quarta-feira, 1 de maio de 2024

Bruno Carvalho: «Há situações em que não podemos ser meros espectadores»

 
 



Por João Manso Pinheiro 1 de Maio de 2024

Em menos de um mês, /A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass/, do
jornalista Bruno Amaral de Carvalho, já está a preparar a terceira
edição. O /AbrilAbril/ conversou com o autor sobre a sua
experiência numa guerra fora dos holofotes.


A um mundo de distância (e, para nós, o Donbass está mesmo num outro
mundo), torna-se difícil acreditar que no meio daquela massa
anónima existam mesmo pessoas. Que por ali andem criaturas dotadas com
as suas próprias vontades, gostos, idiossincrasias engraçadas (para os
outros). Que sejam, no fundo, como nós.

No Donbass estão os outros. Não lhes sabemos os nomes, não lhes é
conhecida opinião ou vontade. Limitam-se a ser. Uns tantos mil que
sobrevivem numa pequena cidade devastada por prolongadas batalhas,
outros tantas centenas a combater em batalhões separatistas. Uma, duas,
três, dez crianças que morrem na leva diária de bombardeamentos contra
populações que vivem em terras com nomes que tão dificilmente sabemos
pronunciar.


Este apagamento, de entre os vários motivos que levaram as redacções
ocidentais a recusar-se a cobrir o que se passava no Donbass durante «o
maior acontecimento geopolítico do pós-guerra fria», será talvez o mais
flagrantemente antideontológico. Sem jornalismo e com a censura de
órgãos de comunicação social «do outro lado», aquela gente é reduzida a
coisa nenhuma. Não existem. Sem semblante de humanidade, é facil
odiarmos os nossos "inimigos" (ou pior: "os maus").

Longe da vista, longe do coração.

Em /A Guerra a Leste: 8 Meses no Donbass/, publicado pela Caminho, o
jornalista Bruno Carvalho furou a redoma que o Ocidente colocou sobre
toda esta região. O livro é tanto sobre o autor como sobre estes outros
apagados: tradutores, colegas de profissão, condutores e, acima de tudo,
os que vivem e lutam pelo Donbass.

Conhecemo-los agora pelo nome: Luís Castañeda, colombiano, que veio
estudar para Donetsk nos anos 80 e nunca mais voltou. Ekaterina, de
Odessa, que em 2014 presenciou o massacre na casa sindical da cidade.
Alexander, de 59 anos, antigo mineiro que sabe, hoje, distinguir
artilharia pelo som. A família de Dima, que com a mulher e os quatro
filhos viveu mais de um mês numa cave em Mariupol ou o soldado
benfiquista que, em terras lusas, trabalhou na construção civil e hoje
vigia estradas.

Não há «lugares errados para se fazer jornalismo».


      O Donbass está condenado a ser um «lugar errado»?

O que define um «lugar errado» não é a sua geografia. É o seu
enquadramento político no contexto mundial. Há não muito tempo, o chefe
da diplomacia europeia, Josep Borrell, dizia que a Europa é um jardim e,
em contraposição, o resto do mundo uma selva. Imediatamente, veio-me à
memória as imagens de seres humanos, africanos, expostos numa feira
belga em 1958 como se fossem animais num jardim zoológico.

    «Queria sublinhar a importância de se ouvir o que as populações têm
    a dizer. Não há nada mais democrático do que resolver este conflito
    auscultando-as e tomando decisões que respeitem essas escolhas.»

A herança colonial europeia está viva nas relações do Ocidente com os
países do chamado Sul Global e não espanta que haja uma aproximação cada
vez maior desses Estados com potências como a China, a Rússia, o Irão ou
o Brasil. Quando alguém não nos trata como iguais, procuramos quem nos
trate com dignidade e respeito. Nesse sentido, a imprensa hegemónica,
alinhada com o poder, define quais são os lugares e quem são os líderes
errados. Os talibans já foram os bons e agora são os maus. O Donbass
continuará a ser um lugar «errado» enquanto não estiver debaixo do
controlo de Kiev ou de qualquer outro aliado dos Estados Unidos e da
União Europeia.


      N'/A Guerra a Leste,/ vários cidadãos das repúblicas de Donetsk e
      Lugansk (assim como a refugiados de diversas partes da Ucrânia)
      assumem uma posição separatista e, noutros casos, favorável à
      intervenção russa. É uma oportunidade de ver uma perspectiva
      praticamente inédita no panorama mediático europeu. Também havia,
      no Donbass, quem defendesse o outro lado? Seja a posição ucraniana
      ou simplesmente contra a adesão à Federação Russa?

Evidentemente, há gente que defende a manutenção do Donbass na Ucrânia
ou a independência dessas repúblicas. Contudo, parecem-me opções
minoritárias. Há também quem recorde com nostalgia a União Soviética.
Antes da guerra, talvez houvesse espaço para um modelo confederal como
tem a Suíça ou para um modelo de regiões com uma autonomia alargada. Os
Acordos de Minsk previam essa possibilidade e eu acrescentava que podia
ter sido adoptada uma solução como aquela encontrada no âmbito do Acordo
de Dayton que criou duas entidades territoriais dentro da Bósnia, uma
para a comunidade bósnia e outra para a comunidade sérvia.

Julgo que as opções eram muitas se houvesse vontade política dos actores
em confronto, mas queria sublinhar a importância de se ouvir o que as
populações têm a dizer. Não há nada mais democrático do que resolver
este conflito auscultando-as e tomando decisões que respeitem essas
escolhas.


      O que aconteceu aos comunistas desta região? Apontas como, na
      última vez em que participaram em eleições (2013, foram banidos a
      seguir a 2014), tiveram cerca de 30% dos votos em algumas zonas do
      Donbass

Os comunistas eram uma força imprescindível desde o fim da União
Soviética no Leste da Ucrânia. Sobretudo porque transportavam consigo
essa herança histórica. Com a sublevação das regiões do Donbass em 2014,
os comunistas foram importantes no processo de criação das
autoproclamadas repúblicas.

