quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

"Associar o trabalho no campo"

MST, 30 anos: muito além da distribuição de terras
e a proposta de Reforma Agrária

Por Igor Carvalho e Glauco Faria
Da Revista Fórum

Com presença em 23 estados, além do Distrito Federal, e com mais 900
assentamentos que abrigam 150 mil famílias, o Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) completou 30 nesta semana.
Criado em um encontro nacional que reuniu 80 trabalhadores do campo em Cascavel,
no Paraná, em 22 de janeiro de 1984, o movimento já realizou, ao longo de sua
história, mais de 2,5 mil ocupações, acumulando duas mil escolas instaladas em
assentamentos, além de outras conquistas como acesso a crédito para a produção.
Em entrevista exclusiva à Fórum, João Pedro Stedile, membro da coordenação
nacional do MST, falou sobre os novos rumos do movimento e da luta no campo. “
Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular significam
reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para, em primeiro lugar,
produzir alimentos sadios para todo o povo.
Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a natureza e sem
o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na forma de cooperativas,
para beneficiar os alimentos e aumentar a renda dos trabalhadores do campo”,
aponta.
Stedile também criticou o atual ritmo das desapropriações de terra no Brasil.
“No governo Dilma, esse processo está totalmente paralisado, fruto de uma
correlação de forças mais adversa, pela base social e política que compõe o
governo, e por uma incompetência operacional impressionante dos setores que
atuam no governo.” Confira a íntegra da entrevista a seguir.
Fórum – Nestes 30 anos, bancada ruralista e parte da mídia tradicional
combateram, às vezes de forma pouco sutil, o MST. Como o senhor vê a atuação
desses dois grupos?
João Pedro Stedile – O capital está adotando um modelo de exploração da
agricultura que se chama agronegócio. Nesse modelo, há uma nova aliança das
classes dominantes, que aglutina os grandes proprietários, as empresas
transnacionais e a mídia burguesa.
Eles usam todos os seus instrumentos, como o Poder Judiciário e o Congresso,
para defender sua proposta, desmoralizar a reforma agrária e toda luta social no
campo.
Fórum – Boa parte da estagnação e dos retrocessos na questão agrária estão
relacionados não apenas ao Executivo, mas também ao agronegócio, muito
representado no Congresso Nacional. Nesse sentido, o senhor entende que é
essencial uma reforma política? Quais pontos seriam fundamentais para serem
mudados?
João Pedro Stedile – O Brasil vive uma crise política. Crise política no sentido
de que o povo e a classe trabalhadora não têm controle sobre os que deveriam ser
seus representantes nas esferas políticas do Estado.
Essa distorção se dá pelo financiamento privado das campanhas eleitorais, cada
vez mais caras, e pela manipulação ideológica do monopólio dos meios de
comunicação, sobretudo pela televisão.
Assim, os eleitos respondem apenas aos interesses da classe que os financia, em
vez daqueles que votaram neles. É preciso mudar as regras da política, para
voltarmos a ter uma democracia representativa séria em que o povo possa
acreditar.
Então, a reforma política é para modificar muitos aspectos desse processo, e vai
desde a forma de escolher os candidatos, de financiar as campanhas, os
compromissos, os tempos de mandato e o direito do povo de convocar por conta
própria plebiscitos populares para julgar questões candentes, até revogar
mandatos de eleitos que descumprirem os compromissos assumidos com o povo.
Porém, esses detalhes da reforma política, que não estão claros para todos ou
mesmo não tendo unidade entre as forças populares, precisam ser aprofundados,
justamente num amplo debate político com a população.
Por isso, estamos articulados numa ampla plenária de todos os movimentos sociais
brasileiros que tiraram como missão comum realizar neste ano um grande mutirão
para debater com a população que tipo de problemas temos na política e que tipo
de reforma precisamos fazer.
Na semana do 7 de setembro, vamos realizar um plebiscito popular para que a
população vote se é necessário ou não convocar uma Assembleia Constituinte,
soberana e exclusiva para implementar uma reforma política. Essa será nossa
tarefa nos próximos meses.
Fórum – O congresso nacional do MST, em 2014, falará sobre o programa Reforma
Agrária Popular, construído internamente pelo movimento. Como o movimento vai se
organizar para enfrentar o agronegócio?
João Pedro Stedile – O agronegócio é um modelo de produção agrícola do capital,
que exclui a população. Constitui uma nova classe dominante, mais forte e mais
complexa.
Daqui em diante, as mudanças no campo, para a construção de um novo modelo
agrícola que produza alimentos sadios, que não agrida a natureza, que distribua
renda e represente desenvolvimento para nosso povo, depende de uma aliança de
toda classe trabalhadora. Por isso, nossas táticas devem incluir a aliança com
a classe trabalhadora na cidade, com os jovens e todos os movimentos sociais
urbanos.
Fórum – Antigamente, o que se via no MST era prioritariamente a busca pela
distribuição de terra. Hoje, há uma preocupação, também, com a infraestrutura
dos assentamentos e por acesso à tecnologia na produção agrícola. A defesa do
meio ambiente, pensando em modelos de produção que não sejam agressivos à
natureza, é a próxima bandeira do movimento?
João Pedro Stedile – Exatamente. Houve uma mudança nos últimos anos em nosso
programa agrário e construímos o que chamamos de proposta de reforma agrária
popular.
