segunda-feira, 19 de agosto de 2024

A herança deixada pelo governo militar-miliciano de Bolsonaro

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por Luís Nassif



Conversava com meu amigo Luiz Alberto Melchert, um sábio com múltiplos
conhecimentos. E ele previa: é só começar a área fiscal a dar sinais de
superávit, para o mercado pressionar para aumentar a taxa Selic e pegar
o aumento.

Dois dias depois, de fato, parte do mercado, através da mídia, começou a
pedir aumento de dois pontos na Taxa Selic.

O Brasil é o país da síndrome de Sísifo. Considerado o mais astuto de
todos os mortais, Sísifo foi rei e fundador de cidades, conhecido por
sua inteligência e por enganar diversas vezes os deuses. Sua punição,
dada a ele por Zeus, foi rolar uma pedra pesada montanha acima, apenas
para fazê-la cair toda vez que ele estava prestes a chegar ao topo. Esta
tarefa eterna tornou-se o símbolo do absurdo e da inutilidade de algumas
ações humanas.

O Brasil é a revanche de Sísifo: por aqui, ele puniu Zeus (o país) a
eternamente empurrar a pedra para o alto do morro, para vê-la cair em
seguida.


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Qualquer arremedo de superávit será eternamente garfado pelo mercado
através de uma lógica simples e bizarra.

Se a receita está crescendo, é porque a atividade econômica está crescendo.

Se a atividade econômica está crescendo, abre espaço para reajuste de
preços e de pressão sobre a inflação.

Para prevenir, aumenta-se a taxa básica de juros, o mercado se apropria
do crescimento da arrecadação e a pedra de Sísifo rola ribanceira abaixo
novamente. Investimentos em infraestrutura, saúde educação, retomando o
ciclo virtuoso do crescimento? Que nada. Apenas mais impostos no bolso
do rentista.

Não apenas isso.

Para contentar o apetite do mercado, o governo aceitou o mais daninho
ataque à saúde pública, desde a industrialização do fumo: as bets, os
sites de apostas.

Tivemos uma pequena experiência quando houve a permissão para as
máquinas eletrônicas de apostas e para os cassinos em centros urbanos.
Houve uma epidemia de viciados perdendo bens, desestruturando as
famílias. Mais que isso, os bingueiros passaram a dispor de um poder
ilimitado sobre as polícias. Financiavam campanhas de deputados em troca
da indicação de delegados amigos para sua área de atuação.

Como é uma atividade que atua no limite da legalidade, uma das pernas
mais óbvias dos cassinos é a do financiamento de campanha de políticos
aliados e o suborno.

Acabou-se com os bingos, não com os cassinos clandestinos, que continuam
invadindo as cidades.

Agora, com o bingo eletrônico, cria-se uma ameaça gigantesca à saúde
pública. E qual a saída miraculosa do governo? Regulamentar os cassinos
para que financiem sistemas de atendimento às vítimas de cassinos.

Será a única contrapartida à dinheirama arrecadada pelos cassinos. A
parte maior do bolo de arrecadação fiscal ficará com o mercado.

Não adianta. A herança do suicídio institucional brasileiro – com a
conspiração do impeachment e a ascensão dos governos de negócios, Temer
e Bolsonaro – criou uma dinâmica invencível de saques contra o interesse
comum.

Há um pessimismo generalizado em relação à marcha da insensatez mundial.
Sabe-se que apenas uma grande tragédia trará de volta o bom senso. Os
grandes saltos do Brasil foram em períodos de crise. Tivemos há poucos
anos nossa crise master, um governo militar-miliciano que provocou a
morte de centenas de milhares de pessoas com seu terraplanismo, e
coalhou o setor público de negócios obscuros.

Mas a lição de nada adiantou. Agora, fica-se pensando qual o tamanho da
crise necessária para trazer o Brasil de volta ao rumo do
desenvolvimento e do bem-estar social.

Em
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/coluna-economica/a-heranca-deixada-pelo-governo-militar-miliciano-por-luis-nassif/
19/8/2024


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