quinta-feira, 25 de março de 2021

O derrube de Evo Morales e a primeira guerra do lítio

 
  O derrube de Evo Morales e a primeira guerra do lítio

Thierry Meyssan

O mundo estava habituado às guerras do petróleo desde o fim do século
XIX. Eis que agora começam as do lítio ; um mineral essencial aos
telefones portáteis, mas principalmente para as viaturas eléctricas.
Documentos do Foreign Office, obtidos por um historiador e um jornalista
britânicos, atestam que o Reino Unido organizou, com todos os detalhes,
o derrube do Presidente boliviano Evo Morales a fim de roubar as
reservas de lítio do país.

*Enquanto vocês o observavam a fazer de palhaço, Boris Johnson tratava
de supervisionar o derrube do Presidente Morales na Bolívia, ocupar a
ilha de Socotorá ao largo do Iémene, e a organizar a vitória da Turquia
sobre a Arménia. Aliás, vocês nem sequer ouviram falar disto. *

Recordem o derrube do Presidente boliviano Evo Morales, nos fins de
2019. À época, a imprensa dominante clamava que ele havia transformado o
seu país numa ditadura e que acabava de ser expulso pelo seu povo. A
Organização dos Estados Americanos (OEA) publicava um relatório para
certificar que as eleições tinham sido truncadas e que se assistia ao
restabelecimento da democracia.

Entretanto o Presidente Morales, que temendo acabar como o Presidente
chileno Salvador Allende se refugiara no México, denunciava um Golpe de
Estado organizado para apanhar as reservas de lítio do país. Mas não
conseguindo identificar os mandantes, nada mais provocou do que
sarcasmos no Ocidente. Apenas nós revelamos que a operação havia sido
posta em prática por uma comunidade de católicos croatas ustashas
presente no país, em Santa Cruz, desde o fim da Segunda Guerra Mundial;
uma rede /stay-behind/ da OTAN [1 <#nb1>].

Um ano mais tarde, o partido do Presidente Morales ganhou com larga
maioria as novas eleições [2 <#nb2>]. Não houve contestação e este pode
triunfalmente regressar ao seu país [3 <#nb3>]. A sua pretensa ditadura
jamais tivera lugar, enquanto a de Jeanine Áñez acabava de ser derrubada
pelas urnas.

O historiador Mark Curtis e o jornalista Matt Kennard tiveram acesso a
documentos desclassificados do Foreign Office (Negócios Estrangeiros
britânico-ndT) que estudaram. Eles publicaram as conclusões no sítio
/Declassified UK/, sediado na África do Sul, após a sua censura militar
no Reino Unido [4 <#nb4>].

Mark Curtis mostrou ao longo de todo o seu trabalho que a política do
Reino Unido não havia sofrido qualquer mudança com a descolonização. Nós
já citáramos o seu trabalho numa dezena de artigos da Rede Voltaire.

Revelava-se que o derrube do Presidente Morales fora uma montagem do
Foreign Office e de elementos da CIA que escapavam ao controle da
Administração Trump. O seu objectivo era o de roubar o lítio existente
no país, cobiçado pelo Reino Unido no contexto da transição energética.

A Administração Obama havia já, em 2009, tentado um Golpe de Estado que
foi derrotado pelo Presidente Morales e que levara à expulsão de vários
diplomatas e funcionários dos EUA. Pelo contrário, aparentemente a
Administração Trump deixou o campo livre aos neoconservadores na América
latina, mas sistematicamente impediu-os de levar os seus planos à prática.

O lítio entra na composição das baterias. Encontra-se principalmente em
salmouras de desertos de sal em altitude, nas montanhas chilenas,
argentinas e sobretudo bolivianas («o triângulo do lítio»), até mesmo no
Tibete, são os «salares». Mas também sob a forma sólida em certos
minerais, extraídos de minas, nomeadamente australianas. Ele é
indispensável para a mudança de viaturas movidas a gasolina para
veículos elétricos. Tornou-se, portanto, uma questão mais importante que
o petróleo no contexto dos Acordos de Paris que são supostos combater o
aquecimento climático.

Em Fevereiro de 2019, o Presidente Evo Morales autorizara uma empresa
chinesa, TBEA Group, a explorar as principais reservas de lítio do seu
país. O Reino Unido concebeu, pois, um plano para o roubar.

