sexta-feira, 12 de julho de 2024

Economia e a Luta de Classes no governo Lula – Parte 1

 
 


        Gabriel Santos


Alguns meses atrás um amigo e camarada me apresentou Betinho, e
recomendou assistir a série sobre sua vida. Impressionado por sua
trajetória, uma frase de Betinho me marcou, “a alma da fome é política”.

Lula sabe muito bem desse fato, assim como é consciente da devastação
econômica e social que assola nosso povo desde o Golpe em Dilma. Ciente
da necessidade de reconstruir o país com base no crescimento da renda,
combate à fome e a desigualdade, o Presidente sempre afirma que seu
terceiro mandato precisa ser melhor que os anteriores. Era o momento de
fazer “40 anos em 4”.

O atual governo liderado por Lula, um governo de coalizão de classes, é
uma coalizão entre diversos partidos e forças sociais comprometidas em
restaurar a normalidade democrática e as instituições erguidas durante a
Nova Republica. Ou seja, o governo foi eleito para derrotar o fascismo
brasileiro. Fez isso nas urnas e agora está diante de uma verdadeira guerra.

A conjuntura brasileira, por mais que teve momentos distintos na relação
governo e oposição ao longo do ano passado, isso se deu nos marcos de
uma situação estratégica defensiva na relação capital-trabalho. Sendo
assim, o projeto político-econômico do governo Federal corresponde a
esse cenário, onde as possibilidades de ações de enfrentamento à
condição a lógica dependente de nossa economia são limitadas.

Qualquer análise sobre a política econômica do governo que ignore o
contexto da última eleição, a tentativa de golpe do 8 de janeiro, a
força e mobilização da oposição no parlamento e fora dele, assim como
nosso marco de Nação dependente em um capitalismo financeirizado, tende
a errar. É preciso partir dessas premissas para avaliar as
possibilidades, desafios, e batalhas.

Além de combater as forças sociais que alimentam o fascismo e a extrema
direita, o governo Lula se enfrenta com grupos da própria coalizão
governista quando o tema é a pauta econômica.

Justamente pelos fatores elencados acima, o atual governo Lula, não pode
ser um governo como foi os dois primeiros. Sua estratégia e sua política
estão equivocadas (mas isso cabe discutir em outro texto). O momento
pede disposição de enfrentamento.

A principal luta política hoje no país, se dá no campo econômico. É a
disputa feita pelas principais frações da burguesia brasileira, liderada
pela financeira, para impor ao governo uma política fiscal de restrição
para o povo e lucro para si própria.


*O Presidente Lula x Campos Neto e a autonomia do Banco Central*

O povo brasileiro, quando foi às urnas em 2022, elegeu Lula, fez uma
opção e deu um recado. O programa eleito pelo voto é o programa do
emprego, do crescimento econômico do Brasil, do reposicionamento de
nosso país no mundo, que disse não à fome e sim a políticas públicas.

O nossa classe dominante, que agora de forma moderna adota o vulgo de
“mercado”, busca asfixiar o novo governo e impor a qualquer custo seu
projeto. Querem desgastar o governo diante da população ao impedi-lo de
promover as mudanças prometidas no cenário eleitoral e necessárias aos
olhos da História para o desenvolvimento do Brasil.

Vimos no último mês, e em especial nessas últimas semanas, o crescimento
de críticas públicas do Presidente Lula ao presidente do Banco Central,
Campos Neto. Algo que foi tudo como inaceitável pela imprensa burguesa.

Lula, diversas vezes, criticou a alta do juros, e apontou que
investimentos sociais e políticas públicas, como a aposentadoria, não
deveriam ser diminuídas no orçamento federal enquanto grandes empresas
deveriam pagar mais impostos. Lula, demonstrou que a política monetária,
cambial, e o sistema tributário, estão a serviço dos grandes capitais,
vulgo mercado financeiro.

