quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O declínio de Detroit é um fracasso típico do capitalismo*

Carta Maior

Richard Wolff (artigo publicado originalmente em The Guardian)


O crescimento econômico dos anos 1950 e 1960, conduzido pela indústria
automobilística, fez de Detroit um símbolo global da renovação capitalista após
a Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial. Os altos salários nas indústrias,
com segurança e benefícios exemplares, eram tidos como a prova da habilidade do
capitalismo de gerar e sustentar uma ampla "classe média", que poderia incluir
até os afro-americanos. Os trabalhos na indústria automobilística se tornaram o
modelo de emprego que os trabalhadores norte-americanos buscavam.

O fato é que estas condições de trabalho foram impostas aos capitalistas através
de duras lutas sindicais, especialmente nos anos 1930. Uma vez derrotados nessas
lutas, rapidamente reescreveram a história para que os bons salários e boas
condições de emprego se tornassem algo que os patrões ''deram" aos
trabalhadores. De qualquer forma, Detroit se tornou uma cidade vibrante e
mundial nos anos 1950 e 1960, e sua cultura profunda e peculiar inspirou a
música mundial tanto quanto seus carros influenciaram o mundo industrial.

Nos últimos 40 anos o capitalismo transformou esse sucesso em um fracasso
abjeto, culminando agora na maior falência municipal da história dos EUA.
Aqueles que tomavam as decisões chaves - os acionistas majoritários da General
Motors, Ford, Chrysler, etc, e o conselho diretor que eles mesmo selecionaram -
fizeram escolhas desastrosas. Eles não conseguiram competir com os capitalistas
europeus e japoneses e consequentemente perderam uma fatia do mercado. Eles
reagiram de maneira inadequada e com atraso à necessidade de desenvolver
tecnologias que poupassem combustível. Mas o que causou o maior impacto foi o
fato de terem reagido a seus próprios fracassos decidindo deslocar a produção
para longe de Detroit, para que pudessem pagar aos trabalhadores salários mais
baixos.

Os fracassos competitivos das companhias automobilísticas, assim como suas
mudanças de domicílio, tiveram duas consequências econômicas centrais. A
primeira: destruíram as fundações da economia da cidade de Detroit. A segunda:
acabaram com as possibilidades de se constituir uma classe média duradoura nos
EUA. Os últimos 40 anos revelaram a incapacidade ou a falta de vontade do
sistema capitalista de reverter esta situação.

Os salários reais deixaram de crescer nos EUA nos anos 1970, e não cresceram
desde então, mesmo que o aumento da produtividade dos trabalhadores tenha gerado
ainda mais lucros aos patrões. O aumento da dívida dos consumidores e o trabalho
em excesso postergaram em alguns anos o impacto da estagnação dos salários reais
no consumo.

Mas, em 2007, com a estagnação dos salários e o esgotamento da possibilidade de
endividamento do consumidor, uma crise longa e profunda chegou. Os patrões
usaram o desemprego resultante para atacar a segurança e benefícios trabalhistas
além do setor público, que fora construído nos anos 1950 e 1960 para dar suporte
à classe média (por exemplo, o ensino superior público de baixo custo).

Os capitalistas da indústria automobilística se tornaram líderes e Detroit
expressou o declínio econômico resultante dessa liderança. Na crise profunda que
enfrenta desde 2007, a General Motors e a Chrysler conseguiram resgates
financeiros do governo federal, mas Detroit não. As companhias automobilísticas
conseguiram estabelecer reduções salariais (através de um sistema de salários
diferenciados, baseados na produtividade) o que fez com que a economia de
Detroit, baseada nos salários, não conseguisse se recuperar, enquanto os lucros
e produção das companhias conseguiram. Os fracassos do capitalismo privado
obtiveram a cumplicidade do governo federal.