Evo Morales, índio aimara, tornou-se Presidente da Bolívia em 2006. Ele
representava os produtores de coca; uma planta local indispensável à
vida a grande altitude, mas igualmente uma potente droga interdita no
mundo pelas ligas de virtude dos EUA. A sua eleição e a sua governança
marcaram o retorno dos índios ao Poder do qual haviam sido excluídos
desde a colonização espanhola.

- Já em 2017-18, o Reino Unido enviara peritos à empresa nacional
boliviana, Yacimientos de Litio Bolivianos (YLB), para avaliar as
condições de exploração do lítio boliviano.
- Em 2019-20, Londres subvencionou um estudo para «optimizar a
exploração e a produção do lítio boliviano utilizando a tecnologia
britânica».
- Em Abril de 2019, a embaixada do Reino Unido em Buenos Aires organizou
um seminário com representantes da Argentina, do Chile e da Bolívia,
funcionários de empresas mineiras e de governos, para lhes apresentar as
vantagens que teriam em usar a Bolsa de Metais de Londres. A
Administração Morales fez-se aí representar por um dos seus ministros.
- Imediatamente após o Golpe de Estado, o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) aprestou-se para financiar projectos britânicos.
- O Foreign Office havia contratado —muito antes do Golpe de Estado— uma
empresa de Oxford, a Satellite Applications Catapult, a fim de mapear as
reservas de lítio. Ela só foi paga pelo IADB após o derrube do
Presidente Morales.
- A Embaixada do Reino Unido em La Paz organizou, alguns meses mais
tarde, um seminário para 300 agentes da fileira com o apoio da sociedade
Watchman UK. Esta empresa é especializada no modo de associar as
populações a projectos que violam os seus interesses, a fim de evitar a
sua revolta.

Antes e depois do Golpe de Estado, a embaixada Britânica na Bolívia
negligenciou a capital La Paz para se interessar mais especificamente
pela região de Santa Cruz, aquela onde os Croatas ustashas haviam
legalmente tomado o Poder. Aí, ela multiplicou as iniciativas culturais
e comerciais.

Para neutralizar os bancos bolivianos, a embaixada britânica em La Paz
organizou, oito meses antes do Golpe de Estado, um seminário sobre
segurança informática. Os diplomatas apresentaram a empresa DarkTrace
(criada pelos Serviços Secretos do Interior britânicos), explicando que
apenas os estabelecimentos bancários que a contratassem, para garantir a
sua segurança, poderiam vir a trabalhar com a City.

Segundo Mark Curtis e Matthew Kennard, os Estados Unidos não
participaram, por si mesmos, no complô, mas alguns funcionários deixaram
a CIA para a preparar. Assim, a DarkTrace recrutou Marcus Fowler, um
especialista em ciberoperações da CIA, e especialmente Alan Wade, antigo
Chefe da Inteligência da Agência. A maior parte do pessoal da operação
era britânico, entre o qual os responsáveis da Watchman UK, Christopher
Goodwin-Hudson (antigo militar de carreira, depois Director de Segurança
da Goldman-Sachs) e Gabriel Carter (membro do muito privado Special
Forces Club de Knightsbridge, que se havia destacado no Afeganistão).

O historiador e o jornalista garantem igualmente que a embaixada
britânica forneceu à Organização dos Estados Americanos os dados que lhe
serviram para «provar» que o escrutínio havia sido truncado; relatório
que foi desmontado pelos pesquisadores do Massachusetts Institute of
Technology (MIT) [5 <#nb5>] antes de o ser pelos Bolivianos, eles
próprios, aquando das eleições seguintes.

A actualidade dá razão ao trabalho de Mark Curtis. Assim, em três anos,
desde o Golpe de Estado na Bolívia (2019), nós mostramos o papel de
Londres na guerra do Iémene (2020) [6 <#nb6>] e na do Alto Carabaque
(2020) [7 <#nb7>].

O Reino Unido leva a cabo guerras curtas e operações secretas, se
possível sem que os média (mídia-br) relevem a sua acção. Ele mesmo
controla a percepção que se tem da sua presença por meio de uma
infinidade de agências de notícias e de média (mídia-br) que subsidia em
segredo. Ele cria condições de vida impossíveis para aqueles a quem as
impõe. Utiliza-as para explorar o país em seu proveito. Além disso, pode
fazer durar esta situação o maior tempo possível tendo a certeza de que
as suas vítimas ainda irão a si apelar, única forma capaz de apaziguar o
conflito que ele próprio criou.

In
VOLTAIRE.NET
https://www.voltairenet.org/article212422.html
16/3/2021

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