Contudo, o contexto de guerra e a influência de Moscovo favoreceram a
existência de governos quase de unidade nacional com um papel diminuído
das forças comunistas. Mantêm a sua intervenção política num ambiente
muito complexo, onde a maioria dos homens se encontra a combater.
Lembro-me de estar em Donetsk no 1.º de Maio de 2022 e de haver uma
manifestação, organizada pelo Partido Comunista, composta por mulheres e
homens sem idade para participarem na guerra. Nas últimas eleições
presidenciais, como aconteceu em praticamente toda a Rússia, os
candidatos apoiados por Vladimir Putin arrasaram, incluindo no Donbass.
Há muitas explicações para este facto. Uma delas é que ninguém quer
mudar de presidente a meio de uma guerra e a outra é que há de facto
muita gente que defende a intervenção russa no Donbass.


      O apoio à intervenção da Rússia pode ser entendida como um apoio
      ao regime de Putin ou é um caso de interesses confluentes? Os
      separatistas garantem a independência e os grandes
      poderes económicos russos ganham acesso àquela que era a região
      mais industrializada da Ucrânia


    Censura: Pavlo Sadokha lidera campanha para proibir livro de Bruno
    Carvalho

<https://www.abrilabril.pt/nacional/censura-pavlo-sadokha-lidera-
campanha-para-proibir-livro-de-bruno-carvalho>

Recordemos que os comunistas russos já tiveram diversos choques com as
autoridades russas. Para além das questões económicas, houve militantes
comunistas detidos em manifestações. A forma de regime também é
questionada no sentido em que os comunistas russos, aos quais se
juntaram os comunistas de Donetsk e Lugansk, defendem um regresso ao
modelo soviético.

Há, certamente, contradições entre as forças que apoiam a intervenção
militar e diferentes visões sobre como o conflito deve ser resolvido.
Independentemente de estarmos de acordo ou não, a questão central
apresentada pelos comunistas russos é a da necessidade de derrota do
fascismo na Ucrânia e, naturalmente, a ilegalização dos comunistas
ucranianos, e agora de praticamente toda a oposição, tem peso nessa
análise.


      Dos comunistas do Donbass com quem contactaste, qual era a posição
      deles em relação à Rússia de Putin (abstraindo-nos, um pouco,
      sobre toda a questão da invasão militar)

Vladimir Putin defende uma economia de mercado com alguma intervenção do
Estado. Os comunistas defendem uma economia planificada. Há também
visões distintas sobre como se deve organizar a sociedade.

Contudo, recordo que o presidente russo habilmente soube recuperar e
valorizar a memória do passado soviético, sobretudo na preservação dos
símbolos e dos monumentos, abdicando de confrontar uma história que é
querida para uma parte substancial da população. Depois do desastre dos
anos 90, com uma economia em colapso e com um presidente que abdicou da
sua soberania, os russos parecem apostar na estabilidade económica e na
preservação das suas fronteiras.


      Dizes, a certo ponto, que não pertences a lado nenhum. É um
      contraste grande com a realidade no Donbass, onde tanto a
      população como alguns dos combatentes internacionais estão imersos
      numa luta de morte pelo direito a pertencer ao seu lugar

Mesmo que permaneça essa sensação de não pertencer a lado nenhum e ao
mesmo tempo ser de todo o lado, ter um lugar donde se é também é um
direito. Respeito muito a luta dos povos pela sua independência e
autodeterminação e muitos desses combatentes estrangeiros acabaram por
encontrar naquela luta e naquela terra o seu espaço. Foram recebidos de
braços abertos por quem combatia e acabaram por obter a nacionalidade
por parte das autoridades separatistas. Faz lembrar o título do enorme
livro do jornalista Joseph North, /Nenhum Homem é Estrangeiro/ [/No Men
Are Strangers/, de 1958]


      A luta que se trava no Donbass está muito longe de ser meramente
      uma disputa de territórios. Como mencionas n'A Guerra a Leste, há
      um confronto grande em termos de toponímia: Bakhmut mudou de nome
      para Artyomovsk em 1924, homenageando o revolucionário
      bolchevique Fyodor Sergeyev (Artyom). Voltou a mudar com a leis de
      descomunização de Poroshenko, em 2016. A recente conquista da
      cidade ditou a recuperação do nome soviético: Artyomovsk. No
      terreno, o confronto é muito ideológico?

    «Respeito muito a luta dos povos pela sua independência e
    autodeterminação e muitos desses combatentes estrangeiros acabaram
    por encontrar naquela luta e naquela terra o seu espaço.»

Eu não diria que isso é sempre visível mas está presente. As tropas
russas classificam o inimigo de fascista e essa é uma escolha que revela
uma opção ideológica. Uma das consignas mais comuns no Donbass, mesmo
que praticamente todos só saibam falar apenas russo, é «no pasarán»,
repetindo aquilo que aprenderam dos combatentes estrangeiros inspirados
na guerra civil de Espanha.

Há bandeiras imperiais russas, bandeiras nacionalistas, bandeiras
soviéticas, bandeiras religiosas. Do outro lado, nas minhas visitas às
posições conquistadas às forças ucranianas encontrei simbologia neonazi
em bandeiras, em murais, em autocolantes, também propaganda
nacionalista. Há batalhões neonazis a combater pela Ucrânia que envergam
todo o tipo de parafernália fascista. Aqui incluo estrangeiros,
incluindo portugueses. Mas há ainda, sobretudo nas zonas mais mineiras e
industriais, o culto do trabalho e do operariado, herança soviética.


      Foi morto (poucos dias antes desta entrevista), o norte-americano
      «Texas», de Austin, nos EUA (que se juntou, após 2014, ao lado
      separatista) alegadamente por militares russos. Referes os
      encontros que tiveste com ele nesses oito meses. No final do livro
      destacas ainda a morte, em combate, do colombiano Alexis Castillo.
      O que estas pessoas procuraram no Donbass?

Tanto um como outro decidiram partir para o Donbass para combater o
fascismo. As ondas do impacto do massacre de Odessa, na Casa dos
Sindicatos, onde meia centena de manifestantes anti-Maidan morreu
queimada, baleada e espancada, chegaram a todo o mundo.

