quinta-feira, 18 de novembro de 2021

A mão oculta da Grã-Bretanha no golpe de 1964 do Brasil

 
 

    – O Reino Unido actuou para a instauração ditadura
    militar-empresarial que perdurou por 21 anos


    John McEvoy [*]



A 31 de Março de 1964, foi lançado
<https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB118/index.htm> o golpe militar
contra o Presidente brasileiro João Goulart. A democracia do Brasil já
era frágil e Goulart tentava
<https://library.brown.edu/create/fivecenturiesofchange/chapters/chapter-6/presidents/joao-goulart/>
lançar um ambicioso programa de Reforma Agrária ao mesmo tempo que
alargava o voto à população analfabeta do Brasil, incendiando a elite
política, militar e empresarial do país.

O golpe culminou em 1 de Abril de 1964, e deu início a uma ditadura
militar de 21 anos. Durante este período, mais de 400 indivíduos foram
mortos <https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB496/> pelos militares
brasileiros e muitos mais foram "desaparecidos", torturados
<https://www.oikoumene.org/blog/35-years-of-brasil-nunca-mais> ou presos.

A mão de Washington <https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB465/> no
golpe <https://www.brasilwire.com/category/64-85-dictatorship/> é bem
conhecida. Logo após a posse Goulart na presidência, em 1961, a CIA
começou a despejar dinheiro no país, apoiando
<https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB118/index.htm> secretamente
manifestações de rua e incitando sentimentos anti-comunistas. Uma vez em
curso o golpe, o Presidente Lyndon Johnson deu instruções
<https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB465/> aos seus assessores para
"fazer tudo o que fosse necessário" para o apoiar.

O Information Research Department (IRD), uma unidade do Ministério dos
Negócios Estrangeiros britânico que actuou como braço de propaganda
secreto durante a Guerra Fria, também esteve activo no Brasil. Embora os
EUA tenham desempenhado claramente um papel mais destacado, ficheiros
recentemente desclassificados revelam a mão oculta da Grã-Bretanha no
golpe através do seu apoio a agitadores chave.

*Vasta utilização de material IRD*

Em 1962, um engenheiro brasileiro chamado Glycon de Paiva
<https://books.google.co.uk/books?id=dC5aDwAAQBAJ&pg=PT85&lpg=PT85&dq=glycon+de+paiva+ipes&source=bl&ots=TYQ3gugtnC&sig=ACfU3U1IwW0KSkjTzY1PclrldjepxV67tg&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwi6stSr5urzAhU-RkEAHYwOCJEQ6AF6BAgYEAM#v=onepage&q=glycon%20de%20paiva%20ipes&f=false>
ajudou a fundar o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/instituto-de-pesquisas-e-estudos-sociais-ipes>).
Apesar de o IPES se apresentar como um instituto educacional, o seu
verdadeiro objectivo
<http://groups.uni-paderborn.de/kowag/geoeconomics/pdf/bacia.pdf> era
"organizar a oposição a Goulart e manter dossiers sobre qualquer pessoa
que Paiva considerasse inimiga".

O IPES estava intimamente ligado
<http://groups.uni-paderborn.de/kowag/geoeconomics/pdf/bacia.pdf> à
elite militar, política e empresarial do Brasil. Com o general Golbery
do Couto e Silva como seu chefe de gabinete, a organização compilou
<http://groups.uni-paderborn.de/kowag/geoeconomics/pdf/bacia.pdf> 400
mil dossiers sobre "inimigos" de esquerda do Brasil, cultivou
<https://books.google.co.uk/books?id=01QrEAAAQBAJ&pg=PA83&lpg=PA83&dq=brazil+ipes+cia&source=bl&ots=MlFFr-jM5H&sig=ACfU3U0KqHlbfW8KWeU_ulT5rq3QPKKJKQ&hl=en&sa=X&ved=2ahUKEwjtj5e49e_zAhXqh_0HHVioDMQQ6AF6BAgMEAM#v=onepage&q=brazil%20ipes%20cia&f=false>
um exército de informadores e propagandeou
<https://www.brasilwire.com/smiling-assassins-convivial-war-part-two/>
contra o governo.

Após o golpe, o IPES ascendeu
<https://irp.fas.org/world/brazil/nis.html> a Serviço Nacional de
Informações (SNI) do Brasil, o qual "actuou como espinha dorsal do
sistema de controlo e repressão do regime militar".

