sábado, 23 de fevereiro de 2019

Enfim (um dia de) greve geral!



       Factos que os media corporativos escondem 
      Enfim (um dia de) greve geral!

       por Rémy Herrera


 
       Quarta-feira, 5 de fevereiro de 2019 foi, em França, uma jornada de greve
      geral e de manifestações. O apelo foi lançado a nível nacional pela CGT
      (Confederação Geral do Trabalho) e por numerosas secções de outros
      sindicatos (Solidários, Força Operária, sindicatos liceais…) e ainda pelos
       líderes dos coletes amarelos. Um deles, Maxime Nicolle, declarou: "  É
      necessário que todas as pessoas que apoiam este movimento  [dos coletes
      amarelos]  façam greve, porque a única coisa que fará ceder o governo, sem
      violência, é tocar no aparelho económico  ". Vários dirigentes de partidos
      políticos (do Novo Partido Anticapitalista, da França Insubmissa, do
      Partido Comunista Francês…) também já aderiram à greve. Travada pelos
      trabalhadores dos setores privados e públicos, com reivindicações de
      aumento dos salários e dos mínimos sociais, para uma profunda reforma da
      fiscalidade face à urgência social e pela defesa das liberdades públicas,
      esta greve intersindical e interprofissional foi um êxito. Reuniu, segundo
      a estimativa da CGT, perto de 300 mil manifestantes em cerca de 200
      cidades do país. Além disso, concretizou – pela primeira vez,
       "oficialmente", por fim! – uma convergência das lutas sindicais e das dos
      coletes amarelos. Mas os  media  dominantes fizeram o necessário – têm os
      meios para isso – para que este êxito passasse quase despercebido do
      grande público.
       No sábado seguinte, a 9 de fevereiro, realizou-se o "Ato 13" dos coletes
      amarelos: 51 400 pessoas (segundo afirma a polícia) ou… mais do dobro (de
      acordo com os organizadores) desfilaram um pouco por toda a França. Embora
      a grande maioria dos participantes nesta nova mobilização se tenha
      manifestado pacificamente – reclamando, de passagem, a demissão do
      presidente Emmanuel Macron –, algumas concentrações degeneraram,
      nomeadamente em diversos pontos da capital: recontros com as forças da
      ordem, montras de lojas e vitrinas de bancos partidas, mobiliário urbano e
      carros incendiados… No entanto, no dia 9, à noite, nenhuma resposta
      política ou social a esta crise foi considerada pelo poder. A "estratégia"
      deste? Sempre a mesma, como desde o início da mobilização dos coletes
      amarelos em meados de novembro, ou seja, a deterioração: reprimir
      brutalmente os coletes amarelos, deixá-los esgotarem-se, dividi-los ao
      máximo, desacreditá-los, acusá-los de todos os males, insultá-los, atiçar
      o medo e o ódio, esperar uma reviravolta da opinião pública. Mas,
      sobretudo, não ceder em nada aos contestatários e fingir não compreender
      que a ordem instituída desta sociedade de desigualdades e de injustiças
       provoca náuseas e é insustentável.