O Alexis juntou-se às milícias separatistas inspirado pelas Brigadas
Internacionais compostas por antifascistas de todo o mundo que
combateram o franquismo nas trincheiras de Espanha em 1936. Foi contra a
vontade do Partido Comunista dos Povos de Espanha, no qual militava na
época. Aderiu posteriormente ao Partido Comunista de Donetsk.

O «Texas» tinha uma trajectória diferente. Talvez procurasse também a
redenção pessoal. Esteve preso por posse de drogas, tinha servido no
exército norte-americano. Depois contou-me que tinha encontrado o seu
lugar. Era uma personagem muito peculiar. Houve outros tantos que caíram
em combate. E na minha última viagem conheci um combatente brasileiro,
que ascendeu a capitão do exército russo, de alcunha «MacGyver».


      «Num jardim, em frente a uma escola, há várias sepulturas
      improvisadas. Numa das covas abertas, a espera de um cadáver, há
      uma placa: este lugar já está reservado». Há uma geração inteira
      de jovens e crianças que só conheceram a guerra, que dura já há 10
      anos. Reparaste nalgum impacto desta realidade na juventude?

Quem tem agora 20 anos, tinha 10 quando a guerra começou. E se tem 20
anos, a não ser que esteja a estudar, está a combater na linha da
frente. É uma absoluta falta de perspectiva de vida.

Conheço muitos que optaram por partir para a Rússia e começar a vida num
lugar onde há alguma esperança. As aulas são à distância há cerca de
dois anos, os órfãos foram transferidos para territórios seguros dentro
da Rússia, as brincadeiras na rua são sempre limitadas.

Vi corpos de crianças em pedaços, famílias desfeitas. Da última vez, um
só bombardeamento ucraniano atingiu uma casa no bairro de Petrovsky onde
morreram três irmãos pequenos. A mãe já tinha perdido o marido na guerra
e agora perdeu todos os filhos numa única noite. Ficou sem casa. É este
o grau de barbárie.


      Acompanhaste, primeiro, a destruição e, meses depois, o início do
      processo de reconstrução de Mariupol. Na tua primeira visita,
      quando chegaste perto de Azovstal, presenciaste o enterro de civis
      nos canteiros da cidade. Foi a tua experiência mais violenta nos
      oito meses no Donbass?

Foi a experiência mais intensa porque foram dias seguidos de combates
comigo nas ruas a absorver tudo o que via. Nunca tinha estado num
cenário deste tipo. Havia mortos enterrados em qualquer lado mas também
havia mortos nas ruas, nas praias, dentro de edifícios. Depois
acompanhei a trasladação de muitos desses cadáveres para cemitérios nos
arredores. Mas diria que um dos dias mais duros foi em Donetsk quando um
bombardeamento das forças ucranianas provocou a morte de mais de uma
dezena de civis numa praça movimentada da cidade.


      Ainda em Mariupol, relatas o momento em que mandaste uma mensagem
      a uma familiar de uma senhora na cidade, avisando-a de que a mesma
      estava viva. Estamos um pouco habituados, no Ocidente, a pensar
      nos jornalistas como fotógrafos da /National Geographic/, que não
      devem intervir com os sujeitos que observam.

    «As minhas reportagens televisivas podiam não ser fartas em
    qualidade estética mas a vontade e o empenho em fazer o melhor
    jornalismo possível estavam lá.»

Naturalmente, a guerra não pode ser um jardim zoológico. Há situações em
que não podemos ser meros espectadores. E esta era uma delas. Fiz bem
mais do que isso. Com outro camarada jornalista, salvámos a perna de uma
mulher vítima de uma mina anti-terrestre colocada pelas forças
ucranianas fazendo-lhe um garrote. Trata-se do mais elementar dever de
ajudar o próximo em situações de desastre. Com isso não estava a tomar
partido de ninguém ou a ajudar alguma das forças militares. Estava tão
somente a ajudar civis.


      «Éramos um pouco piratas». A certa altura, acabas por imprimir uns
      papeis a dizer PRESS e colas no material em segunda-mão que
      encontras. Este jornalismo improvisado, sem meios e agarrando as
      oportunidades à medida que vão surgindo (como fazes várias vezes
      ao longo dos teus oito meses de trabalho) consegue ir mais longe
      do que o jornalismo tradicional, que estaciona os repórteres em
      hotéis longe da frente?

Trata-se mais de vontade do que de capacidade. De facto, um jornalista
de uma grande estação televisiva de um país como os Estados Unidos pode
viajar num carro blindado com seguranças privados e toda uma equipa que
o assessora na produção das reportagens. Mas, ainda assim, não havia
nenhum daquele lado.

Com os nossos parcos recursos, apesar de haver naturalmente dinheiro
envolvido porque não é barato arranjar um condutor, e é justo que assim
seja porque aquela gente está a arriscar-se como nós, procurávamos estar
onde estavam os acontecimentos. Éramos muito atrevidos, digamos assim.
As minhas reportagens televisivas podiam não ser fartas em qualidade
estética mas a vontade e o empenho em fazer o melhor jornalismo possível
estavam lá.


      Foi essa qualidade do Donbass, de lugar pária, que atraiu este
      «jornalista outsider»? Habituado a estar no outro lado, nos
      bairros de Caracas, em áreas controladas pelas FARC, juntos dos
      independentistas bascos e agora nas regiões separatistas da Ucrânia

Sem dúvida. Eu gosto de dar voz a quem não tem voz.


      Oito meses no Donbass depois, ainda acreditas que «o Jornalismo
      deve servir para fazer do mundo um lugar melhor»?

Independentemente do estado actual do jornalismo, continuo a acreditar
que deve servir para fazer do mundo um lugar melhor. Para morder os pés
dos poderosos e denunciar injustiças. Para dar aos cidadãos toda a
informação que precisam para construir as suas opiniões e posições em
absoluta liberdade.

Em
ABRIL ABRIL
https://www.abrilabril.pt/cultura/bruno-carvalho-ha-situacoes-em-que-nao-podemos-ser-meros-espectadores
1/5/2024

terça-feira, 30 de abril de 2024

 

A Grande Tomada

– A importância da velocidade da moeda

Jorge Figueiredo [*]

The Great Taking.

