sábado, 31 de agosto de 2024

Leilão “progressista” da Venezuela

 

Leilão “progressista” da Venezuela



Vários países latino-americanos com governos supostamente de centro-esquerda ou de esquerda juntaram-se aos EUA em propostas que procuram minar os processos democráticos venezuelanos. O que provocou uma vaga de desiludida indignação entre os que, mundo fora, se solidarizam com o processo bolivariano e condenam a sistemática ingerência e agressão dos EUA em relação a ele. Este texto formula uma avaliação da real natureza, limites e contradições internas de tais governos. Mostra que o que é aconselhável é moderar a desilusão, porque esta resulta de uma apreciação provavelmente pouco realista dessas situações. A 2ª vaga “progressista” na América Latina é bastante mais à direita e mais limitada do que a 1ª. E mesmo esta sofrera sérias derrotas.

Em 16 de Agosto, a Organização dos Estados Americanos (OEA), cuja formação em 1948 como instituição da Guerra Fria foi instigada pelos Estados Unidos, votou uma resolução sobre as eleições presidenciais venezuelanas.

O cerne da resolução proposta pelos EUA pedia à autoridade eleitoral da Venezuela, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), que publicasse todos os detalhes das eleições o mais rapidamente possível (incluindo as actas, ou registos de votação, ao nível das assembleias de voto locais).

Esta resolução pede ao CNE que vá contra a Lei Orgânica de Processos Eleitorais da Venezuela (Ley Orgánica de Procesos Electorales ou LOPE). Uma vez que a lei não exige a publicação destes materiais, fazê-lo seria uma violação do direito público.

O que a lei indica é que a CNE deve anunciar os resultados no prazo de 48 horas (artigo 146º) e publicá-los no prazo de 30 dias (artigo 155º) e que os dados das assembleias de voto (tais como as actas) devem ser publicados em forma de tabela (artigo 150º).

É pura ironia que a resolução tenha sido votada na sala Simón Bolívar na sede da OEA em Washington, D.C.

Bolívar (1783-1830) libertou a Venezuela e os territórios vizinhos do Império Espanhol e procurou criar um processo de integração que reforçasse a soberania da região. É por isso que a República Bolivariana da Venezuela presta homenagem ao seu legado no seu nome.

Quando Hugo Chávez assumiu a presidência, em 1998, centrou Bolívar na vida política do país, procurando aprofundar este legado através de iniciativas como a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (ALBA), que daria continuidade ao caminho para estabelecer a soberania no país e na região.

Em 1829, Bolívar escreveu : “Os Estados Unidos parecem estar destinados pela providência a atormentar a América [Latina] com miséria em nome da liberdade.” Essa miséria, no nosso tempo, é exemplificada pela tentativa dos EUA de sufocar os países latino-americanos por meio de golpes militares ou sanções. Nos últimos anos, Bolívia, Cuba, Nicarágua e Venezuela têm estado no epicentro desta “praga”. A resolução da OEA faz parte desse sufoco.

A Bolívia, as Honduras, o México e São Vicente e Granadinas não foram a votos (nem Cuba, que foi expulsa da OEA em 1962, o que levou Fidel Castro a apelidar a organização de “Ministério das Colónias dos Estados Unidos”, nem a Nicarágua, que abandonou a OEA em 2023).

O presidente mexicano Andrés Manuel López Obrador, conhecido como AMLO, explicou por que razão o seu país decidiu não comparecer na reunião da OEA e por que razão discorda da resolução proposta pelos EUA, citando o artigo 89, secção X da Constituição mexicana de 1917, que afirma que o presidente do México deve aderir aos princípios de “não intervenção; resolução pacífica de disputas; [e] proibição da ameaça ou uso da força nas relações internacionais”.

Para esse fim, AMLO disse que o México aguardará que a “autoridade competente do país” resolva qualquer desacordo. No caso da Venezuela, o Supremo Tribunal de Justiça é a autoridade competente, o que não impediu a oposição de rejeitar a sua legitimidade.

Esta oposição, que caracterizámos como a extrema-direita de um tipo especial, está empenhada em utilizar qualquer recurso - incluindo a intervenção militar dos EUA - para derrubar o processo bolivariano. A posição razoável de AMLO está em consonância com a Carta das Nações Unidas de 1945.

Muitos países com governos aparentemente de centro-esquerda ou de esquerda juntaram-se aos EUA na votação desta resolução da OEA. Entre eles estão o Brasil, o Chile e a Colômbia.

O Chile, apesar de ter um presidente que admira Salvador Allende, que foi morto num golpe imposto pelos EUA em 1973, tem mostrado uma orientação de política externa em muitas questões, incluindo a Venezuela e a Ucrânia, que alinha com o Departamento de Estado dos EUA.

Desde 2016, a convite do governo chileno, o país acolheu quase meio milhão de migrantes venezuelanos, muitos dos quais estão sem documentos e agora enfrentam a ameaça de expulsão por um ambiente cada vez mais hostil no Chile.

É quase como se o presidente do país, Gabriel Boric, quisesse ver a situação na Venezuela mudar para poder ordenar o regresso dos venezuelanos ao seu país de origem. Essa atitude cínica em relação ao entusiasmo do Chile pela política dos EUA em relação à Venezuela, no entanto, não explica a situação do Brasil e da Colômbia.

O último dossiê do nosso Tricontinental, “To Confront Rising Neofascism, the Latin American Left Must Rediscover Itself”, analisa o actual cenário político do continente, começando por questionar a suposição de que houve uma segunda “maré rosa” ou ciclo de governos progressistas na América Latina.

O primeiro ciclo, que foi inaugurado com a eleição de Hugo Chávez em 1998 na Venezuela e chegou ao fim após a crise financeira de 2008 e a contraofensiva dos Estados Unidos contra o continente, “desafiou frontalmente o imperialismo norte-americano ao fazer avançar a integração latino-americana e a sua soberania geopolítica”, enquanto o segundo ciclo, definido por uma orientação mais de centro-esquerda, “parece mais frágil”.

Esta fragilidade é emblemática da situação tanto no Brasil como na Colômbia, onde os governos de Luiz Inácio “Lula” da Silva e Gustavo Petro, respectivamente, não conseguiram exercer pleno controlo sobre as burocracias permanentes dos ministérios dos Negócios Estrangeiros.

Nem o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, nem o da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, são homens de esquerda ou mesmo de centro-esquerda, e ambos têm laços estreitos com os EUA como ex-embaixadores no país.

É preciso reflectir sobre o facto de existirem ainda mais de 10 bases militares norte-americanas na Colômbia, mas isso não é razão suficiente para a fragilidade deste segundo ciclo.

No dossier, a Tricontinental apresenta sete explicações para esta fragilidade:

1. as crises financeiras e ambientais mundiais, que criaram divisões entre os países da região sobre qual caminho seguir;

2. a reafirmação do controlo dos Estados Unidos sobre a região, que o tinham perdido durante a primeira vaga progressista, nomeadamente para contestar o que os Estados Unidos consideram ser a entrada da China nos mercados latino-americanos. Isto inclui os recursos naturais e laborais da região;

3. a crescente uberização dos mercados de trabalho, que criou muito mais precariedade para a classe trabalhadora e afectou negativamente a sua capacidade de organização de massas. Isto resultou num retrocesso significativo dos direitos dos trabalhadores e no enfraquecimento do poder da classe trabalhadora;

4. a reconfiguração da reprodução social, que passou a centrar-se no desinvestimento público em políticas de protecção social, colocando assim a responsabilidade dos cuidados na esfera privada e sobrecarregando sobretudo as mulheres;

5. o aumento do poder militar dos EUA na região como principal instrumento de dominação em resposta ao declínio do seu poder económico;

6. o facto de os governos da região não terem sido capazes de tirar partido da influência económica da China e das oportunidades que esta apresenta para impulsionar uma agenda soberana e de a China, que emergiu como o principal parceiro comercial da América Latina, não ter procurado desafiar directamente a agenda dos EUA para assegurar hegemonia sobre o continente;

7. divisões entre os governos progressistas, que, juntamente com o ascenso do neofascismo nas Américas, impedem o crescimento de uma agenda regional progressista, incluindo políticas de integração continental semelhantes às propostas durante a primeira vaga progressista.

Estes factores, e outros, enfraqueceram a assertividade destes governos e a sua capacidade de concretizar o sonho bolivariano comum de soberania e parceria hemisférica.

Um ponto adicional, mas crucial, é o facto de a relação das forças de classe em sociedades como o Brasil e a Colômbia não ser favorável a uma política genuinamente anti-imperialista.

Ocasiões eleitorais celebradas, como as vitórias de Lula e Petro em 2022, não são construídas sobre uma base alargada de apoio organizado da classe trabalhadora que obrigue a sociedade a avançar com uma agenda genuinamente transformadora para o povo.

As coligações que triunfaram incluem forças de centro-direita que continuam a exercer o poder social e a impedir que estes líderes, independentemente das suas credenciais impecáveis, exerçam uma governação livre. A fraqueza destes governos é um dos elementos que permite o crescimento de uma extrema-direita de tipo especial.

Como argumentamos no dossier,

“A dificuldade de construir um projecto político de esquerda capaz de ultrapassar os problemas quotidianos da vida da classe trabalhadora desvinculou muitos destes projectos eleitorais progressistas das necessidades das massas”.

As classes trabalhadoras, presas em ocupações precárias, precisam de investimentos produtivos maciços, impulsionados pelo Estado, tendo como premissa o exercício da soberania sobre cada país e a região como um todo. O facto de vários países da região se terem alinhado com os EUA para diminuir a soberania da Venezuela mostra que estes frágeis projectos eleitorais têm pouca capacidade para defender a soberania.

No seu poema “Quo Vadis”, a poetisa mexicana Carmen Boullosa reflecte sobre a natureza problemática da fidelidade à agenda do governo dos EUA. “Las balas que vuelan no tienen convicciones“(”as balas que voam não têm convicções”), escreve.

Estes governos “progressistas” não têm qualquer convicção em relação a operações de mudança de regime ou aos esforços de desestabilização noutros países da região. Muito poderia ser esperado deles mas, ao mesmo tempo, não se justifica uma desilusão excessiva.

Fonte: https://consortiumnews.com/2024/08/26/vijay-prashad-progressive-sellout-of-venezuela/

Em

O DIARIO.INFO

https://www.odiario.info/leilao-progressista-da-venezuela/

29/8/2024


sexta-feira, 23 de agosto de 2024

'Getúlio foi o maior presidente da história do Brasil. Os lulistas que me perdoem', diz Paulo Nogueira Batista Jr.

 



Getúlio Vargas

À minha mãe, que acaba de morrer

No dia em que o maior presidente da nossa história se matou, em 24 de agosto de 1954, há 70 anos, eu estava exatamente dentro da barriga da mãe, que enfrentava uma gravidez difícil, com risco de perda da criança. Acamada, ela foi terminantemente proibida de se levantar. Porém, ao ouvir a notícia do suicídio do presidente da República, ela pulou da cama e saiu gritando pela casa: “Getúlio se matou!”. Por pouco, não fui desta para melhor (o que talvez não fosse mal, uma vez que, como escreveu Heine, “o sono é bom, a morte melhor, melhor mesmo seria nunca ter nascido”).

Dominada por getulistas, a família de minha mãe, os Pinheiros de Minas Gerais, ficou desolada, assim como a grande maioria do povo brasileiro. A morte de Getúlio desencadeou comoção popular sem precedentes e adiou por dez anos o golpe que militares e civis reacionários e entreguistas tramavam para derrubá-lo. Essa comoção é uma das muitas provas de que ele foi, de fato, o maior presidente da história do Brasil. 

Os lulistas que me perdoem, mas o atual presidente seria um segundo lugar, no meu modesto entender, à frente de dois outros grandes presidentes que governaram o Brasil por menos tempo: Juscelino Kubitschek (1956-1961) e Ernesto Geisel (1974-1979), ambos por mandato de cinco anos. Lula já governou quase dez anos e, se reeleito em 2026, como esperamos que seja, terá completado 16 anos na Presidência ao final do seu quarto governo. Getúlio permanece, entretanto, o presidente mais longevo da história, com 19 anos no cargo (1930-1945 e 1951-1954). 

Não é por duração no cargo, evidentemente, que Getúlio deve ser considerado o maior presidente de todos os tempos. O que importa é a sua extraordinária quantidade de grandes feitos, que deixaram marcas indeléveis. 

Antes de enumerá-los, faço duas rápidas digressões. Primeira: ninguém pode negar que Lula é um gigante, talvez hoje um dos principais líderes do planeta. Realizou muito nos seus dois primeiros mandatos, sobretudo no segundo. Resistiu heroicamente a uma perseguição implacável. Procura agora realizar mais ainda, defrontando-se, porém, com a pesadíssima herança recebida de Jair Bolsonaro e com a sabotagem permanente da turma da bufunfa. Lula se destaca entre todos os presidentes, pelo que fez e está fazendo em termos de combate à pobreza e distribuição de renda. Pode ser considerado um sucessor de Getúlio, em que pese certa ambivalência dele e do PT em relação à era Vargas.

Segunda rápida digressão: os quatro presidentes mencionados têm pelo menos um ponto em comum: lideraram governos marcados pela combinação de desenvolvimento com nacionalismo e suscitaram a hostilidade dos setores mais conservadores da sociedade brasileira. Isso vale principalmente para os presidentes civis, mas até Geisel teve que enfrentar a insubordinação do general Ednardo D’Avila, comandante do Segundo Exército em São Paulo, antro de tortura e assassinatos políticos. Teve, também que abortar uma tentativa de golpe comandada por seu ministro do Exército, Sílvio Frota, líder da linha dura. Foi o que permitiu a continuação da “distensão política lenta, segura e gradual” iniciada por Geisel e que daria fim à ditadura militar no início da década de 1980. Um parêntese: a inclusão de Geisel entre os mais importantes presidentes pode causar estranheza; prometo explicar melhor em outra ocasião.

Realizações econômicas e sociais do Getúlio

Lula e Juscelino são presidentes democráticos, eleitos pelo voto direto. Getúlio só o foi na sua segunda fase como presidente, quando voltou ao poder por eleição direta com uma vitória estrondosa em 1950.

Mesmo assim, qualquer um sofre na comparação com Getúlio. Não sei se os brasileiros, mesmo os que tiveram a oportunidade de se educar, fazem uma ideia, ainda que remota, do que foram os seus governos. A lista de realizações é longa, vou procurar resumi-las, sem a pretensão de mencionar sequer todas as principais. 

No campo econômico, Getúlio reagiu à Grande Depressão dos anos 1930 com uma política de intervenção econômica e defesa do preço do café, então nosso principal produto de exportação, o que permitiu suavizar e abreviar o impacto da crise internacional sobre a economia brasileira. Praticou o que Celso Furtado denominou de “keynesianismo antes de Keynes”. Em consequência, a economia brasileira se recuperou antes da maioria das demais. Já a Argentina, apegada ao grande sucesso da sua economia primário-exportadora até 1929, adotou uma linha econômica liberal e experimentou uma crise muito mais severa. Enquanto a Argentina naufragava, o Brasil de Getúlio deu partida à fase mais intensa de industrialização brasileira, com o centro dinâmico da economia se deslocando do setor agroexportador para o mercado interno, como destacou Furtado.