Ficheiros recentemente desclassificados detalham o apoio britânico ao
IPES. Em 6 de Fevereiro de 1962, o oficial de campo da IRD Robert Evans
descreveu
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C16861955> como "um
dos desenvolvimentos mais significativos que afectou as minhas
actividades foi a formação do IPES".

Uma semana mais tarde, Geoffrey McWilliam, oficial do IRD, recebeu
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C16861955> uma
carta acerca de "Organizações Anti-Comunistas de Empresários" no Brasil.
O remetente permanece classificado e parece serem os serviços de
segurança britânicos.

A carta observava
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C16861955> que "uma
vez que a principal tarefa do IPES durante os próximos meses será
assegurar que o Congresso não caia em mãos comunistas nas eleições de
Outubro, presumivelmente terão muita utilização para material IRD".

Foi notado
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C16861955> com
preocupação, contudo, que o IPES estava a ser demasiado descarado em
relação ao apoio estrangeiro. A carta prosseguia dizendo que

    "O IPES, no seu desejo de mobilizar empresas estrangeiras, está
    actualmente a ser bastante arrojado (publica conjuntos do seu
    manifesto em inglês, com cartões de adesão para assinar na linha
    pontilhada, etc). Nós (e os americanos) estamos a tentar
    convencê-los a serem mais discretos a este respeito e a desencorajar
    as empresas britânicas de tornarem o seu apoio demasiado explícito".

Pouco tempo depois, empresas britânicas no Brasil criaram uma fundação
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C16862100> para
providenciarem mais discretamente fundos ao IPES – um esquema que teve
"a aprovação de departamentos do Embaixador de Sua Majestade e do
Foreign Office".

O Ministério dos Negócios Estrangeiros também concordou em prestar
assistência directa ao IPES. A funcionária sénior da IRD Rosemary Allott
permitiu <https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C11277046>
que o IPES recebesse "o nosso material", mas o financiamento directo das
suas operações editoriais não foi aconselhado.

Onze dias antes do golpe, Robert Evans observou
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/results/r?_q=FO+1110%2F1747>:
"mantenho um estreito contacto com a filial carioca do IPES sobre as
edições em língua portuguesa da literatura do IRD e para obter material
para as forças armadas".

Acrescentou que esperava encontrar um general do exército "que parece
ter desenvolvido um método singularmente bem sucedido para lidar com
reuniões de organizações de frente comunistas".

Após o golpe, a embaixada britânica reviu as operações clandestinas da
IRD no Brasil. "Antes da Revolução o nosso principal esforço de IRD não
foi feito com o conhecimento e aprovação das autoridades", escreveu
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/results/r?_q=FO+1110%2F1747>
o embaixador britânico Leslie Fry.

Numa aparente referência ao IPES, Fry afirmou que

    "alguns dos contactos do IRD revelaram-se ser os topos de icebergs
    bastante grandes, com liderança responsável. [...] Uma ou duas
    personalidades importantes têm andado por aí a falar da sua
    contribuição [oficial de campo da IRD Evans] para a derrota do
    comunismo no Brasil. É bem verdade, mas não é a espécie de coisa que
    queiramos dizer".

*Produção de de documentos forjados*

No início dos anos 60, Evans também concordou
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C16862244> em tomar
"medidas limitadas como e quando a oportunidade se apresentar" para
combater a actividade de esquerda no campo estudantil do Brasil.

Uma dessas acções envolveu o acesso a "pontos estratégicos onde os
estudantes se reúnem" durante a noite e a afixação de propaganda
anti-comunista "em salas de conferência, salas de aula, lavabos,
cantinas, etc". Era uma operação que "podia, naturalmente, ser aplicada
igualmente bem por todo o continente".

De acordo com documentos obtidos ao abrigo da Lei da Liberdade de
Informação /(Freedom of Information Act),/ o IRD também colaborou com os
EUA produzindo documentos falsificados.

Em 12 de Março de 1964, o secretário de Estado norte-americano Dean Rusk
queixou-se
<https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1961-63v12/d159> a
funcionários brasileiros sobre um Congresso de Solidariedade com Cuba "a
realizar no Rio com participantes de todo o mundo".

Três dias depois, o oficial do IRD J.L. Welser escreveu à embaixada dos
EUA em Londres sobre a produção de "algum tipo de folheto negro" para
perturbar o evento. A propaganda "negra" significava falsificação de
documentos – uma operação arriscada em que os planeadores da IRD
raramente se envolveram.