Este livro, The Great Taking, nunca poderia ter sido escrito por um economista. O seu autor, David Rogers Webb, é sobretudo um empirista. A sua vasta experiência profissional é na área financeira, tendo atuado na Wall Street como administrador de fusões e aquisições, derivativos e hedge funds. Ao contrário de um economista, ele não parte de modelos e concepções teóricas pré-concebidas a fim de analisar a realidade. A sua ótica é tomar a realidade bruta, tal como se apresenta ao nível das aparências e dos dados existentes a fim de procurar estabelecer relações que permitam chegar a conclusões. E as conclusões a que chega são terrificas – não constam em nenhum manual teórico, nem marxista nem não-marxista.

O título do livro poderia ser traduzido como A grande tomada, mas tal tradução não reflete bem todo o conteúdo por trás dessas palavras. A palavra “grande” deveria na verdade ser traduzida como grandíssima, gigantesca, enorme ou total. E a palavra “tomada” como a captura de todos os ativos mundiais pelos 0,0001% da população mundial que constitui a classe dominante planetária. A operação faz parte do Great Reset (Grande reinicialização) do capitalismo que está a ser tramada pelo “comité central” da burguesia e que tem o WEF como a sua ponta de lança.

Esta grande tomada está a ser preparada há dezenas de anos e não se trata uma teoria da conspiração. O primeiro passo de tudo isso foi endividar todo o planeta – famílias, empresas, corporações, governos centrais, regionais e locais, tudo e todos. Quanto ao segundo passo, as provas apresentadas por Webb são minuciosas e convincentes, escavadas em documentos do Bank of International Settlements (BIS), do Federal Reserve e de numerosíssimas instituições financeiras. O livro explicita extensamente as referidas provas, com documentação de autoridades. Uma delas, em apêndice, é a íntegra da resposta do Federal Reserve de Nova York ao European Comission Legal Certainty Group Questionnaire (pgs. 69-98),

A grande tomada refere-se sobretudo à captura dos colaterais de todos os empréstimos mundiais pelas maiores instituições credoras do mundo. A epígrafe do capítulo de introdução contém uma citação de A arte da guerra, de Sun Tzu:  “A excelência suprema consiste em romper a resistência do inimigo sem combate”. Parece uma citação adequada diante das afirmações tremendistas que vêm logo a seguir:

“Do que trata este livro? Trata da tomada do colateral, todo ele, o fim do jogo deste super ciclo de acumulação de dívida globalmente síncrono. Isto está a ser executado desde há muito, com uma concepção inteligente, audácia e determinação difíceis de abarcar mentalmente. Estão incluídos todos os ativos financeiros, toda a moeda depositada em bancos, todas as ações e títulos e, portanto, toda a propriedade subjacente de todas as corporações públicas, incluindo todos os stocks de mercadorias, fábricas e equipamentos, terra, depósitos minerais, invenções e propriedade intelectual. Propriedade pessoal e bens imóveis financiados com qualquer montante de dívida serão igualmente tomados, tal como os ativos de negócios de propriedade pessoal, os quais têm sido financiados com dívida. Mesmo com êxito parcial, isto será a maior conquista e subjugação da história mundial.

“Estamos agora a viver dentro de uma guerra híbrida conduzida quase inteiramente pela indução em erro (deception) e portanto concebida para alcançar objetivos de guerra com pouca aplicação de energia. É uma guerra de conquista dirigida não contra estados de outra nação mas contra toda a humanidade”.

Verifica-se que esta estratégia está a ser preparada há dezenas de anos. O passo prévio que permitiu e facilitou tudo isso foi o endividamento de todo o planeta – famílias, empresas, corporações, governos centrais, regionais e locais, tudo e todos. Isso foi conseguido com baixas taxas de juro (na Europa chegaram a ser negativas).

Desde há séculos, o direito à segurança da propriedade é um dos bens mais sagrados no arcabouço jurídico instituído em todos os países que gostam de se dizer civilizados. Pois bem, também este direito está ameaçado com a grande tomada. Webb dá um exemplo comezinho para mostrar isso:

“Digamos que você compre um automóvel a dinheiro. Não tendo dívida contra o veículo, acredita que agora o possui em termos absolutos. Apesar disso, ao vendedor do automóvel foi permitido através de um conceito legal recém-inventado tratar o seu carro como o ativo dele e utilizá-lo como colateral a fim de tomar dinheiro emprestado para as suas próprias finalidades – e o seu veículo juntamente com todos os outros vendidos pelo comerciante são apresados (seized) por certos credores segurados do concessionário, sem que seja necessária qualquer revisão judicial, pois previamente fora estabelecida a certeza legal de que eles têm poder absoluto para tomar o seu carro no caso de bancarrota do vendedor”.

O exemplo acima é caricato, mas por incrível que pareça estão a ser impostas normas e regulamentações legais que permitem isso. Note-se que neste exemplo o carro nem sequer era um colateral pois havia sido inteiramente pago pelo comprador – mas mesmo assim o credor do vendedor poderia tomá-lo.

Esta lógica já está em vigor há muito no negócio bancário, mas pouca gente tem consciência disso. Um banco não é o “fiel depositário” de um cliente, ou seja, os depositantes de um banco não são proprietários do dinheiro que puseram no banco e sim credores do mesmo. Assim, no caso de insolvência de um banco há duas soluções de salvamento possíveis:   o chamado resgate externo (bail-out) ou o resgate interno (bail-in), em que uma parte do dinheiro dos depositantes é tomada para salvar o banco. A primeira solução (bail-out) foi adotada na Grécia no tempo em que estava submetida à Troika do FMI-BCE-CE. A segunda (bail-in) foi adotada em Chipre pouco depois (mas na UE pouca gente se importou porque ali grande parte dos depositantes era constituída por magnatas russos...).

Aonde conduz tudo isto? Ao Great Reset agora em progresso, com grandes inovações de concentração de riqueza e poder sobre toda a humanidade através da privação. A cada colapso de bolhas financeiras o processo avança um pouco mais. O objetivo deles é reinicializar o sistema financeiro, de modo a poderem providenciar crédito outra vez, mas agora em condições controladas – o que exige a desmaterialização do papel-moeda. Nessa altura, o dinheiro assumirá a forma eletronica de Central Bank Digital Currency (CBDC). Assim, salário que o trabalhador pensa ser propriedade sua será depositado, por exemplo, no seu smart phone. Dessa forma, o banco central poderá controlar aquilo que ele pode ou não gastar, o quanto gastar e até o quando gastar. Trata-se de um novo feudalismo em preparação, desta vez feudalismo financeiro.