Em 1941, Getúlio cria a Companhia Siderúrgica Nacional, explorando a rivalidade entre o Terceiro Reich e os Estados Unidos, e conseguindo assim o apoio americano para o estabelecimento da empresa. Em 1942, ele cria a Vale do Rio Doce, cujo primeiro presidente foi Israel Pinheiro, meu tio-avô e avô do economista André Lara Resende. No seu segundo mandato, em 1952, Getúlio cria o BNDE (hoje BNDES). E a Petrobrás em 1953, sob forte resistência do capital estrangeiro e seus aliados domésticos. Só não conseguiu criar a Eletrobrás, que surgiria em 1961 com JK. 

Boa parte das empresas estatais estratégicas para o desenvolvimento do Brasil remonta, portanto, à Era Vargas. Não por acaso, coube ao presidente Fernando Henrique Cardoso, neoliberal e entreguista, líder da “privataria”, anunciar pretensiosamente que poria “fim à Era Vargas”. O que FHC pôs no lugar estamos procurando até hoje. O que houve nos governos dele foi um processo acelerado e mal conduzido de privatização, de 1995 em diante, que desaguaria nas privatizações infames de Paulo Guedes no governo Bolsonaro.

Mas não foi só no terreno econômico que Getúlio trouxe mudanças fundamentais. Foi ele que instituiu as leis trabalhistas, em 1934, prevendo direitos para os trabalhadores, como salário mínimo, jornada de oito horas, férias remuneradas e liberdade sindical. Foi no seu governo que se estabeleceu o voto da mulher, em 1932, realizando antiga reivindicação das lideranças femininas. Não por acaso, Getúlio volta em 1951 à Presidência “nos braços do povo”, como ele diria na sua carta-testamento três anos depois. Não por acaso, as suas políticas suscitaram intensa hostilidade de grande parte, provavelmente da maior parte da retrógrada e predatória elite brasileira. 

Os falsos democratas

Getúlio foi derrubado por um golpe militar em 1945. Veio então a presidência do marechal Eurico Gaspar Dutra, de triste memória, marcada pela implantação de uma política liberal desastrosa e pela subordinação aos interesses dos Estados Unidos. Em 1950, porém, retoma o desenvolvimentismo após derrotar o candidato da União Democrática Nacional (UDN), o brigadeiro Eduardo Gomes, cujo lema de campanha era “vote no brigadeiro, ele é bonito e é solteiro” e que chegara a dizer que “não necessitava dos votos dessa malta de desocupados, que apoia o ditador [Getúlio], para eleger-me Presidente da República”.  

A UDN só era democrática no nome. Tinha pouca competitividade eleitoral, perdia quase todas para o getulismo e logo ia bater nas portas dos quartéis, pedindo intervenção militar. Ela foi derrotada não só em 1950, mas em 1955 quando Juscelino se elegeu. E JK teria sido provavelmente eleito em 1965, não fosse o golpe militar de 1964, insuflado e liderado pelos “democratas” da UDN. 

Diga-se de passagem que a direita brasileira só conseguiu vencer eleições presidenciais quando apelou para figuras exóticas e destrambelhadas, porém carismáticas – Jânio Quadros em 1960, Fernando Collor em 1989 e Jair Bolsonaro em 2018. A eleição e reeleição de Fernando Henrique Cardoso, um político sem carisma e até então sem grande projeção, um “presidente acidental”, como ele mesmo disse, só foram possíveis em circunstâncias muito especiais – com o Plano Real em 1994 e um gigantesco estelionato eleitoral em 1998. O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) de FHC, sucessor da velha UDN anti-Getúlio, também só era democrático e social-democrata no nome, tendo os seus integrantes e seguidores, em grande maioria, embarcado alegremente no golpe parlamentar contra Dilma Rousseff em 2016. Foi a UDN, comandada por Carlos Lacerda, um demagogo radical de direita, que arquitetou junto a militares entreguistas o golpe que seria abortado pelo suicídio de Getúlio há 70 anos. 

Getúlio saiu da vida para entrar na história, como disse na sua carta-testamento, documento que merece ser lido até hoje, pois expressa magistralmente as aspirações de desenvolvimento e justiça social que continuamos buscando.

Em

BRASIL 247

https://www.brasil247.com/blog/70-anos-da-morte-de-getulio-vargas-o-maior-de-todos-os-presidentes-xk4g4k74

23/8/2024

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Cómo termina el siglo norteamericano ante nuestros ojos

 


SL KANTHAN, ESCRITOR INDIO

Los que piensan que EEUU puede imprimir una salida a sus problemas se están engañando. Esto sólo funciona hasta cierto punto, mientras el dólar disfrute de su «privilegio exorbitante»

«Usted es un delincuente convicto».

«Eres un criminal. Puedes ser un delincuente convicto tan pronto como dejes el cargo».

«Eres un perdedor. Te acostaste con una estrella del porno cuando tu esposa estaba embarazada».

No, estas no son líneas de un reality show de mala calidad, sino extractos del debate presidencial estadounidense entre Biden y Trump. El llamado líder del mundo libre, Biden, de 81 años, a menudo murmuraba incoherencias y sonaba como un paciente con demencia que debería ser hospitalizado. Sin embargo, no se trata sólo de Biden o Trump, el propio imperio estadounidense es geriátrico y se acerca a su fin. Para los analistas geopolíticos objetivos, el declive y la decadencia de EEUU han sido evidentes desde hace algún tiempo, pero la implosión se acelerará rápidamente y se volverá innegable durante esta década. ¿Cómo se producirá el fin del imperio?

En 1980, nadie en la URSS habría predicho la caída de su sistema. La única diferencia entre la Unión Soviética y EEUU es que este último no se desmantelará pacíficamente. La extraordinaria combinación de arrogancia y codicia entre los oligarcas que gobiernan EEUU será un obstáculo formidable para cualquier negociación pacífica de una nueva arquitectura de seguridad. Más importante aún, el racismo y el imperialismo incrustados en la psique del establishment anglonorteamericano se resistirán intensamente a la aceptación de Asia como el nuevo centro de poder global. (El epicentro de prosperidad e influencia podría ser Eurasia, si Europa logra liberarse de la dominación estadounidense, cosa que difícilmente ocurrirá).

Los estadounidenses son malos en historia, por eso piensan que son únicos y que el siglo estadounidense durará para siempre. Pero todos los imperios surgen y caen. Más esclarecedor es el hecho de que todos los imperios siguen caminos completamente idénticos de crecimiento, decadencia y muerte. Se puede leer sobre los imperios egipcio, chino, indio, romano, griego, español, holandés, portugués, francés, alemán y británico, y encontrar similitudes asombrosas.

En las primeras etapas, hay paz y prosperidad impulsadas por la productividad y la innovación. Recién saliendo de una pobreza relativa, la gente trabaja duro y ahorra dinero.

Entonces la sociedad se vuelve complaciente y el sistema político poco a poco se convierte en una cleptocracia. El imperio recurre a la deuda y a guerras de saqueo para compensar la caída del nivel de vida.

En la fase final, hay una ruptura de la moralidad y del propósito que une a la nación. Los líderes alientan la degeneración y el hedonismo para distraer a las masas. La deuda se está disparando, la productividad y la ventaja competitiva se están derrumbando, la desigualdad se está volviendo marcada, el patriotismo está perdiendo su atractivo y la guerra civil se asoma en el horizonte. En este punto, surgen rivales disciplinados y decididos para desafiar y, en última instancia, derrotar al imperio.

Cualquiera que analice el imperio estadounidense puede ver en qué etapa se encuentra ahora.

Los pilares del imperio norteamericano

El imperio norteamericano es -pronto será necesario decir «fue»- el más grande y poderoso de la historia de la humanidad. Con 800 bases militares en 140 países, ha logrado lo que ningún otro imperio ha podido hacer en la historia mundial.

Sin embargo, lo que realmente sustenta el imperio estadounidense no es el ejército, sino el dólar real. Creado en 1944 en la conferencia de Bretton Woods, el dólar casi muere en 1971 cuando EEUU incumplió sus obligaciones y abandonó el patrón oro. Sorprendentemente, se salvó gracias al ingenioso acuerdo del petrodólar con Arabia Saudita. Hoy en día, es la moneda de facto para fijar el precio de todas las materias primas del mundo; y esta demanda convierte al dólar en la moneda principal del comercio mundial y de las reservas de divisas de todas las naciones.

Así, el dólar estadounidense tiene dos ventajas principales: (1) mantiene su fortaleza a pesar del enorme déficit comercial y presupuestario de EEUU (2); Puede usarse para imponer sanciones y castigar a las naciones que desobedecen a EEUU.

La fortaleza del dólar ayuda a atraer a las mejores mentes de todo el mundo, un factor crucial para mantener a duras penas el liderazgo de EEUU en ciencia y tecnología. La innovación, por supuesto, es un pilar clave de cualquier imperio.

También existe una relación sinérgica entre el dólar y el ejército estadounidense. La hegemonía del dólar permite gastar 1 billón de dólares al año en el ejército y miles de millones más en guerras perpetuas, que no son sólo programas de bienestar para contratistas militares sino que también sirven como advertencia a vasallos y rivales potenciales. «No desobedezcan al Imperio norteamericano, de lo contrario…».

Si el dinero y el ejército son esenciales, el poder blando es más crucial en un mundo de 8 mil millones de habitantes, que tienen fácil acceso a información diversa y abundante. Democracia es una palabra peligrosa para un imperio, que por lo tanto debe garantizar que el pueblo (los votantes) esté completamente formateado para apoyar al imperio. Esta es la razón por la que los medios de comunicación y las redes sociales estadounidenses dominan la autopista de la información en todo el mundo.

Sin embargo, después de años de negligencia y arrogancia, EEUU ha entrado en la última etapa del imperialismo y cada uno de los pilares analizados anteriormente está colapsando al mismo tiempo.

El ejército estadounidense ya no es abrumador

«Amamos la guerra porque somos buenos en ella. Somos buenos en esto porque tenemos mucha práctica. No somos buenos en nada más», dijo George Carlin, el brillante comediante estadounidense.

Sin embargo, EEUU también está perdiendo su ventaja en las guerras. Los únicos países que puede derrotar son aquellos que son relativamente mucho más débiles, como Irak (que ha quedado significativamente debilitado después de una década de sanciones paralizantes), Libia, Afganistán, etc. El ejemplo más reciente es la ayuda a Israel a librar una guerra genocida contra la indefensa Gaza.

Sin embargo, mire cómo EEUU está perdiendo la guerra por poderes contra Rusia en Ucrania. El presupuesto militar anual de EEUU y los países de la OTAN combinados asciende a la asombrosa cifra de 1’6 billones de dólares. Esto es 25 veces más que el presupuesto militar ruso. Sin embargo, después de más de dos años de conflicto, Rusia sigue invicta, mientras el comediante Zelenski advierte que Ucrania ha perdido demasiados hombres y no le queda mucho tiempo. Más importante aún, ¡Rusia es capaz de fabricar más municiones que los desindustrializados EEUU y Europa juntos!

En Medio Oriente, EEUU ha intentado crear una «coalición de dispuestos» para derrotar a los yemeníes, uno de los países más pobres del mundo. En primer lugar, casi ningún país europeo se ha sumado a la llamada Operación Guardián de la Prosperidad. En segundo lugar, el ejército yemení no sólo ha resistido los bombardeos estadounidenses, sino que también está derribando aviones no tripulados estadounidenses e incluso lanzando misiles balísticos antibuque contra portaaviones estadounidenses.

En cuanto a los famosos contratistas militares de EEUU, no pueden producir misiles, aviones de combate y portaaviones sin productos y componentes chinos, incluidos elementos de tierras raras, que son esenciales para prácticamente todas las armas de alta tecnología. Como admitió el director general de Raytheon, su empresa depende de miles de proveedores chinos.

China ahora tiene la armada más grande del mundo. Y su capacidad de construcción naval es 250 veces mayor que la de EEUU. Cuando se trata de tecnología de drones, China es mucho más avanzada que EEUU, lo que ha llevado a que el ejército ucraniano rechazase los drones estadounidenses por drones DJI chinos.

Más importante es el hecho de que China y Rusia tienen misiles hipersónicos, algo que EEUU aún no ha descubierto. Combine los misiles hipersónicos con 1000 ojivas nucleares que China tendrá para 2030, y puede apostar con seguridad a que no habrá una guerra caliente entre EEUU y China.

En resumen, el imperio norteamericano perdió su ventaja militar. La guerra por poderes en Ucrania bien podría ser su última guerra. Una vez que Rusia gane decisivamente, ningún país asiático se unirá a EEUU en una guerra contra China. La Pax norteamericana estará oficialmente muerta en un futuro próximo.

El dólar estadounidense se enfrenta a la muerte por miles de recortes

En cuanto al poderoso dólar estadounidense, se enfrenta a ataques de todos lados. Todo el mundo está tratando de desvincularse del «dólar terrorista», como lo llamó el multimillonario indio Uday Kotak. El esfuerzo de desdolarización se ha acelerado en todo el mundo desde la imposición de sanciones draconianas a Rusia y el robo de trescientos mil millones de dólares de moneda rusa hace dos años. El comercio bilateral chino-ruso se realiza actualmente en un 90% con monedas locales: rublo y yuan.

En general, más del 50% de todas las transacciones transfronterizas en China se realizan actualmente en RMB chino (y esta cifra era prácticamente el 0% en 2010).

El mayor shock para el petrodólar vendrá del petroyuan, es decir, cuando Arabia Saudita y otros miembros de la OPEP comiencen a vender petróleo y gas a cambio de yuanes chinos. Las ondas de choque resultantes no pueden subestimarse. Pronto, todos los países adoptarán la opción de fijar precios y vender productos básicos (desde cobre y oro hasta trigo y café) en yuanes chinos. El corolario obvio es que los países reducirán sus tenencias de dólares y los reemplazarán con yuanes.

La desdolarización no es sólo para los rivales geopolíticos de EEUU. Por ejemplo, la India y los países de la ASEAN también se han embarcado en este viaje de transformación. Por no hablar de los BRICS+, que están trabajando en su propio sistema financiero alternativo para eludir el dólar, el euro y el tipo de cambio SWIFT.

La desdolarización es la democratización definitiva de las finanzas globales.

Efectos de la desdolarización

Al igual que en el mercado de valores o en cualquier actividad económica, la gente sigue la tendencia y se sube al carro. Lo mismo ocurrirá con el ‘dumping’ del dólar. Y las repercusiones de la desdolarización serán sísmicas.

