segunda-feira, 6 de agosto de 2018

"Devemos preparar-nos"



       por Carolus Willer [*] 

       O Partido Comunista da Venezuela (  PCV ) apoia o governo de Nicolas
      Maduro. Mas o PCV apresenta claramente as divergências que tem com o seu
      partido social-democrata, o PSUV. Entrevista com Carolus Wimmer,
      secretário internacional do PCV acerca da situação naquele país. 
       SDAJ: Qual é a vossa apreciação sobre a vitória eleitoral? 
       Carolus Wimmer : A vitória de Maduro é para nós uma vitória eleitoral
      benvinda e importante, mas não uma vitória para comemorar e sim um
      incitamento forte à reflexão, à crítica e à auto-crítica. Os Estados
      Unidos, apoiados pela UE, anunciaram que não reconheceriam o resultado. A
      burguesia venezuelana montou uma greve dos transportes no domingo das
      eleições. Que a eleição tenha simplesmente podido se realizar, e mesmo com
      êxito e na calma, prova que a maioria da população quer a paz e a
      democracia. Para nós, a democracia significa que a população tem o direito
      de decidir pelo voto quem deve ser presidente.
       SDAJ : A participação nas eleições e o número absoluto de sufrágios a
      favor de Maduro foram claramente mais fracos que nas eleições anteriores.
      Por que? 
       Carolus Wimmer  : Isso tem a ver em primeiro lugar com o facto de que a
       oposição apelou ao boicote. Entretanto, uma parte da oposição mesmo assim
      participou nas eleições que foram democráticas com quatro candidatos
      oponentes a Maduro. Uma vez que a oposição, na sua maior parte, não
      participava, pode-se supor que uma parte dos nossos eleitores disse a si
      própria: "ele ganhará de qualquer modo" e não se deslocaram. Em comparação
      com os outros países da América Latina, experimentámos um alto nível de
      participação eleitoral. Desta vez, na escala do nosso país, não estamos
       satisfeitos, mas a participação continua superior àquela nas eleições na
      Colômbia, Argentina, Chile ou Brasil. É um número que é preciso
      relativizar.
       SDAJ : Por que, como partido comunista, apoiaram Maduro? 
       CW : Apoiámos Maduro com a palavra-de-ordem "unidade para a defesa da
      pátria". A Venezuela é um país capitalista com as contradições inerentes a
      um país capitalista. Também temos contradições com o nosso aliado, o PSUV,
      que é um partido social-democrata. Mas no momento a prioridade é a defesa
      da soberania nacional da Venezuela contra as ingerências e as ameaças
      militares dos Estados Unidos e da UE. Era claro para nós que este
      objectivo comum devia prevalecer sobre as divergências com o PSUV, que
      entretanto explicámos durante a campanha eleitoral.
       SDAJ : Assinaram um acordo com o PSUV, enquanto partido comunista. Quais
       eram seu conteúdo e seu objectivo? 
       CW : Apoiámos Maduro com a condição de haver um projecto comum mínimo. É
      este o sentido do acordo assinado com o PSUV. Não foi fácil concluir este
      acordo, mas chegámos lá. Para nós, trata-se de um programa de combater
      para defender a classe operária e ele contém muitas propostas para
      remediar dificuldade e erros. É o primeiro programa comum em 19 anos entre
      o PCV e o PSUV na Venezuela. Consideramo-lo como um êxito mas igualmente
      como uma necessidade. Sem este programa, certamente não teria havido apoio
      a Maduro da nossa parte.
       SDAJ : Quais são os pontos centrais do acordo? 
       CW : O programa compreende ao todo 19 pontos sobre os quais pudemos nos
       por de acordo com o PSUV. Isso faz parte do reconhecimento da necessidade
      de uma liderança colectiva do processo revolucionário, "revolucionário",
      entendido no sentido de libertação nacional e não de socialismo. Na nossa
       opinião, a Venezuela enfrenta numerosos problemas porque os assalariados
       ainda não alcançaram nenhuma posição dirigente. Eles certamente podem
      votar, mas as posições dirigentes permanecem sempre ocupadas pela
      burguesia.
       Outros pontos referem-se ao combate à corrupção, à exigência de uma
      planificação centralizada, ao combate contra os privilégios da burguesia,
      à exigência de que, na situação económica difícil que atravessa o país,
