sexta-feira, 29 de março de 2024

Oito contradições da “ordem baseada em regras” imperialista

 


    Kyeretwie Opoku, Manuel Bertoldi, Deby Veneziale e Vijay Prashad [*]
    <#asterisco>

O comboio ocidental avança para o desastre.

Estamos agora entrando em uma fase qualitativamente nova da história
mundial. Mudanças globais significativas surgiram nos anos que se
seguiram à Grande Crise Financeira de 2008. Isso pode ser visto em uma
nova fase do imperialismo e em mudanças explicitadas nessas oito
contradições.

*1. A contradição entre o imperialismo moribundo e um socialismo
emergente bem sucedido liderado pela China.*

Essa contradição se intensificou com a ascensão pacífica do socialismo
com características chinesas. Pela primeira vez em 500 anos, as
potências imperialistas atlânticas são confrontadas por uma grande
potência econômica não-branca que pode competir com elas. Isso ficou
claro em 2013, quando o PIB da China, na busca por paridade de poder de
compra (PPP), ultrapassou o dos Estados Unidos. A China conseguiu isso
em um período muito mais curto que o Ocidente, com uma população muito
maior e sem colônias, sem escravizar trabalhadores ou promover
conquistas militares. Enquanto a China defende relações pacíficas, os
EUA tornaram-se cada vez mais belicosos.

Os EUA lideram o campo imperialista desde a Segunda Guerra Mundial. Pós-
Angela Merkel e com o advento da operação militar na Ucrânia, os EUA
subordinaram estrategicamente setores dominantes da burguesia européia e
japonesa. Isso resultou no enfraquecimento das contradições intra-
imperialistas. Os EUA primeiro permitiram e depois exigiram que tanto o
Japão (a terceira maior economia do mundo) quanto a Alemanha (a quarta
maior economia) – duas potências fascistas durante a Segunda Guerra
Mundial – aumentassem consideravelmente seus gastos militares. O
resultado foi o fim do relacionamento econômico da Europa com a Rússia,
danos à economia europeia e benefícios econômicos e políticos para os
EUA. Apesar da capitulação da maior parte da elite política da Europa à
total subordinação dos Estados Unidos, alguns grandes setores do capital
alemão dependem fortemente do comércio com a China, muito mais do que de
suas contrapartes estadunidenses. Os EUA, no entanto, agora estão
pressionando a Europa para reduzir seus laços com a China.

Mais importante, a China e o campo socialista agora enfrentam uma
entidade ainda mais perigosa: a estrutura consolidada da Tríade (Estados
Unidos, Europa e Japão). A crescente decadência social interna dos EUA
não deve mascarar a unidade quase absoluta de sua elite política na
política externa. Assistimos à burguesia colocando seus interesses
políticos e militares acima de seus interesses econômicos de curto prazo.

O centro da economia mundial está mudando, com a Rússia e o Sul Global
(incluindo a China) representando agora 65% do PIB mundial (medido em
PPC). De 1950 até o presente, a participação dos EUA no PIB global (em
PPP) caiu de 27% para 15%. O crescimento do PIB dos EUA também vem
caindo há mais de cinco décadas e agora caiu para apenas cerca de 2% ao
ano. Não há grandes novos mercados para onde expandir. O Ocidente sofre
uma crise geral contínua do capitalismo, bem como das consequências da
tendência de longo prazo da queda da taxa de lucro.

*2. A contradição entre as classes dominantes do pequeno grupo de países
imperialistas do G7 e a elite política e econômica dos países
capitalistas do Sul Global.*

Essa relação passou por uma grande mudança desde o auge da década de
1990 e o auge do poder unilateral e da arrogância dos EUA. Hoje, há
rachaduras crescentes na aliança entre o G7 e as elites do poder do Sul
Global. Mukesh Ambani e Gautam Adani, os maiores bilionários da Índia,
precisam de petróleo e carvão da Rússia. O governo de extrema-direita
liderado por Modi representa a burguesia monopolista da Índia. Assim, o
ministro das Relações Exteriores indiano agora faz declarações
ocasionais contra a hegemonia dos EUA nas finanças, sanções e outras
áreas. O Ocidente não tem capacidade econômica e política para fornecer
sempre o que as elites do poder na Índia, Arábia Saudita e Turquia
precisam. Essa contradição, no entanto, não se agudizou a ponto de ser
um ponto focal de outras contradições, ao contrário da contradição entre
a China socialista e o bloco G7 liderado pelos EUA.

