sexta-feira, 22 de março de 2024

O presente de despedida de Joe Biden para a América

 


    – O Partido Democrata teve uma última oportunidade para implementar
    o tipo de reformas do New Deal que poderiam salvar-nos de outra
    presidência de Trump e do fascismo cristão. Fracassou.


    Chris Hedges [*] <


Joe Biden e o Partido Democrata tornaram possível uma presidência de
Trump uma vez e parecem dispostos a torná-la possível novamente.

Se Trump voltar ao poder, não será devido à interferência russa
<https://www.aaronmate.net/p/russiagate-has-no-rock-bottom>, à supressão
de eleitores <https://time.com/5902729/black-voter-suppression-2020/> ou
porque a classe trabalhadora está cheia de fanáticos e racistas
irredimíveis.

Será porque os democratas são tão indiferentes ao sofrimento dos
palestinos <https://chrishedges.substack.com/p/the-four-horsemen-of-
gazas-apocalypse> em Gaza como são aos imigrantes, aos pobres nas nossas
cidades empobrecidas, aos que foram conduzidos à bancarrota <https://
apnews.com/article/medical-debt-
legislation-2a4f2fab7e2c58a68ac4541b8309c7aa> devido a contas médicas,
dívidas de cartão de crédito e hipotecas usurárias, aos que foram
descartados, especialmente na América rural, por ondas de despedimentos
em massa e aos trabalhadores, presos na servidão da economia gig
<https://en.wikipedia.org/wiki/Gig_economy>, com a sua instabilidade de
emprego e salários suprimidos.

Biden e os democratas, juntamente com o Partido Republicano, estriparam
<https://consortiumnews.com/2022/12/19/chris-hedges-teaching-the-gulag-
archipelago-in-prison/> a fiscalização antitruste e desregulamentaram
bancos e corporações, permitindo-lhes canibalizar a nação.

Apoiaram a legislação em 1982 para dar luz verde à manipulação de acções
através de recompras maciças e da "colheita" de empresas por empresas de
capital privado que resultaram em despedimentos em massa. Fizeram
aprovar acordos comerciais onerosos, incluindo <https://www.citizen.org/
article/naftas-20-year-legacy-and-the-fate-of-the-trans-pacific-
partnership/> o Acordo de Comércio Livre da América do Norte, a maior
traição à classe trabalhadora desde a Lei Taft-Hartley de 1947, que
paralisou <https://www.ueunion.org/ue-news-feature/2022/seventy-five-
years-later-toll-of-taft-harley-weighs-heavily-on-labor> a organização
sindical.

Foram parceiros de pleno direito na construção <https://
www.brennancenter.org/our-work/analysis-opinion/crime-bills-legacy-two-
decades-later> dos vastos arquipélagos do sistema prisional dos EUA
<https://consortiumnews.com/2022/12/19/chris-hedges-teaching-the-gulag-
archipelago-in-prison/> – o maior do mundo – e na militarização da
polícia para a transformar em exércitos internos de ocupação. Financiam
as guerras sem fim.

Os democratas servem obedientemente os seus senhores corporativos, sem
os quais a maioria deles, incluindo Biden, não teria uma carreira
política. É por isso que Biden e os democratas não se voltam contra
aqueles que estão a destruir a nossa economia e a extinguir a nossa
democracia. Os restos na gamela secariam. A defesa de reformas põe em
causa os seus feudos de privilégio e poder.

Eles imaginam-se "capitães do navio", escreve <https://
www.hamiltonnolan.com/p/executive-pay-is-the-skeleton-key> o jornalista
Hamilton Nolan, mas são "na realidade os vermes devoradores de madeira
que o estão a consumir por dentro até que se afunde".

O autoritarismo é alimentado no solo fértil de um liberalismo em
bancarrota <https://www.goodreads.com/book/show/8607391-the-death-of-
the-liberal-class>. Isso foi verdade na Alemanha de Weimar. Era verdade
na antiga Jugoslávia. E é verdade agora. Os democratas tiveram quatro
anos para instituir as reformas do New Deal. Falharam. Agora vamos pagar.

*Um segundo mandato de Trump*

Um segundo mandato de Trump não será como o primeiro. Será sobre
vingança. Vingança contra as instituições que atacaram Trump – a
imprensa, os tribunais, as agências de inteligência, os republicanos
desleais, os artistas, os intelectuais, a burocracia federal e o Partido
Democrata.

A nossa presidência imperial, se Donald Trump regressar ao poder,
transformar-se-á sem esforço numa ditadura que emascula os ramos
legislativo e judicial. O plano para extinguir a nossa anémica
democracia está metodicamente exposto no plano de 887 páginas elaborado
pela Heritage Foundation <https://www.sourcewatch.org/index.php?
title=Heritage_Foundation>, intitulado <https://
thf_media.s3.amazonaws.com/
project2025/2025_MandateForLeadership_FULL.pdf> /"Mandate for Leadership"./

A Fundação Heritage gastou <https://www.nytimes.com/2023/04/20/us/
politics/republican-president-2024-heritage-foundation.html> 22 milhões
de dólares para elaborar propostas políticas, listas de contratação e
planos de transição no Project 2025 <https://www.project2025.org/> para
salvar Trump do caos sem rumo que assolou o seu primeiro mandato. Trump
culpa as "cobras <https://www.axios.com/2018/09/06/trump-administration-
white-house-leaks>", os "traidores <https://www.nytimes.com/2019/04/26/
us/politics/trump-schedule-leakers.html>" e o "Estado Profundo <https://
www.axios.com/2020/02/23/trump-memos-deep-state-white-house>" por terem
minado a sua primeira administração.