En primer lugar, la demanda de dólares estadounidenses y de deuda estadounidense caerá drásticamente. El efecto inmediato de esto será un aumento en los rendimientos de los bonos del Tesoro de EEUU, lo que diezmará el mercado de bonos a corto plazo y, de forma permanente, resultará en tasas de interés más altas en toda la economía de EEUU, incluidas tasas de tarjetas de crédito e hipotecas más altas.

Los tipos hipotecarios más altos tendrán un efecto muy perjudicial en el sector inmobiliario. Consideremos que el valor total de las viviendas estadounidenses es de 47 billones de dólares. Si las tasas hipotecarias alcanzan el 15% (el doble de la tasa actual), el impacto en el sector residencial y comercial será catastrófico. Hoy en día la gente olvida que en 1981 la tasa hipotecaria promedio en EEUU era del 18%.

Las tasas de interés afectan los precios de todo. Por lo tanto, el coste de la vida también se disparará.

Los hogares y las empresas, que se endeudaron durante los años de tasas de interés bajas, enfrentarán problemas financieros monumentales en la era de tasas de interés más altas.

Además, los pagos de la deuda pública estadounidense serán enormes, lo que conducirá a importantes recortes del gasto. En 2024, los pagos de intereses sobre la deuda del gobierno federal de EEUU serán de poco más de 1 billón de dólares. ¿Qué pasará si este pago se duplica? ¿Recortará el Congreso el gasto en partidas sensibles como la Seguridad Social, Medicare y Medicaid o las bases militares estadounidenses en el extranjero? ¿Se atreverán los políticos a aumentar los impuestos y correr el riesgo de una revuelta electoral?

Las personas que piensan que EEUU puede imprimir una salida a sus problemas se están engañando a sí mismas. Esto sólo funciona hasta cierto punto mientras el dólar disfrute de su «privilegio exorbitante». Cuando este estatus exclusivo comience a desaparecer, EEUU se verá obligado a tragarse la austeridad, la temida palabra en economía.

Los políticos estadounidenses también se verán obligados a reducir la ayuda exterior, lo que provocará una disminución del poder diplomático del imperio estadounidense. No olvidemos que muchos países votan junto a EEUU en la ONU únicamente por incentivos monetarios. Cuando el dinero se agota, también lo hace la amistad en la geopolítica. En algún momento, Europa podría liberarse del dominio estadounidense, reformar o expulsar a la OTAN, normalizar las relaciones con Rusia y desarrollar una cooperación beneficiosa para todos con China.

A EEUU también le resultará más difícil atraer inmigrantes brillantes a las universidades y los negocios. Las universidades estadounidenses recortarán las becas, mientras que los institutos de investigación de China, Rusia, Hong Kong, Singapur, etc. se convertirán en el centro de las mentes más inteligentes. Otra opción para China es establecer centros de excelencia en países europeos amigos. Así, por ejemplo, Serbia y Hungría pueden abrir universidades chinas para atraer a los mejores científicos del mundo.

También habrá una fuga de cerebros inversa hacia la India. Los ingenieros de software y líderes empresariales más exitosos de la India en EEUU volverán a la India, creando un renacimiento en la industria del software. Pronto habrá empresas indias de software compitiendo globalmente con Oracle y Google.

La reacción en cadena será imparable, del mismo modo que EEUU se convirtió en la meca de la innovación después de la II Guerra Mundial, tras siglos de dominación europea. China ya es el número uno del mundo en términos de patentes y artículos científicos de alta calidad; y líder indiscutible en muchas tecnologías como 5G, vehículos eléctricos, baterías, paneles solares, energía nuclear y muchas categorías de IA. Si bien EEUU tiene cierta ventaja en un puñado de áreas como los semiconductores, China alcanzará y superará a EEUU en los próximos años.

Y cuando la economía estadounidense se debilite, China se impulsará hacia adelante. La combinación de investigación, ideas prácticas y manufactura le dará a China la ventaja que EEUU disfrutó brevemente en las décadas de 1950 y 1960. Sin embargo, a diferencia de EEUU, China no subcontratará su producción ni adoptará el capitalismo financiero que ha destruido la economía estadounidense.

Un dólar débil también reducirá la capacidad de las empresas estadounidenses -particularmente gigantes financieros como BlackRock- de adquirir empresas en todo el mundo. De hecho, sucederá lo contrario, es decir, las empresas extranjeras comprarán acciones de antiguos gigantes estadounidenses. Y las repercusiones serán significativas.

Por ejemplo, imaginemos que los países asiáticos se convierten en grandes accionistas de las empresas matrices de Facebook, Google, Wall Street Journal, CNN, etc. Y que las empresas asiáticas también se conviertan en importantes anunciantes en los medios occidentales. ¿Resultado? La cobertura de los medios occidentales cambiaría radicalmente. De repente, los medios estadounidenses se verían obligados a ser objetivos e introducir narrativas completamente diferentes. Quizás los libros de historia y Wikipedia se reescriban de muchas maneras. Quizás al genocidio en Gaza se le llame genocidio y no conflicto.

Finalmente, uno de los aspectos más peligrosos de la pérdida de poder hegemónico será la posible venganza de todos los países que EEUU ha oprimido o destruido durante décadas, desde América Latina hasta Medio Oriente y más allá de Asia. ¿Qué pasaría si los países poderosos del futuro -Rusia, Irán y China- quisieran imponer sanciones devastadoras a EEUU? Tal vez Rusia diga a otros países que dejen de comprar petróleo y gas a EEUU; ¡Y China puede imponer sanciones a los iPhone y Tesla por preocupaciones sobre el espionaje!

Conclusión

«Los norteamericanos son la refutación viviente del axioma cartesiano: ‘Pienso, luego existo’. Los estadounidenses no piensan y, sin embargo, lo hacen»
Julius Evola, filósofo italiano.

Cuando el Imperio norteamericano comience a implosionar, la reacción de los estadounidenses comunes y corrientes será bastante violenta, porque nadie está preparado para el futuro. Habiendo escuchado constantemente que EEUU es el país más grande, las masas ignoran por completo los inminentes tsunamis económicos y geopolíticos. Habrá caos, crimen y tal vez incluso guerra civil, por lo que los estadounidenses buscarán un chivo expiatorio para explicar la caída del imperio.

En cuanto a los demás, prepárense para un siglo asiático. Si Europa fuera inteligente, veríamos un siglo euroasiático más próspero.

NOTA

SL Kanthan es analista geopolítico y escritor indio.
www.nodo50.org/ceprid. Traducido por María Valdés

EM

OBSERVATORIO DE LA CRISIS

https://observatoriocrisis.com/2024/08/17/como-termina-el-siglo-norteamericano-ante-nuestros-ojos/

17/8/2024



segunda-feira, 19 de agosto de 2024

A herança deixada pelo governo militar-miliciano de Bolsonaro

,




por Luís Nassif



Conversava com meu amigo Luiz Alberto Melchert, um sábio com múltiplos
conhecimentos. E ele previa: é só começar a área fiscal a dar sinais de
superávit, para o mercado pressionar para aumentar a taxa Selic e pegar
o aumento.

Dois dias depois, de fato, parte do mercado, através da mídia, começou a
pedir aumento de dois pontos na Taxa Selic.

O Brasil é o país da síndrome de Sísifo. Considerado o mais astuto de
todos os mortais, Sísifo foi rei e fundador de cidades, conhecido por
sua inteligência e por enganar diversas vezes os deuses. Sua punição,
dada a ele por Zeus, foi rolar uma pedra pesada montanha acima, apenas
para fazê-la cair toda vez que ele estava prestes a chegar ao topo. Esta
tarefa eterna tornou-se o símbolo do absurdo e da inutilidade de algumas
ações humanas.

O Brasil é a revanche de Sísifo: por aqui, ele puniu Zeus (o país) a
eternamente empurrar a pedra para o alto do morro, para vê-la cair em
seguida.


        Tudo que você precisa saber. Todos os dias, no seu e-mail.

Assine nossa newsletter para não perder os principais fatos e análises
do dia.


Qualquer arremedo de superávit será eternamente garfado pelo mercado
através de uma lógica simples e bizarra.

Se a receita está crescendo, é porque a atividade econômica está crescendo.

Se a atividade econômica está crescendo, abre espaço para reajuste de
preços e de pressão sobre a inflação.

Para prevenir, aumenta-se a taxa básica de juros, o mercado se apropria
do crescimento da arrecadação e a pedra de Sísifo rola ribanceira abaixo
novamente. Investimentos em infraestrutura, saúde educação, retomando o
ciclo virtuoso do crescimento? Que nada. Apenas mais impostos no bolso
do rentista.

Não apenas isso.

Para contentar o apetite do mercado, o governo aceitou o mais daninho
ataque à saúde pública, desde a industrialização do fumo: as bets, os
sites de apostas.

Tivemos uma pequena experiência quando houve a permissão para as
máquinas eletrônicas de apostas e para os cassinos em centros urbanos.
Houve uma epidemia de viciados perdendo bens, desestruturando as
famílias. Mais que isso, os bingueiros passaram a dispor de um poder
ilimitado sobre as polícias. Financiavam campanhas de deputados em troca
da indicação de delegados amigos para sua área de atuação.

Como é uma atividade que atua no limite da legalidade, uma das pernas
mais óbvias dos cassinos é a do financiamento de campanha de políticos
aliados e o suborno.

Acabou-se com os bingos, não com os cassinos clandestinos, que continuam
invadindo as cidades.

Agora, com o bingo eletrônico, cria-se uma ameaça gigantesca à saúde
pública. E qual a saída miraculosa do governo? Regulamentar os cassinos
para que financiem sistemas de atendimento às vítimas de cassinos.

Será a única contrapartida à dinheirama arrecadada pelos cassinos. A
parte maior do bolo de arrecadação fiscal ficará com o mercado.

Não adianta. A herança do suicídio institucional brasileiro – com a
conspiração do impeachment e a ascensão dos governos de negócios, Temer
e Bolsonaro – criou uma dinâmica invencível de saques contra o interesse
comum.

Há um pessimismo generalizado em relação à marcha da insensatez mundial.
Sabe-se que apenas uma grande tragédia trará de volta o bom senso. Os
grandes saltos do Brasil foram em períodos de crise. Tivemos há poucos
anos nossa crise master, um governo militar-miliciano que provocou a
morte de centenas de milhares de pessoas com seu terraplanismo, e
coalhou o setor público de negócios obscuros.

Mas a lição de nada adiantou. Agora, fica-se pensando qual o tamanho da
crise necessária para trazer o Brasil de volta ao rumo do
desenvolvimento e do bem-estar social.

Em
JORNAL GGN
https://jornalggn.com.br/coluna-economica/a-heranca-deixada-pelo-governo-militar-miliciano-por-luis-nassif/
19/8/2024


La última “reserva” de Ucrania: una provocación nuclear

 ROTISLAV ISHCHENKO, ANALISTA MILITAR de RT 

Si Ucrania y los Estados Unidos deciden realizar una provocación nuclear, y la probabilidad está lejos de ser cero, entonces, lo que harían será una explosión nuclear contra su propio población poco poderosa…

Hace un año y medio, enumeré las principales probabilidades de grandes provocaciones organizadas por el régimen de Ucrania. Estas incluían:

1. Una invasión del territorio ruso, con un intento de lanzar el ejército a lo más profundo posible y provocar pánico en la población rusa.

2. Socavar el funcionamiento de las centrales hidroeléctricas del Dnieper.

3. Una provocación nuclear (la provocación química o bacteriológica también es posible, pero la provocación nuclear es más probable, lo explicaré por qué a continuación).

Kiev y la OTAN organizaron la invasión en la región de Kursk… Sin embargo, Ucrania llegó tarde para una operación a gran escala. Su objetivo era provocar tal impacto psicológico que el liderazgo militar a tuviera que retirar sus tropas del Donbass, y el liderazgo político tuviera que ceder para mantener la estabilidad política interna. Para lograrlo necesitaban reservas militares significativas. La APU (ejército ucraniano) las tuvo en 2023. Ahora mismo no tiene esas reservas.

Con el fin de montar las fuerzas que atacaron la región de Kursk, el comando de la APU seleccionó las unidades más entrenadas de tres brigadas de asalto mecanizadas y dos anfibias que sostenían el frente de Donetsk.

Es decir, Kiev no tenía un número suficiente de formaciones entrenadas y equipadas y no puede retirar por completo las brigadas involucradas en el frente de Donetsk. Por lo tanto, se vio obligado a seguir un camino conocido desde la Gran Guerra Patria: ensamblar un grupo de piezas separadas. En situaciones de crisis, es lo que hemos hecho nosotros y los alemanes, pero este hecho  demuestra una falta total de reservas.

Siempre es mejor entrar en la batalla con unidades completas (y no compuestas de diferentes elementos), ya que tienen mejor coordinación e interacción de combate. Los comandantes y el personal se conocen, han estado en batallas juntos más de una vez. Por lo tanto, son más efectivos.

Como resultado, Kiev no pudo montar un grupo lo suficientemente poderoso como para crear una grave crisis en la región de Kursk, mientras que sus reservas móviles, que se utilizaban para tapar agujeros dejaron descubierta la dirección de Pokrovsky, donde el avance de las Fuerzas Armadas Rusas se aceleró de inmediato.

Podemos decir que Kiev llegó aproximadamente un año tarde con esta provocación, y hoy en día, a pesar de todo el aullido de los alarmistas, su operación no representa un peligro real (incluso en términos de proporcionar un ataque psicológico).

El segundo tipo de provocación se llevó a cabo parcialmente durante la destrucción de la presa HPP de Kakhovskaya. Sin embargo, otras cuatro centrales hidroeléctricas del Dniéper siguen intactas. 

Lo lógico es esperar que podrían sufrir atentados cuando las Fuerzas Armadas Rusas comiencen a cruzar el río para tratar de dividir las fuerzas ucranianas que quedan en la orilla izquierda.

En esta etapa, un colapso de las hidroeléctricas del Dniéper cortaría los suministros y condenaría a la destrucción del grupo ucraniano de la orilla izquierda, que constituye la mayor parte de la APU. Por lo tanto, es muy dudoso que Kiev vuelva a recurrir a este tipo de provocación en un futuro próximo. A menos que las Fuerzas Armadas Rusas se retiren repentinamente en Zaporozhye y la APU luego pueda atacar la presa de la central hidroeléctrica de Zaporozhye (pero no toda las hidroeléctricas ).

Esto deja sola una posibilidad: la provocación nuclear. Es nuclear, no química o bacteriológica, porque el potencial de las provocaciones químicas de los Estados Unidos se desprestigió Siria porque fue evidentemente una acción de falsa bandera. Sus gritos de «atrocidades» contra la población civil ya no son creíbles. 

Si intentan usar armas químicas contra las Fuerzas Armadas de la Federación de Rusia, entonces el uso local no dará resultados, solo comprometerá a Ucrania y a sus patrocinadores. No se puede organizar un uso masivo a lo largo de toda la línea del frente. Su preparación sería demasiada complicada , pues las  armas químicas no se podrán ocultar durante su transporte.

En cuanto a la provocación bacteriológica, estas pueden salirse fácilmente de control y golpear a los provocadores.