*3. A contradição entre a ampla classe trabalhadora urbana e rural e
setores da pequena burguesia (conhecidas coletivamente como as classes
populares) do Sul Global versus a elite do poder imperial liderada pelos
EUA.*

Essa contradição está lentamente se tornando mais nítida. O Ocidente tem
uma grande vantagem no soft power no Sul Global em meio a todas as
classes. No entanto, pela primeira vez em décadas, jovens africanos
saíram para apoiar a expulsão das tropas francesas do Mali e Burkina
Faso, na África Ocidental. Pela primeira vez, as classes populares na
Colômbia puderam eleger um novo governo que rejeitou a função de posto
avançado e vassalo das forças militares e de inteligência dos EUA. As
mulheres da classe trabalhadora estão na vanguarda de muitas batalhas
críticas tanto da classe trabalhadora quanto da sociedade em geral. Os
jovens estão se levantando contra os crimes ambientais do capitalismo.
Um número crescente da classe trabalhadora está identificando suas lutas
pela paz, desenvolvimento e justiça como explicitamente anti-
imperialistas. Eles agora são capazes de ver por meio das mentiras da
ideologia dos “direitos humanos” dos EUA, a destruição do meio ambiente
pelas empresas ocidentais de energia e mineração e a violência da guerra
híbrida e das sanções dos EUA.

*4. A contradição entre o capital financeiro rentista avançado versus as
necessidades das classes populares, e até mesmo de alguns setores do
capital em países não socialistas, no que diz respeito à organização dos
requisitos das sociedades para investimento na indústria, agricultura
ambientalmente sustentável, emprego e desenvolvimento.*

Essa contradição é resultado da queda da taxa de lucro e da dificuldade
do capital em aumentar a taxa de exploração da classe trabalhadora a um
patamar suficiente para financiar as crescentes necessidades de
investimento e manter a competitividade. Fora do campo socialista, em
quase todos os países capitalistas avançados e na maior parte do Sul
Global – com algumas exceções, especialmente na Ásia – há uma crise de
investimento. Surgiram novos tipos de empresas que incluem fundos de
cobertura [hedge], como a Bridgewater Associates, e firmas de patrimônio
privado [private equity], como a BlackRock. Os “mercados privados”
controlaram 9,8 milhões de milhões de dólares em ativos em 2022. Os
derivativos, uma forma de capital fictício e especulativo, valem agora
18,3 milhões de milhões de dólares em valor de “mercado”, mas têm um
valor nocional de 632 milhões de milhões – cinco vezes maior que o PIB
real total do mundo.

Uma nova classe de monopólios de efeito de rede baseados em tecnologia
da informação, incluindo Google, Facebook/Meta e Amazon – todos sob
controle total dos EUA – surgiu para atrair rendas de monopólio. Os
monopólios digitais dos EUA, sob a supervisão direta de suas agências de
inteligência, controlam a arquitetura da informação de todo o mundo,
exceto alguns países socialistas e nacionalistas. Esses monopólios são a
base para a rápida expansão do soft power dos EUA nos últimos 20 anos. O
complexo militar-industrial, mercador da morte, também atrai
investimentos crescentes.

Essa intensificada fase de acumulação rentista especulativa e
monopolista do capital está aprofundando uma greve do capital contra os
investimentos sociais necessários. A África do Sul e o Brasil têm
registrado níveis dramáticos de desindustrialização sob o
neoliberalismo. Mesmo os países imperialistas avançados ignoraram sua
própria infraestrutura, como rede elétrica, pontes e ferrovias. A elite
global engendrou uma greve fiscal ao fornecer enormes reduções nas
alíquotas e impostos, bem como paraísos fiscais legais para capitalistas
e suas corporações aumentarem sua parcela de mais-valia.

A evasão fiscal do capital e a privatização de grandes áreas do setor
público dizimaram a disponibilidade de serviços públicos básicos como
educação, saúde e transporte para bilhões de pessoas. Isso contribuiu
para a capacidade do capital ocidental de manipular e obter altas
receitas advindas dos juros da crise “fabricada” da dívida enfrentada
pelo Sul Global. Em seu nível mais alto, investidores de fundos de
cobertura [hedge] como George Soros especulam e destroem as finanças de
países inteiros.

