sexta-feira, 8 de julho de 2022

Michael Hudson: "vocês estão vivendo o equivalente a uma sociedade feudal, mas em vez de latifundiários, vocês têm financistas"



"Não vejo como o Brasil pode sair disso. Quando Lula planejou algo para
o povo, foi derrubado com a ajuda americana para implantar uma
ditadura", diz o economista dos EUA edit



*Por Cesar Calejon, 247 - *Com base em uma entrevista exclusiva
realizada com Michael Hudson, economista norte-americano, professor de
economia na Universidade do Missouri do Kansas, pesquisador do Levy
Economics Institute do Bard College e autor do livro The Destiny of
Civilization: finance capitalism, industrial capitalism or socialism,
que foi lançado em inglês no último mês de maio, esta matéria está
dividida em três partes.

Na primeira, Hudson explica de forma simples os três conceitos centrais
da sua obra: *o capitalismo industrial, o capitalismo financeiro e o
socialismo*. Na segunda, fala sobre o conceito de *Guerra Fria 2.0* e,
por fim, considera a atual condição do *Brasil no cenário geopolítico
global* em face das *eleições presidenciais de outubro*.

“No capitalismo industrial, os atores-chave são empregadores que
contratam o trabalho por salários para efetivarem a produção que vendem
e a maior parte do lucro é convertida em mais e mais investimento de
capital para contratar mais mão de obra para aumentar o investimento e
aumentar a produtividade e a produção”, explica o economista.

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Segundo ele, “(...) não é isso que ocorre hoje sob o capitalismo
financeiro. Hoje, 92% dos ganhos corporativos em termos de fluxo de
caixa nos Estados Unidos são gastos na recompra de ações ou no pagamento
de seus dividendos para aumentar o preço das ações. Portanto, as
corporações não ganham mais dinheiro contratando mão de obra para
produzir bens (ou serviços) para vender com lucro, elas meio que vivem
do que investiram no passado e gastam os lucros que obtêm para aumentar
os preços das ações para ganhar dinheiro com as finanças”.

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Para Hudosn, esse mecanismo caracteriza um modelo de engenharia
financeira e não engenharia industrial. “E o que o socialismo quer
fazer, e estou pensando no socialismo chinês, é, na verdade, financiar o
capitalismo com características americanas de um século atrás. É como a
Alemanha ficou rica, como a América construiu a sua indústria.
Essencialmente, os governos dos estados gastam dinheiro em
infraestrutura pública para reduzir o custo dos salários para os
investidores industriais. A ideia dos investidores industriais, no final
do século 19, era pagar o mínimo possível de salários, mas sabendo que o
trabalho precisaria ser remunerado com altos salários para ser mais
produtivo”, ressalta o autor.

“Trabalhadores bem alimentados, bem educados e que têm acesso ao lazer
são mais produtivos. Então, eles pensaram como pagar menos pelo
trabalho. A resposta era minimizar o custo de vida e, para isso, foi
necessária uma série de coisas, mas, principalmente, livrar-se da classe
latifundiária. O capitalismo industrial foi revolucionário nisso, porque
Adam Smith, John Stuart Mill, Ricardo, Marx e todos os pensadores do
século 19 queriam uma reforma política para acabar com o domínio da
classe latifundiária”, prossegue Hudson.

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Ainda de acordo com ele, “(...) o capitalismo financeiro foi o que
destruiu o capitalismo industrial nos Estados Unidos e está fazendo o
mesmo na Europa e em outras partes do mundo. O objetivo do socialismo é
recuperar o conflito de classes para lidar com essa questão da renda não
auferida”.


    Guerra Fria 2.0: a classe rentista financeira ocidental contra o Sul
    Global

“Hoje a classe bancária na América e na Europa está assumindo o papel
que os governos tiveram no século 19 sob o capitalismo industrial. Isso
é uma mudança no planejamento. As economias de livre mercado de hoje são
economias centralmente planejadas pelos bancos e não pelos governos e
são planejadas contra os interesses do trabalho e das indústrias”,
explica o economista.

Hudson argumenta que Wall Street, nos Estados Unidos, e a cidade de
Londres, bem como todos os rentistas financeiros ao redor do mundo
enfrentam hoje um grande problema: agora que as indústrias européias e
americanas estão fora do mercado, não são competitivas e foram
desmanteladas, a China e outros países que não são financeirizados estão
avançando.