Os nossos diligentes fascistas americanos <https://
www.simonandschuster.com/books/American-Fascists/Chris-Hedges/
9780743284462>, empunhando a cruz cristã e agitando a bandeira,
começarão a trabalhar no primeiro dia para expurgar as agências federais
de "cobras" e "traidores", promulgar valores "bíblicos", cortar impostos
para a classe bilionária, abolir <https://www.nytimes.com/interactive/
2020/climate/trump-environment-rollbacks-list.html> a Agência de
Proteção Ambiental, encher os tribunais e as agências federais de
ideólogos e retirar aos trabalhadores os poucos direitos e protecções
que lhes restam.

A guerra e a segurança interna, incluindo a vigilância generalizada do
público, continuarão a ser a principal atividade do Estado. As outras
funções do Estado, especialmente as que se centram nos serviços sociais,
incluindo a Segurança Social e a proteção dos vulneráveis, desaparecerão.

O capitalismo sem limites e sem regras, que não se impõe a si próprio,
transforma tudo em mercadoria, desde os seres humanos ao mundo natural,
que explora até à exaustão ou ao colapso. Cria primeiro uma economia
mafiosa, como escreve Karl Polanyi <https://www.britannica.com/
biography/Karl-Polanyi>, e depois um governo mafioso. Os teóricos
políticos, incluindo Aristóteles, Karl Marx e Sheldon Wolin <https://
www.truthdig.com/articles/sheldon-wolin-and-inverted-totalitarianism/>,
avisam que quando os oligarcas tomam o poder, as únicas opções que
restam são a tirania ou a revolução.

Os democratas sabem que a classe trabalhadora os abandonou. E sabem o
porquê. Mike Lux, especialista em sondagens do Partido Democrata,
escreve <https://www.americanfamilyvoices.org/post/a-strategy-for-
factory-towns>:

    Contrariamente às suposições de muitos especialistas, as questões
    económicas estão a causar os problemas dos Democratas nos condados
    da classe trabalhadora não metropolitana muito mais do que a guerra
    cultural... Estes eleitores não se importariam muito com a diferença
    cultural e com a questão do "woke" se pensassem que os Democratas se
    preocupam mais com os desafios económicos que enfrentam profunda e
    diariamente... Os eleitores que precisamos de ganhar nestes condados
    não são inerentemente de direita em questões sociais".

Mas os democratas não vão alienar as corporações e os multimilionários
que os mantêm nos cargos. Em vez disso, optaram por duas tácticas
autodestrutivas:   a mentira e o medo.

Os democratas expressam uma falsa preocupação com os trabalhadores que
são vítimas de despedimentos em massa, ao mesmo tempo que cortejam os
líderes corporativos que orquestram esses despedimentos com contratos
governamentais suntuosos. A mesma hipocrisia leva-os a manifestar
preocupação <https://www.aljazeera.com/news/2024/3/7/timeline-the-biden-
administration-on-gaza-in-its-own-words> com os civis que estão a ser
massacrados em Gaza, enquanto canalizam milhares de milhões de dólares
<https://www.democracynow.org/2024/3/7/josh_paul_israel_gaza_war> em
armas para Israel e vetam resoluções de cessar-fogo na ONU a fim de
sustentar o genocídio <https://www.youtube.com/watch?v=ly6lfhOxTe0>.

Les Leopold, no seu livro /A guerra da Wall Street aos trabalhadores
(Wall Street's War on Workers <https://shop.harvard.com/book/
9781645022336>),/ repleto de sondagens e dados exaustivos, mostra que a
deslocação económica e o desespero são o motor por detrás de uma classe
trabalhadora enfurecida, e não o racismo e o fanatismo.

Ele escreve acerca da decisão <https://web.archive.org/web/
20210205183842/https://buffalonews.com/news/local/siemens-job-cuts-a-
blow-to-manufacturing-mainstay-in-olean/article_fbfed18e-6629-11eb-8f14-
c71e0d376eaa.html> da Siemens de encerrar a sua fábrica em Olean, Nova
Iorque, onde existiam 530 postos de trabalho sindicalizados com salários
decentes. Enquanto os democratas lamentavam o encerramento, recusavam-se
a negar contratos federais à Siemens para proteger os trabalhadores da
fábrica.