       Porque a mensagem disseminada pelos  media  é que esta mobilização
      apodrece. De há três meses a esta parte, uns 60 parlamentares da maioria
      presidencial mencionaram ter recebido ameaças anónimas, de diversa
      natureza, e por diversos meios, e foram registados mais de 80 estragos em
       instalações políticas ou em domicílios pessoais de eleitos de  A
      República em Marcha.  Por exemplo, as portas de entrada ou da garagem de
      casas de eleitos foram muradas à pressa, durante a noite; insultos
      pintados nas fachadas… No decurso dos últimos anos, já tinham sido
      observadas uma serie de ações de incivilidade deste género, visando outros
       responsáveis políticos (de maiorias anteriores). Há cinco anos, aquando
      duma manifestação de agricultores em Champagne, uma máquina agrícola
      arremessou estrume – no meio da risota geral – contra o frontão duma
      prefeitura (que atingiu o interior dos gabinetes); lançaram-se ratazanas
      como forma de protesto nos edifícios oficiais em Haute-Garonne; na região
      Pays de la Loire, tratores despejaram estrume – em quantidades abundantes
      – nos jardins da residência de um ministro (socialista) da Agricultura,
      etc. Mas, atualmente, a tensão parece aumentar de nível. Há uns dias,
      indivíduos tentaram incendiar um dos domicílios de Richard Ferrand,
      presidente da Assembleia Nacional – e antigo membro da ala esquerda do
      Partido Socialista, e depois secretário-geral do partido do presidente
      Emmanuel Macron,  A República em Marcha… 
      É neste contexto pernicioso que, no próprio dia da greve geral de 5 de
      fevereiro, foi aprovada na Assembleia Nacional uma "lei anti vândalos". Um
      facto novo – desde há 18 meses – uns 50 deputados do grupo de Macron
      recusaram-se a votar essa proposta de lei desejada pelo governo. Isso não
      chegou para rejeitar o texto, mas revela o mal-estar que percorre as
      fileiras da maioria presidencial – tanto mais que o aviso prévio emitido
      pelo Conselho de Estado, em oposição a uma lei que (segundo ele) contém um
      atentado às liberdades públicas, foi ignorado pelo Parlamento. Este novo
       dispositivo jurídico – que será examinado pelo Senado a 12 de março
      próximo – constitui, obviamente, mais uma viragem na espiral da repressão.
      A partir de agora, no bem-aventurado reino da França, uma pessoa poderá
      ser proibida de se manifestar – não por ser condenada pela justiça (isto
      é, depois de ter praticado um delito), mas – de forma antecipada, por via
      de uma interdição administrativa decidida por um prefeito, por outras
       palavras, pelo representante do poder político nas comunidades
       territoriais. Isto, com base na simples suspeita (documentada pelas
      fichas dos serviços de informações gerais). Institui-se assim um "foco
      individual" dos manifestantes supostamente perigosos!
       O apelo da base de Emmanuel Macron às franjas mais direitistas e
       reacionárias do seu eleitorado, ansiosas por verem restabelecida a ordem
       pública o mais depressa possível, é grosseiro. Subitamente, regressámos a
      uma época anterior a 1968, quando o regime do general de Gaulle suspendeu
      o direito de manifestação durante a guerra da Argélia (a partir de 1958 e
      até ao 1.º de maio de 1968). Claro, a lei anti vândalos ainda não está em
      vigor e tem de esperar que o Senado se pronuncie. Mas, para já,
       levantaram-se vozes cada vez mais fortes, nas redes sociais, indignadas
      por não terem sido imediatamente acusados os indivíduos que fizeram
       estragos, identificados e seguidos pelas forças da ordem, durante todo o
       dia (como o que incendiou vários veículos a 9 de fevereiro, um deles do
      plano Vigipirate). Observadores fazem notar – aquilo que toda a gente já
      sabe há décadas – que bastava que policias se infiltrassem ocasionalmente
      nos desfiles, para "ajudar" os vândalos a cumprir a sua tarefa – e
      desacreditar assim os movimentos sociais… Aliás, Daniel Cohn-Bendit,
      especialista nesta área – do vandalismo (em maio de 1968) e da colaboração
      com o poder (desde essa altura) – já o reconheceu, sorridente…
      Enquanto espera, a repressão policial vai de vento em popa. Como todos os
      sábados, desde há 14 semanas. Uma sessão de arremesso manual de granadas
      de dispersão até foi transmitida em direto nos canais de (des)informação,
      em contínuo, a 9 de fevereiro. Enquanto um grupo de coletes amarelos
      tentava visivelmente furar a paliçada instalada em frente da Assembleia
      Nacional, um fotógrafo ficou sem um braço perante o olhar horrorizado de
      milhões de telespetadores! Os quais viram, em horário nobre, como
      recompensa pela sua fidelidade, um oficial superior, de serviço diante da
      câmara dos deputados, receber um pontapé na cara de um dos manifestantes
       empoleirado nas grades do edifício… Um choque para os partidários da
      mudança e para os partidários da ordem! Uns dias depois, saiu o veredito
      para o boxeur do CRS, Christophe Dettinger: um ano de prisão! A 15 de
      fevereiro, Éric Drouet, figura popular dos coletes amarelos, compareceu
      também perante um tribunal para responder à acusação de "organização de
       manifestação não declarada" … O problema é que a maior parte dos líderes
      dos coletes amarelos já não querem declarar na prefeitura estas
      manifestações, exatamente por causa dos excessos (espontâneos ou, mais
      frequentemente, causados ou provocados pelas forças da ordem) que os fazem
      incorrer no risco de processos judiciais. Outro líder dos coletes
      amarelos, Jérôme Rodrigues, divulgou que tinha perdido um olho, depois de
       ter sido atingido por uma bala de Flash-Ball na cabeça. Entretanto, os
       membros da direção do partido França Insubmissa (entre outros) foram
      sujeitos a buscas em casa, uns atrás dos outros.
