segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Classificação de universidades


       por Prabhat Patnaik [*] 
       A proposta de eliminar a Comissão de Bolsas da Universidade e endurecer o
      controle político sobre o sistema de ensino superior na Índia tem sido
      debatida por iniciativa de Narendra Modi, o qual aparentemente está
      preocupado com a escassez de nomes indianos entre as universidades mais
      bem classificadas do mundo. Esta preocupação não se limita apenas a Modi;
      ela é compartilhada por um grande número de pessoas no establishment
      político do país e por muita gente entre o público em geral. Esta
      preocupação é, de certa forma, compreensível: ela tem afinidade com a
      preocupação sobre a falta de medalhas para a Índia nos Jogos Olímpicos;
      mas, ao mesmo tempo, tal preocupação é ingénua e perigosa. Ela trai uma
      completa falta de entendimento acerca do papel do ensino superior na vida
      de um país.
       A educação superior tem um papel social crucial, um papel "construtor da
      nação", pelo que é errado tratá-la em pé de igualdade com a vitória em uma
      corrida de velocidade ou uma partida de hóquei. Isso não quer dizer que
       vencer uma corrida ou um jogo de hóquei não tenha qualquer significado
      social; pode ter um impacto sobre a moral de muitas pessoas no país. Mas
      as regras pelas quais uma corrida ou um jogo são regidas não precisam
      necessariamente ser diferentes por razões sociais de um país quando
      comparado a outro, do modo como regras para julgar universidades
      necessariamente têm de ser. Classificar as universidades em todos os
      países de acordo com um conjunto comum de critérios, como fazem todos
      esses rankings, tais como o  Times Higher Educational Supplement, 
      significa separá-los dos seus respectivos contextos sociais e, portanto,
      negar o papel social da educação. Essa negação não é apenas um descuido.
      Ela tem uma função ideológica e os Modis do mundo promovem essa ideologia.
       Tomemos um exemplo simples. Um estudante indiano deve saber acerca do
      impacto do colonialismo britânico sobre a economia indiana. Um estudante
      de ciências económicas deve conhecer a obra de  Dadabhai Naoroji . Mas
      nenhum estudante de económicas em Cambridge ou Oxford ou Harvard sequer
      ouviu falar de uma pessoa chamada Dadabhai Naoroji. Portanto a trajectória
      de investigação e ensino numa universidade indiana nunca deve ser idêntica
      à de uma universidade britânica ou americana. Qualquer critério comum para
      classificar universidades, tais como o número de artigos em certas
       publicações reconhecidas, ou o número de citações recebidas por artigos e
      livros escritos pela faculdade, num mundo dominado pela academia
      ocidental, subestimaria necessariamente o valor do trabalho feito em
      universidades indianas. Estar preocupado acerca disto é de facto sucumbir
      à hegemonia académica ocidental, abandonar a ideia de que o que é ensinado
      e investigado em universidades indianas deve estar enraizado na realidade
      social indiana.
       Quando Gandhi instou estudantes indianos a abandonarem estudos em
      faculdades e universidades e aderirem ao Movimento de Desobediência Civil,
      Tagore perguntou-lhe como é que ele podia fazer isso num país onde a
       extensão da educação superior era tão limitada. A resposta de Gandhi foi
      que a educação superior sendo ministrada a estudantes sob o Raj era
      destinada apenas a produzir servidores oficiais do  Raj  e que os
      estudantes indianos fariam bem em saírem de tal sistema. Se se quiser
      reformular a resposta de Gandhi utilizando o conceito avançado por António
      Gramsci, o sistema colonial de educação superior estava destinado a
      produzir "intelectuais orgânicos" para o imperialismo britânico e não
      "intelectuais orgânicos" para o povo da Índia. Gandhi estava a rejeitar a
       ideia de educação superior como uma actividade homogénea independente do
      seu contexto social e sublinhava o papel social da educação superior.
      Aquela rejeição ainda hoje permanece válida. E se a educação superior não
       é uma actividade homogénea, então julgar instituições de educação
      superior através de diferentes países por uma fita métrica padrão é
       ilegítimo.
       Dois pontos devem ser destacado aqui de imediato. Mesmo se aceitássemos a
      lógica destes rankings e sentíssemos a necessidade de melhorar as fileiras
      das universidades indianas, nunca conseguiríamos fazê-lo sob a
      administração do BJP [o partido de Modi], por duas razões, uma bastante
      óbvia e a outra menos. A razão óbvia é que nenhuma universidade no mundo
      pode aspirar a qualquer tipo de excelência, não importa por quais
      critérios, se estudantes e professores dentro dela forem arregimentados,
      se não lhes for permitido pensar e falar livremente ou levantar questões
      por medo de serem marcados como "anti-nacionais" e "sediciosos". A
       tendência de todos os académicos potencialmente de boa qualidade seria
      fugir de um tal sistema, ao invés de serem atraídos por ele. Só mentes
      ignorantes pensam em maior controle político como meio de melhorar a
      qualidade do ensino superior, quando a verdade é precisamente o oposto.
       A razão mais subtil é que a própria aceitação de um ranking concebido por
      um corpo metropolitano, por mais bem intencionado que seja, num mundo
      marcado pela hegemonia intelectual metropolitana, condena todas as
      instituições imitadoras do terceiro mundo à mediocridade. Eles vivem a
      paródia com a qual o arqui-imperialista Rudyard Kipling havia