Biden convidou <https://www.siemens.com/us/en/company/press/press-
releases/usa/siemens-usa-ceo-joins-biden-administration-bipartisan-
infrastructure-deal-signing.html> então a CEO da Siemens nos EUA,
Barbara Humpton, para a assinatura do projeto de lei das infraestruturas
de 2021 na Casa Branca. A fotografia da assinatura mostra Humpton na
primeira fila, juntamente com o senador nova-iorquino Chuck Schumer.

No início do século XX, o condado de Mingo, na Virgínia Ocidental, foi o
epicentro de um confronto armado entre os trabalhadores das minas de
carvão da United Mine Workers <https://coalheritage.wv.gov/coal_history/
Pages/United-Mine-Workers.aspx> e os barões do carvão, com os seus
capangas contratados pela Baldwin-Felts Detetive Agency.

Em 1912, os bandidos armados expulsaram <https://www.nps.gov/articles/
000/paint-creek-and-cabin-creek-strikes.htm> os trabalhadores em greve
das habitações da empresa e espancaram e mataram membros do sindicato
até que a milícia estatal ocupou as cidades carboníferas e pôs fim à
greve. O cerco federal só foi levantado em 1933 pela administração
Roosevelt. O sindicato, que havia sido proibido, foi legalizado.

"O condado de Mingo não se esqueceu, pelo menos durante muito tempo",
escreve Leopold.

    "Em 1996, com mais de 3.200 mineiros de carvão ainda a trabalhar, o
    condado de Mingo deu a Bill Clinton uns impressionantes 69,7% dos
    votos. Mas a partir daí, de quatro em quatro anos, o apoio aos
    democratas foi diminuindo, diminuindo e diminuindo ainda mais. Em
    2020, Joe Biden recebeu apenas 13,9% dos votos em Mingo, uma queda
    brutal num condado que outrora via o Partido Democrata como o seu
    salvador".

Os 3 300 postos de trabalho no sector mineiro do condado de Mingo em
2020 haviam caído para 300, a maior perda de postos de trabalho no
sector do carvão em qualquer condado do país.

As mentiras dos políticos democratas causaram muito mais danos aos
homens e mulheres trabalhadores do que qualquer uma das mentiras
vomitadas por Trump.

*Despedimentos em massa*

Houve pelo menos 30 milhões de despedimentos em massa desde 1996, quando
o Bureau of Labor Statistics começou a registá-los, de acordo com o
Labor Institute. Os oligarcas reinantes, não contentes com os
despedimentos em massa e com a redução da força de trabalho
sindicalizada no sector privado para uns míseros 6 por cento <https://
www.jdsupra.com/legalnews/private-sector-union-membership-rate-8281329/
>, apresentaram documentos legais <https://www.theguardian.com/us-news/
2024/mar/10/starbucks-trader-joes-spacex-challenge-labor-board> para
encerrar o National Labor Relations Board (NLRB), a agência federal que
faz cumprir os direitos laborais.

A SpaceX de Elon Musk, bem como a Amazon, a Starbucks e a Trader Joe's
visaram a NLRB – já destituída da maior parte do seu poder de aplicar
multas e forçar o cumprimento das normas por parte das empresas – depois
de esta ter acusado a Amazon, a Starbucks e a Trader Joe's de violarem a
lei ao bloquearem a organização sindical.

A NLRB acusou a SpaceX de despedir ilegalmente oito trabalhadores por
terem criticado Musk. A SpaceX, a Amazon, a Starbucks e a Trader Joe's
estão a tentar que os tribunais federais anulem a Lei Nacional das
Relações Laborais, de 89 anos, para impedir que os juízes julguem
processos contra empresas por violação das leis laborais.

O medo – o medo do regresso de Trump e do fascismo cristão – é a única
carta que os democratas têm para jogar. Isso funcionará em enclaves
urbanos e liberais, onde tecnocratas com formação universitária, parte
da economia do conhecimento globalizado, estão ocupados repreendendo
<https://inthesetimes.com/article/what-paul-krugman-gets-wrong-about-
the-working-class> e demonizando a classe trabalhadora <https://
jacobin.com/2020/09/working-class-peoples-guide-capitalism-marxist-
economics> por sua ingratidão.

Os democratas, insensatamente, descartaram esses "deploráveis <https://
www.washingtonpost.com/lifestyle/2021/08/31/deplorables-basket-hillary-
clinton/>" como uma causa política perdida. Este precariado, diz o
mantra, é vitimado não por um sistema predatório construído para
enriquecer a classe multimilionária, mas pela sua ignorância e fracassos
individuais. A desvalorização dos desprivilegiados absolve os democratas
de defenderem a legislação para proteger e criar empregos dignos.

O medo não tem poder nas paisagens urbanas desindustrializadas e nas
terras devastadas e ignoradas da América rural, onde as famílias lutam
sem trabalho sustentável, com uma crise de opiáceos <https://
www.youtube.com/watch?v=ire4FEcIBB8>, desertas de alimentos, falências
pessoais, despejos, dívidas aflitivas e profundo desespero.

Eles querem o que Trump quer. Vingança. Quem os pode censurar?


        18/Março/2024

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/eua/hedges_18mar24.html
18/3/2024

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