Entonces, queda la provocación nuclear 

La inteligencia rusa ha declarado en repetidas ocasiones que es muy probable que Ucrania tenga una «bomba sucia». En principio, no es necesario ser una agencia de inteligencia para determinar que Ucrania – como cualquier estado que tenga plantas de energía nuclear – tiene todos los componentes necesarios para crear una «bomba sucia» y, si aún no la ha creado, puede hacerlo en cualquier momento.

Sin embargo solo dudo de una cosa: que Ucrania y sus jefes estadounidenses, si se deciden hacer una provocación nuclear, usen una «bomba sucia» para este propósito. 

La lógica es simple: un ataque con bomba sucia en territorio ruso infectará una pequeña área, que se podrá desactivar y limpiar con relativa rapidez. Al mismo tiempo, el mero hecho de utilizar materiales nucleares con fines militares causará una caída del apoyo a Ucrania por parte del público euro-americano, lo que complicaría el apoyo diplomático, financiero y militar por parte de los Estados Unidos y de la UE.

Por otra parte usar una «bomba sucia» en territorio ucraniano para acusar a Rusia es absurdo. ¿Por qué un país con el primer arsenal nuclear del mundo usaría un arma que es incapaz de causar daños graves al enemigo? Además, es muy difícil obtener una imagen correcta para la televisión: la radiación es invisible y sus efectos no aparecen de inmediato.

Una provocación que podría utilizar a su propia población como víctimas…

Por lo tanto, creo que si Ucrania y los Estados Unidos deciden realizar una provocación nuclear, y la probabilidad está lejos de ser cero (hasta ahora han usado todo lo que han podido contra Rusia), entonces, lo que harían será una explosión nuclear contra su propio población (poco poderosa, de unos 10 kilotones), o varias más débiles(de una kilotón).

Esta opción la pueden utilizar ahora mismo. Para su implementación, los ucranianos y los estadounidenses tendrán que detonar una o dos cargas con una capacidad de 10 kilotones en una o en dos de sus grandes ciudades: Kiev, Odessa o Dnepropetrovsk. 

La capital, el principal centro industrial del país y el puerto marítimo más grande son objetivos lo suficientemente importantes como para acusar a Rusia de golpearlos y que está infamia suene convincente para una masa de europeos. El número de muertos y destrucción será suficiente para causar una impresión más que negativa de Rusia en el mundo.

No es difícil entregar artefactos explosivos de manera desapercibida. Los Estados Unidos tienen bases en Polonia y Rumanía, desde donde pueden importar lo que quieran. Sus armamentos se trasladan permanentemente a Ucrania y no son inspeccionados por nadie.

Incluso para aquellos que no crean en la participación de Rusia, en una provocación de este tipo, la provocación indicará que la línea de la guerra nuclear se podría cruzará en el siguiente acto. 

En consecuencia, la presión sobre el Kremlin para hacer la paz aumentará no solo de Occidente, sino también de los países neutrales y de algunos aliados. Y el propio liderazgo ruso tendría que tomar una decisión difícil: responder y, en caso afirmativo; ¿cómo?

Otra opción de Ucrania es una serie de explosiones más débiles. Las explosiones nucleares con una capacidad de 0,5-1 kilotón pueden destruir las presas y los puentes del Dniéper. Dado que la mayoría de los puentes a través del Río tienen una conexión con Kiev y Dnepropetrovsk, de 7 a 10 dispositivos deberían ser suficientes. 

El número de víctimas sería mínimo. Pero, de esta manera el cruce del Dniéper por parte de las Fuerzas Armadas Rusas se interrumpiría por un período indefinido, ya que el río se convertiría en un pantano radiactivo a lo largo de todo su curso.

Esta opción es la más probable para el alto mando ucraniano, en caso que las tropas rusas lleguen al río Dniéper, desde Kiev hasta Kherson. Claro, que al mismo tiempo, las autoridades de Kiev tendrían que abandonar una parte significativa del grupo existente en la orilla izquierda, lo que les servirá como «prueba» adicional que Rusia realizó el ataque. 

La magnitud del desastre ambiental será suficiente para impresionar a Europa. La señal que la línea de confrontación nuclear estaría casi cruzada.

El resultado deseado: un callejón sin salida posicional: la incapacidad de continuar las operaciones más allá del Dniéper en un futuro previsible, además de la preocupación de amigos y neutrales porque las cosas habrían ido demasiado lejos. 

Esto debería obligar a Rusia a aceptar los términos de la paz estadounidense, lo que implica la preservación de un régimen nazi proamericano en la orilla derecha del Río Dnieper.

No hay duda que el liderazgo ucraniano ha estado durante mucho tiempo listo para detonar una bomba nuclear en alguna de sus ciudades. Lo harían para mantener la ilusión de una victoria sobre Rusia. Han demostrado que están dispuestos a cualquier cosa, incluso destruir parte de Ucrania y como fatal consecuencia casi todo el mundo. 

¿Decidirán los estadounidenses respaldar una aventura así? Bajo Trump, es poco probable, sin embargo el peligro de caer en un apocalipsis nuclear es demasiado grande. Con Kamala Harris, la situación puede tornarse en grave, ella es amiga cercana de Hillary Clinton, la ex Secretaria de Estado que chantajeó a Rusia con una guerra nuclear en 2014.

Los meses más peligrosos son ahora. Ucrania puede colapsar antes de las elecciones de EE. UU., lo que a muchos en Washington le molesta de sobremanera. Formalmente, Biden es responsable de todo, pero nadie sabe realmente quién toma las decisiones en el gobierno estadounidense. 

Si se sabe que la lucha no es solo entre republicanos y demócratas, sino también entre grupos dentro del Partido Demócrata, cada uno de los cuales utiliza la debilidad del actual presidente para fortalecer sus posiciones internas. Al mismo tiempo, estos grupos no son nada de escrupulosos con sus «amigos» ucranianos. Si es rentable, entonces ¿por qué no volar algo en algún lugar lejano? Además, el responsable será Biden y/o alguien de su equipo.

Debemos, por supuesto, esperar que no se llegue a ese extremo, pero también debemos recordar que los Ucranianos y los Anglos ya han llevado a cabo todas las provocaciones posibles (excepto las nucleares). Simplemente no les quedan más acciones de “reserva”. Una provocación nuclear es la última opción. Nadie sabe si querrán organizarlo y si podrán hacerlo. Por si acaso, es mejor estar preparado.


OBSERVATORIO DE LA CRISIS

https://observatoriocrisis.com/2024/08/18/la-ultima-reserva-de-ucrania-una-provocacion-nuclear/

18/8/2024

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

El significado global de Gaza

 

El significado global de Gaza

William I. Robinson

El indescriptible salvajismo del genocidio que se está desarrollando en Gaza y la absoluta impunidad de los genocidas israelíes y sus patrocinadores occidentales han provocado ondas de indignación en todo el mundo y desencadenado una intifada global de solidaridad con Palestina.  Los palestinos están luchando contra más de 75 años de colonialismo, ocupación y apartheid, sin duda.  Pero hay más en el genocidio de lo que parece.  Nos muestra tanto el pasado como el futuro, una reedición de la oscura historia del colonialismo europeo que alcanzó su cenit en los siglos XIX y XX y también una visión horrorosa del futuro de un capitalismo global cuyo impulso de exterminio está en pantalla completa ante una crisis sin precedentes.

El genocidio en Gaza y la represión y criminalización de la solidaridad palestina cuentan una historia más amplia de la crisis.  El salvajismo absoluto del genocidio en desarrollo ha tocado una fibra sensible en todo el mundo precisamente porque pone de manifiesto lo mucho que está en juego a medida que se desarrolla la dinámica de esta crisis global.  Estructuralmente la crisis es de sobreacumulación.  El estancamiento crónico ejerce una presión creciente sobre los agentes políticos y militares del capital transnacional para que abran violentamente nuevos espacios de acumulación.  Al mismo tiempo, estos agentes tienen que contener la rebelión desde abajo provocada por el descontento generalizado con el estatus quo global.

Pero la crisis es tanto política como económica.  La creciente desigualdad, el empobrecimiento y la inseguridad de las clases trabajadoras y populares después de décadas de penuria social provocada por el neoliberalismo socavan la legitimidad del Estado, desestabilizan los sistemas políticos nacionales, ponen en peligro el control de las élites y dan impulso al surgimiento de una derecha neofascista.  Las guerras de Ucrania y Gaza, junto con la Nueva Guerra Fría entre Washington y Beijing, están acelerando la violenta ruptura del sistema internacional posterior a la Segunda Guerra Mundial.

El último medio siglo de globalización capitalista ha acarreado una nueva y vasta ronda de acumulación primitiva y expulsiones en todo el mundo.  El álter-ego del excedente de capital es el excedente de trabajo.  Cientos de millones de personas han sido desplazadas del campo del antiguo Tercer Mundo y en el antiguo Primer Mundo millones más han sido arrojados al desempleo y el abandono por la desindustrialización y el neoliberalismo.  Las filas del excedente de mano de obra, de aquellos estructuralmente excluidos y relegados a los márgenes de la existencia, ascienden ahora a miles de millones.  

El nivel de desigualdad en todo el mundo no tiene precedentes.  El uno por ciento de la humanidad controla el 52 por ciento de la riqueza del mundo y el 20 por ciento de la humanidad controla el 95 por ciento, mientras que el 80 por ciento restante tiene que conformarse con sólo el cinco por ciento de esa riqueza.  Miles de millones de personas no pueden sobrevivir a medida que se extiende la desintegración social.  Regiones y países enteros están colapsando.  Millones más enfrentan continuos desplazamientos por conflictos, cambio climático, colapso económico y persecución política, étnica y religiosa.

No hay símbolo más potente y trágico del destino del excedente de humanidad que el genocidio que ahora está perpetrando Israel.  El proletariado palestino en Gaza dejó de servir como mano de obra barata para la economía israelí cuando se impuso el bloqueo en 2007 y el territorio se convirtió en un vasto campo de concentración al aire libre.  De ninguna utilidad para el capital israelí y transnacional, los habitantes de Gaza obstaculizan la expansión capitalista global en el Medio Oriente y son completamente desechables.  El ataque de la resistencia palestina del 7 de octubre de 2023 se produjo justo cuando Israel y Arabia Saudita iban a normalizar las relaciones, lo que a su vez se suponía estabilizaría el Medio Oriente, profundizaría la integración económica regional árabe-israelí que ha despegado en los últimos años y allanaría el camino para una nueva ronda de inversiones corporativas y financieras transnacionales en toda la región.

Si bien el ataque suspendió temporalmente esos planes, el gobierno israelí, incluso en medio del genocidio, se dedicó a conceder licencias a empresas transnacionales de energía para la exploración de gas y petróleo frente a la costa mediterránea de Gaza, mientras que las empresas inmobiliarias israelíes anunciaban la construcción de casas de lujo en barrios bombardeados de Gaza, y otros hablaron de resucitar el Proyecto del Canal Ben Gurion.  El yerno de Donald Trump, Jared Kushner, un magnate de inmobiliarios, ha hablado abiertamente de apoderarse de propiedades inmobiliarias de primera línea frente a la playa en Gaza.  En el panorama más amplio, el asedio aparece como una forma de acumulación primitiva mediante el genocidio.

El impulso de exterminio del capital

Si estas son las circunstancias históricas particulares que constituyen el trasfondo de la guerra de Gaza, también nos ayudan a comprender cómo la coyuntura histórica mundial de globalización y crisis puede activar el siempre latente potencial de exterminio del capital.  Gaza y otros espacios similares alrededor del mundo deben ser despejados para la expansión capitalista.  La clase dominante teme levantamientos masivos ante la creciente y constantes protestas populares.   Gaza es un microcosmos y una manifestación extrema del destino que les espera a las clases trabajadoras y al excedente de humanidad a medida que el orden global se endurece hasta convertirse en formas de dominación cada vez más virulentas y violentas, lo que simboliza una nueva etapa radical en las modalidades de control de la clase dominante, la creación de nuevas geografías de contención y matanza generalizada de poblaciones excedentes que se interponen a la apropiación y expansión capitalista transnacional.

Gaza, como gigantesco campo de concentración al aire libre, puede ser un caso extremo de gestión del excedente de humanidad, pero este tipo de geografías de mega-prisiones se están extendiendo por todo el mundo.  En 2023, el gobierno salvadoreño inauguró su draconiana mega-prisión, el Centro de Confinamiento del Terrorismo, la más grande del mundo, en la que encerró a 40.000 presos, prácticamente todos ellos jóvenes desempleados y empobrecidos.  Si Gaza nos muestra la opción del exterminio, El Salvador proporcionó un modelo de control sobre la humanidad superflua en la manipulación de la inseguridad y la inducción del miedo frente al crimen y la violencia social, que en sí mismas son consecuencia de la pobreza, el desempleo y las privaciones crónicas.

Las mega-prisiones como método para contener el excedente de humanidad se han extendido muy rápidamente.  Después de que se abrió la prisión salvadoreña, Brasil, China, Turquía, Tailandia, Filipinas e India, entre otros países, anunciaron planes similares para prisiones que albergarían a decenas de miles de personas.  Entre 2016 y 2021 comenzó en Turquía la construcción de nada menos que 121 nuevas prisiones.  En Sri Lanka, el gobierno anunció en 2021 planes para construir un complejo penitenciario de 200 acres que permitiría detener a 100.000 personas en todo el país, más de tres veces la población carcelaria de ese año. Egipto anunció ese año que pronto abriría una nueva prisión para encerrar a 30.000 personas.  Si bien ya había unas 200 prisiones privadas con fines de lucro en todo el mundo, muchas de las que estaban en construcción iban a ser “asociaciones público-privadas”, con corporaciones contratadas para construir y administrar prisiones –para obtener ganancias considerables, por supuesto.

Las insurgencias paramilitares y los despliegues militares multinacionales han desplazado a más de siete millones de personas en el Congo en los últimos años, la mayoría de ellas en las provincias orientales, con el objetivo de abrir el acceso a los vastos recursos minerales del país, incluidos abundantes depósitos de oro, diamantes, plata, cobalto, coltán, estaño, petróleo, gas natural y más.  A menudo reportadas como conflictos étnicos o luchas entre facciones locales por el control político, estas son causas próximas de guerras transnacionales por parte del capital transnacional y Estados para apoderarse de recursos en las que se fusionan las dos dimensiones del estado policial global: acumulación militarizada, o acumulación de capital y apropiación de recursos a través de la guerra y la conquista, y acumulación por represión, o acumulación de capital mediante represión masiva de las clases trabajadoras y populares.

