quarta-feira, 11 de setembro de 2013

A economia, o capitalismo e a guerra

por Juan Torres Lopez [*]

"Não podemos construir um carro decente nem um televisor ... já
não temos siderurgia, não podemos fornecer cuidados de saúde aos
nossos idosos, mas, isso sim, podemos bombardear o teu país até o
fazer em merda, especialmente se o teu país está cheio de
morenos...".
George Carlin

Muita gente identifica o capitalismo com a existência dos mercados e até
mesmo das empresas, mas isso é um grave erro. Ambos existiram muito antes
do capitalismo e continuarão a existir quando ele desaparecer, embora seja
verdade que em cada sistema económico funcionam com características e
funções diversas.

A característica distintiva do capitalismo é que, primeiro, incorporou na
esfera do mercado recursos antes utilizados fora dele, como o tempo de
trabalho e a terra. Antes podia-se comprar ou vender às pessoas mas não
adquirir o seu trabalho em troca de um salário e a terra conquistava-se ou
transmitia-se, mas não se intercambiava em mercados como se faz no
capitalismo. Esse facto, e o de que mais tarde foram mercantilizadas até
mesmo as expressões mais íntimas da vida humana e social, fazem com que o
capitalismo se distinga não por haver criado, como às vezes se acredita
equivocadamente, a economia de mercado, mas a sociedade de mercado. E,
portanto, submeter toda a vida social no seu conjunto à ânsia do lucro.

A utilização do trabalho assalariado e de grandes volumes de capital
(físico e em dinheiro) no seio das empresas permite multiplicar a
capacidade de produção e gerar uma grande acumulação que resultou, é justo
dizê-lo, num progresso inegável. Mas, ao mesmo tempo, cria contradições
fortes e problemas sociais muito graves.

Embora possa parecer um simples jogo de palavras, o que acontece no
capitalismo é que para poder obter lucros há que obter cada vez mais
lucros, o que obriga a produzir continuamente e a fazê-lo com cada vez
menos custo. Basta que não cresça o investimento, mesmo que não caia, não
só estagnam os rendimentos e os lucros como também se reduzem
multiplicadamente.

Mas, para obter cada vez mais lucros produzindo sem parar, é preciso
reduzir ao máximo o custo salarial. Isso muitas vezes provoca a falta de
sintonia entre o preço que se queria pagar pelo trabalho e a possibilidade
de vender tudo o que se põe á venda. Se os capitalistas fossem tão
numerosos que pudessem comprar tudo o que produzem seria possível pagar
aos trabalhadores uma ninharia, mas se estes são os que compram a maior
parte da produção, como na realidade ocorre, acontece que, à medida que se
lhes paga menos menor é a capacidade global da economia para comprar a
produção. Isso significa que, queiram ou não, quando os capitalistas
poupam nos salários algum pode ganhar mais, individualmente, mas, em
geral, o que provocam é que se esgote a capacidade geral de absorver a
produção que geram entre todos. E daí vem a maioria das crises que, de
forma recorrente, vêm ocorrendo desde que o capitalismo existe.

Para evitar isso os capitalistas têm de recorrer a vários remédios (que
não vou comentar aqui) e um deles é conseguir que a sua produção seja
adquirida por quem não depende do salário para comprar, principalmente o
sector público. É mais um paradoxo do capitalismo: os capitalistas
rejeitam a actividade estatal mas apenas quando favorece outros, porque
constantemente reivindicam ao sector público que adquira o máximo da sua
produção ou que salve as empresas quando a sua estratégia de poupar
salário produz uma crise.

Uma dessas vias é o gasto militar. Praticamente todas as grandes empresas
mundiais, sem excepção, têm uma boa parte de seus negócios dedicada a
fornecimento de bens ou serviços ao Estado e, mais especificamente, às
suas forças armadas. É uma forma muito rentável e não dependente de
salários para realizar a sua produção. E não importa que a produção
militar, por vezes, se vá simplesmente armazenando ou que destrua recursos
quando se utiliza, porque sob o capitalismo a produção não é levada a cabo
em função de ser mais ou menos útil, mas que proporcione lucros.

É por isso que se estimula o crescimento contínuo dos gastos militares,
ainda que já seja tão alto (1,33 milhões de milhões de euros em 2012) que
até seja claramente desnecessário, pois muitíssimo menos que isso seria
suficiente para destruir várias vezes todo o planeta. Uma despesa tão
alta, irracional e desproporcionada (ou melhor, um negócio tão sumarento)
só pode ser justificada se se generaliza a ideia e se convence a população
de que vivemos em constante perigo e que há inúmeros inimigos prontos a
nos atacar, quando na verdade o que se passa não é outra coisa que o
desejo incontrolável de ganhar mais e mais dinheiro por parte das grandes
empresas multinacionais.

Todos sabemos que a grande maioria dos conflitos bélicos que se
verificaram na história da humanidade deveram-se a razões económicas e
também agora é o caso. As últimas guerras no Iraque ou no Afeganistão, ou
aquelas em menor escala que se desenvolvem em outras partes do mundo, têm
a sua origem, cada vez menos dissimulada, em interesses económicos. Mas,
além disso, o que acontece no capitalismo é que a guerra e os gastos
militares não servem apenas os interesses económicos e na verdade
converteram-se num interesse económico em si mesmo.

No capitalismo, a guerra não é apenas uma maneira de produzir satisfação e
dar poder a quem a vence, como sempre, mas também se recorre a ela para
resolver os problemas produzidos pela ânsia de lucro que lhe é inerente e
as contradições derivadas da tentativa contínua para reduzir salários.

A conclusão é óbvia. Ainda que para se saber o que está por trás e o
porquê das guerras sempre tenha sido preciso descobrir os nomes daqueles
que dela se beneficiam, hoje em dia é também necessário entender como
funciona uma economia que só visa o lucro privado de uma parte da
sociedade à custa dos rendimentos dos demais. E a previsão subsequente é
igualmente óbvia: enquanto isto ocorrer, enquanto o capitalismo sobreviver
e a estratégia económica dominante seja poupar nos salários, não vão
deixar de rufar os tambores da guerra nem se acabarão de contar os mortos
que produz.

06/Setembro/2013
[*] Professor de Teoria Económica na Universidade de Sevilha.

O original encontra-se em
juantorreslopez.com/impertinencias/la-economia-el-capitalismo-y-la-guerra/
. Tradução de GC.
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O trabalho assalariado ou a galinha dos ovos de ouro do sistema
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In
http://www.resistir.info/espanha/lopez_06set13_p.html
11/Set/13

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