      não vá nenhum dólar para a burguesia. Um outro assunto, decisivo para nós,
      é a busca do desenvolvimento produtivo. A Venezuela é um país petrolífero.
      Vivemos, desde há um século, do petróleo. É necessário que o país se
      industrializa mais – e não só com "projectos mamute" mas também através de
       pequenas e médias empresas, o artesanato, a agricultura. Isso não
       constitui um programa socialista mas sim um começo positivo, se o governo
      está realmente pronto a melhorar concretamente a situação e a por em acção
      os pontos mencionados.
       SDAJ : Acerca de que pontos distinguem-se do PSUV? 
       CW : A diferença entre o PCV e o PSUV é aquela que separa o comunismo da
      social-democracia. Não é o que colocamos em primeiro lugar neste momento,
      mas lutamos pelo socialismo. O socialismo é a libertação do homem da
      exploração, o poder à classe operária, aos assalariados e ao conjunto dos
       trabalhadores.
       Nossa base teórica é o marxismo-leninismo e podemos demonstrar, 200 anos
      após o nascimento de Karl Marx, que a Venezuela já realizou grandes
      progressos, nomeadamente ao nível da superestrutura. Marx fala da base
      económica e da superestrutura. Mas o que é que é decisivo em primeiro
      lugar? A base económica! Isso quer dizer que a consciência dos homens e
      das mulheres é igualmente determinada pela situação económica. Acerca
      deste ponto, tem havido uma interpretação falsa em todos os processos
       progressistas na América Latina, quer seja na Argentina, no Brasil com
       Lula, no Equador com Correa, etc. Todos eles concentraram-se na
      superestrutura: educação, saúde, construção de habitações, uma nova
      constituição, democracia participativa, cultura, desporto... Tudo isso é
      belo e justo. Na Venezuela isso funcionou enquanto as cotações do petróleo
       permaneceram elevadas. Havia muito dinheiro para consagrar à
       superestrutura. Mas com a queda das cotações do petróleo, a realidade nos
      recapturou.
       SDAJ : Que papel desempenham as agressões do imperialismo americano e da
      UE? 
       CW : Está claro para nós que, quando a luta das classes progride, o que é
      indiscutivelmente o caso na Venezuela, o inimigo de classe reage. Este
      pode nos deixar por algum tempo relativamente tranquilos, enquanto não
      representemos um perigo, mas quando nosso trabalho e nossa luta avançam e
      ameaçam os privilegiados da burguesia e dos monopólios multinacionais, a
      reacção vem naturalmente. Enquanto comunistas, não temos de ver nisto uma
      tragédia. Mas somos tão contrários à trégua, que o capitalismo pode
      conceder desde que possa continuar a exploração, que estamos determinados
      a lutar para nos libertar. Este inimigo de classe saberá "evidentemente
      utilizar todas a nossas fraquezas. E nossa fraqueza principal é a fraqueza
      da base económica da Venezuela. Tudo isso deve-se ao todo-petróleo. A
      infraestrutura não corresponde assim de modo algum às necessidades
      produtivas de um país independente mas está dirigida unicamente para a
      exportação. Isso traduz-se pelo facto de que todas as cidades estão
      situadas na costa e que no interior, por assim dizer, não existem. As
      estradas e as ferrovias foram construídas para ir dos poços de petróleo e
      das minas para a costa. Toda a estrutura foi pensada para a exploração do
      país, das suas matérias-primas e para os lucros dos grandes monopólios dos
      países imperialistas.
       É lógico que os países imperialistas se esforcem por controlar nossos
      países e combatam toda forma de resistência. Aquilo que se vê nas
      múltiplas guerras em África vale também para a Venezuela. O que se passa
      na Venezuela? Desde há 19 anos, um pequeno país, fraco, resiste contra uma
      potência imperialista e militar cada vez mais forte. Como Cuba, como a
      Bolívia mas com uma diferença, a riqueza da Venezuela. Se fôssemos um país
      pobre, desprovido de recursos naturais, sem dúvida seríamos considerados
      com um pouco mais de paciência. Mas o imperialismo é ávido. Eis porque os
      Estados Unidos, e também a UE enquanto representante do capitalismo