Em respostas temos assistido um sem número de matérias contrárias ao
Presidente. Uma política consciente de boicote e asfixia ao governo, que
além da grande imprensa, conta com o presidente do Banco Central
(admirador do governador de São Paulo e Tarcísio Freitas) sua política
de aumento do dólar, e manter a taxa selic acima da meta recomendada.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, com gestão indicada
por Bolsonaro, insiste em manter os juros altos com o argumento ridículo
de que seria em nome do combate à inflação. Em todas as outras
principais economias do planeta Terra a taxa de juros está abaixo da
inflação. No Brasil, a regra é o absurdo. Não é somente que invertemos a
lógica das demais economias. Mas a taxa de juros real se encontra OITO
pontos acima da inflação. Isso impede que o Banco Central alcance as
metas definidas na lei. Além de colocar o Brasil em desvantagem
competitiva, estrangulando as empresas brasileiras, atingindo o bolso do
povo pobre e consequentemente enfraquecendo a economia do país.

É o BC que permite que o dólar siga valorizando diante do real, em uma
ação que parece coordenada para desvalorizar a nossa moeda e assim
desestabilizar o governo federal atingindo sua política econômica. Vale
lembrar que durante o governo Bolsonaro, sob a gestão de Roberto Campos
Neto, o Banco Central do Brasil realizou 20 intervenções diretas
significativas para controlar a cotação do dólar, além de diversas
medidas indiretas para estabilizar o mercado cambial.

Ao definir ao seu gosto e deleite a política monetária, os
representantes do capital financeiro no BC apontam que o Estado deve
financiá-los por meio da emissão de dívida, enquanto determinam o quanto
devem receber nesse negócio. Isso tudo para terem seu lucro parasitário,
mesmo que para isso tenha que prejudicar a economia de todo país,
impedindo investimentos e aumentando a dívida pública.

Vemos um representante do sistema financeiro, que não foi eleito,
definindo os rumos da política econômica do país, e impondo o projeto
econômico dos bancos contra o eleito pelo povo. Isso é um exemplo nítido
de como a democracia no Brasil é limitada.

O papel público do presidente do Banco Central deveria opinar somente
quando necessário e sobre assuntos que lhe pertencem. O que vemos hoje é
o oposto. É Campos Neto agindo como um popstar, dando uma série de
entrevistas, e com declarações dúbias e contrárias ao governo eleito.
Fazendo com que o mercado atue contra a moeda brasileira.

Campos Neto e o Copom (Comitê de Política Monetária), além de agirem
contrários ao programa eleito nas urnas, de irem a contra mão do
planejamento do governo, ainda acusam o mesmo de tumultuar o cenário
econômico

Esse tema não é uma questão técnica, mas sim política. Política no
sentido profundo da palavra. É a disputa pelo Poder. É a guerra por
outros meios. É a guerra entre classes. Disputas de interesses
diferentes e antagônicos. De um lado os bancos lucrando. Do outro o povo
trabalhador sem crédito, com dívidas e dificuldades de pagar contas em
dia, parcelando o cartão de crédito com mais de 400% acumulado no ano.

É hora dos movimentos sociais e populares apoiarem as denúncias feitas
pelo Presidente Lula e ser parte ativa na luta contra Campos Neto e os
juros abusivos. Sem isso, as chances do governo dobrar a aposta e ir
para o confronto são mínimas. A lei que deu autonomia ao Banco Central
também diz em seu Art. 5º inciso IV que existe a possibilidade do
presidente do Banco Central ser exonerado pelo Presidente da República
em caso de “recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos
objetivos do banco central do Brasil”.

O grande desafio de Lula hoje é governar. Governar de fato, como
Presidente da República. Porém hoje de fato existe um semi-
parlamentarismo de coalizão, fruto da crise institucional pós-Golpe e da
quebra da norma jurídica que sustentava a Nova República.

Lula precisa governar e implementar o programa eleito nas urnas. Isso é
impossível com o atual orçamento. Ganhar a batalha atual contra o Banco
Central e a Copom será fundamental no acúmulo de forças do governo e uma
resposta para a oposição e para a burguesia. Hoje, porém, esse é o
cenário menos provável. O que deve acontecer é uma derrota diante da
pressão feita pela burguesia, congresso, bolsonarismo e grande mídia.