A VELOCIDADE DA MOEDA

Velocidade é o número de vezes que uma unidade de moeda é gasta para comprar bens e serviços num certo período de tempo. Esta é medida comparando o valor de todos os bens e serviços produzidos num período de tempo (PIB) com o valor de todo o papel-moeda e depósitos que possam ser utilizados quase tão facilmente quanto o papel-moda (Oferta Monetária).

                                                  Velocidade = PIB / Oferta Monetária

Portanto, Velocidade x Oferta Monetária = PIB. Quanto mais baixa a Velocidade, menor o PIB. Trata-se de um indicador precioso, pois desde o século XIX verifica-se empiricamente que todas as grandes crises económicas foram precedidas por um declínio agudo da velocidade de circulação da moeda.

O conceito de Oferta Monetária pode ser mais restrito ou mais vasto, M0, M1, M2 e M3 [nota 1] e as estatísticas do mesmo são geralmente publicadas pelos bancos centrais. Mas no caso do conceito mais vasto, o M3, verifica-se que “misteriosamente” o Federal Reserve deixou de publicar as suas estatísticas em 23/Março/2006, sem grandes explicações. Mas esconder dados empíricos para dificultar análises nunca é uma atitude inocente. Por isso, os colossais aumentos da oferta monetária que se seguiram (basta lembrar as Quantitative Easings) não puderam ser espelhados estatisticamente de modo oficial.

Historicamente, um aumento da oferta monetária costumava ser um estímulo ao funcionamento da economia real. Exemplo grotesco disso foi o caso Alves dos Reis cuja injeção de moeda falsificada até estimulou a economia de Angola em 1925. No entanto, tal estímulo só funciona quando os aumentos da oferta são razoáveis – não quando são gigantescos, tal como agora. David Webb explica:

“Comecei a seguir sistematicamente a taxa de crescimento em M3, a mais vasta medida da moeda naquele tempo (a qual já não é publicada). Estudei o que estava a desdobrar-se incrementalmente e vi que em semanas individuais era criada nova moeda correspondente a mais do que 1% do PIB anual dos EUA. Foi quando me ocorreu pela primeira vez que o Fed estava a obter menos “impacto pelo dinheiro” (“bang for the buck”), que o PIB não estava a responder à criação monetária. Isto significava que a velocidade da moeda estava a inverter-se e que o crescimento monetário estava agora muito mais alto do que qualquer crescimento do PIB. O dinheiro que estava a ser criado não estava a ser injetado na economia real, mas conduzia a uma bolha financeira sem nenhum relacionamento com a atividade económica subjacente. Entendi isto, não em retrospectiva mas sim em tempo real. Se eu podia saber disto, Alan Greenspan e as pessoas que trabalhavam com ele também podiam. Então, porque é que o fizeram? Se algo não faz sentido, é necessário mudar a perspectiva e mirar para um entendimento mais amplo. As crises não ocorrem por acidente; elas são induzidas intencionalmente e utilizadas para consolidar poder e colocar em vigor disposições para medidas que serão utilizadas posteriormente.

“Por volta do 4º trimestre de 1999, quando a Bolha Dot-Com estava a alcançar extremos, vi que a oferta monetária estava a ser aumentada a mais do que 40% em taxa anual. Entendi então que a Velocidade da Moeda estava a entrar em colapso. Um tal colapso ocorre quando a economia não está a crescer apesar de taxas muito elevadas de criação monetária”.

A velocidade do dinheiro nos EUA, 1900-2021.

Ao examinar o gráfico ao lado verifica-se que a capacidade de produzir crescimento através da impressão de moeda foi exaurida, criar mais moeda já não ajudará. “O fenómeno é irreversível”, afirma o autor. Assim, o anúncio do Great Reset foi motivado não por patranhas como o chamado “aquecimento global” ou a dita pandemia e sim pelo conhecimento certo do colapso deste fenómeno monetário fundamental. As implicações disto estendem-se muito além da análise económica.

Como se pode saber que tudo isto foi planeado intencionalmente? A evidência decorre do exame dos seus preparativos. É o que Webb descreve minuciosamente ao longo dos 10 capítulos do seu livro:   Desmaterialização; Direito à segurança; Harmonização; Gestão do colateral; Porto seguro para quem e seguro do que?; Central clearing (tomadas do risco de contrapartes); Feriado bancário; A grande deflação; Conclusão.

Este comboio já está em andamento e o que Fed está a fazer é aumentar as taxas em meio a uma condição de debilitamento económico e uma crise bancária. Isto é exatamente o que foi feito na Grande Depressão. E, acrescenta o autor, “eles estão a fazer isto com a justificação bizarra e cruel de combater o crescimento salarial!”.

E Webb conclui: “Os arquitetos da Grande Tomada planearam e prepararam plenamente a utilização desta dinâmica, seguros no seu conhecimento de que, tal como a noite segue o dia, a deflação prolongada e maciça certamente se seguirá à épica expansão do super ciclo de dívida que eles criaram”. Os destinados pelos deuses à destruição são antes endividados através de baixas taxas de juro!

Apesar da realidade sombria que descreve, o livro foi escrito com a intenção de ser um alerta. Destina-se a por o caso em discussão pública, a criar um movimento de opinião a fim de evitar o destino que eles nos preparam. “Dívida não é uma coisa real. É uma invenção, uma construção concebida a fim de tomar coisas reais”, afirma Webb. Assim, tal como muito milhões de milhões podem ser criados para salvar bancos privados, o mesmo certamente poderia ser feito para salvar os depositantes. Na Mesopotamia, há milhares de anos, os reis já sabiam disso e criaram o famoso "ano jubileu" – mas eles não tinham a intenção de tomar todos os bens dos seus súditos. Que isto não seja feito agora é um sinal das verdadeiras intenções deles – a privação e a subjugação. Tal como os gangsters que vendem proteção, os “protetores” aterrorizam os “protegidos”. Acordem!