       No entanto, a violência não é só na rua. Longe disso. Está em todos os
      canais de televisão, na boca de especialistas de segurança – ou melhor, de
      denúncia! – apoiados por alguns universitários guedelhudos, com ar de 68,
      que vêm esclarecer os telespetadores e, com eles, as informações gerais,
      dedicando-se a um exercício de denúncia em direto de diversos
      manifestantes:  "reparem, há ali uma bandeira com a foice e o martelo!" 
      ou  "ali, é a CGT, há bocado vi os sinais de reconhecimento deles!"  ou
       "aqueles são maoístas, de acordo com os estandartes!"…  Sim, isto começa
      realmente a cheirar muito mal na  macronia…  A violência está nas
      propostas cheias de ódio de um Luc Ferry, professor de filosofia e
      ex-ministro da Educação nacional (de Jacques Chirac), vomitando numa
      emissão de rádio (na  Radio Classique,  a 7 de janeiro) que as forças da
      ordem deviam ser autorizadas a usar armas (as letais!) contra os rebeldes
      contestatários. E de repetir isso, um pouco mais calmamente, uns dias
      depois, sem recear qualquer sanção, numa outra emissão, desta vez
      televisiva (no LCI a 3 de fevereiro), queixando-se de que, nos belos
      bairros de Paris (entre os quais o dele),  "é pavoroso o que se passa!". 
      Porque, a partir de agora, é preciso dizer:    "atacar Macron, é atacar a
      França!".  Sem comentários dos jornalistas!
       A violência, encontramo-la oculta no comportamento de um presidente da
       República que continua a afirmar que não recuará, que  "não mexerá um
      dedo",  que  "não mudará de rumo",  no preciso momento em que lança o seu
      "Grande Debate". O qual se resume, no fundo, a uma sobre-exposição
       mediática da sua divina pessoa para começar, de modo indireto (e às
      custas dos contribuintes), a campanha das eleições europeias em maio
      próximo. Está no encorajamento dos seus partidários que proclamam alto e
      bom som que  "o presidente ainda não fez nada",  que  "as grandes reformas
      do quinquénio ainda estão para vir".  Está nas zonas do não-direito no
      topo do Estado, reveladas pelos meandros do caso Benalla – segundo o nome
      daquela antiga guarda de segurança do presidente que se julgava acima das
      leis (por estar coberto pelo seu poderoso protetor) e que a justiça
      demorou cerca de 10 meses para o deter – e nos seus múltiplos efeitos: a
       demissão do conselheiro especial mais próximo de Emmanuel Macron, Ismaël
      Emelien, citado no mesmo caso (por ter sido possivelmente o beneficiário
      de documentos ilegais); a mutação da chefe do grupo de segurança do
      primeiro-ministro (para proteger o cônjuge, possivelmente envolvido num
      contrato feito entre relações de negócios de Benalla e um oligarca russo);
      mais um recente relatório esmagador do Senado sobre as anomalias dos
      serviços do Eliseu; e muitas outras zonas de sombra (um cofre-forte
      desaparecido misteriosamente no domicílio de Benalla, passaportes
      diplomáticos que este não restituiu, comissões suculentas recebidas por
       contratos de proteção privada…). Estejam tranquilos: os dois pobres
      cristãos espezinhados por Alexandre Benalla, no 1.º de maio de 2018 na
      praça da Contrescarpe em Paris, foram julgados e condenados (em 500 euros
      de multa!) – por terem atirado contra polícias, respetivamente, um
      cinzeiro e um cântaro… A violência está neste espetáculo duma justiça a
      duas velocidades, imposta por um poder desastroso e por todo um regime em
      decadência… Para quando a verdadeira democracia em França?