Caso o governo ceda ao grande capital e aplique uma política de ajuste
fiscal em cima do orçamento público que alimente os interesses rentistas
que se beneficiam dos juros reais mais altos do planeta, retire impostos
de empresas, e retroceda sem impor um sistema de tributação progressivo,
a vontade anunciada pelo governo de redução da desigualdade social seria
irrealizável. Cada vez fica mais provado que o arcabouço fiscal da forma
que foi feito era e continua sendo um erro.

Somente políticas públicas que toquem no tema de distribuição de riqueza
e que se baseiam na inversão da lógica do sistema tributário brasileiro
podem erradicar a miséria.

A alternativa que as forças populares e o Presidente Lula tem é 1)
assumir seu suicídio e adotar como sua uma política imposta pelo
mercado. 2) Permanecer no governo, mas renunciando ao ato de governar.
3) Caso queiram combater a fome e a desigualdade social, não resta outra
coisa a não ser mobilizar, organizar e lutar contra os nossos adversários.


*No Estado mínimo não cabe o pobre*

O Presidente Lula afirmou diversas vezes que luta para pôr pobre no
orçamento, e fazer o desenvolvimento social combatendo a desigualdade.
Porém isso só é possível com a recuperação dos serviços públicos e
investimento em infra-estrutura.

Para isso, o governo precisa de recursos financeiros. É nesse momento
que a mídia brasileira esperneia e vocifera contra o “populismo
financeiro” e o “intervencionismo”. Recentemente o jornal Folha de São
Paulo estampou em sua capa o valor que seria destinado ao aumento do
bolsa família, em tom de denúncias e críticas ao governo. O presidente
da Câmara, Arthur Lira -PP/AL, deu entrevista onde disse que o acréscimo
de carne na cesta básica, como defendido por Lula, iria custar “caro
demais”.

Está em curso no país uma verdadeira batalha pelo orçamento. Se deve ir
para amortecimento de juros da dívida pública e emendas parlamentares,
ou para investimentos sociais. Se vai para bolsos dps ricos empresários,
ou se para a mesa do povo brasileiro.

Não bastando a mídia, o centrão, e a direita, as forças populares ainda
enfrentam desafios e disputas dentro de seu próprio campo. Um exemplo
disso, é a política econômica do ministro da Fazenda Fernando Haddad –
PT/SP. Fiel ao dogma das políticas neoliberais, Haddad propôs o um
arcabouço fiscal, um limitador dos gastos públicos do governo, que
amarra e limita as possibilidades de utilização do recurso financeiro
pelo Estado brasileiro.

Haddad, e parte significativa da equipe econômica do governo, além desse
erro, acredita que rezando na cartilha neoliberal, e seguindo as
diretrizes do capital financeiro vão atrair investimentos privados
gerando o desenvolvimento econômico e segurando o crescimento do PIB.

Esse desejo, do setor privado ser o caminho para o crescimento
econômico, não se tem registro de sua realização em espaço tempo nenhum
da história. Pelo contrário, o que a humanidade tem visto é que o motor
do desenvolvimento socioeconômico é justamente o investimento estatal.
Cabe ao Estado criar demandas que possam inclusive incentivar o capital
privado a gerar novos negócios.

A lógica de “não gastar mais do que se arrecada”, faz sentido para uma
pessoa que cuida de casa, mas não é compatível com o pensamento de um
Estado soberano.

O Estado gastador, que tanto tem medo e denunciam os neoliberais e os
porta vozes do capital financeiro alocados nos jornais brasileiros, é o
Estado que tem capacidade de garantir direitos para a população negra,
periférica, para os ianomâmis, para o sertanejo, e que coloca no
orçamento da União pessoas e grupos sociais que durante séculos
estiveram do lado de fora. Querem o Estado mínimo para que somente eles
possam caber lá dentro.