O original de The Great Taking pode ser descarregado aqui e a versão em português aqui.



O M3 oficial até 2006 e o estimado a partir de então. [1] A oferta monetária "M0" é o total de papel-moeda em circulação, mais o dinheiro nos cofres dos bancos comerciais e todos os depósitos que aqueles bancos têm em bancos de reserva.
A oferta monetária "M1" inclui o "M0" mais todo o dinheiro possuído em contas à ordem nos bancos, além de todo o dinheiro contido em travelers' checks.
A oferta monetária "M2" inclui o "M1" mais a maior parte de outras contas de poupança, contas do mercado monetário, mercado monetário a retalho dos fundos mútuos e depósitos a prazo de pequenos valores (certificados de depósitos inferiores a US$100 mil).
A oferta monetária "M3" inclui o "M2" mais todos os outros Certificados de Depósito (depósitos a longo prazo e saldos dos fundos mútuos do mercado monetário institucional), depósitos de eurodólares e acordos de recompra.   O Federal Reserve cessou de publicar os dados oficiais da oferta de moeda M3 do dólar americano em 23/Março/2006. Ver   www.federalreserve.gov/releases/h6/discm3.htm

Diante dos erros, omissões e ocultamentos das estatísticas dos EUA, felizmente há um economista e estatístico abnegado, John Williams, que faz o trabalho meritório de publicar estimativas dos números enviesados/ocultados pelo governo. Dentre as séries que elabora está a do M3 que o Fed cessou deliberadamente de publicar.

29/Abril/2024

segunda-feira, 29 de abril de 2024

Cambiar la estrategia para derrotar al bolsonarismo

 


*Fuentes: *Esquerda Online (Brasil) [Imagen: Lula aupado por el pueblo
tras su discurso frente al Sindicato de Metalúrgicos en São Bernardo
(São Paulo). Créditos: Ricardo Stuckert]

El regreso de la extrema derecha a las calles y la caída de la
popularidad del gobierno de Lula son un llamado de atención. Es
necesario reorientar nuestra línea política.

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La coyuntura en el país presenta grandes desafíos. A pesar del cerco
creciente del STF (Supremo Tribunal Federal) alrededor de Bolsonaro y de
los demás golpistas, la extrema derecha mantiene una enorme fuerza
política y vuelve a ocupar las calles. Aunque los indicadores económicos
son positivos, con crecimiento del PIB y caída del desempleo, la
popularidad de Lula disminuye, y revela una creciente insatisfacción
popular. Si bien la izquierda ganó las elecciones presidenciales, la
dificultad para movilizar a la sociedad dentro de su propio campo es
innegable. Aunque el proyecto de cambio progresista ganó la votación,
hay muchos obstáculos para avanzar en un Congreso dominado por el /
centrão /(nebulosa de partidos de derecha y de extrema derecha) y ante
las limitaciones impuestas por el marco fiscal.

El hecho es que la receta adoptada hasta ahora por el gobierno se ha
quedado corta y es incapaz de reducir la influencia de la extrema
derecha en la sociedad e impulsar los índices de aprobación de Lula. El
peligro del bolsonarismo sigue vivo, incluso con la derrota del golpe
del 8 de enero y los procesos judiciales en curso. Fortalecido por el
acto paulista de febrero, Bolsonaro convocó hace unos días una
manifestación golpista en Río de Janeiro el 21 de abril.

El gobierno, rehén en el Congreso del chantaje de Artur Lira (Lira hizo
campaña por Bolsonaro y se enfrenta al ejecutivo sobre la adopción del
presupuesto, y pone en duda la facultad de iniciativa del gobierno
federal), apuesta por la gestión económica conservadora de Fernando
Haddad, que tanto agrada al mercado, y por la firme actuación de
Alexandre de Moraes (presidente del Supremos Tribunal Electoral) contra
Bolsonaro y los golpistas. Pero todo esto no es suficiente. Cabe
destacar que el deterioro de la aprobación del gobierno, si no se
revierte a tiempo, podría afectar negativamente a la izquierda en la
batalla contra el bolsonarismo en las elecciones municipales. Consciente
de la complicada situación, el gobierno debate internamente sobre como
corregir el rumbo.

*¿Qué rumbo tomar?*

¿Cuál debe ser el nuevo rumbo del gobierno de Lula? Hay sectores de la
izquierda que sostienen que, ante la adversidad, es necesario aumentar
las concesiones al centro, al mercado financiero, a los militares y al
agronegocio.

Esta evaluación es la base de algunas de las políticas del gobierno, que
no contribuyen en nada a aumentar la popularidad del gobierno ni la
necesaria confrontación con Bolsonaro. Por ejemplo, el ajuste fiscal, la
propuesta de reajuste cero para los funcionarios, el silencio de Lula
sobre el 60º aniversario del golpe del 64 y el fomento de las
colaboraciones público-privadas, que se traducen en privatizaciones, van
en contra del programa bajo el que fue elegido Lula. Esta estrategia de
concesiones permanentes a la derecha desdeña la importancia de construir
movilizaciones en defensa de medidas populares, contra las que el /
centrão /de Lira y la extrema derecha actúan sistemáticamente en el
Congreso.

Nosotros pensamos de forma distinta. Ante los peligros que plantea la
situación, creemos que el gobierno de Lula necesita dar un giro en la
dirección opuesta, una nueva estrategia. La primera y más importante
línea de cambio debe ser la reorientación de la política económica,
asfixiada por el marco fiscal.

Es necesario ofrecer mejoras concretas y sólidas al pueblo trabajador,
para recuperar el apoyo popular y avanzar sobre la base de Bolsonaro.
Necesitamos más medidas como el programa Pé de Meia (estímulo financiero
para evitar la deserción escolar), anunciado esta semana, que favorecerá
a los estudiantes pobres de secundaria.

El 1º de mayo, Lula podría anunciar un nuevo aumento real del salario
mínimo, un ajuste de la Bolsa Família, un aumento salarial para los
funcionarios en huelga y una exención del impuesto sobre la renta para
quienes ganen hasta 5.000 reales. También sería muy importante un plan
eficaz para bajar el precio de los alimentos básicos. Estas medidas
serían muy bien recibidas por la clase trabajadora, especialmente por
los que tienen ingresos más bajos.

