sábado, 3 de setembro de 2022

A URSS foi vendida por US$12 mil milhões

 
 

    – Gorbachov, ao invés de um obituário


    Aleksandr Dudchak [*]



Gorbachov nunca foi o defensor ingénuo da "mudança" que fingiu ser. Ele
declarou abertamente:  /"O objetivo da minha vida era a destruição do
comunismo, que é uma ditadura insuportável sobre o povo... Eu poderia
fazer isso com mais sucesso realizando as mais altas funções (no
Estado). Por isso, minha esposa Raisa recomendou que eu constantemente
me esforçasse para os cargos mais altos. E quando pessoalmente me
familiarizei com o Ocidente, minha decisão tornou-se irrevogável. Tive
que eliminar toda a liderança da PCUS e da URSS. Também tive que remover
a liderança em todos os países socialistas... com tais propósitos,
encontrei pessoas com ideias semelhantes. Em primeiro lugar, foram
Yakovlev e Chevardnadze, que têm grandes méritos para o derrubar do
comunismo..."/

/"Você pode comemorar o Natal com segurança. A URSS já não existe"./ –
esta famosa frase de Gorbachov foi dirigida ao presidente americano. Em
resposta, Bush assegurou a Gorbachov a sua sincera gratidão.

A partir de 1985, Gorbachov criou sistematicamente as estruturas de uma
economia “sombra” no partido, tanto na URSS quanto no exterior, adotando
e implementando várias decisões do partido e do governo. Para realizar
as tarefas que se atribuiu, Gorbachov determinou pessoalmente uma lista
de representantes autorizados de entre os membros do Comité Central da
PCUS, a Direção Principal do Comité Central da PCUS, a liderança do KGB,
o Ministério das Finanças e o Banco Central.

Para resolver a questão das reformas urgentes na economia da URSS, sob a
liderança de Gorbachov uma nova lei sobre empresas estatais foi aprovada
em janeiro de 1988. Segundo ela, o Estado foi isentado de
responsabilidade pelas obrigações das empresas. As empresas também não
cumpriam as obrigações para com o Estado. Essa lei trouxe caos e
desorganização às atividades económicas das empresas. Ao mesmo tempo,
mantendo uma economia planificada, a distribuição centralizada de fundos
foi mantida. Os ministérios ainda eram obrigados a fornecer às empresas
tudo o que precisavam, mas as empresas, sob a nova lei, poderiam
desfazer-se da sua propriedade segundo os seus critérios.

A economia do país tornou-se uma via de sentido único. As empresas
tiveram a oportunidade de gradualmente se afastarem das ordens estatais
e desenvolver-se de acordo com seu próprio plano resolvendo
independentemente questões correntes, bem como em relação às formas de
venda de mercadorias e preços. Mas a falta de infraestruturas de mercado
e organizações intermediárias dificultou muito esse caminho. Apesar da
cláusula da lei de falências, os subsídios estatais não permitiam que as
organizações fossem liquidadas, fortalecendo-se assim o círculo vicioso:
distribuição estatal inadequada de fundos, "lavagem" do orçamento
estatal e má gestão do país.

Em maio de 1988, sob pressão de Gorbachov, o Soviete Supremo da URSS
aprovou a Lei "Sobre a Cooperação". Por trás das frases gerais e
inúmeros artigos da lei estava oculta a sua verdadeira essência: as
empresas eram autorizadas a criar cooperativas com direito ao uso de
recursos estatais centralizados. Mas, ao contrário de pequenas empresas,
e mesmo ao contrário de empresas maiores, essas cooperativas poderiam,
de acordo com a lei, conduzir de forma independente operações de
exportação, criar bancos comerciais e criar suas próprias empresas no
exterior. Ao mesmo tempo, os lucros em moeda estrangeira não estavam
sujeitos a serem retidos. No período de 1988 até o início de 1989, o
Conselho de Ministros da URSS adotou decisões que aboliram o monopólio
estatal sobre a atividade económica com o estrangeiro, proibiram as
alfândegas de deter a carga das cooperativas e permitiram que deixassem
os lucros no exterior.

Usando recursos administrativos, Gorbachov primeiro libertou empresas
das suas obrigações para com o país, depois transferiu os ativos do país
para as mãos de cooperativas e abriu amplamente as fronteiras da URSS.

Em questão de semanas, as empresas estatais foram na sua maioria
registadas como cooperativas, propriedade de parentes de diretores,
secretários de comités regionais e membros do Comité Central da PCUS.
Enquanto os fundos públicos ainda previam recursos para a produção das
fábricas e centrais elétricas, agora os próprios diretores tinham o
direito de dispor desses produtos. Eles começaram a direcionar esses
recursos para a propriedade de cooperativas "familiares" e a
enviarem-nos para o exterior. Cimento, metais, produtos petrolíferos e
gás, algodão, madeiras, fertilizantes, minerais, borracha e couro – tudo
o que o Estado enviara às empresas para a produção e abastecer o mercado
interno foi enviado em comboios para o exterior através das "zonas
verdes" nas fronteiras. Gestores e funcionários das cooperativas
começaram a acumular capital em contas pessoais no exterior. De acordo
com o plano de Gorbachov, na hora "H", esses fundos regressaram
legalmente ao país, através dos seus bancos, para comprarem os seus
próprios empreendimentos.