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“Então os Estados Unidos dizem ‘como vamos tornar o mundo seguro para
nossos investidores? Como podemos ter nossos bancos dominando o mundo se
existem outros países que não permitem que os bancos privados dominem o
mundo, mas cujo governo cria bancos e dinheiro como utilidades públicas,
como fazem na China?’ A China cria dinheiro que é realmente gasto na
economia para construir ferrovias de alta velocidade, fornecer
assistência médica, construir moradias e não aumentar os preços das
ações e não apoiar o mercado de ações. Esse é um modelo que é uma ameaça
para a América”, pondera o autor.

Para ele, “(...) um dia os americanos podem dizer ‘por que não nos
livramos dos bilionários? Por que não damos dinheiro aos trabalhadores
em vez dos bilionários?’ Essa é uma ideia assustadora para Wall Street,
porque eles emprestam todo o dinheiro. Eles querem liderar o trabalho
apenas deixando-o na subsistência e olham para a China e seu socialismo
como uma ameaça existencial e sentem que precisam destruí-lo de alguma
forma. O problema é que eles não conseguem descobrir como fazer isso”,
complementa Hudson.


    O Brasil, o jogo geopolítico global e as eleições de outubro

“Eu me encontrei com o presidente (João Goulart) que foi derrubado pelos
Estados Unidos no início dos anos 1960 e ele descreveu como ele foi
derrubado e como, basicamente, os bancos haviam assumido o controle.
Cerca de 6 ou 7 anos atrás, o seu Conselho de Assessores Econômicos me
trouxe para o Brasil para conhecê-los. Eles me explicaram que o problema
com Lula era que lhe disseram que ele só poderia concorrer e ganhar a
eleição se concordasse em deixar os bancos brasileiros no controle”,
lembra Hudson.

O economista estadunidense também começou a trabalhar como consultor do
World's Sovereign Debt Fund, na década de 1990. “Naquela época, o Brasil
pagava 45% de juros anuais sobre seus títulos. A Merrill Lynch percorreu
os Estados Unidos tentando vendê-los (os títulos) para os americanos.
45% de juros! Ninguém chegaria perto disso. Eles foram para a Europa e
tentaram vendê-los. Isso é um grande retorno. Ninguém os quis. Por fim,
a Merrill Lynch passou por seu escritório em Brasília e quem comprou
toda a dívida externa brasileira em dólar? Os banqueiros centrais
brasileiros e todas as famílias ricas do Brasil. (...) Então a dívida
externa do Brasil está vinculada à sua própria classe alta, sua própria
classe financeira, que basicamente dirige o país”, enfatiza Hudson.

“E assim, a classe financeira, hoje, no Brasil, desempenha os papéis que
os latifundiários faziam no feudalismo. Vocês estão vivendo no
equivalente a uma sociedade feudal, mas em vez de latifundiários, vocês
têm financistas, oligarcas e monopolistas administrando o país. Todos
eles vivem de uma forma econômica ou de outra: juros, renda da terra,
renda dos recursos naturais, renda do monopólio e todos esses tipos de
renda. Então todos os recursos do país são direcionados para essa classe
rentista que sequer precisa de mais dinheiro. E a única maneira de se
livrar deles seria uma revolução, mas essa classe rentista sabe disso e
tem o apoio dos Estados Unidos como uma oligarquia cliente e não vejo
como o Brasil pode sair disso. Quando Lula planejou algo para o povo,
foi derrubado com a ajuda americana para implantar uma ditadura do
terceiro mundo na forma de Jair Bolsonaro”, explica o autor.

Para Hudson, a única forma de desmontar este processo é por meio da
construção de uma filosofia econômica diferente. “O grande inimigo do
desenvolvimento do Brasil tem sido o Banco Mundial. Desde o início, nas
décadas de 1950 e 1960, o Banco Mundial disse ao Brasil que faria
empréstimos para vocês, mas só faria empréstimos em moeda estrangeira. E
vocês só poderiam pagar os empréstimos via exportações. Há uma coisa que
vocês não poderiam fazer e se vocês fizessem isso, eles iriam matá-los.
Vocês não podem cultivar a sua própria comida, ou haveria uma revolução.
Vocês não devem cultivar seus alimentos, mas comprar seus grãos e
alimentos dos Estados Unidos”.