"Tentámos fazer isto e não achámos muito fácil", escreveu Welser ao seu
contacto nos EUA.

    "Entretanto, fizemos um folheto que anexei a esta carta e que poderá
    ter interesse em ver". [...] Lamento ter sido tão lento acerca
    disto, mas não é fácil escrever uma coisa desta espécie".

Pouco tempo depois, Welser foi felicitado "por um excelente trabalho".

O IRD também ajudou
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/uniao-civica-feminina>
a União Cívica Feminina (UCF), um movimento de mulheres católicas que
mobilizou manifestações de rua anti-governamentais em massa nas semanas
que antecederam o golpe.

Em Junho de 1964, Evans gabou-se
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C11277046> de que a
UCF havia sido "alimentada com uma dieta constante de material da IRD
durante mais de um ano" e "desempenhou um papel de liderança em eventos
recentes". J. MacKinnon, funcionário da embaixada britânica, concordou
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C16901899>,
observando como "as mulheres desempenharam um papel vital na revolução
de 1 de Abril".

*Após o golpe*

Costa e Silva na ONU, recebido pelo chefe de protocolo. 31/Jan/1967

O golpe foi saudado pelos planeadores britânicos. Em Julho de 1964, Fry
observou <https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C11277046>
que "o objectivo imediato do IRD está alcançado".

No ano seguinte, funcionários britânicos discutiram as cerimónias de
boas-vindas ao general Costa e Silva, instigador
<https://library.brown.edu/create/fivecenturiesofchange/chapters/chapter-7/military-rule/costa-e-silva/>
do golpe de estado, na visita à Grã-Bretanha. "As honras que mostrarmos
ao general", escreveu
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C2936729> Fry em
Dezembro de 1965, "podem muito bem revelar-se uma contribuição tão
importante para a venda de equipamento britânico ao Brasil quanto os
méritos do próprio equipamento", referindo-se à venda de armas.

Depois de se ter tornado presidente do Brasil, em 1967, Costa e Silva
assinou o Acto Institucional nº 5
<https://www.brasilwire.com/petra-costa-we-need-to-talk-about-ai-5/>,
que permitiu o encerramento do Congresso, removeu o habeas corpus,
proibiu reuniões políticas e providenciou uma carta branca para a
tortura. Estas medidas foram recebidas "com satisfação por aqueles
preocupados com a indústria e o comércio", observou
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C17069138> o
oficial de campo da IRD R. A. Wellington.

Apesar das violações maciças dos direitos humanos, a IRD continuou
<https://discovery.nationalarchives.gov.uk/details/r/C11021332> "a
ajudar o Brasil discretamente no domínio da contra-subversão" durante a
década de 1970. O seu material cobria "temas anti-comunistas [...],
Black Power, a situação estudantil e a posição da Grã-Bretanha a
respeito de Gibraltar".

Por esta altura, Evans estava a produzir literatura
<https://academic.oup.com/ia/article-abstract/44/2/267/2569276?redirectedFrom=fulltext>
que minimizava o impacto da intervenção estrangeira no golpe de 1964.

'A ditadura que o inglês viu'.

O jornalista brasileiro Geraldo Cantarino, que em 2011 publicou
<https://www.bookdepository.com/1964-Revolucao-Para-Ingles-Ver-Geraldo-Cantarino/9788585756864>
um livro pormenorizado sobre as operações do IRD no Brasil, comentou as
mais recentes revelações:

"Este trabalho confirma que o IRD esteve secretamente activo no Brasil
durante muitos anos, unindo forças com a cruzada anti-comunista dos EUA
e com a propaganda anti-comunista engendrada por instituições brasileiras".

Ele acrescentou: "É agora possível reafirmar que este esforço combinado
contribuiu para a desestabilização do governo do Presidente Goulart,
abrindo caminho para um regime militar que mudou o curso da história
recente do Brasil".


        12/Novembro/2021


    [*] Jornalista independente. Escreve para a /International History
    Review, The Canary, Tribune Magazine, Jacobin/ e /Brasil Wire./


    O original encontra-se emDeclassified UK
    <https://declassifieduk.org/britains-hidden-hand-in-brazils-1964-coup-detat/>
    e
    consortiumnews.com/2021/11/12/britains-hidden-hand-in-brazils-1964-coup/
    <https://consortiumnews.com/2021/11/12/britains-hidden-hand-in-brazils-1964-coup/>

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/brasil/golpe_64_gb.html#asterisco
18/11/2021

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