Las fronteras se convierten menos en marcadores físicos del territorio que en ejes en torno a los cuales se organiza un control intensivo sobre los expulsados.  Están cada vez más militarizadas.  En el medio siglo de globalización capitalista, se han construido no menos de 63 muros fronterizos en todo el mundo para encerrar o mantener fuera el excedente de humanidad.  Además de la represión impuesta por los Estados, los migrantes transnacionales están sujetos a la depredación de traficantes de personas, esclavistas, cárteles de la droga y otras bandas criminales.  Las fronteras entre jurisdicciones nacionales se convierten en zonas de guerra y zonas de muerte.  La patrulla fronteriza de EE. UU. informó más de 7000 muertes en la frontera entre México y EE. UU. entre 1998 y 2023, probablemente una gran subestimación ya que no tiene en cuenta aquellos cuyos cuerpos no fueron recuperados ni los muchos que murieron en el largo viaje a través de Centroamérica. y México.  Las cifras de muertes en el Mediterráneo son absolutamente impactantes: más de 20.000 personas se ahogaron o desaparecieron entre 2014 y 2023.

Gaza, el Congo y otros infiernos similares son señales de alarma en tiempo real de que el genocidio puede convertirse en una poderosa herramienta en las próximas décadas para resolver la intratable contradicción inherente al capitalismo entre el excedente de capital y el excedente de humanidad.  En pocas palabras, el caos político y la inestabilidad crónica pueden crear condiciones bastante favorables para el capital.  Es difícil no prestar atención a la alarmante llamada de atención cuando las poblaciones de clase trabajadora abandonadas por los partidos que alguna vez las representaron recurren a ideologías etnonacionalistas y personajes carismáticos, mientras el estado policial global perfecciona sus mecanismos de vigilancia y represión con la ayuda de tecnologías cada vez más sofisticadas, y mientras nuestras comunidades están siendo continuamente saqueadas y convertidas en tierra arrasada, haciendo que el planeta sea cada vez más inhabitable para vastas franjas de la población mundial.

La urgencia del momento histórico

Este es el “panorama general” detrás de la intifada de solidaridad con Palestina y del significado global del genocidio en Gaza.  En Estados Unidos, desde donde escribo, hemos emprendido un movimiento de solidaridad con Palestina sin precedente.  En el año académico recién concluido, en más de 200 universidades los estudiantes tomaron los recintos y establecieron plantones.  Los administradores universitarios atacaron brutalmente nuestra libertad de expresión, libertad académica, y libertad de asamblea, llamando a la policía y a las fuerzas paramilitares a reprimir con una insólita violencia las protestas estudiantiles pacíficas.

Pero estos administradores no actuaban solos.  Estaban respondiendo a la amenaza que representaba la ola de solidaridad con Palestina para los intereses del capital corporativo transnacional y del Estado capitalista, especialmente el complejo militar-industrial-seguridad-inteligencia-gran tecnología-finanza – el mero meollo del poder capitalista.  Las universidades están fuertemente financiadas por corporaciones que a su vez están entrelazadas con las agencias militares, de seguridad y de inteligencia del Estado.  Mi propio campus, la Universidad de California en Santa Bárbara, recibe cada año financiación multimillonaria de Northrop Grumman, Lockheed Martin, Raytheon, General Dynamics, Caterpillar, Hewlett Packard, etc., en coordinación con agencias estatales.  Estas corporaciones invierten mucho en Israel (y más generalmente, en los sistemas de guerra y represión en todo el mundo), incluida en asociación con las Fuerzas de Defensa de Israel para desarrollar y desplegar el equipo y la tecnología militares utilizados en el genocidio.

La exigencia de los estudiantes y profesores que nuestras universidades retiren sus inversiones en estas corporaciones es una amenaza directa a los intereses de la clase capitalista transnacional (CCT).  No debería sorprender que un grupo de multimillonarios de la ciudad de Nueva York ordenara al alcalde Eric Adams que enviara a la policía a asaltar el recinto universitario Columbia y otros campus de esa ciudad.  El director ejecutivo de Palantir, Alex Karp, dejó claro lo mucho que había en juego en las protestas, según creía el TCC. Palantir, una corporación multimillonaria de alta tecnología con sede en Silicon Valley que vende software y productos de inteligencia artificial a la policía y los agencias gubernamentales anti-inmigrantes, firmó un acuerdo a principios de 2024 con el Ministerio de Defensa israelí para suministrar a las Fuerzas de Defensa de Israel inteligencia artificial y otras tecnologías digitales que se utilizaron en el genocidio de Gaza.  “Las protestas en los campus universitarios no son un espectáculo secundario.  Ellos son el espectáculo”, dijo Karp. «Si perdemos la batalla intelectual, nunca jamás podremos desplegar nuestros ejércitos» con impunidad.

Estamos en medio de una guerra civil global, no en el sentido de que haya dos ejércitos opuestos en combate, sino más bien en el sentido de que el proletariado global y las clases populares se enfrentan en todas partes a los grupos dominantes y los Estados que controlan, desde Kenia a Argentina, Francia a Estados Unidos y Bangladés a Nigeria.  El futuro es indeterminado porque los resultados dependerán de las luchas entre fuerzas sociales y de clases antagónicas, de las políticas que surjan de esas luchas y de circunstancias contingentes que se presentan de maneras a menudo difíciles de anticipar.  Sin embargo, no hay duda de que se vislumbran trastornos catastróficos en el horizonte.  Llegó la hora de la resistencia transnacional en masa.  Es urgente tejer agendas populares viables y transfronterizas contra la agenda del exterminio del capital.

El autor es profesor distinguido de Sociología, Universidad de California en Santa Barbara

Coordinación Nucleos Comunistas

 https://cncomunistas.org/?p=1731

18/8/2024

 

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

O impensável

 


Gustavo Carneiro    12.Ago.24    Outros autores


«Faz por estes dias 79 anos que as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasáqui foram arrasadas por dois engenhos nucleares norte-americanos e era útil que acerca disto se dissesse mais do que o habitual cliché das bombas que puseram fim à guerra, o que para além de ser uma flagrante falsidade histórica visa absolver os culpados daquele que é, inquestionavelmente, um dos maiores crimes contra a Humanidade alguma vez cometido.»

Há muito tempo que não se falava tanto de armas nucleares. No discurso político-mediático, o assunto surge com frequência e tantas vezes num tom que, de tão ligeiro, chega a ser assustador: realça-se o poderio dos arsenais, exulta-se com as novas tecnologias, apela-se à escalada e a «mais investimento», alude-se até à possibilidade de poderem ser novamente utilizadas. Assim se banaliza o que deveria ser impensável…

Faz por estes dias 79 anos que as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasáqui foram arrasadas por dois engenhos nucleares norte-americanos e era útil que acerca disto se dissesse mais do que o habitual cliché das bombas que puseram fim à guerra, o que para além de ser uma flagrante falsidade histórica visa absolver os culpados daquele que é, inquestionavelmente, um dos maiores crimes contra a Humanidade alguma vez cometido.

Algum do generoso tempo de antena gasto a promover a escalada era seguramente mais bem empregue a recordar que a 6 e 9 de Agosto de 1945, no exacto momento das explosões, morreram centenas de milhares de pessoas e que muitas outras sucumbiram às queimaduras e à radiação nas horas, dias, semanas e meses seguintes. Ou a lembrar que os seus efeitos perduram até hoje nas anormalmente elevadas taxas de doenças oncológicas e malformações.

Em vez de se dar voz a falcões da guerra ou aos seus porta-vozes de ocasião, era melhor que se recuperasse as memórias dos hibakushas, os sobreviventes de Hiroshima e Nagasáqui: «não apenas pessoas, mas várias formas de vida – flores, árvores, animais – foram todas varridas»; «o sol parecia ter desaparecido por detrás das pesadas nuvens cinzentas que cobriam o céu»; «uma semana depois (…) o fogo ainda queimava»; «a amiga com quem eu estava (…) morreu. Não conseguimos encontrá-la». Estes e outros testemunhos são duros de ler, mas fáceis de encontrar (https://hibakushastories.org).

Para além dos «especialistas» forma(ta)dos em política internacional e geo-estratégia, era bom ouvir também o que têm a dizer, sobre os riscos de uma guerra nuclear, os cientistas – que, como disse Einstein, desencadearam essa «força monstruosa» e têm agora uma «responsabilidade extraordinariamente grande na luta pela vida e a morte». A Federação dos Cientistas Americanos (fas.org), por exemplo, refere-se às tempestades de fogo provocadas pelas explosões nucleares – com temperaturas de milhares de graus e ventos superiores a 1000 km/h –, aos efeitos prolongados no tempo devido à radiação, às alterações climáticas catastróficas associadas ao Inverno Nuclear, que ameaçariam a vida na Terra.

Que se fale de armas nucleares, sim, mas para criar na consciência colectiva a urgência da sua eliminação. Para que o impensável nunca ocorra.

Fonte: https://www.avante.pt/pt/2645/opiniao/176586/O-impens%C3%A1vel.htm?tpl=179

Em

O DIARIO.INFO

https://www.odiario.info/o-impensavel/

12/8/2024

 

 

quinta-feira, 8 de agosto de 2024

O fim do colonialismo financeiro

 


Michael Hudson e Richard Wolff [*]
entrevistados por Nima

Eclipse.

NIMA: Comecemos pelo conflito que se vive atualmente no Médio Oriente. Como é que o vê neste momento? O que é que se passa, Michael, na sua opinião, no Médio Oriente?

MICHAEL HUDSON: Penso que o Médio Oriente está a tornar-se um catalisador daquilo de que temos falado nas duas últimas vezes que nos reunimos, o mundo dividido em duas metades, os EUA, a NATO, o Ocidente contra o resto do mundo.

E penso que os Estados Unidos, o Próximo Oriente, são uma espécie de demonstração para a maioria global do que o que a América e Israel estão a fazer lá com o seu assassinato de indivíduos, a sua mudança de regime e a violência com que o partido de direita Likud, apoiado pelos Democratas de direita nos Estados Unidos, estão a tentar impor ao resto do mundo.

E a mensagem, penso eu, que a Eurásia recebe é que o que estão a fazer aos palestinos e o que a Europa está a fazer aos ucranianos, podem fazê-lo a nós, a menos que nos separemos realmente.

Penso que isto dá uma nota de urgência. Desde 1955, em Bandung, que os países falam sobre a forma de se afastarem e criarem uma espécie de regime mundial de comércio e investimento que não seja tão explorador. Mas quando vêem o que se está a passar na Ucrânia e no Médio Oriente, penso que isso dá uma nota de urgência, dizendo que temos de nos unir e fazer com que os aliados adiram ao nosso sistema, oferecendo a cada país que adere o suficiente para que valha a pena aderir à órbita da China, da Rússia, do Irão, da SCO [Organização de Cooperação de Xangai], em vez de manterem as suas ligações ao Ocidente. Tudo o que o Ocidente tem para oferecer é suborno e ameaça de violência.

NIMA: Richard?

RICHARD WOLFF: Sim, gostaria de pegar no que o Michael diz. E o que mais me impressionou foram os sinais da ascensão da China, a ascensão dos BRICS, a ascensão de muito daquilo a que costumávamos chamar o terceiro mundo, ou o mundo subdesenvolvido, ou os novos emergentes, todos esses eufemismos.

Essa ascensão é agora clara. É óbvio. As estatísticas que o Michael apresentou, que eu apresentei, que sei que discutiram connosco e com outros nos vossos programas, todas atestam isso.

Quero dizer, para vos dar um pequeno exemplo, li esta manhã que a corporação Uber, e ouçam esta história, que a corporação Uber, que no início deste ano estava em negociações com a Tesla, e a razão porque negociavam com a Tesla é que desejarem fornecer veículos elétricos baratos a cerca de 100.000 condutores da Uber em todo o mundo. E explicam na imprensa financeira o seu objetivo. Trata-se de dar a conhecer ao público, de o tornar mais interessado e mais confortável com os veículos eléctricos, o que é um tipo de negócio normal.

Depois, o acordo fracassou e esta manhã anunciaram que haviam feito o acordo, mas não com a Tesla e sim com a empresa BYD, que é o principal produtor de veículos elétricos da China.

Porquê? Porque não podiam chegar a um acordo com a Tesla, por causa de tudo o que Elon Musk fez ou deixou de fazer nos seus, como hei-de dizer, altos e baixos como empresário, e com o Ocidente, etc.

Não se pode continuar a fazer isto, agora que se vê basicamente uma empresa ocidental, a Uber, a fazer um acordo, a favorecer a China em detrimento de outra empresa ocidental.

É a própria concorrência dos capitalistas que está a conduzir a transição para as mãos daquilo a que chamam o seu inimigo. É a velha piada sobre, sabe, os capitalistas competindo para ver quem consegue vender o laço do carrasco para as pessoas que querem enforcar o capitalismo. É uma estranha auto-destruição que está a começar a acontecer.

Deixem-me dar-vos um segundo exemplo. De acordo com os registos internacionais, o preço de um galão de gasolina na estação de serviço de retalho no Irão é de 10 cêntimos por galão [1 US galão = 3,785411784 litros]. São cêntimos americanos, galão americano. O preço médio em França e na Alemanha para o mesmo galão de gasolina é superior a sete dólares.

É uma diferença insustentável no custo da energia. Quer dizer, pode demorar mais ou menos tempo, pode ir por aqui ou por ali, mas a concorrência está feita. Qualquer produção que necessite de petróleo pode ser feita no Irão e não pode competir se custar sete dólares em França e na Alemanha, e é mais de sete em ambos, para obter um galão de gasolina para o camião que vai e volta e para tudo o resto.

Penso que o que estamos a ver agora, e é aqui que eu entro para apoiar o último ponto mencionado por Michael, o que me surpreende não é tudo o que tem acontecido há algum tempo e que agora está a acelerar, como no caso da Uber e da BYD e assim por diante, mas o facto de o Ocidente ter escolhido este caminho como forma de lidar com isto, não se sentando para trabalhar um acordo enquanto ainda estamos fortes, enquanto o nosso dólar, embora mais fraco, ainda é a moeda número um do mundo, e assim por diante.

Não, não estão a fazer isso. Decidiram que vão, de alguma forma, parar ou inverter ou abrandar este processo, o que não podem fazer. Não há precedentes históricos para tal coisa. Não vão conseguir fazê-lo, e a sua frustração e o seu fracasso estão a levá-los a níveis de violência que são impressionantes.

Agora, o meu último exemplo para tentar explicar isto, a violência no Médio Oriente, o Michael tem toda a razão. Está fora dos mapas. Houve um debate em Israel, nos últimos dias, sobre a legitimidade de sodomizar prisioneiros palestinos na prisão. Houve um debate, a favor e contra, com muitos a favor.

O que é que aconteceu ao povo israelense para chegar a este ponto? É como as perguntas que se faziam ao povo alemão em relação às vítimas do Holocausto. Foram feitas, e com razão, aos alemães. É com razão que se faz agora aos israelenses.

