terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Rumo a seu VI Congresso, MST defende novo tipo de reforma agrária


Por Rafael Soriano

Nos dias 10 a 14 de fevereiro, mais de 15 mil militantes de uma das maiores
organizações populares de massas do planeta, o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), estarão reunidos em seu VI Congresso, em Brasília. A
instância máxima de direção do Movimento se debruçará sobre as táticas e
estratégias na atual conjuntura para a consolidação da luta por uma Reforma
Agrária Popular.

Passados 30 anos da fundação do MST, as configurações do campo brasileiro
sinalizam para a agudização das contradições sociais que se acumulam como uma
dívida histórica, desde a concentração das terras como mercadorias em
oligopólios privados, a continuidade da expulsão do homem e da mulher do campo
para inchar as grandes cidades, bem como a inundação de agrotóxicos que o modelo
do agronegócio despeja anualmente nas mesas de cada brasileiro.

Sinais claros dessas contradições estão expressos nas cifras de acampados hoje à
espera de acesso à terra, que ultrapassa as 186 mil famílias, segundo o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Tão alarmante quanto é a quantidade de veneno ingerida por cada pessoa no Brasil
hoje através da alimentação contaminada: uma média de 5,2 litros ingeridos por
pessoa ao ano, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca). Isto para não
mencionar a existência no Brasil de trabalho em condições análogas à escravidão
em pleno século XXI, sustentado dentro das cercas de latifúndios país afora.

Esta situação sustenta o questionamento às promessas do desenvolvimento
capitalista no campo brasileiro, engendrado desde os governos militares através
do pacote tecnológico implantado impositivamente nos países do Sul.

“O período da ditadura teve como um dos seus eixos a implantação do que se
chamou de Revolução Verde. Com a ‘modernização’ da agricultura, introduziu-se um
pacote de máquinas, químicos e tecnologias, além de uma série de medidas, dentre
elas o crédito rural condicionado a este modelo, medidas que causaram uma forte
expulsão do povo do campo brasileiro”, sustenta Débora Nunes, da coordenação
nacional do MST.

Na contramão da lógica do capitalismo dos países centrais, que realizaram
Reformas Agrárias como base de desenvolvimento de suas indústrias e mercados
internos (a exemplo de EUA e Alemanha), no Brasil o modelo político permeado
pela velha oligarquia latifundiária impediu qualquer divisão de terras. Não foi
realizada a dita Reforma Agrária clássica.

“Passados 30 anos da criação do MST, chegamos à primeira década deste século com
a compreensão de que a possibilidade da realização de uma Reforma Agrária do
tipo clássica não mais se viabiliza e nem responderia as atuais necessidades dos
camponeses. Com a hegemonia do agronegócio sobre a agricultura, os desafios
colocados estão em outro patamar e isso exige que nossas proposições também
estejam”, completa Débora.

Segundo Débora, o programa agrário defendido hoje pelo MST ainda se funda na
divisão e democratização das terras, ampliando o acesso a este meio de produção
fundamental para a massa Sem Terra, mas vai além deste primeiro passo.

Reforma Agrária Popular: um contraponto ao sistema

A chamada Reforma Agrária Popular, defendida pelo MST, busca responder às
demandas da conjuntura atual. Débora se refere ao programa não como uma cartilha
a ser seguida, mas como uma ferramenta que orienta a militância e dialoga com a
sociedade o que o movimento quer para o Brasil.

“O MST apresenta um programa agrário que extrapola a reivindicação de condições
e medidas coorporativas apenas para os camponeses. Apresenta-se como uma
alternativa aos problemas estruturais do campo e de toda a sociedade
brasileira”, diz.

Indo além da concepção de democratização do acesso à terra, o MST, através da
luta por uma Reforma Agrária Popular, tem avançado no confronto ao modelo do
Capital no campo em outras frentes: na ressignificação do trato dado pela
sociedade à natureza, hoje mercantilizada; no estabelecimento de novas relações
de produção e assumindo o desafio da transição para uma nova matriz tecnológica
no campo, a agroecologia; e na disputa das instituições do Estado para que estas
reorientem sua atuação, que hoje apenas privilegia o agronegócio, em detrimento
da agricultura camponesa.

“O processo de agroindustrialização defendido e praticado pelo MST, por exemplo,
dentro do contexto de Reforma Agrária Popular, tem confrontado a forma de
apropriação capitalista da indústria agrícola convencional, bem como suas formas
de gestão – além de estar circunscrito a um projeto de sociedade”, explica
Débora.

O movimento tem, num processo de lutas e conquistas, confrontado e pautado o
Estado, como ente público coletivo, para que cumpra seu papel decisivo na
estruturação desta via de desenvolvimento popular para o campo que reflete em
toda sociedade.

Débora afirma que “temos pressionado o Estado para que assuma esta nova política
agrícola, com financiamento público da produção primária, da
agroindustrialização, de implantação das infraestruturas (equipamentos,
estruturas públicas, sociais e produtivas – acesso à terra, escola, telecentros,
estradas, abastecimento de água e energia, mecanização etc), crédito,
comercialização (com abastecimento regulado pelo estado e não desordenado pelo
mercado)”, defende citando o caso da alta dos preços do tomate em 2013.

Acúmulos que preparam um salto maior

O MST tem defendido que a luta, o enfrentamento pressionando e pautando Estado e
governos, tem alterado estruturas produtivas e sociais, como alicerce para
mudanças maiores, em nível global na sociedade.

Seja a partir da própria divisão e uso das terras, seja no estabelecimento de
concepções de trabalho associado e cooperado, ou ainda na elevação da
consciência e organização de classe através de sucessivos programas de formação
popular, o movimento tem acumulado forças para impulsionar as transformações
sociais nocampo e na cidade.

“Queremos transformar o campo num lugar melhor para se viver, tanto para que
quem está lá tenha esse sentimento, como para que quem está na cidade saiba que
o meio rural é onde se produz alimento e vida e onde o povo se coloca em marcha
pra concretizar esse sonho” resume Débora.

E conclui: “no atual estágio da luta de classes é preciso inovar na percepção e
no programa que esteja além do campo. Essa proposição não está restrita ao
campo, é um projeto de agricultura para o campo, mas que resolveria problemas
estruturais da sociedade brasileira”.

In
MST
http://www.mst.org.br/node/15645
27/1/2014

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