       A violência ainda, na continuação da destruição da França que está a ser
      implementada lentamente: um Parlamento que autoriza a aceleração da
       privatização dos setores da energia (quando camaradas ocupam centrais ou
      reabrem agências de acolhimento fechadas ao público); um ministro da
      Educação na iniciativa duma lei que exige às comunas que financiem ainda
      mais o ensino privado a partir do pré-escolar, ou de um texto que aumenta
      os custos de inscrição dos estudantes estrangeiros na universidade (e os
       professores fazem greve)… Felizmente, a França ainda mantém a venda de
      armas! Por azar, os submarinos que lhe acaba de comprar a Austrália (cujo
      orçamento militar está contabilisticamente integrado no dispositivo global
      de defesa dos Estados Unidos) não serão fabricados em França, mas… a 16
      mil km de distância:   em Adelaide, na Austrália Meridional! Para que
      serve então o material militar francês adquirido pela Arábia Saudita e
      pelos emirados do Golfo, senão para esmagar as populações vietnamitas!
      Mas, quanto ao respeito pelos direitos do Homem, nem pensar. É esta a
      moral da  macronia! 
       "O Grande Debate é na rua!",  dizia um cartaz da manifestação de 16 de
      fevereiro passado. A convergência das lutas dos sindicatos e dos coletes
      amarelos é necessária, mais do que nunca. Desde o mês de novembro, estão
      ao lado dos coletes amarelos grandes faixas das bases sindicais, nas
      mobilizações de sábado, nas rotundas nos dias de semana, ou nas empresas.
      Os dirigentes sindicais, reticentes durante muito tempo, juntaram-se-lhes
      finalmente. Ou foram obrigados a fazê-lo, a partir de 5 de fevereiro
      passado, precisamente por pressão das bases militantes. Isso demorou
      tempo. Este esforço de convergência é louvável, evidentemente, mas ainda é
      insuficiente. A próxima greve geral e nacional, uma ocasião para uma nova
       mobilização conjunta de sindicatos e coletes amarelos, está anunciada
      pela CGT para 19 de março. É demasiado longe, quando tantos camaradas
      lutam diariamente, por todo o lado. Tanto mais que os expurgos estão a
      acelerar (porque não dizê-lo?) na pirâmide do poder no seio dos
      sindicatos, para afastar os elementos mais contestatários, mais rebeldes e
      mais motivados para alargar e aprofundar as lutas. Será necessário
      apressar o passo, redobrar de energia, convencer sempre mais camaradas a
      entrar na batalha. Será necessário fazer vencer a lógica da greve. E fazer
      recuar a arrogância desta direita que se diverte dizendo que  "em França,
      a revolução é ao sábado e suspende-se no domingo de manhã".  Os coletes
      amarelos mostram o caminho: apelam à manifestação também ao domingo! Neste
      momento histórico tão especial, devemos medir a importância do que se
      passa nesta hora em França no arsenal repressivo sem precedentes que ali
      está instalado para tentar deter a revolta popular que aumenta. A
       repressão brutal, com efeito, é o reflexo, não tanto duma contra-ofensiva
      da burguesia, mas de um medo que a invade e de uma interrupção do seu
      projeto destruidor sob o impulso dum povo em luta.

      23/Fevereiro/2019
       Tradução de Margarida Ferreira. 
In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/franca/remy_21fev19_p.html
22/2/2019

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