E Michael também tem razão quando diz que o horror infligido ao povo ucraniano é realmente extraordinário. E se conhecermos a história, e não quero absolver o Sr. Putin e os russos. Eles invadiram. Violaram uma fronteira. Compreendo que se trata de um problema grave. Mas todos nós sabemos o que a NATO fez depois de 1989. Todos nós sabemos. E ninguém que preste atenção e não esteja perdido na guerra de propaganda não compreenderia que esta foi uma crise construída pelos planos da NATO, por um lado, e pela recusa da Rússia, por outro. Os russos disseram-no muitas vezes. É a sua linha vermelha. Está lá. Não podem fazer isto. Não podem fazer isto. E depois houve aquelas reuniões em fevereiro, e outra um pouco mais tarde em Istambul, e assim por diante. Não resultou em nada. A miséria da Ucrânia podia ter sido evitada. Serão precisas décadas para saírem do desastre em que se encontram, independentemente de quem ganhe ou perca esta guerra.

Este nível de violência mostra-nos o quão desesperadas estão as pessoas no Ocidente, o que estão dispostas a fazer, o que estão dispostas a assistir a que outros façam. Ainda não estão preparados.

E a questão não é quando é que nos vamos sentar com os russos. Toda a gente sabe que acabará por haver uma reunião e que chegarão a um acordo. É assim que todas as guerras como esta terminam. É assim que esta vai acabar. E toda a gente sabe isso, os que prestam atenção.

E os israelenses vão ter de chegar a um acordo com os palestinos, a menos que queiram literalmente exterminá-los, o que não podem fazer de qualquer maneira.

Portanto, o que estamos a ver é um sinal de um tal nível de desespero que a única coisa mais bizarra é ver líderes como Biden, ou Trump, a falar como se tivessem o poder que os EUA tinham nos anos 60 e 70. Mas isso já não existe. Mas eles parecem pensar que a necessidade política é enganar o povo americano fazendp-o imaginar ingenuamente que ainda está onde já esteve.

E noto esta simples estatística, que também já vos apresentei nos nossos debates, que o PIB agregado do G7 é agora significativamente inferior ao PIB somado dos BRICS. Mas é isso mesmo.

E reparo que quando explico isto ao meu público, eles olham para mim com uma espécie de olhar triste, como se eu tivesse acabado de dizer algo sobre a sua vida íntima que eles esperavam manter em segredo. E ali estou eu a libertar esta realidade desagradável. E não se vão lembrar dela dali a 10 minutos porque é muito desagradável.

E agora tudo está a ir com este nível de violência. Temos realmente a sensação, que apanho em toda a nossa cultura, de que estamos num ponto de inflexão muito assustador da história americana. E ninguém sabe muito bem o que é ou para onde vai. Mas vejo, sinto e ouço falar disso em todo o lado.

MICHAEL HUDSON: Gostaria de retomar a questão que o Richard acabou de mencionar sobre o desespero e a frustração. Sabemos o que os EUA têm andado a fazer para se sentirem frustrados. Têm imposto sanções à China e à Rússia.

O interessante é que quase todas as sanções que impuseram saíram pela culatra. O efeito das sanções sobre algo que é necessário para outro país é forçar esse país a produzir esses bens. Já falámos anteriormente neste programa sobre a forma como os EUA começaram por impor sanções contra a Rússia no domínio dos produtos agrícolas. Assim, a Rússia deixou de poder importar produtos lácteos e géneros alimentícios dos Estados Bálticos. O que é que aconteceu? A Rússia simplesmente transferiu a produção para si própria. Agora é independente. E quando nos tornamos independentes de algo e percebemos que nunca mais queremos que os países tentem interromper a nossa cadeia de abastecimento através de sanções, perdemos esse mercado para sempre.

Portanto, o que os Estados Unidos estão a fazer no seu desespero para tentar impedir a independência da maioria global, os 85% do Ocidente da NATO, é forçar esses países a tornarem-se independentes para que deixem de precisar dos EUA. Tudo o que estão a fazer para o impedir tem exatamente o efeito oposto.

E isso acontece porque a mentalidade ocidental é a de intimidar, de pensar que se não fizerem o que queremos, vamos magoar-vos. E pensam que as sanções vão fazer mal sem pensar, o que é que os outros países vão fazer em resposta? Não estão a pensar nisso.

E se pensam, bem, vamos matar as galinhas para assustar os macacos com o que estão a fazer na Ucrânia e na Palestina, isso também está a levar outros países a acelerar o facto de que é melhor agirmos rapidamente na reunião dos BRICS deste ano, sob a liderança da Rússia, e nas conferências dos BRICS do próximo ano, sob a liderança da China. É melhor sermos capazes de fazer acordos com todos os nossos vizinhos euro-asiáticos que nos ajudem a criar uma massa crítica que nos permita deixar de depender do Ocidente da NATO.

E o que é que o Ocidente da NATO pode fazer? Só pode acelerar a sua violência. E quanto mais a acelerar, mais acelerará a partida dos convidados.

Tudo o que eles querem é ser deixados em paz. E os Estados Unidos estão a tentar impedi-los de o fazer, obrigando-os a fazer a escolha entre ou avançam sozinhos, ou vão acabar por se parecer com a Alemanha e outros protetorados americanos.

RICHARD WOLFF: Se me permitem, gostaria de retomar a conversa do Michael. A visão de Michael, curiosa e invulgarmente, recebe um enorme apoio de um artigo. Se ainda não o viram, permitam-me que vos inste e a todos os que estão a ouvir e a ver.

No dia 25 de julho, ou seja, há alguns dias, o Washington Post publicou um artigo absolutamente extraordinário. Tratava-se da forma como os últimos quatro presidentes dos Estados Unidos iniciaram e organizaram uma aceleração maciça daquilo a que chamam guerra económica.

Mas o que realmente quer dizer são sanções, e diz isso mesmo. E deixa bem claro que os Estados Unidos são o sancionador mestre. Menciona Biden, Trump, Obama e Bush. Agora, é claro, as sanções vêm de longa data. Um exemplo no artigo é Cuba. Sancionámos Cuba durante mais de meio século. O objetivo era livrarmo-nos de Fidel Castro. Que fracasso.

E depois, aqui estão duas coisas que expandem o ponto de vista do Michael. Este artigo, tudo o que vos estou a dizer, vem desse artigo, do Washington Post de 25 de julho. Não o podem perder.

Primeira estatística. Os Estados Unidos têm atualmente, pendentes, 15 000 objectos sancionados. Indivíduos, corporações, países inteiros. 15 000. E nessa posição, os Estados Unidos ocupam o primeiro lugar, diz o Washington Post.

E o número dois é menor, tem cerca de 5 000. Portanto, cerca de um terço do que são os Estados Unidos, o número dois, e talvez fique surpreendido, o segundo país que impõe sanções no mundo é a Suíça. Certo? Por outras palavras, são os Estados Unidos. A Rússia e a China não aparecem na lista do Washington Post. Eles não fazem isso. Não o fazem.

Então, perguntamo-nos uma questão que uma criança de cinco anos perceberia. Se um dos lados da chamada grande luta, nomeadamente o Ocidente, os Estados Unidos, está a impor sanções em todo o lado, e o outro lado desta grande luta não está a impor sanções em lado nenhum, o que poderá explicar esta estranha situação, sabe, eles têm drones, nós temos drones, eles têm mísseis, nós temos mísseis, eles têm sanções, nós não temos. Nós temos sanções, eles não.

Bem, a resposta é a questão levantada pelo Michael, que eu quero realçar. Quando se sanciona um país, a liderança desse país, as pessoas que dirigem a sociedade, são quase sempre imunes. Não vão mudar de roupa, não vão fazer uma dieta diferente, não vão deixar de conduzir o seu carro. A dor que as sanções podem impor, e impõem de facto, é à massa de pessoas que sofrem, sabe, de pobreza, como Cuba que não teve acesso a medicamentos, drogas e assim por diante.

Então, como é óbvio, o que é que os líderes de uma sociedade sancionada fazem? Deixar bem claro, como sua prioridade número um, que a culpa não é sua como líder desse país, não é culpa do seu partido político, é culpa dos Estados Unidos. As sanções são uma forma de mobilizar a opinião pública mundial contra os Estados Unidos como o grande sancionador do nosso tempo.

Este é um programa em que se alinham os canhões para que sejam apontados diretamente para os nossos próprios pés. Isto é uma política de loucos.

Esqueçam todos os outros horrores e o sofrimento real que causa. É um programa auto-destrutivo e um sinal claro de que as pessoas que o seguem podem obter uma vantagem temporária no teatro político local, talvez, mas estão a pagar um preço inacreditável no futuro da sociedade e na sua própria capacidade de sobrevivência num mundo em que está a ficar cada vez mais isolada.

MICHAEL HUDSON: Quero dar uma perspetiva ao que o Richard acabou de dizer. Ele falou sobre o facto de as sanções estarem a mobilizar outros países para se apoiarem a si próprios, mas tem havido um efeito de retrocesso.

O principal efeito das sanções, especialmente contra a China, tem sido sobre os próprios Estados Unidos, os produtores. Richard e eu acreditamos na abordagem materialista da história, e a maior parte da nossa abordagem sempre foi:   bem, o que os países fazem reflecte o interesse da sua comunidade empresarial, da comunidade financeira ou das elites.

Mas vejamos o que aconteceu na América com as sanções que foram impostas contra a venda de chips de computador e tecnologia da informação à China. A Intel [NR]e outros países disseram que se obedecerem às sanções que a administração Biden impôs, e especialmente se seguirem as sanções que Trump vai impor, lá se vão os seus lucros.

Os lucros da comunidade empresarial dos Estados Unidos têm sido, em grande parte, exportados para estes países que estão agora sujeitos às sanções que o próprio governo americano tem vindo a impor.

Ora, como conciliar o facto de as sanções americanas que são impostas pelos neoconservadores e pelos neoliberais serem contra a procura de lucros pelos principais sectores americanos, os sectores da informática, os construtores de automóveis, todos os outros?

Poder-se-ia dizer que as sanções acabam por penalizar muito mais a economia americana do que a dos outros países, porque enquanto os outros países têm uma interrupção a curto prazo do seu abastecimento, têm uma independência a longo prazo.

E para a América, este efeito a longo prazo, e mesmo o efeito a curto prazo, é retirar aos exportadores americanos, aos principais sectores industriais, certamente na bolsa, retirar-lhes este mercado. Está perdido.

Portanto, o que os americanos estão a fazer é auto-isolarem-se. Durante anos, todos nós pensámos que, de alguma forma, a maioria global se iria reunir e elaborar um meio de se tornar independente e ajudar os seus próprios interesses económicos.

Mas, ironicamente, são os Estados Unidos que estão a conduzir isto, não a China, não a Rússia, não estes outros países. Estão a reagir aos EUA que estão essencialmente a adotar políticas economicamente suicidas.

RICHARD WOLFF: Sim, também reparei nisso. Se lermos, por exemplo, as declarações publicadas periodicamente pela Câmara de Comércio dos Estados Unidos, percebemos o que o Michael está a dizer.

Eles estão muito nervosos. Não querem esta luta com a China. Representam um grande número de empresas que colocaram grandes quantidades de investimento na China. Não querem perdê-los. A China é o maior mercado e o que mais cresce no mundo. Ninguém quer ser excluído. Todas as escolas de gestão ensinam que se quer ganhar muito dinheiro. Vai-se para onde os salários são baratos e o mercado está a crescer. Ora, são estas outras partes do mundo. É lá que tudo isso está a acontecer. E isso vai ultrapassar a concorrência do Ocidente, mais cedo ou mais tarde.

Eles dizem tudo isso, por isso a pergunta do Michael mantém-se. O que é que se está a passar? E aqui está o melhor que posso fazer. Estou a adivinhar e espero que vocês ou o vosso público me esclareçam se estiver a cometer um erro.

Eles não estão a ver do que estamos a falar. Por outras palavras, quando disse há pouco, um pouco a brincar, que viviam nos anos 60 e 70, quando o domínio dos Estados Unidos era real. Talvez haja mais verdade nisso do que a minha zombaria deixaria entender.

Que eles acreditam de facto que este é um desafio temporário, momentâneo, que são capazes, estão dispostos e são capazes de esmagar. E que se dirigem a estas empresas e dizem: "Sim, sim, compreendemos que este tipo de tarifa é mau para vós, desta forma, daquela forma e da forma seguinte. No entanto, tenham paciência connosco, porque vamos ser bem sucedidos. E quando o conseguirmos, e está mesmo ao virar da esquina, vamos derrotá-los.

E depois vamos dividir a Rússia, que se tornará em 20 pequenos países como o resto da Europa de Leste, facilmente manipuláveis por todos nós. E quando acabarmos com a Rússia, faremos o mesmo com a China. E então, uau, teremos um mundo? Porque teremos integrado a Rússia e a China no nosso sistema de subordinação. É o sonho do colonialismo e do imperialismo desde há muito, muito tempo. É uma economia mundial unificada sob o domínio do Ocidente.

E para eles, que foram educados assim, que acreditam nisso, que passaram por esse período especial depois da Segunda Guerra Mundial, não é de admirar que pensem que esse projeto ainda é realizável. É um pouco mais difícil do que talvez tenham pensado. Mas é isso que eles vão fazer. E estamos todos aqui a perder o nosso tempo, Michael, tu, eu e todos os outros como nós, porque não vemos o panorama geral.

E é isso que eles dizem aos executivos das empresas. Sim, vão ter um ano, dois ou três, mas quando acabarmos, vão ficar contentes? E já agora, enquanto esperamos, vamos facilitar-vos as coisas. Vocês, os que têm chips, estão a perder o vosso mercado, vamos dar-vos um subsídio como nunca sonharam. Damos-vos este e aquele desconto. Por outras palavras, damos-lhe apoios para os seus lucros, tal como fazemos quando há uma recessão económica ou quando há uma pandemia ou qualquer outra coisa. Trata-se de um processo de ajustamento.

Assisti aos discursos da minha colega de curso, Janet Yellen. Andámos em Yale na mesma altura, tivemos os mesmos professores, tirámos o mesmo doutoramento, lemos os mesmos artigos, todos de pessoas que o Michael conhece demasiado bem. O nosso professor de macroeconomia foi James Tobin e o nosso professor de internacional foi Triffin, e por aí afora. Ela sabe e, no entanto, é uma gestora entusiástica para este momento difícil em que estamos a reorganizar o mundo para a próxima grande fase de acumulação de capital.

Michael, queres acrescentar alguma coisa? Muito bem, vamos ao conflito, à situação na Venezuela. O que é que aconteceu nos Estados Unidos? Eles tentaram fazer tudo para interferir na situação na Venezuela. Até o Elon Musk estava a fazer tudo para ajudar a situação na Venezuela.

RICHARD WOLFF: Sim, posso dizer uma coisa? Porque para mim há aqui um humor, e eu tento, nestes tempos negros, encontrar algum humor.

As mesmas pessoas que aqui nos Estados Unidos respondem a Donald Trump quando ele questiona a eleição, quando ele nega o resultado. Ele está assim a ameaçar a democracia. As pessoas na Venezuela que desafiam e ameaçam as eleições e negam o resultado estão a defender a democracia. É preciso ser um mágico para apreciar este tipo de truque, certo? A eleição aqui no nosso país, presumivelmente, nós sabemos tudo sobre ela.