Apesar das vitórias do passado, obtidas a partir de heroicas greves e outras
ações da União dos Trabalhadores Automobilísticos (United Auto Workers, em
inglês), os poderes decisórios das companhias se mantiveram nas mãos dos
acionistas majoritários e seu conselho diretor. Eles usaram esse poder para
enfraquecer e até mesmo desfazer o que as lutas sindicais conseguiram
conquistar. Os sindicatos se provaram incapazes de parar esse processo. Os
capitalistas de Detroit então minaram as condições trabalhistas que os
trabalhadores arrancaram deles - e assim destruíram a cidade do "sucesso
capitalista" construída sob essas condições.

O declínio de Detroit, como o declínio paralelo da União dos Trabalhadores
Automobilísticos, nos ensina uma lição inevitável. Os mesmos contratos que os
sindicatos militantes conquistaram deram aos patrões grandes incentivos para que
eles encontrassem caminhos por fora desses contratos.

A estrutura hierárquica das empresas capitalistas proporciona aos acionistas
majoritários e aos conselhos diretores os recursos necessários (lucros
corporativos) para cortar as boas condições que os sindicatos às vezes
conquistam. É assim que o sistema funciona. Detroit está aí para nos provar
isso. A solução não está mais nos contratos.

Se os trabalhadores tivessem transformado as companhias em cooperativas de
trabalhadores, Detroit teria evoluído de maneira diferente. As cooperativas não
teriam deslocado a produção, o que acabou com seus trabalhos, famílias e
comunidade. O deslocamento da produção, uma estratégia tipicamente capitalista,
foi a chave para a queda populacional de 1,8 milhão em 1950 para 700.000 pessoas
hoje.

As cooperativas de trabalhadores talvez tivessem encontrado alternativas ao
deslocamento da produção que poderiam ter salvado Detroit. Elas teriam, por
exemplo, pago menos em dividendos aos proprietários e salários aos gerentes.
Essas economias, se transferidas a um custo mais baixo para o consumidor, teriam
possibilitado melhor preço em relação às montadoras japonesas e europeias do que
aquele conseguido pelas Três Grandes de Detroit.

Não podemos saber exatamente o quanto a mais as indústrias de Detroit teriam se
beneficiado do progresso técnico se elas tivessem se organizado como
cooperativas de trabalhadores. Podemos supor que os trabalhadores possuem mais
incentivos para melhorar a tecnologia em cooperativas que eles possuem e operam
do que como empregados em empresas capitalistas. Por fim, cooperativas teriam
produzido (e ajudado a promover) veículos de transporte coletivo ou outras
alternativas aos automóveis, uma vez que eles viam que uma produção continuada
de automóveis não garantiam as prioridades - emprego e o bem-estar dos
trabalhadores - às cooperativas.

Que tipo de sociedade dá a um número relativamente pequeno de pessoas a posição
e o poder para fazer decisões corporativas que impactam milhões dentro e no
entorno de Detroit, enquanto excluem esses mesmos milhões de participarem das
decisões?

Quando as decisões capitalistas condenam Detroit a 40 anos de um declínio
desastroso, que tipo de sociedade alivia esses capitalistas de qualquer
responsabilidade na reconstrução da cidade?

A resposta mais simples a essa pergunta: nenhuma economia genuinamente
democrática poderia funcionar dessa forma.

Tradução de Roberto Brilhante
In:
Carta Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=22439&utm_source=emailmanager&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_Carta_Maior__01082013
30/07/2013
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* Não temos de coincidir necessariamente com o ponto de vista dos artigos publicados.
Entendemos que o movimento operário e popular (MOP), em princípio, deve defender
toda e qualquer iniciativa dos trabalhadores instauradora de trabalho associado em suas
diversas formas. No entanto, não é seguro que a criação de trabalho associado (cooperativas),
por si mesma, num contexto de preservação do dinheiro, do intercâmbio de mercadorias e
da propriedade privada, produza todos os efeitos positivos de caráter social sugeridos
por Wolf. Por exemplo, estudo realizado por Harnecker, em 2008 na Venezuela ,
com uma amostra significativa de cooperativas, na vigência do governo Chávez, praticamente
não encontrou por parte das cooperativas a solidariedade social exógena suposta
por Wolff (http://rebelion.org/noticia.php?id=70139).
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