*Em 1988-1989, cooperativas formadas "por decisão do partido" exportaram
metade dos bens de consumo produzidos no país e os ativos disponíveis da
URSS.* O mercado interno entrou em colapso, havendo escassez de produtos
industriais e alimentícios no país. Por ordem de Gorbachov e Ryzhkov, as
reservas de ouro da União Soviética foram usadas para comprar comida no
exterior. O ouro fluiu para o exterior para a compra de alimentos
"estrangeiros". Muitas vezes, sob o pretexto de mercadorias
estrangeiras, produtos nacionais comprados no mercado interno eram
importados. Nos portos de Leninegrado, Riga ou Tallinn, navios eram
carregados como sendo cereais de ração baratos, contornavam a Europa e
regressavam a Odessa como contendo trigo alimentar "importado" para a
URSS a um preço de 120 dólares por tonelada. Somente em 1989, 2 750 kg
de ouro foram exportados para comprar sementes de milho dos Estados
Unidos e Canadá. A rota de transporte de ouro atravessou o Tartaristão,
e depois foi enviada para Israel juntamente com diamantes no valor de 28
milhões de dólares.

Em 13 de fevereiro de 1990, Gorbachov emitiu uma diretiva "Sobre a
necessidade de considerar certos aspetos legais da vida do partido em
relação aos resultados do plenário de fevereiro (1990) do Comité Central
da PCUS". Esta diretiva referia-se à necessidade de mudança para um
sistema multipartidário na URSS e à possibilidade de retirar ao partido
a sua propriedade, principalmente edifícios fornecidos a comités
partidários, outras organizações e instituições do PCUS: editoras,
gráficas, casas de repouso, casas de saúde e outras instalações sociais,
veículos, etc.

Uma ordem ultra secreta de Gorbachov e Ryzhkov estabeleceu um
procedimento especial para a taxa de câmbio do dólar para os
funcionários do Comité Central. Os altos funcionários foram autorizados
a trocar 1 dólar americano à taxa de 62 kopecks, e para todos os outros
cidadãos do país a troca era de 1 dólar por 6 rublos e 26 kopecks.
Membros do Comité Central e funcionários da nomenklatura foram
autorizados a obter empréstimos de bancos, comprar moeda estrangeira e
exportá-la para o exterior, abrindo contas pessoais em bancos estrangeiros.

Tudo isso aconteceu quando trabalhadores soviéticos, cientistas,
militares e funcionários já não recebiam salário. O desemprego em massa
começou, greves e comícios começaram, alimentos e produtos industriais
desapareceram, os laços económicos e financeiros entre as empresas foram
interrompidos, nas Repúblicas foram criados partidos comunistas
orientados para a "soberania nacional", foram também criadas frentes
populares.

Os líderes das Repúblicas da União, olhando para o que estava a
acontecer em Moscovo, começaram uma campanha anti-russa. Houve
confrontos nacionais no Cáucaso, nos Estados Bálticos e na Ásia Central.
Os primeiros tiros foram disparados na Transnístria. Refugiados russos
vieram das repúblicas inundando a Rússia, onde ninguém precisava deles.
Os meios de comunicação de massa transmitiam apelos ao "povo russo" para
ajudar seus compatriotas que estavam numa situação sem precedentes. Eles
indicaram o número das contas para as quais se era solicitado transferir
dinheiro, "que todos façam o máximo que puderem". Ninguém tinha
dinheiro, e os salários dos trabalhadores não eram pagos há vários
meses... Comícios em massa de trabalhadores de diversos ramos da
economia nacional, relacionados com o não pagamento de salários e uma
existência de pobreza, tornaram-se comuns. Em pouco tempo, 166 minas –
cerca de 180 000 trabalhadores – entraram em greve.

Em 13 de março de 1990, não sem a participação de Gorbachov, o artigo 6º
da Constituição do país, que garantia ao PCUS um monopólio político na
URSS, foi revogado. O PCUS perdeu a hegemonia política, mas a sua elite
sob a liderança de Gorbachov, com seu capital, já se havia se tornado
uma casta à parte. O país começou a "democracia galopante" na forma da
introdução do dólar americano na economia, o que levou ao colapso
completo do sistema financeiro da URSS.

Fila do pão.

Através do dono de um canal de televisão, Maxwell, milhares de milhões
de dólares foram da URSS para o Ocidente. Ele vendia rublos soviéticos
por moeda estrangeira no Ocidente, e esses fundos eram depositados em
contas privadas.