O impacto sobre a classe trabalhadora é severo, pois seu trabalho se
tornou cada vez mais precário e o desemprego permanente está destruindo
grandes setores da juventude mundial. Uma parte crescente da população é
supérflua sob o capitalismo. Desigualdade social, miséria e desespero
são abundantes.

*5. A contradição entre as classes populares do Sul Global e suas elites
internas políticas e econômicas.*

Isso se manifesta de maneira bastante diferente por país e região. Nos
países socialistas e progressistas, as contradições entre os povos são
resolvidas de formas pacíficas e diversas. No entanto, em vários países
do Sul Global, onde a elite capitalista está totalmente ligada ao
capital ocidental, a riqueza é mantida por uma pequena porcentagem da
população. A miséria é generalizada entre os mais pobres e o modelo de
desenvolvimento capitalista não atende aos interesses da maioria. Devido
à história do neocolonialismo e do soft power ocidental, há um consenso
decididamente pró-Ocidente da classe média na maioria dos grandes países
do Sul Global. Essa hegemonia de classe da burguesia local e do estrato
superior da pequena burguesia é usada para impedir que as classes
populares (que constituem a maior parte da população) tenham acesso ao
poder e à influência.

*6. A contradição entre o imperialismo liderado pelos EUA versus nações
que defendem fortemente a soberania nacional.*

Essas nações se enquadram em quatro categorias principais: países
socialistas, países progressistas, outros países que rejeitam o controle
dos EUA e o caso especial da Rússia. Os EUA criaram essa contradição
antagônica por meio de métodos de guerra híbrida, como assassinatos,
invasões, agressão militar liderada pela Otan, sanções, leis, guerra
comercial e uma agora incessante guerra de propaganda baseada em
mentiras absolutas. A Rússia está em uma categoria especial, pois sofreu
mais de 25 milhões de mortes nas mãos dos invasores fascistas europeus
quando era um país socialista. Hoje, a Rússia – que possui notavelmente
imensos recursos naturais – é mais uma vez alvo de aniquilação completa
pela Otan. Alguns elementos de seu passado socialista ainda estão
presentes no país, e ainda persiste um alto grau de patriotismo. O
objetivo dos EUA é terminar o que começou em 1992: no mínimo, destruir
permanentemente a capacidade militar nuclear da Rússia e instalar um
regime fantoche em Moscou para desmembrar a Rússia a longo prazo e
substituí-la por muitos estados do Ocidente que são vassalos menores e
permanentemente enfraquecidos.

*7. A contradição entre os milhões de pobres da classe trabalhadora
descartados no Norte Global versus a burguesia que domina esses países.*

Esses trabalhadores estão mostrando alguns sinais de rebelião contra
suas condições econômicas e sociais. No entanto, a burguesia
imperialista está jogando a carta da supremacia branca para impedir uma
maior unidade dos trabalhadores nesses países. Nesse momento, os
trabalhadores não são consistentemente capazes de evitar de serem
vítimas da propaganda de guerra racista. O número de pessoas presentes
em eventos públicos contra o imperialismo diminuiu vertiginosamente nos
últimos trinta anos.

*8. A contradição entre o capitalismo ocidental versus o planeta e a
vida humana.*

O caminho inexorável desse sistema é destruir o planeta e a vida humana,
ameaçar a aniquilação nuclear e trabalhar contra as necessidades da
humanidade de recuperar coletivamente o ar, a água e a terra do planeta
e impedir a loucura militar nuclear dos Estados Unidos. O capitalismo
rejeita o planejamento e a paz. O Sul Global (incluindo a China) pode
ajudar o mundo a construir e expandir uma “zona de paz” e comprometer-se
a viver em harmonia com a natureza.


        13/Março/2024


    [*] -Kyeretwie Opoku é organizador do Movimento Socialista de Gana
    -Manuel Bertoldi é da Patria Grande/Federación Rural para la
    Producción y el Arraigo
    -Deby Veneziale é pesquisadora sênior do Instituto Tricontinental de
    Pesquisa Social
    -Vijay Prashad é diretor-executivo do Instituto Tricontinental de
    Pesquisa Social


    A tradução encontra-se em thetricontinental.org/pt-pt/oito-
    contradicoes-da-ordem-baseada-em-regras-imperialista/ <https://
    thetricontinental.org/pt-pt/oito-contradicoes-da-ordem-baseada-em-
    regras-imperialista/>

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/crise/contradicoes_13mar24.html
29/3/2024

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