Reverter a orientação neoliberal do tripé macroeconômico que aplica o
governo é o primeiro caminho para o governo se fortalecer diante dos
ataques de seus adversários. O governo, espremido e apequenado pela
agenda do mercado, precisa de respostas visíveis e rápidas. Por mais que
o PIB siga crescendo, o desemprego diminuindo, esses avanços econômicos
não estão sendo sentidos pelo povo. Caso mantenha a reza da forma que
cartilha da Faria Lima orienta, e com meta de atingir o superávit
fiscal, o governo Lula vai seguir se enfraquecendo.

A luta é para demonstrar que Estado brasileiro precisa ser protagonista
no atual quadro histórico que vivemos, e assumir seu papel como defensor
e promotor da justiça social e crescimento econômico. Sem tal ato, a
própria recomposição do tecido institucional surgido pós 1988 se torna
impraticável.

Dito isso, a realização de mudanças estruturais em nossa economia devem
ser parte da estratégia de nosso campo político. Além disso, devemos ter
como meta a geração de empregos qualificados, superando os limites da
terceirização e uberização; o investimento em ciência e tecnologia;
obras de infraestrutura; recriação do parque industrial; a transição
energética.

A isso se soma a luta constante para a criação de uma nova maioria
social, que se reverbere em maioria política. De tal modo que apenas as
ações econômicas não bastam, é preciso disputa ideológica e um trabalho
político diário daqueles que querem a construção de um bloco hegemônico.
Porém, sem resultados econômicos visíveis, palpáveis e que modifiquem
rápido o cotidiano, essa tarefa se torna ainda mais difícil


*Só há dois caminhos: mobilização popular e o povo no orçamento*

O governo tem, até agora, apostado em servir a dois senhores. Acredita
que conseguirá ao mesmo tempo alimentar o Deus mercado e garantir o
desenvolvimento social.

Desde a vitória de Lula, nós temos dito o contrário, o governo precisa
governar e aplicar o programa eleito nas urnas. Precisa romper o ciclo
vicioso de ceder às chantagens da burguesia e de seus representantes no
Congresso, em nome de uma governabilidade. Acordos táticos são uma
coisa, abrir mão dos anéis e também dos dedos é outra.

A discussão sobre a política econômica não é simples. Existe uma
determinada correlação de forças desfavorável na sociedade e no
Congresso que obriga o governo a adotar algum tipo de regra de controle
fiscal. A isso se somar visões neoliberais dentro do próprio governo.
Combater isso não é fácil. Do outro lado, existe a necessidade de
cumprir as promessas de campanha e isso significa investir, gastar,
utilizar recursos públicos. Sem isso, não terá iniciativas e não terá
apoio popular. Caso assim fique, o governo se torna refém do congresso e
a governabilidade é comprometida.

O governo não se pode dar o luxo de perder popularidade. A oposição
fascista segue à espreita, o congresso é de maioria conservadora e a
sociedade está polarizada ideologicamente. E a coalizão eleitoral é
muito mais frágil e menos fiel que a dos dois primeiros mandatos de Lula.

Construir uma outra forma de governar não se faz de um dia para o outro.
Mas é preciso traçar a estratégia para isso, baseada na mobilização
social para defender o governo dos ataques da extrema-direita.

O primeiro passo é juntos dos movimentos sociais e forças populares
construir uma mobilização de denúncia a chantagem do Banco Central e uma
campanha que busca entregar aquilo que foi prometido: colocar o pobre no
orçamento. Esse deve ser o objetivo. Essa é a verdadeira
responsabilidade com a qual o governo deve se comprometer. O foco deve
ser agradar o pobre, e não o mercado. Acreditamos que essa ação vai ser
a principal defesa do governo contra o que já se anunciar que virá.

Em

Esquerda on line
https://esquerdaonline.com.br/2024/07/04/economia-e-a-luta-de-classes-no-governo-lula-parte-1/

4/7/2024

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