      europeu, não mudarão seu plano destinado a assegurarem o domínio sobre
      estas riquezas naturais.
       SDAJ : A que tradução política isso vos conduz? 
       CW: Isso significa que devemos nos preparar para uma luta de longa
       duração, como Cuba e outros países o fizeram com êxito, como o Vietname.
      É verdde que somos um partido pequeno mas desempenhamos um papel
      importante, em particular na organização da classe operária e ao lado da
      juventude trabalhadora. A tarefa é grande mas as possibilidades também são
      grandes. Nestes dias, e isso vale de modo agudo para a nossa revolução
       bolivariana, a luta é portadora de dificuldades e perigos mas também de
      uma grande possibilidade de mudar as coisas. Se a luta das classes se
      desenvolve muito fracamente, então quase nada muda e os países
      imperialistas podem continuar a explorar tranquilamente.
       A Venezuela mostrou sua grande solidariedade internacional, em primeiro
      lugar em relação à América Latina mas também no resto mundo. Reforçar o
      processo revolucionário na Venezuela implica também que sustentemos outros
      combates emancipadores. É por isso que o imperialismo americano nos
      classifica no "eixo do mal" e que há perigo de um ataque directo dos
      Estados Unidos contra a Venezuela. Isso nos coloca diante de uma situação
      complicada: Nós, que lutamos pela Revolução e pelo socialismo, lutamos
       também e sempre pela paz e a liberdade frente às guerras imperialistas.
      Mas quando o imperialismo nos ameaça com a guerra, devemos ser capazes de
      nos defender. No momento, conduzimos este combate naturalmente no quadro
      do sistema capitalista. Isso implica que lutamos por reformas. Mas ao
      mesmo tempo batemo-nos pela revolução porque sabemos que as reformas são
      sempre limitadas. E temos também de nos bater pela paz. Devemos nos
      preparar militarmente para um possível ataque, agora e não reagindo quando
      ele já tiver ocorrido.
       Esta é uma das lições a tirar do golpe fascista no Chile em 1973. Após o
      golpe criticou-se (do exterior, é sempre mais fácil) a confiança concedida
      pelo governo às forças armadas. Então, se havia dado como certo que uma
      democracia que não havia experimentado nem um golpe em mais de cem anos
      (mesmo que houvesse golpes por toda a parte), isso não aconteceria. Mas de
      facto foi só porque a burguesia, durante 100 anos, não sentiu necessidade
      de desencadear um golpe. Em 73 no Chile, claro, não foi um governo
      revolucionário, mas antes um governo progressista e democrático que havia
      sido eleito. Para a burguesia chilena e o imperialismo norte-americano,
      essa era uma razão suficiente para um golpe militar. Essa acção criminosa
      parecia improvável e sempre será o mesma onde não estivermos bem
      preparados.
       Outro exemplo importante é Cuba. O imperialismo e, em primeiro lugar, o
       imperialismo americano, fez muito para que a Cuba socialista
      desaparecesse, mas eles não o conseguiram até o presente. Porque, desde há
       quase 60 anos, a unidade do povo cubano reforçou-se. Esta unidade do povo
      é o que precisamos na Venezuela. Assim, enquanto Partido Comunista da
      Venezuela, apoiamos a união da população civil e das forças armadas. Ela
      constitui um dos factores importantes para explicar porque o governo de
      Maduro ainda sobrevive. Se as forças armadas se dividirem ou se se
      virassem contra o governo, seria uma coisa muito má. Isso pode parecer
      paradoxal para a esquerda na Europa. Mas afirmamos que devemos estar em
      estado de nos defender porque não somos um país imperialista, ao contrário
      dos Estados Unidos ou dos Estados membros da UE.

      02/Agosto/2018
      [*] Secretário internacional do PCV. Entrevista realizada pela SDAJ
       (Juventude Operária Socialista Alemã), movimento ligado do DKP (Partido
      Comunista Alemão). 
       A versão em francês encontra-se em  solidarite-internationale-pcf.fr/... 
In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/venezuela/c_willer_02ago18.html
6/8/2018

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