No período anterior, dominado pelo capitalismo industrial, havia ainda a
possibilidade de uma reforma agrária do tipo clássico, que representava
democratizar a propriedade da terra e integrar o campesinato nesse processo.
Porém, agora a economia mundial é dirigida pelo capital financeiro e
internacionalizado. No campo, esse modelo implementou o agronegócio, que exclui
e expulsa os camponeses e a mão de obra do campo.
Agora, não basta apenas distribuir terra, até porque o processo em curso é de
concentração da propriedade da terra e desnacionalização.
Os parâmetros das mudanças propostas pela reforma agrária popular significam
reorganizar os bens da natureza e a produção agrícola para, em primeiro lugar,
produzir alimentos sadios para todo o povo.
Produzir com base na matriz da agroecologia, em equilíbrio com a natureza e sem
o uso de venenos agrícolas. Implementar agroindústrias na forma de cooperativas,
para beneficiar os alimentos e aumentar a renda dos trabalhadores do campo.
E incluir a democratização da educação como uma necessidade do desenvolvimento
social. Não se pode admitir que ainda tenhamos 18 milhões de trabalhadores
adultos analfabetos, e a maioria está no campo.
Fórum – O senhor falou, recentemente, da união de forças entre MST e a população
indígena. Acredita que, unindo forças com os índios, a luta por terra ganharia
outra dimensão no país?
João Pedro Stedile – A classe trabalhadora tem de defender a causa indígena. Os
povos indígenas vem sendo massacrados pela ofensiva do capital, que quer também
suas terras e riquezas, em especial na fronteira econômica do agronegócio, como
Mato Grosso do Sul, sul da Bahia e Maranhão.
Os povos indígenas, apesar deterem seus direitos garantidos pela Constituição,
são minoritários e não têm força de, sozinhos, enfrentarem o poder do capital.
Por isso, renovo o apelo: que todo o povo, em especial os setores organizados da
classe trabalhadora, defendamos os povos indígenas.
É uma forma, inclusive, de pagamento da nossa dívida histórica, com os nossos
avós históricos, que sempre foram os zeladores da natureza para que chegássemos
aonde estamos.
Fórum – Estamos em um ano eleitoral. Como o MST irá se posicionar nessas
eleições?
João Pedro Stedile – O MST tem uma tradição histórica de nunca se posicionar
enquanto movimento social por um ou outro candidato. Sempre nos posicionamos em
torno da necessidade de defender projetos populares.
Procuramos conscientizar a nossa base, para que tenha visão política e vote nos
candidatos e projetos que representam os interesses do povo e derrotem os
setores direitistas. Esse comportamento individual, como cidadão consciente, vai
se manter nas próximas eleições.
Fórum – De que forma o senhor vê a evolução da reforma agrária nos governos Lula
e Dilma?
João Pedro Stedile – A reforma agrária, do ponto de vista conceitual, é um amplo
programa de Estado que consegue democratizar o acesso à terra e eliminar o
latifúndio, como está até na nossa lei.
Porém, nunca houve reforma agrária no Brasil. Nós tivemos apenas programas
pontuais de criação assentamentos, frutos da luta direta e da pressão social,
que obriga os governos a desapropriar algumas fazendas e as transformarem em
assentamentos.
No governo Lula, ainda se manteve um ritmo razoável de desapropriações pontuais,
embora parecido com o governo FHC. No governo Dilma, esse processo está
totalmente paralisado, fruto de uma correlação de forças mais adversa, pela base
social e política que compõe o governo, e por uma incompetência operacional
impressionante dos setores que atuam no governo.
Não me canso de dar um exemplo que chega a ser patético: a presidenta Dilma se
comprometeu com o movimento de assentar as famílias sem terra do Nordeste nos
perímetros irrigados de projetos do governo.
Existem atualmente 86 mil lotes vagos em projetos antigos, onde o governo já
investiu milhões, tem água e terra. Basta levar as famílias. E nada acontece. Ou
seja, poderíamos assentar imediatamente 86 mil famílias em área irrigada, com
garantia de produção que resolveria a situação de grande parte dos acampamentos
do Nordeste.
Fórum – Há uma expectativa sobre como vão se comportar os movimentos sociais
durante a Copa do Mundo no Brasil. O MST irá às ruas? Qual a posição do
movimento em relação ao Mundial?
João Pedro Stedile – Há muitos setores sociais da juventude que certamente vão
se mobilizar. Estaremos juntos com todas as mobilizações que representem lutas
por melhores condições de vida de nosso povo.
O lugar privilegiado do povo é fazer política com mobilização nas ruas. Somente
pela mobilização poderemos alcançar mudanças. Elas nunca virão do Congresso ou
pela vontade iluminada de governantes.
Porém, espero que as mobilizações comecem logo. Não necessitemos casar a luta
por melhores condições de vida com o período da Copa. No período da Copa,
corremos o risco do povo em geral não gostar e não aderir. Todos queremos ver a
Copa e, por outro lado, corremos o risco de reduzir as mobilizações a denúncias
do valor das obras.
Cá entre nós, mesmo os valores exagerados gastos em algumas obras e reformas
representam muito pouco perto dos bilhões repassados pelo governo todo dia no
pagamento dos juros aos banqueiros.
Nossa luta deve ser para que os recursos públicos, hoje reservados pelo supervit
primário para pagamento dos juros – que só engordam os especuladores e o capital
financeiro – sejam destinados para investimentos necessários em educação, saúde,
transporte público e reforma agrária.

In
MST
http://www.mst.org.br/node/15648
28/1/2014

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