A eleição a milhares de quilómetros de distância, num país diferente, com uma cultura diferente e uma língua diferente, podemos ser desculpados por não sabermos exatamente o que se está a passar.

Não, não, não. Sabemos que é uma ameaça à democracia quando se questiona o que acontece aqui, e que é uma defesa da democracia quando se rejeita uma eleição lá. E o conforto e a facilidade com que isto é dito.

Quando ninguém se apercebe da ironia que acabei de dizer, quando ninguém se apercebe disso, é muito óbvio. Se ninguém se apercebe, sabe-se o quão desesperado deve estar o disparate ideológico, porque está a obstruir o cérebro e a visão de pessoas que obviamente podiam e deviam saber mais.

MICHAEL HUDSON: O que Richard mencionou antes sobre as sanções reforçarem o apoio dos eleitores ao governo porque eles percebem que os problemas que a economia enfrenta são causados pelos Estados Unidos, a Venezuela fornece uma lição objetiva.

O problema que se coloca à Venezuela deve-se ao facto de um dos ditadores que os Estados Unidos impuseram ao país, não me lembro se foi Pérez ou outro, ter feito duas coisas. Colateralizaram os seus empréstimos em dólares estrangeiros com a indústria petrolífera venezuelana, incluindo a indústria petrolífera que tinha estendido a mão e utilizado os seus lucros para comprar a rede de distribuição americana para a venda do seu petróleo e gás.

Bem, os americanos começaram por apoderar-se de todas as participações da Venezuela nos Estados Unidos. Por outras palavras, apoderaram-se das suas reservas internacionais. É o que se poderia dizer do que hoje se chama um fundo de poupança nacional.

E, em segundo lugar, os Estados Unidos deram instruções à Grã-Bretanha para se apoderar do fornecimento de ouro da Venezuela e entregá-lo a um presidente que os Estados Unidos designavam. Os Estados Unidos dizem:   "Olha, nós temos dois modelos de democracia para o mundo, a Ucrânia e Israel. Essas são as duas democracias. E a Venezuela, nós queremos acrescentar-lhe. Nós podemos nomear quem vai ser o chefe das democracias ou implantar uma oposição de mudança de regime.

Portanto, todos os acordos externos venezuelanos têm uma cláusula, tal como a Argentina tinha. Se houver uma disputa, ela será levada aos tribunais dos EUA. Outros países estão a olhar para a Venezuela e estão a pensar, aconteça o que acontecer, nunca teremos qualquer cláusula internacional que seja resolvida pelos tribunais dos Estados Unidos.

De facto, precisamos de um tribunal dos BRICS. Precisamos de um tribunal alternativo ao FMI, ao Banco Mundial e ao tribunal internacional. E será um tribunal dos BRICS entre nós. E em vez da ordem baseada em regras, será o verdadeiro Estado de direito. Portanto, está a ter essa função.

E também está, penso eu, a mostrar que se um país como a Venezuela é objeto de sanções, tal como os países africanos e os países latino-americanos, os países devedores do Sul Global são sancionados, isso é uma ação do bloco do dólar para os impedir de ganhar o dinheiro para pagar as suas dívidas em dólares. Isto torna-se uma desculpa legal, lógica e moral para repudiar as dívidas. É isso que vai ser a rutura definitiva. A rutura da desdolarização é o que vai ser o sinal desta fratura global entre a maturidade global e o Ocidente americano da NATO.

RICHARD WOLFF: Não posso perder esta oportunidade. E, mais uma vez, espero que as pessoas apreciem a ironia. Muitas das religiões do mundo – não sou especialista, por isso não posso dizer todas – mas muitas das religiões do mundo têm em si uma proposta muito próxima do que o Michael acabou de dizer.

Na religião cristã, chama-se o Jubileu. É uma ideia muito antiga, que existe há milhares de anos, segundo a qual quando uma sociedade começa a ficar tão amargamente dividida, que a cola que mantém a comunidade unida se dissolve, e a vida da comunidade é ameaçada pela desigualdade nos velhos tempos, por ter um grande pedaço de terra quando os seus concidadãos não tinham terra nenhuma, etc, etc.

O que se fazia periodicamente era apagar todas as dívidas. Apagavam-se todas as dívidas e começava-se de novo. Se se tratasse de terras, estas eram retiradas a quem as possuía e novamente divididas, talvez através de um sistema aleatório de "tu ficas com esta parte, tu ficas com aquela parte, e o outro fica com a outra parte", e depois vemos como corre. E se isso produzir uma desigualdade demasiado grande, bem, então, daqui a 10 ou 20 anos, vamos fazê-lo novamente.

Era uma forma de manter o que, numa linguagem moderna, seria a forma como os Estados Unidos gostavam de se descrever a si próprios como uma vasta classe média. Sabe, ninguém muito rico, ninguém muito pobre, toda a gente no meio.

Bem, o Jubileu tinha esse objetivo. O que Michael nos está a dizer é que o Jubileu também pode ser, não uma atividade regular voluntária, sancionada religiosamente, mas o Jubileu pode ser o fim explosivo quando não há outra alternativa para resolver o absurdo de um sistema que concentra grandes quantidades de riqueza nas mãos do credor e uma vida desesperada nas mãos do devedor.

Nessa altura, a esmagadora maioria, que é devedora, verá no Jubileu um desfecho muito feliz, e que os credores não o poderão impedir. Não terão recursos para o fazer e, nessa altura, o assunto estará encerrado. Já não se trata de uma questão de tribunais. É apenas o reconhecimento de que o contrato social exige o fim desta desigualdade, e o perdão da dívida é um golpe simples e direto para lidar com a maior parte dela.

MICHAEL HUDSON: O que Richard descreveu é, de facto, a distinção entre a civilização euro-asiática e a civilização ocidental. O meu livro, "... and Forgive Them Their Debts", e todos os livros que fiz com o meu grupo de Harvard sobre o Antigo Próximo Oriente, mostram que desde 2500 a.C., na Suméria, passando pela Babilónia, até aos seus vizinhos do Próximo Oriente, todas as sociedades, até à Judeia, cancelam as dívidas regularmente.

Todas elas tinham um rei – os manuais escolares chamam-lhes realeza divina, ou seja, um rei que tinha certas promessas aos deuses para manter a estabilidade. Todo o resto do mundo tem uma visão económica que é o oposto do que os americanos aprendem na escola.

Temos os modelos matemáticos babilónicos de 1800 AC. São mais sofisticados do que qualquer modelo utilizado pelo National Bureau of Economic Research. Os babilónios viram que, em todas as sociedades, o efeito natural da dívida é polarizar a sociedade entre credores e devedores.

Estavam bem cientes de que, se não se cancelassem as dívidas, surgiria uma oligarquia financeira. O papel do governante, quer se trate de Hamurabi ou de outros governantes do Médio Oriente, era impedir o desenvolvimento de uma oligarquia financeira.

Como os profetas bíblicos, Isaías e outros, a oligarquia vai usar o seu poder financeiro para endividar a população, para se apoderar das suas terras, e acabará por haver algumas pessoas que possuem todas as terras, que vão construindo lote a lote e casa a casa até já não haver espaço para a população livre na terra.

Bem, a Grécia clássica e a Itália foram os primeiros países do Ocidente a fundar a civilização ocidental. Eles não tinham governantes divinos e não cancelavam dívidas. Tinham uma oligarquia financeira.

Todos sabemos o que aconteceu a Roma num período de 500 anos. Houve revoluções, e acabámos por ter o colapso. Acabámos com a servidão e o feudalismo.

Enquanto o Ocidente seguia o cristianismo romano, não o cristianismo ortodoxo de Constantinopla, havia o Islão. E o Islão, normalmente, quando havia uma quebra de colheitas, cancelava, anulava todas as dívidas.

Por exemplo, foi o que aconteceu na Índia durante centenas de anos sob o Islão, até à chegada dos ingleses. Quando os ingleses tomaram conta da Índia, acabaram com a ideia da anulação das dívidas e deu-se uma polarização económica que se estendeu até à Índia de hoje, tornando-a um dos países mais desiguais do mundo.

Assim, poder-se-ia dizer que a caraterística definidora da civilização ocidental é, desde o início, deixar que se desenvolva uma oligarquia financeira.

E em todo o resto do mundo não ocidental, desde a Suméria babilónica, passando pelo Irão, pelo Islão, até ao Japão, foi assim. Na China, também. Esta costumava ser a caraterística distintiva entre a civilização euro-asiática e a ocidental, e eu esperaria que os grupos BRICS que estão a negociar a desdolarização reinventassem a roda e reinventassem a mesma ideia de que nenhum país deve colocar o pagamento de uma classe credora para criar uma oligarquia acima da ideia de equilíbrio social que permite que toda a economia cresça e se torne mais produtiva e sobreviva.

Para sobreviver e evitar cair numa idade das trevas e na servidão, é preciso ter uma autoridade superior à oligarquia que vai anular as dívidas.

E a civilização ocidental não tem uma autoridade superior. Temos, como dizia Aristóteles, as constituições de muitos países que se dizem democráticas. Na realidade são oligarquias. Todas as economias da civilização ocidental, nos últimos 2000 anos, foram oligárquicas.

A Ásia tem um contexto histórico completamente diferente. E tal como o Presidente Putin, na Rússia, está a tentar dizer que a Rússia tem uma caraterística civilizacional distinta, estou à espera que a China e outros países asiáticos e os países islâmicos digam que também temos um passado, e não é o do cristianismo romano. Vamos pôr os interesses globais à frente dos interesses de classe de uma classe financeira. Estou à espera que isso seja uma caraterística distintiva do que estamos a ver como uma rutura civilizacional.

Se me for permitido, deixem-me traduzir isto para a história americana muito recente. A sabedoria do assunto vai muito, muito longe.

Até cerca da década de 1970, mais ou menos, era possível ver a produtividade dos Estados Unidos a aumentar de forma lenta e constante, e os salários a aumentar de forma lenta e constante, mais ou menos. Ninguém deve ficar perplexo com este facto. A produtividade é o que o trabalhador dá ao empregador, e o salário é o que o empregador dá ao trabalhador. E os dois estavam a subir bem juntos. Os patrões obtinham mais lucros, os trabalhadores recebiam salários mais elevados. Esta situação manteve-se durante muito tempo e deu aos Estados Unidos um crescimento notável, ajudou a desenvolver a ideia de que cada geração vive melhor do que a anterior, e tudo isso.

Depois, na década de 1970, por uma série de razões, os salários reais estabilizaram. Deixaram de subir. A produtividade continua a subir. Bem, em inglês, simples, isso significa que o que os trabalhadores dão aos empregadores continua a subir e a subir e a subir, mas o que os empregadores dão aos trabalhadores não.

E é por isso que temos tido um boom de lucros nos últimos 40 ou 50 anos, e um boom no mercado de acções. Mas agora vem o outro lado da moeda. Se martelarmos a classe trabalhadora com o sonho americano, é isto que faz de nós um trabalhador de sucesso. É preciso ter um carro e uma casa. É preciso mandar o filho para a universidade. É preciso ter férias de várias semanas.

Se estamos a exigir a autoestima das pessoas, mas não lhes damos um salário que lhes permita pagar, o que é que vamos fazer? Vão endividá-las, porque é a única forma de terem o sonho americano, pedindo empréstimos e entrando no desastre da dívida.

E aqui está a dupla ironia. De onde é que vêm os credores? Os credores são os empregadores, porque os seus lucros têm vindo a aumentar, uma vez que a produtividade aumenta e os salários não. Portanto, têm a produtividade crescente para emprestar aos trabalhadores, porque para eles é fácil. Prefiro dar ao meu trabalhador um salário crescente ou um salário fixo e um empréstimo, que ele tem de pagar? Bem, isso é fácil. Nós sabemos o que vamos fazer. Portanto, é isso que temos.

E, nos últimos 40 anos, mergulhámos o povo americano num nível de endividamento que nunca ninguém viu. Dívida hipotecária, dívida estudantil, dívida de cartão de crédito, quero dizer, dívida automóvel. Se somarmos tudo, estamos a falar de um número cada vez maior de famílias com uma dívida superior ao seu rendimento anual. Quer dizer, isto é impossível.

Entretanto, a riqueza no topo é uma riqueza não só de obter o excedente do trabalhador na produção, mas também de receber o pagamento de juros quando se empresta o dinheiro em vez de lhe pagar um salário. Ou seja, este é um sistema que garantidamente produzirá desigualdades grotescas.

E é exatamente essa a história que o Michael tem estado a contar-vos. Quer recuemos à antiga Suméria ou estejamos aqui, nos Estados Unidos, nos últimos 50 anos, estamos a assistir a sistemas diferentes, mas que têm em comum o facto de, a menos que se faça algo de fundamental em relação a eles, produzirem uma desigualdade que se aprofunda e piora cada vez mais.

Thomas Piketty, há alguns anos, documentou-o no seu livro Capitalism, e depois rebentou. E a questão que se coloca é a seguinte: estamos no ponto de rutura? Estamos a aproximar-nos do ponto de rutura?

E a minha suspeita é, voltando ao início, que o nível de violência que se vê na Ucrânia, na Palestina, é um sinal de que estamos a agarrar-nos desesperadamente a algo cuja razão de ser já desapareceu há muito tempo.

MICHAEL HUDSON: Bem, o que o Richard descreveu foi o quanto o capitalismo se transformou. Ele acabou de mencionar como o capitalismo industrial tornou a América rica, e eles perceberam que o trabalho altamente remunerado, bem alimentado, bem educado e bem vestido era mais produtivo para os seus empregadores do que o trabalho pobre. E esta era essencialmente a filosofia económica do capitalismo industrial.

Bem, então aprendemos com Marx que o que distingue o capitalismo industrial é que os empregadores contratam mão-de-obra e vendem os produtos que a mão-de-obra produz com um lucro acima do que têm de pagar pelo custo da mão-de-obra.

Mas agora, vejam o que o Richard descreveu, e o que eu descrevi, sobre a dívida que os assalariados americanos – não lhes quero chamar classe média, porque na verdade não havia uma classe média, eles são assalariados – e a grande exploração deles já não é primordialmente apenas pelo facto de os empregadores industriais ficarem com os lucros do que os assalariados criam, porque afinal de contas, estamos a desindustrializar-nos.

A grande exploração que está a ocorrer é, em grande parte, no serviço da dívida. O 1% mais rico, talvez se possa dizer 10%, da população tem a maioria dos 90% endividados, e o rendimento que é pago aos 10% mais ricos é sugado dos 90% sob a forma de serviço da dívida.

E, mais importante ainda, o que é que esses 10% fazem com o dinheiro? Não gastam toda esta renda económica, juros e ganhos financeiros em bens e serviços. Compram ações, obrigações e bens imobiliários, ou emprestam ainda mais dinheiro a famílias para comprarem bens imobiliários, ou a empresas para adquirirem empresas.

Assim, o que se verifica é que a elite económica não ganha dinheiro empregando mão-de-obra para obter lucros e enriquecer com a poupança dos lucros, mas sim através de engenharia financeira, de ganhos de capital.