El segundo aspecto del cambio tiene que ver con la adopción por parte
del gobierno de Lula de una línea activa en la promoción de campañas de
concienciación política e ideológica entre la población. Se trata, entre
otras cosas, de fomentar la movilización popular para apoyar la
aprobación de medidas sociales y democráticas progresistas. Uno de los
desafíos en la lucha por la concienciación de las masas es, por ejemplo,
mantener y ampliar la mayoría social a favor de la encarcelación de
Bolsonaro y de los generales implicados en la intentona golpista. ¡Sin
amnistía!

*Movilizar al pueblo contra las ideas del bolsonarismo*

Mientras que Bolsonaro trabaja para mantener su base social intacta,
cohesionada y movilizada, el gobierno permanece completamente distante
de la disputa en las calles. Solo actúa en el plano institucional, lo
que acaba reforzando la desmovilización que reina en la izquierda y la
falta de cohesión política de su base social de apoyo. Hasta ahora, Lula
no ha convocado ninguna manifestación popular. Es más, mientras que la
red mediática de Bolsonaro se extiende y es cada vez más eficaz, el
gobierno se muestra tímido en la apuesta política e ideológica, con una
política de comunicación débil y obsoleta.

El Brasil de hoy es muy diferente del periodo de los primeros gobiernos
del PT, cuando la oposición estaba liderada por un PSDB flojo. Ahora
existe una extrema derecha influyente y rabiosa, con una sólida base
social y conexiones internacionales. Esta fuerza fascista moviliza a su
base social en torno a banderas políticas e ideológicas bien definidas y
la organiza a diario en las redes sociales, en las iglesias evangélicas
y en los cuarteles. El bolsonarismo actúa en el plano institucional y
electoral, pero no renuncia a la disputa ideológica en la sociedad y a
la lucha directa en las calles. Por eso, es un grave error creer que
sólo con pequeñas mejoras económicas y la actuación del Tribunal Supremo
será posible derrotar a la extrema derecha y garantizar la reelección de
Lula. Es necesario un giro a la izquierda, con medidas concretas
dirigidas al pueblo trabajador, una lucha ideológica intensa y la
construcción de la movilización popular.

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Em
REBELION
https://rebelion.org/cambiar-la-estrategia-para-derrotar-al-bolsonarismo/
29/4/2024

segunda-feira, 22 de abril de 2024

Los sosos años veinte del siglo XXI

 


Michael Roberts

15/04/2024

La reunión semestral del FMI y el Banco Mundial comienza esta semana. Las agencias y sus invitados discutirán el estado de la economía mundial y los desafíos que se avecinan y presentarán soluciones políticas. Al menos esa es la idea.

Kristalina Georgieva, directora general del FMI, acaba de ser reelegida para otro mandato de cinco años sin oposición.  Al presentar la convocatoria de la reunión, describió cómo el FMI ve la economía mundial en 2024 y para el resto de esta tercera década del siglo XXI. Ofreció un análisis triste. Lo que nos espera es una "década poco activa y decepcionante". De hecho, "sin una corrección de rumbo, estamos... dirigiéndonos hacia unos años veinte sosos". Sus comentarios fueron previos a la publicación de las últimas Perspectivas Económicas Mundiales del FMI, incluido su pronóstico a largo plazo para la economía mundial.

Exige una lectura sobria. Permítanme citar: "Con varios vientos en contra, las perspectivas futuras de crecimiento también se han agriado. El crecimiento global se ralentizará a poco más del 3 por ciento para 2029, según las proyecciones de los cinco años anteriores. Nuestro análisis muestra que el crecimiento podría caer aproximadamente un punto porcentual por debajo del promedio anterior a la pandemia (2000-19) a finales de la década. Esto amenaza con revertir las mejoras en los niveles de vida, y la desigualdad de la desaceleración entre naciones más ricas y más pobres podría limitar las perspectivas de convergencia en ingresos globales".

"Un escenario persistente de bajo crecimiento, combinado con altas tasas de interés, podría poner en riesgo la sostenibilidad de la deuda, restringiendo la capacidad del gobierno para contrarrestar las desaceleraciones económicas e invertir en bienestar social o iniciativas ambientales. Además, las expectativas de un crecimiento débil podrían desalentar la inversión en capital y tecnologías, posiblemente profundizando la desaceleración. Todo esto exacerbado por los fuertes vientos en contra de la fragmentación geo-económica y las políticas comerciales e industriales unilaterales perjudiciales".

El principal impulsor del crecimiento de la producción mundial es el aumento de la productividad de la mano de obra y se ha desacelerado. Y "es probable que continúe disminuyendo, empujada por desafíos como la creciente dificultad de conseguir avances tecnológicos, el estancamiento de logros educativos y un proceso más lento para que las economías menos desarrolladas pueden ponerse al día con las más desarrolladas".

El FMI está dejando muy claro que el modo de producción capitalista no está logrando aumentar la productividad, esencial para satisfacer las necesidades sociales de 8 mil millones de seres humanos. ¿Y por qué? Primero, porque la innovación se está desvaneciendo. En la teoría economica convencional, esto se mide por lo que se llama la productividad total de los factores (TFP), la tasa de productividad que no se puede explicar por la inversión en medios de producción o en el empleo de mano de obra; es un residuo para completar el nivel total de productividad. En esta década, el crecimiento global de la TFP se ha ralentizado a su ritmo más bajo desde la década de 1980.

El FMI también está diciendo que no invertir lo suficiente en lo que a los economistas capitalistas les gusta llamar "capital humano" no ha permitido ninguna mejora en la capacitación de la fuerza de trabajo mundial. Y lo que es más interesante, el FMI admite que la brecha entre las economías capitalistas ricas y técnicamente más avanzadas (el bloque imperialista) y la periferia pobre y menos avanzada, donde vive el 80% de la humanidad, no se está reduciendo en absoluto, contrariamente a las continuas afirmaciones de muchos estudios económicos convencionales.