Para vender o rublo soviético para o Ocidente, Gorbachov, em conluio com
Maxwell, com a ajuda do ministro das Finanças da URSS, Pavlov e do
gerente do Banco Estatal da URSS Gerashchenko, atraíram o financeiro
suíço Schmidt da empresa "Burogemeinschaft", que ficou envolvido na
mediação. Os suíços voaram para Moscovo e mantiveram conversações com
Pavlov e Gerashchenko.

Eles concordaram em retirar 280 mil milhões de rublos da URSS e
vendê-los. Schmidt era um financeiro experiente e tinha um claro
entendimento do estado de circulação de dinheiro na União Soviética (na
URSS naquela época havia apenas 139 mil milhões de rublos de dinheiro em
circulação). Depois de receber a oferta de Pavlov para vender 280 mil
milhões de rublos, Schmidt fez-lhe uma pergunta: "Você vai retirar todo
esse dinheiro de circulação?" "Parcialmente", respondeu o ministro das
Finanças da URSS, esclarecendo: "Mas não pense que somos idiotas. Nós
somos ricos. Não se preocupe connosco! Nós vamos imprimi-los novamente”.

O acordo foi preparado por Gerashchenko e Pavlov por ordem secreta de
Gorbachov. Pavlov, Gerashchenko e Schmidt chegaram a acordo sobre como
vender 280 mil milhões de rublos para o Ocidente, concordando em atuar
em quatro etapas, designadamente:

*

  * Primeira etapa – em dezembro de 1990 – 100 mil milhões de rublos são
    exportados da URSS e vendidos por 5,5 mil milhões de dólares;
  * Segunda etapa – em janeiro de 1991 – 25 mil milhões de rublos;
  * Terceira etapa – em maio de 1991 – 15 mil milhões de rublos; o
    dinheiro da segunda e terceira etapas foi vendido no total por 2 mil
    milhões de dólares;
  * Quarta etapa – em julho de 1991 – 140 mil milhões de rublos vendidos
    por 4,5 mil milhões de dólares.

*

No total, foram recebidos 12 mil milhões de dólares por 280 mil milhões
de rublos. O acordo foi concluído na véspera do golpe de Agosto de 1991.

Acabou a fazer anúncios da Pizza Hut.

A venda de dinheiro soviético foi pessoalmente liderada pelos
ex-ministros das Finanças da URSS V. Pavlov e V. Orlov. V. Pavlov chegou
à Suíça incógnito no final de 1990 (com passaporte falso). Não teve
contactos nem com a embaixada soviética em Berna nem com as autoridades
suíças. Em Zurique, Pavlov realizou reuniões secretas com Schmidt e
chefes de bancos suíços, alemães, franceses e britânicos e, no final de
janeiro de 1991, o novo ministro das Finanças, V. Orlov, também viajou
para a Suíça com documentos falsos, onde se reuniu e conversou com
representantes dos círculos financeiros dos EUA e da Europa. Além da
questão dos mecanismos de transferência de fundos para o Ocidente, Orlov
disse que Gorbachov e seu governo gostariam de vender uma quantidade
significativa de ouro, diamantes e platina, mas temiam que, devido a
fugas de informações, os preços no mercado mundial pudessem cair.

No final da transação, de acordo com testemunhas, Pavlov disse a
Schmidt: "Os que lhe enviaram os números das contas são aqueles para os
quais você precisa transferir esse dinheiro. Na última fase, o Sr. Orlov
supervisionará pessoalmente a transação". Conforme o acordo, os valores
especificados em rublos equivalentes foram exportados da URSS para a
Suíça. *Schmidt, como ele mesmo disse, comprou a União Soviética por
apenas 12 mil milhões de dólares.*

O roubo do dinheiro soviético levou o país a um colapso completo. O dano
ao Estado foi incalculável: 360 mil milhões de rublos das poupanças do
trabalho do povo da URSS, que estavam em caixas económicas, foram
desvalorizados e o sistema financeiro do país entrou em colapso.

Este acordo acabou por levar ao colapso completo da URSS. O clã
Gorbachov desvalorizou o rublo soviético a um nível infinitamente baixo,
para depois por um centavo serem comprados os gigantes da nossa
indústria e os maiores depósitos de matérias-primas. Em 1985-1987, 1
dólar americano em liquidações internacionais custava 0,6 rublos, em
1990, já 3,6 rublos, e em 1991 o custo de 1 dólar chegou a 18 rublos.
Após o colapso da URSS, a tomada de poder pelo grupo Yeltsin e a saída
de rublos soviéticos pelo grupo Gorbachov, a cotação cambial em 1992
caiu para um 1 dólar por 1000 rublos. Se em 1985-1987 o custo de uma
refinaria de petróleo era de 500 milhões de rublos, ou seja, 790 milhões
de dólares à taxa de câmbio da época, então em 1992 era de apenas 500
000 dólares. Estrangeiros começaram a comprar a Rússia por tostões...


        31/Agosto/2022


    [*] Economista, ucraniano.

Em
RESISTIR.INFO

https://www.resistir.info/russia/gorbachov_31ago22.html
31/8/2022

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