Ele prossegue: “(...) vocês devem se concentrar na exportação para não
competir com os Estados Unidos e não devem fazer uma reforma agrária.
Vocês devem ter grandes plantações e agricultura, plantações tropicais
para exportar, mas não alimentos. Essa era a condição absoluta. Então,
se você ler a missão do Banco Mundial ao Brasil, diz que o país precisa
de reforma agrária e gastos com moeda nacional para promover a
agricultura familiar e local como os Estados Unidos, para fornecer
educação agrícola, sementes, sistemas de transporte, contudo, o Banco
Mundial disse que vocês não poderiam fazer isso porque, se vocês
cultivassem seus próprios alimentos, não seriam um mercado para os
Estados Unidos. As pessoas pensam nos EUA e em uma economia industrial,
mas seus principais produtos de exportação por décadas têm sido a
agricultura. Então, se você tentar cultivar sua própria comida e se
livrar dessa classe rentista e bilionários, os EUA vão impor sanções ao
Brasil e tentar matá-lo de fome. A única defesa que o Brasil tem é
cultivar seus próprios alimentos. É por isso que China, Rússia e outros
países estão percebendo que para desdolarizar o mundo e libertá-lo do
capitalismo financeiro é necessária uma alternativa ao Banco Mundial”.

Hudson aponta que o Sul Global precisa de seu próprio fundo monetário e
todo um conjunto de instituições espelho para se opor à filosofia
predatória usada pelos Estados Unidos e à estratégia de
subdesenvolvimento conduzida pelos Estados Unidos, principalmente.

“China e Rússia podem simplesmente mostrar por exemplo. Eles podem
mostrar pelo seu sucesso. Neste verão e outono (no hemisfério Norte),
acredito que a maior parte do Sul Global terá uma crise: os preços do
petróleo e da energia estão subindo. Você está tendo os preços dos
alimentos subindo. Isso é projetado pelos Estados Unidos nas sanções que
o presidente Biden impôs contra a Rússia. É a inflação de Biden”, diz
Hudson.

Ao mesmo tempo, conforme a interpretação dele, o Federal Reserve vai
tornar os dólares muito mais caros para os países estrangeiros comprarem
com sua própria moeda.

“O Brasil e outros países da América Latina têm enormes dívidas externas
vencidas. Como esses países poderão importar energia e alimentos e ainda
pagarem as suas dívidas? Algo deverá ceder. Você tem a Rússia e a China
dizendo que estão dispostas a exportar alimentos e energia, mas isso
contradiz os interesses dos EUA e, portanto, os interesses daqueles
oligarcas que governam o Brasil e querem permanecer no poder sob a
proteção dos EUA. Será que a população brasileira vai passar fome no
escuro, sem comida ou energia, e deixar o seu padrão de vida cair se
endividando e perdendo suas casas? Ou será que, de alguma forma, deverá
agir politicamente para não pagar a dívida externa? Essa classe
dominante vai dizer que o país precisa pagar a dívida. O que eles não
dirão, porém, é que suas classes superiores são as proprietárias desses
fundos, que estão localizados, principalmente, em offshores ocultas no
exterior. Essa é a atual guerra de classes que está acontecendo no
Brasil e vai realmente ganhar força nos próximos meses”, reitera o autor.

Por fim, Hudson afirma que “(...) a classe bancária tentará manter Lula
em rédea curta. Ele sabe que foi derrubado antes pela interferência
corrupta (dos EUA) e terá que encontrar uma maneira de se proteger, mas
precisará do apoio de alguns elementos do exército, porque no final vai
ser sobre quem controla a violência. Ele terá que limpar o exército e,
em um certo ponto, terá que enfrentar as classes altas como o próprio
inimigo interno do Brasil, o que é extremamente difícil de se fazer sem
sofrer um golpe de estado”, conclui o economista.

Em
BRASIL247
https://www.brasil247.com/economia/michael-hudson-voces-estao-vivendo-o-equivalente-a-uma-sociedade-feudal-mas-em-vez-de-latifundiarios-voces-tem-financistas
4/7/2022

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