E o Richard acabou de mencionar o imenso aumento do mercado de ações, do mercado de obrigações, do mercado imobiliário. Há toda uma concentração na inflação dos preços dos ativos, nos direitos de propriedade e nos direitos dos credores para transformar o resto da economia numa cidadania de devedores e arrendatários.

Foi isso que aconteceu no feudalismo, basicamente. De alguma forma, a revolução industrial da Europa e dos Estados Unidos tinha a ideia de que iria evoluir para algo muito próximo do socialismo. E já falámos anteriormente que, no século XIX, toda a gente era a favor do socialismo, de um tipo ou de outro, de muitos tipos diferentes de socialismo.

Mas tudo isso mudou depois da Primeira Guerra Mundial, e os proprietários de terras, os banqueiros e os monopolistas ripostaram e lutaram contra a regulamentação governamental. Disseram que não existe rendimento não ganho, que não existe renda económica. Tudo é ganho, tal como os lucros. Os bancos ganharam dinheiro cobrando juros e ainda mais do que juros, as taxas de penalização por atrasos. Tudo isso é rendimento do trabalho.

E assim temos toda uma transformação na ideia do que é a riqueza e do que é a economia. E já não é a ideia que o capitalismo industrial tinha há dois séculos. É algo completamente diferente. É o capitalismo financeiro a que muitas pessoas chamam agora neo-feudalismo. É uma transformação.

É isso que está a afastar os outros países, porque o que é que fez a China enriquecer? Claro que é o socialismo, mas é também o socialismo que está a seguir exatamente o mesmo padrão que fez a América, a Alemanha e a França enriquecerem no século XIX. É o capitalismo industrial e o socialismo juntos, porque os industriais queriam um sector público ativo. Queriam infraestruturas públicas ativas para manter baixo o custo de vida e de fazer negócios, para subsidiar a sua produção.

Todos estes subsídios foram agora desmantelados pela luta contra o governo, pelo libertarianismo. Se se desativar a ação do governo, a regulamentação do governo e o investimento de capital do governo, uma vez que todas as economias são planeadas, o planeamento passa para a Wall Street. E hoje, temos o capitalismo da Wall Street, não o capitalismo industrial. É essa a verdadeira transformação que, ao nível mais profundo, separa atualmente o Ocidente da NATO daquilo que, penso eu, estamos a ver evoluir na Eurásia.

RICHARD WOLFF: Precisamente devido a esta concentração de riqueza, temos a reação que a riqueza concentrada sempre apresentou. As pessoas que estão no topo, que estão a reunir toda esta riqueza através da produção, e depois, quando esta se desvanece através da manipulação e reorganização financeiras, apercebem-se, à medida que se tornam cada vez mais ricas em relação à massa da população, que a sua riqueza está em jogo, que estão numa posição vulnerável.

Provavelmente não conseguem ultrapassar a ironia. Fizeram tudo para se tornarem ricos e poderosos e sentem-se menos seguros do que nunca nessa posição. E numa sociedade que valoriza, como ainda valorizamos, o sufrágio universal ou algo próximo disso, isso coloca-nos numa posição verdadeiramente vulnerável.

O número de empregadores é muito pequeno e o número de empregados é muito grande. O sufrágio universal, sabe-se onde é que isso pode dar. Os trabalhadores poderiam, em qualquer altura, votar para anular a desigualdade criada pela economia capitalista.

Ouve-se quando se discute, ainda que reprimida, a tributação progressiva. Quando se ouvem as queixas:   "Caramba, tributamos os ganhos de capital a uma taxa mais baixa do que tributamos os rendimentos do trabalho", e por aí afora.

Então o que é que eles fizeram? Fizeram a única coisa que obviamente tinham de fazer. Têm de neutralizar o sistema político, o que fazem comprando-o. Porquê comprá-lo? Porque esse é o único recurso que eles têm. E os políticos podem ser obrigados a precisar de dinheiro. Isso foi fácil. E agora emprestamos-lhes o dinheiro, ou damos-lhes o dinheiro, e eles devolvem-nos ainda mais privilégios do que tínhamos antes.

Assim, os militares industriais têm o seu monopólio, e os médicos têm o seu monopólio. Agora, os fabricantes de chips estão a trabalhar rapidamente para organizar o seu monopólio. Torna-se então a velha anedota feudal de um punhado de monopolistas que se sentam no topo com os políticos necessários, e os políticos desenvolvem o palavreado para fazer com que tudo isto pareça natural, normal, que tenha a ver com tecnologia, qualquer coisa que não seja a verdadeira questão de como se organizou o local de trabalho.

E quando as pessoas dizem, bem, porque é que isto está a ir nesta direção? Deixem-me, deixem-me ser professor por um momento. O sistema capitalista organiza-se da mesma forma que o sistema feudal e o sistema de escravatura, de uma forma muito estranha. Pega num grupo muito pequeno de pessoas e coloca-as numa posição muito elevada. Os mestres, os senhores e os patrões.

É por isso que estamos tão desiludidos com o facto de a revolução para acabar com a escravatura o ter conseguido. Conseguiu-o. Mas acolheu o feudalismo, que, embora melhor do que a escravatura, não fazia das pessoas objectos como gado. No entanto, havia o senhor e o servo.

E depois tivemos as revoluções francesa e americana com todas as suas grandes esperanças de liberdade, igualdade, fraternidade e tudo o resto. Mas o que fizemos foi construir o capitalismo, que tem o patrão e o empregado, que é uma réplica do pequeno grupo no topo.

Então, porque é que nos surpreendemos com o facto de o nosso sistema financeiro e, na verdade, o nosso sistema político, reproduzirem um pequeno grupo de pessoas que tomam a decisão? Todos sabemos que é um pequeno grupo que toma as decisões em todo o lado. Lamentamo-lo, criticamo-lo, mas está incorporado na forma como o capitalismo se organiza na base, em todas as fábricas, escritórios e lojas. É assim que se faz.

A única exceção é um grupo de pessoas que tem uma cooperativa de trabalhadores, ou qualquer outro tipo de cooperativa. E essas são pessoas que não querem o capitalismo, mas que muitas vezes nem sequer podem dizer essas palavras devido à forma como a nossa ideologia e o nosso sistema educativo funcionam.

Mas se alguma coisa do que eu e o Michael temos dito tem validade, é porque se baseia num sistema económico que impõe esse estranho e totalmente antidemocrático arranjo como se fosse o normal necessário.

Recordo-me que, antes de nos livrarmos dos reis, vivíamos em sociedades em que a maioria das pessoas achava absolutamente apropriado que o neto de alguém que já morreu há muito tempo governasse sobre mim, porque ele ou ela discute com Deus todas as terceiras quintas-feiras, se não chover, como gerir tudo.

Sabes, o quê? Livrámo-nos dos reis e descobrimos que não precisávamos deles. Adivinha? Podem livrar-se do diretor executivo e descobrirão que nunca precisámos dele. Mas isso é demasiado nesta altura do desenvolvimento americano e de grande parte do mundo. Ainda temos de fazer um esforço para abrir este espaço para sequer pensar em tais coisas, quanto mais avaliar racionalmente sistemas alternativos.

MICHAEL HUDSON: Portanto, o que mantém tudo isto é a ilusão, como disse Margaret Thatcher, de que não há alternativa (TINA).

Agora, Richard e eu, e de facto todos os convidados que tem tido, Nima, no seu programa, temos um denominador comum. Estamos todos a dizer que há uma alternativa, e é por isso que os convidados que tem no seu programa não aparecem no New York Times e no Washington Post, e não estamos nos talk shows da televisão. Estamos a dizer que há uma alternativa, e esse é o pesadelo, o horror que a classe dominante no Ocidente tem, e é esse pesadelo que volta ao que Richard disse antes, o pânico.

É o pensamento de que os BRICS podem realmente ter um sistema económico diferente que assenta numa base completamente diferente de ganho mútuo e crescimento económico. Não se pode chamar a isto uma armadilha de Tucídides. A China, a Rússia e os BRICS não estão a tentar competir com os Estados Unidos, a Inglaterra e a Europa no seu próprio jogo. Não querem jogar esse jogo. Estão a dizer:   "Não vamos seguir esse caminho. Não vamos competir convosco. Queremos que sigam o vosso caminho. Nós seguimos o nosso caminho. Estamos a criar uma civilização alternativa. Não tem de ser assim. Essa é a alternativa deles à TINA, e acho que é disso que todos os convidados dos vossos programas têm falado há já algum tempo.

RICHARD WOLFF: Têm estado a encontrar resistência. Concordo com o Michael. Encontram resistência porque é muito difícil para os responsáveis, que têm estado no comando durante o último século ou mais, admitir que isto possa existir.

A ironia é que estão convencidos de que a Rússia e a China os querem dominar, naquilo a que os psicólogos chamam pura projeção. É o colonialismo e o imperialismo europeus que encaram a emergência de qualquer outro país como um desafio, porque não conseguem imaginar que alguém não queira fazer-lhes o que eles sabem que, algures, têm feito ao resto do mundo.

Penso que se pode ver isso. Penso que o estamos a ver na Ucrânia e em Israel e, mais uma vez, na Palestina. Estamos a ver a capacidade de pessoas que, de outra forma, foram civilizadas em todos os aspectos, descerem a níveis de comportamento que esperávamos que, em meados do século XX, nunca mais voltássemos a ter. Como no slogan, nunca mais, e no entanto aqui está, apenas com os papéis invertidos e não com o problema resolvido.

NIMA: Só para terminar esta sessão, Michael e Richard, há um artigo no Economist. Diz que a China está a construir enormes reservas secretas de alimentos, matérias-primas e recursos energéticos para se preparar para possíveis problemas futuros. Acham que a China está a preparar-se para uma grande guerra com o Ocidente ou estão a falar assim porque querem imaginar isso na mente dos ocidentais?

RICHARD WOLFF: Bem, devo dizer-lhe que não posso falar obviamente pelos chineses e não compreendo a sua motivação nesta situação. Não tenho informações privilegiadas, mas digo-lhe o seguinte.

Se eu fosse um cidadão chinês e estivesse envolvido nestas discussões, diria a mim mesmo que, dadas as sanções dos Estados Unidos, desde as guerras tarifárias e comerciais de Trump até à continuação da maioria delas por Biden, dado todo o absurdo de Taiwan, dada a presença da frota no Mar da China Meridional, é preciso fazer preparativos. Caso contrário, é um líder incompetente. Tem de se proteger.

Poderão ter intenções agressivas? Não tenho conhecimento disso, mas não sei. Não estou a afirmar que sei. Mas não é necessária uma intenção agressiva para justificar o que acabou de dizer.

Os Estados Unidos, e isso remete para algo que o Michael disse, os Estados Unidos estão a dar não só à China a razão para o fazer, mas isto é mais importante. Todo o resto do mundo tem as mesmas razões que eu acabei de mencionar. Os observadores, os outros países, olham para a notícia que acabou de dar de que estão a armazenar alimentos e outras coisas. E perguntam a si próprios:   isso é agressivo? E vão dar a mesma resposta que eu. Podem certamente ver nas manchetes de todos os dias o que se está a passar em todas as sessões da ONU, em todos os debates sobre se é a Ucrânia ou qualquer outro país.

Os Estados Unidos estão ocupados a aplicar 15 000 sanções para tentar fazer com que o mundo se comporte como eles querem. É para isso que servem as sanções. Mais ninguém tem a audácia de pensar assim.

E o que os Estados Unidos estão a descobrir com grande raiva é que podem pensar tudo ao mesmo tempo. Só não o conseguem fazer. As sanções, como o artigo do Washington Post admite, não funcionam. E, como Michael acrescentou, pior do que não funcionarem, elas pioram as coisas para os EUA.

Por isso, mais uma vez, é um sinal de uma sociedade com grandes problemas.

MICHAEL HUDSON: Bem, como o Richard e eu dizemos, não acreditamos em obter informações do New York Times e do Washington Post, mas há uma coisa que se obtém. E se formos chineses, é a única coisa que vale a pena ler no Times e no Post, e é que, dia após dia, a China é nossa inimiga. Os diplomatas americanos vão à China e dizem:   "Não queremos que dêem qualquer apoio à Rússia, porque se lhes derem comida, eles podem alimentar soldados. Se lhes derem tecido, eles podem tecê-lo em uniformes. Não podem ajudar a Rússia porque queremos que a Rússia perca, para depois podermos lutar contra vocês e fazer-lhes o que fizemos à Rússia e à Ucrânia e fazer-lhes o que Israel fez aos palestinos.

Bem, eles lêem isto todos os dias. Eles podem ler os discursos americanos. Não creio que os americanos leiam os discursos do Presidente Putin ou do ministro de Estado Lavrov, e os chineses não são tão explícitos como os russos, mas podem ler a imprensa americana e pensam que toda a economia dos EUA tem como objetivo, se não a guerra, pelo menos a obtenção de lucros elevados para o complexo militar-industrial. Mesmo que as suas armas não funcionem, pelo menos são enormes lucros com custos acrescidos ao abrigo do capitalismo do Pentágono, uma outra forma de capitalismo de que ainda não falámos. E assim, sim, eles estão a preparar-se para agir sozinhos.

Não creio que estejam necessariamente a armazenar estas matérias-primas, como as terras raras e tantos outros produtos, hélio, outros produtos que estão a ter para si próprios, mas estão a tentar usar a posse destas matérias para falar com os outros vizinhos euro-asiáticos que têm e dizer:   "Olhem, podemos ajudar-vos a tornarem-se independentes e a fazerem parte de uma civilização em crescimento na Eurásia. Temos o material necessário para vos apoiar. Já não precisam de depender do que os Estados Unidos, a Inglaterra e a Alemanha vos podem dar.

Penso que eles têm uma ideia que abrange toda a região, não apenas uma defesa militar, mas uma alternativa económica. A defesa deles vai ser: "Não queremos entrar em guerra. Queremos uma alternativa económica. E talvez um dia, daqui a uma ou duas gerações, o Ocidente pense: "Bolas, a Eurásia está a avançar e nós não. Talvez devêssemos adotar a civilização euro-asiática e perceber que a civilização ocidental não foi tão bem sucedida como nos ensinaram.

RICHARD WOLFF: Sabe, não foi assim há tantos anos que os europeus se juntaram e obtiveram algum apoio dos governos e enviaram expedições à China e descobriram que eles sabiam fazer têxteis melhor do que os europeus, que a sua dieta era muito melhor. Não é a primeira vez.

Quer dizer, há um nível de auto-ilusão no Ocidente que é mais uma parte de uma situação de declínio, quando não nos conseguimos abrir nem sequer à nossa própria história.

NIMA: Muito obrigado por estarem conosco hoje, Richard e Michael. É um grande prazer, como sempre.

RICHARD WOLFF: Sim, e está a tornar-se muito interessante, pelo menos para mim, um trio muito interessante que estamos a realizar aqui.

MICHAEL HUDSON: Sim, estou a adorar.

NIMA: Muito obrigado. Vemo-nos em breve.

07/Agosto/2024