quinta-feira, 15 de abril de 2021

O desmonte da indústria farmacêutica brasileira




Paulo Henrique A. Rodrigues*


Para o Jornal O Poder Popular

A evolução da pandemia de Coronavírus, além de vir impondo centenas de
milhares de mortes — a maior parte delas evitáveis —, adoecimento para
os brasileiros e sobrecarga de trabalho e sofrimento para os
trabalhadores da saúde, vem revelando a imensa dependência do país à
importação de medicamentos, vacinas e insumos farmacêuticos ativos. Um
país que figura entre os seis maiores consumidores de medicamentos para
uso humano e constitui o segundo maior mercado de medicamentos para uso
animal, não desenvolveu capacidade de produzir os remédios e vacinas que
necessita.

A vacinação contra a Covid-19 vem revelando o enorme descaso com a vida
humana, incompetência e improvisação por parte do governo federal que
tem a obrigação de coordenar a aquisição, distribuição e informação para
a população. Milhares de novas mortes evitáveis seguem ocorrendo por
conta dessa incompetência governamental e da ausência de políticas
industriais farmacêuticas adequadas nas últimas décadas.

O Brasil reduziu de 55% para 5% a capacidade de produção de insumos
farmacêuticos, situação decorrente da abertura comercial promovida nos
governos Collor de Mello e Fernando Henrique Cardoso nos anos 1990 e da
falta de políticas industriais que promovessem a capacitação tecnológica
para a produção interna de medicamentos e insumos farmacêuticos ativos.
Há capacidade tecnológica na indústria brasileira, mas faltam políticas
governamentais de fomento industrial, capacitação de profissionais e de
verticalização da cadeia produtiva para que possa haver a integração da
indústria de insumos farmacêuticos com os produtores de medicamentos.

O Brasil vive atualmente uma situação de grave vulnerabilidade
sanitária, decorrente da dependência tecnológica no setor farmacêutico e
da dependência da importação tanto de insumos farmacêuticos ativos
(IFAs), principalmente da China e da Índia, quanto de medicamentos
acabados prontos dos grandes laboratórios estadunidenses e europeus.
Como foi possível que o abastecimento de medicamentos no país tenha
chegado a esta situação?

Como o Brasil se tornou vulnerável do ponto de vista sanitário?

A resposta a esta pergunta obriga a conhecermos de forma rápida as
políticas industriais farmacêuticas desenvolvidas desde que as políticas
econômicas neoliberais foram impostas ao Brasil nos anos 1990, no auge
da chamada crise da dívida externa. É importante saber, em primeiro
lugar, que entre 1930 e 1990, o Brasil teve uma política econômica
protecionista em relação ao desenvolvimento industrial, que promoveu a
substituição de importações de produtos industriais que passaram a ser
feitos no país, além de ter capacitado tecnologicamente o parque fabril
brasileiro, inclusive a indústria farmacêutica brasileira.

Um marco importante dessa política foi a criação da Companhia Nacional
de Álcalis (CNA), em 1944, no atual município de Arraial do Cabo (RJ),
durante o governo Getúlio Vargas. A CNA foi planejada para produzir
matérias-primas básicas — carbonato de sódio, barrilha e hidróxido de
sódio, soda cáustica conhecidos como álcalis sódicos -, itens essenciais
para impulsionar a indústria de transformação. Tais matérias-primas são
fundamentais para a indústria química como um todo e particularmente a
produção de medicamentos. Em 1952, foi criada a Carteira de Comércio
Exterior do Banco do Brasil (CACEX), instrumento de proteção tarifária
para a indústria brasileira, que tornou difícil a importação de insumos
farmacêuticos ativos (IFAs) para a produção de medicamentos. Isso forçou
a produção no Brasil desses insumos, reduzindo a dependência do país à
importação desses produtos, uma vez que a produção nacional abastecia a
maior parte das necessidades da indústria.

As medidas que protegiam a produção interna de medicamentos e a
manipulação dos preços pelos laboratórios nacionais e estrangeiros, foi
desmontada pela política neoliberal. Em 1990, Collor de Mello extinguiu
a CACEX e com ela a proteção à produção interna dos insumos
farmacêuticos ativos. Desde então, o déficit com a importação desses
produtos não parou de aumentar. Entre 1995 e 2014, o déficit aumentou
488,3%, chegando a US$ 2,58 bilhões de dólares em 2014.

Uma política de subserviência ao imperialismo

Uma das medidas mais criminosas dos governos neoliberais foi o
reconhecimento de forma radical e precoce do acordo internacional de
patentes, TRIPS (Trade Related Aspects of Intellectual Rights), aprovado
em 1995. O projeto foi aprovado durante o governo FHC, e o Brasil passou
a ter uma das piores e mais servis legislações de patentes do mundo, a
Lei nº. 9.279/1996. Esta Lei abriu mão, por exemplo, do prazo que o
acordo TRIPS permitia que os países continuassem sem reconhecer patentes
até o final de 2005. Enquanto o Brasil adotou com nove anos de
antecedência o reconhecimento de patentes, a China e a Índia, cujas
políticas industriais eram semelhantes à brasileira até então,
aproveitaram o prazo até o último dia, desenvolvendo o que hoje são as
maiores indústrias químicas e farmacêuticas do mundo. Enquanto isso, a
indústria farmacêutica brasileira deixou praticamente de produzir
insumos farmacêuticos ativos — hoje menos de 5% das necessidades são
atendidos pela produção interna — e só produz medicamentos de baixo
conteúdo tecnológico e baixo valor agregado.

Houve, entretanto, importante e vitoriosa queda de braço com os
laboratórios multinacionais em relação aos antirretrovirais
(medicamentos para AIDS), garantida pela capacitação do laboratório
público de Farmanguinhos, para fazer engenharia reversa, depois de muita
pressão dos movimentos sociais brasileiros.

A produção interna de genéricos cresceu muito desde os anos 1990,
beneficiando principalmente a burguesia interna do setor farmacêutico e
menos a população. Já a política das PDPs dos governos petistas permitiu
a absorção da capacidade tecnológica para a produção de alguns
medicamentos cujas patentes de propriedade de laboratórios
multinacionais já estavam para cair, enquanto asseguravam o acesso
monopolístico dos mesmos ao mercado brasileiro durante o processo de
transferência de tecnologia. Nenhuma dessas duas políticas gerou
capacitação tecnológica importante, nem redução significativa da
dependência de importações.

O resultado desses quase trinta anos de neoliberalismo em relação aos
medicamentos é uma crescente dependência brasileira frente às
importações e à tecnologia estrangeira, além de enorme vulnerabilidade
sanitária, que vem prejudicando a população e o setor público, que tem
de comprar medicamentos para os usuários do SUS, além do risco de o país
se ver praticamente sem medicamentos e vacinas, caso haja um agravamento
da crise econômica e política internacional. A população já está pagando
um preço alto demais com a crescente dificuldade em ter acesso a
medicamentos e agora à vacina contra a Covid-19, em função da criminosa
política de subordinação econômica ao imperialismo.

* Cientista social e professor do Instituto de Medicina Social da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). É militante do PCB de
Petrópolis – RJ.

In
PCB
https://pcb.org.br/portal2/27110/o-desmonte-da-industria-farmaceutica-brasileira/
5/4/2021

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