La expansión de la economía mundial se ha desacelerado particularmente desde el final de la Gran Recesión de 2008-9, dice el FMI, haciéndose eco de mi propio análisis de lo que he llamado la Larga Depresión en las principales economías capitalistas.

En particular, la inversión empresarial, el principal motor del crecimiento económico en las economías capitalistas, "ha caído después de 2008, y en 2021 cayó alrededor del 40 por ciento en relación con su tendencia anterior a la crisis financiera global". ¿Y cuál es la razón de este declive? El FMI dice: "desde 2008, el q de Tobin, un indicador de las expectativas futuras de productividad y rentabilidad de las empresas, ha disminuido entre un 10 y un 30 por ciento de media, lo que contribuye a la mayor parte de la disminución de la inversión señalada tanto en las economías de mercado avanzadas como en las emergentes". Esta es una forma indirecta de decir que el crecimiento de la inversión por parte de las empresas capitalistas se ha ralentizado porque no han obtenido los niveles de rentabilidad que esperaban, como muestra el siguiente gráfico.

Por lo tanto, la desaceleración del crecimiento del PIB real mundial, según el FMI, se reduce a: 1) la desaceleración del crecimiento de la fuerza de trabajo disponible en el mundo, que se prevé que caiga a solo el 0,3 % al año; 2) la inversión empresarial estancada; y 3) el debilitamiento de la innovación. A finales de esta década (y esto no supone una caída global importante, como se sufrió en 2008 y 2020), el crecimiento global caerá al 2,8 % anual por primera vez desde 1945.

¿Cuáles son los componentes de esta segunda década de desaceleración depresiva según el FMI? El factor principal hasta ahora ha sido que los "recursos" se han "asignado mal". Lo que el FMI quiere decir es que el sistema de libre mercado no está asignando los medios de producción, innovación tecnológica y oferta de mano de obra a los sectores que mejoran la productividad. Esa mala asignación está causando la perdida de 1,3 % de puntos de crecimiento global anual, estima el FMI. El FMI no lo dice, pero cuando la inversión capitalista se dedica cada vez más a la especulación financiera e inmobiliaria, el gasto militar, la publicidad y el marketing, etc., no es sorprendente que haya una "mala asignación" de recursos que frene el crecimiento de la productividad.

El otro factor perjudicial para el crecimiento futuro que el FMI identifica es la "fragmentación" del comercio y la inversión mundiales, a medida que las principales potencias económicas avanzan hacia el proteccionismo, los aranceles, las prohibiciones de las exportaciones y las operaciones comerciales; y las potencias imperialistas lideradas por los Estados Unidos buscan debilitar y estrangular a aquellos países que no "remolcan" al resto, como Rusia y China. Según el FMI, la ruptura del "libre comercio" anteriormente globalizado en bloques competidores reducirá el crecimiento global anual en 0,7% puntos.

¿Qué hacer? Después de su triste análisis del futuro, el FMI propone resolver los problemas a través de una mayor participación laboral (que las mujeres vayan a trabajar) y más inmigración (ver mi reciente artículo), pero sobre todo gracias al paquete habitual de medidas económicas convencionales: "competencia en el mercado, apertura comercial, acceso financiero y flexibilidad del mercado laboral", es decir, más libre circulación de capitales (reducción de la regulación) y un recorte de los derechos laborales (llamado "flexibilidad"). El FMI realmente está diciendo que la receta es aumentar la rentabilidad explotando más a la mano de obra y permitiendo que el gran capital se mueva libremente por todo el mundo. El FMI ha propuesto tales medidas casi todos los años con pocos resultados.

En cuanto a la IA, el FMI dice: "el potencial de la IA para aumentar la productividad laboral es incierto, pero también potencialmente sustancial, lo que posiblemente sume hasta 0,8 puntos porcentuales al crecimiento global, dependiendo de su adopción e impacto en la fuerza de trabajo". Depende de muchas cosas entonces.

Las previsiones de crecimiento del PIB real no revelan lo que está sucediendo con la desigualdad de ingresos y riqueza dentro del agregado promedio. Pero en su nueva defensa de la "economía inclusiva", el FMI comenta: "la desaceleración del crecimiento a medio plazo podría afectar negativamente la desigualdad de los ingresos globales y la convergencia entre los países. Un entorno de crecimiento más lento hace que sea difícil para los países más pobres ponerse al día con los que son más ricos. Un crecimiento más lento del PIB también puede conducir a una mayor desigualdad, reduciendo el bienestar medio". Así es.

¿Se ampliará o reducirá la desigualdad en el resto de esta década? El FMI responde: "Dependiendo del índice analizado, no habrá o solo ocurrirá una modesta recuperación esperada a medio plazo. Las pequeñas mejoras en la desigualdad dentro del país no son suficientes para compensar la desaceleración esperada en la convergencia de la desigualdad entre países". Así, el FMI concluye: "La desaceleración del crecimiento tiene implicaciones sombrías para la distribución de los ingresos entre los países, de los ingresos globales o de una medida de bienestar más general". Cree que la IA empeorará la desigualdad y "en la medida en que otros factores, como la fragmentación geo-económica, empeoren la distribución de los ingresos entre países, es probable que empeoren la desigualdad global y la distribución del bienestar, a menos que mejoren significativamente la distribución de los ingresos dentro de los países y otras dimensiones del bienestar, como la esperanza de vida".

A principios de esta década, justo después de que la crisis pandémica golpeara al mundo, se habló con optimismo de una repetición de los "alegres años veinte" del siglo XX, que la economía estadounidense supuestamente experimentó después de la epidemia de la llamada gripe española de 1918-19. Esa calificación de la década de 1920 siempre fue una exageración, incluso en los EEUU; mientras que en Europa hubo una depresión grave. Y los "alegres años veinte" dieron paso a la Gran Depresión de la década de 1930. Pero ahora ya no se habla de un largo auge, incluso si se incorpora algún posible aumento de la productividad de la IA. Ahora de lo que se habla es de los "sosos años veinte" (Tepid Twenties), en el mejor de los casos.

 

habitual colaborador de Sin Permiso, es un economista marxista británico, que ha trabajado 30 años en la City londinense como analista económico y publica el blog The Next Recession.