quinta-feira, 13 de julho de 2023

O que um clássico marxista pode nos ensinar sobre IA




POR Marcos Allison


Há quase 50 anos, o metalúrgico e economista Harry Braverman publicou
/Trabalho e capital monopolista/. Ele mostrou como os patrões usam a
tecnologia para desempoderar os trabalhadores — mas, ao assumir o
controle do processo de trabalho, os trabalhadores podem se libertar do
trabalho árduo.


Até pouco tempo atrás, a inteligência artificial ainda era coisa de
ficção científica. Agora, lança uma sombra portentosa sobre o futuro do
trabalho. Dependendo de qual comentarista sem fôlego acreditamos, a IA
promete nos aliviar dos aspectos tediosos de nosso trabalho — ou ameaça
nos privar totalmente de nossos empregos. Buscando perspectiva
histórica, busquei o relato clássico da evolução do processo de trabalho
sob o capitalismo, /Labor and Monopoly Capital
<https://monthlyreview.org/product/labor_and_monopoly_capital/>/
[/Trabalho e Capital monopolista/], de Harry Braverman, de 1974.

O livro de Braverman vai além, e vê mais profundamente, do que seu
subtítulo contundente, “A Degradação do Trabalho no Século XX”, poderia
sugerir. Como seu modelo reconhecido, a descrição de Marx da
transformação do processo de produção em /O Capital
<https://www.marxists.org/archive/marx/works/1867-c1/>/, Braverman
fornece uma investigação meticulosa do fazer e refazer inquieto da
organização do trabalho sob o capitalismo. Mas ele nunca perde de vista
o impacto dessas revoltas em série sobre a classe trabalhadora.

Braverman rejeitou interpretações simplistas de Marx como um
determinista tecnológico. Em vez disso, ele ressalta que uma nova
invenção sempre apresenta um leque de possibilidades. No curto prazo, as
relações sociais dominantes moldam quais dessas possibilidades são
cultivadas e quais ativamente se encerram.

As relações capitalistas de produção exibem um “impulso incessante para
ampliar e aperfeiçoar a maquinaria, por um lado, e para diminuir o
trabalhador, por outro”. Essa dinâmica reflete a tendência maior do
capitalismo de separar a concepção da execução — o trabalho do cérebro e
o trabalho da mão. O resultado é um pequeno estrato de profissionais
altamente treinados (e bem pagos) de um lado e uma massa crescente de
trabalhadores proletarizados condenados a tarefas irracionais do outro.

Braverman trouxe uma perspectiva singular para sua investigação. Ele
havia aprendido como ferreiro de cobre e, posteriormente, encontrou
emprego na indústria siderúrgica, ganhando a vida como artesão por
quatorze anos antes de cofundar um jornal, o /American Socialist/. Ele
passou o resto de sua carreira publicando, dirigindo o célebre selo
socialista independente Monthly Review Press até sua morte em 1976.

Apesar do rápido declínio do ofício de joalheiro em que foi treinado,
Braverman se irritou com a inferência de que suas críticas refletiam a
nostalgia de um passado antiquado: “Em vez disso, minhas visões sobre o
trabalho são regidas pela nostalgia de uma época que ainda não existiu.”
A experiência de Braverman nos ofícios, bem como seu envolvimento de
décadas no ativismo socialista, o tornaram excepcionalmente equipado
para assumir o bastão de Marx e estender a análise do /Capital/ sobre o
processo de trabalho para o século XX.

A figura central na narrativa de /Trabalho e Capital monopolista/ é
Frederick Winslow Taylor (1856 – 1915), o excêntrico fundador do
movimento de gestão científica. Desde a infância, Taylor apresentava
sinais de transtorno obsessivo-compulsivo extremo, contando seus passos
e buscando formas cada vez mais eficientes de realizar as atividades
mais mundanas. “Esses traços se encaixavam perfeitamente em seu papel de
profeta da gestão capitalista moderna”, diz Braverman, “uma vez que
aquilo que é neurótico no indivíduo é, no capitalismo, normal e
socialmente desejável para o funcionamento da sociedade”.

Enquanto os trabalhadores dirigissem o processo de trabalho, Taylor
sustentou, eles nunca realizariam “um dia de trabalho justo” — que ele
definiu, naturalmente, como a quantidade máxima que eles poderiam
executar sem lesão. Portanto, os capitalistas não devem se contentar em
possuir os meios de produção e as mercadorias que o trabalho produziu:
eles precisavam controlar o próprio processo de trabalho.

<https://autonomialiteraria.com.br/loja/jogos/polarizando-a-disputa-narrativa-na-politica-brasileira/>

Taylor tende a ser lembrado por espremer maior produtividade dos
trabalhadores, prescrevendo todos os seus movimentos segundo os ditames
de sua “ciência”. Mas, sugere Braverman, seu feito mais importante foi
compilar sistematicamente o conhecimento artesanal que até então
pertencia ao trabalho e transferi-lo para a administração.

Logo, os trabalhadores foram deixados realizando um trabalho de
detalhamento simplificado que havia sido descontextualizado do processo
produtivo na totalidade. Enquanto isso, a administração detinha o
monopólio do saber técnico que, historicamente, era patrimônio dos
ofícios qualificados. A separação em curso entre a concepção e a
execução do trabalho que caracteriza a produção no capitalismo havia
atingido um novo patamar. Esse processo posteriormente se repetiu na
gestão, criando um punhado de executivos de esquina e um exército de
assistentes administrativos e gerentes intermediários desqualificados.

/Trabalho e Capital Monopolista/ conta uma história preocupante, mas de
forma alguma desesperançosa. Braverman detectou sinais dos limites
históricos do capitalismo no fato de que as novas tecnologias
frequentemente reúnem e automatizam as etapas do processo de trabalho
que a divisão do trabalho havia fragmentado.

Em sua última palestra em vida, na primavera de 1975, Braverman insistiu
que “os trabalhadores agora podem se tornar mestres da tecnologia de seu
processo em um nível de engenharia e podem dividir entre si
equitativamente as várias tarefas relacionadas com essa forma de
produção que se tornou tão fácil e automática”. Libertos do trabalho
pesado de tarefas repetitivas graças à automação, uma equipe de
produtores associados pode recuperar a unidade do processo de produção
outrora desfrutado pelos artesãos em um plano superior.

A IA oferece uma possibilidade semelhante de reunir, automatizadamente,
muitas das habilidades e corpos de conhecimento que a divisão
capitalista do trabalho pulverizou em sua busca incansável por controle
e eficiência. Se as previsões de que a IA inaugurará uma era de lazer
universal são extremamente otimistas, a perspectiva de que os
trabalhadores socializados possam dirigir todo o processo de produção
com sua assistência parece menor.

Mas teremos que lutar por isso. O capitalismo costuma se aproveitar dos
avanços tecnológicos demitindo trabalhadores e exigindo maior
produtividade dos poucos que não abate. Braverman nos informa que o
verbo “administrar” “originalmente significava treinar um cavalo em seus
passos, para levá-lo a fazer os exercícios do /manège/“. A administração
sempre viu o processo de trabalho como um local de luta, e está
determinada a manter as rédeas.

Se queremos que a IA melhore em vez de substituir ou degradar ainda mais
nossos empregos, uma leitura de Braverman sugere que devemos estar
preparados para levar a batalha para o próprio processo de trabalho.

Em
JACOBIN
https://jacobin.com.br/2023/07/o-que-um-classico-marxista-pode-nos-ensinar-sobre-ia/
13/7/2023

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