      ridicularizado a classe média colonizada, através da sua criação do
      banderlog em  O Livro da Selva,  cujo principal desejo, expresso para o
      filho varão Mowgli, era: "nós queremos ser como você"; coisa que
      obviamente nunca poderiam ser. A razão pela qual instituições como a
       Universidade Jawaharlal Nehru adquiriram renome mundial, o que é um
       facto, independentemente de figurarem em qualquer lista compilada pelo
       Times Higher Educational Supplement,  é precisamente porque nunca
      tentaram imitar instituições do Ocidente. E isso é uma condição necessária
      para a excelência.
       O segundo ponto é que não se importar acerca dos rankings preparados por
      instituições como  The Times Higher Educational Supplement,  onde as
      universidades indianas não figuram no topo, não deve significar que está
      tudo certo com o ensino superior indiano. Todos conhecem seu péssimo
      estado, o qual foi produzido por um conjunto de factores. Estes incluem o
      controle político que leva os bajuladores ao topo da administração
      universitária; absoluta mesquinhez na concessão de recursos para elas,
      razão pela qual posições docentes são deliberadamente mantidas vagas e
       instituições forçadas a desenrascarem-se com o corpo docente  ad hoc  a
      fim de poupar dinheiro; e uma agenda de mercantilização da educação a qual
      implica que as universidades privadas – a operarem em linhas comerciais –
      são realmente favorecidas pelo governo em comparação com as universidades
      públicas. Rejeitar os rankings de instituições metropolitanas não é,
      portanto, estar orgulhoso quanto ao estado do ensino superior na Índia; é
      simplesmente sugerir que os critérios pelos quais as julgamos devem ser
       sui generis  e não aqueles concebidos pelas instituições metropolitanas.
       A razão porque eles produzem tais listas baseadas num conjunto de
       critérios comuns, independentemente do contexto social das universidades,
      não é apenas ideológica, não é apenas para aprisionar essas instituições
      dentro do discurso conceptual metropolitano. Há também uma razão
       adicional, mais directamente económica. E isso tem a ver com o facto de
       que, na era da globalização, o capital globalizado não pode simplesmente
      transportar pessoal de seu país natal para servir suas necessidades
      internacionalmente. Ele deve recrutar pessoal local, o qual, para o
      capital originário da metrópole, também é mais barato. O capital
      globalizado, portanto, deseja instituições de ensino superior  por toda a
      parte  a fim de produzir estudantes que sejam mais ou menos idênticos em
      todo o mundo. Quem recruta verificaria então quão "boa" seria supostamente
      a instituição num determinado país que produz tais estudantes. Ele exige
      portanto uma classificação de tais instituições em todo o mundo. Por
      outras palavras, o capital globalizado, precisamente porque é globalizado,
      requer uma classificação das instituições de educação superior em todo o
      mundo, da mesma forma que requer um ranking de "classificação de crédito"
      de países pelas agências especializadas de  rating. 
       Colocar universidades indianas entre as melhores em tais classificações
      faz parte portanto da agenda de fazê-las produzir "intelectuais orgânicos
      para o capital financeiro internacional". É convertê-las de instituições
       encarregadas de produzir "intelectuais orgânicos para o povo indiano"
      àqueles requeridos para produzir "intelectuais orgânicos para o capital
      financeiro internacional". Elas podem não estar a sair-se muito bem no
      cumprimento da tarefa anterior, mas este é um argumento destinado a
      melhorar o seu funcionamento  quanto a essa tarefa,  não para mudar a sua
      tarefa de produzir alimento para o capital financeiro internacional,
      enquanto vira as costas ao povo.
       Pode-se pensar, naturalmente, que não produzir alimento para o capital
       financeiro internacional diminuiria e empregabilidadde dos estudantes
       num mundo neoliberal  dominado por este capital. Mas isto é basicamente
      um argumento a favor da mudança do regime económico do país ao invés da
       mudança do sistema de educação. Além disso, nem mesmo está claro que os
      produtos de um sistema de educação que se prostra perante o capital
      financeiro internacional permaneceriam empregados. Estudantes saídos da
      Jawaharial Nehru University ou da Jadavpur University afinal de contas
      actualmente não permanecem desempregados. Ao contrário, suas perspectivas
      de emprego mesmo dentro do actual regime económico são muito melhores do
      que aquelas dos saídos das outras universidades que fazem de tudo para
      produzir estudantes na forma de mercadorias bem embaladas para o mercado.
       Assim, parecemos estar a completar um círculo. O sistema de educação
      colonial fora orientado para produzir servos para o  Raj,  o que Gandhi
      objectara. Sete décadas após a independência, estamos agora mais uma vez
      no processo de fazer com que o nosso sistema educacional produza servos
      para o capital financeiro internacional. Isto deve ser contestado. O
      sistema de educação na Índia deve ser voltado para a produção de
      intelectuais orgânicos para o povo trabalhador indiano.

      12/Agosto/2018
      [*] Economista, indiano, ver  Wikipedia
       O original encontra-se em 
      peoplesdemocracy.in/2018/0805_pd/ranking-universities . Tradução de JF.

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_12ago18.html
12/8/2018

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