra do salário mínimo, observada entre 1995 e 2003. E conclui:
a retomada do poder de compra do salário mínimo, ocorrida desde 2003, por si só,
não é capaz de manter um aumento sustentado do volume de passageiros capazes de
arcar com os custos do sistema de transporte urbano. Em outras palavras, parte
da população brasileira permanece excluída do uso do transporte público coletivo
no Brasil.

Frente a esse cenário, a mobilização segue. O próximo protesto, marcado para a
segunda-feira, dia 17, já conta com mais de 70 mil confirmações pelo Facebook -
40 mil a mais do que as obtidas na última mobilização.
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Carta Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22196
15/06/2013

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