sábado, 12 de outubro de 2019

Violência e Barbárie: as origens do bolsonarismo, por Marildo Menegat




O bolsonarismo é a formulação política rebaixada de uma chantagem dos
bandos armados dos porões da ditadura cujas ramificações começam nas
estruturas das PM’s, cruzam pelas Forças Armadas e se acomodam em grupos
milicianos

Por
Wilton Moreira


*Por Marildo Menegat**


O sociólogo alemão Norbert Elias passou um bom tempo da sua vida
explicando um paradoxo. Na mesma época em que escreveu sua grande obra,
O processo civilizador, a Europa – e a Alemanha, em particular – vivia o
seu inverso. A resposta de Elias sempre foi uma coordenada do tempo.
Para ele a civilização seria o resultado de uma longa duração não
apreensível em curtos períodos. Deste modo, explicava os anos que se
seguiram de 1945 até sua morte, no início dos 1990, como uma espécie de
verdade oculta do período das Grandes Guerras.

Contudo, por que razão seria possível falar em barbárie hoje? Quais
critérios podem ser utilizados para explicar um acontecimento tão amplo
e desconcertante, que permitiria fazer deste argumento uma ampliação
lúcida das capacidades de entendimento da realidade, e não uma mera
retórica moralista? O controle da violência no cotidiano parecia ser uma
irrecusável evidência da vitória da civilização sobre suas forças opostas.

Apesar do número de mortos nos confrontos de 1914-18, e depois em
1939-45, manter abalada qualquer perspectiva de tomar o século XX como
um tempo bem sucedido das virtudes da paz sempre foi controverso. O
próprio Elias sugere que se diferencie uma pressão descivilizadora de
uma tendência descivilizadora. Pressões fazem parte do processo
civilizador e podem ser até mais constantes do que se imagina.
Tendências, no entanto, são um movimento mais complexo que sugere algo
como uma força gravitacional agindo intermitentemente num dado sentido,
neste caso, dissolutivo.

As mortes nas Grandes Guerras, contadas em milhões, fizeram parte da
violência organizada pelo Estado. Foram, na conhecida formulação de
Clausewitz, um subproduto da política, quando esta foi incapaz de operar
através de suas instituições ordinárias e passou a agir por outros
meios, abertamente destrutivos. Mesmo o grande número de mortes em
guerras civis, como na Rússia entre 1917-23, ou na Espanha em 1936-39,
se diferenciam qualitativamente do tipo de violência da atualidade. Em
todos esses casos o Estado exerceu o seu monopólio do uso da violência.

Nas guerras civis de ‘antigamente’, que faziam parte de processos
revolucionários, o que se contestava era a direção dos negócios
públicos, mas não a existência do monopólio estatal, enquanto a
violência de agora é o resultado de uma ‘dessocialização catastrófica’
(KURZ, 2014) que revela a impossibilidade do Estado Nação continuar
existindo. Como observou Paul Virilio, esse guerra permanente já não é
propriamente uma guerra civil, mas uma guerra “[…] contra os civis […]
que provoca a emigração pânica de populações locais – pilhadas,
extorquidas, violentadas – para os últimos eldorados onde ainda exista
um Estado de Direito”(VIRILIO, 1999, p. 74). É uma Hydra espalhada pelo
cotidiano.

A dificuldade de se explicar a violência brasileira está associada a
este problema, recorrente na tradição crítica, que reconhece os
fundamentos do estatuto paradoxal da realidade como uma dualidade
constitutiva do país, a qual, por um lado, se define pelas aspirações do
padrão civilizatório ocidental – de um Estado de Direito dependente do
mercado – e, às suas costas, se (de)forma, com ares de normalidade, a
partir da convivência com os mais abjetos dos tratos das massas
socializadas pela dinâmica produtora de mercadorias, um mundo de horrores.

Neste sentido, civilização e barbárie sempre foram momentos tensos que,
na aparência, pelo menos, tinham ares de ser uma particularidade
nacional. Mas os limites deste esquema explicativo da realidade não
foram suficientes para se intentar outra explicação da anomia
constitutiva deste estado de coisas. Analisada historicamente, se pode
dizer que há um corte qualitativo deste exercício cotidiano das
‘pressões descivilizadoras’ a partir da industrialização e urbanização
acelerada do país nos anos 1930. Como este processo foi uma modernização
recuperadora (KURZ, 1993), quando isto ainda era possível, na primeira
metade do século XX, ela não pôde ser realizada sem o uso brutal e
desmedido da violência do Estado, que se mantinha e era confirmada nas
relações sociais.

A concepção comum entre setores ilustrados de que não teria havido
mudanças significativas das formas e razões da violência desde os tempos
da escravidão e do coronelismo, e que a polícia apenas manteve viva tais
modalidades, não percebe que o processo de territorialização do capital,
na medida em que afirma suas formas de rendimento e a autonomia relativa
do Estado, precisa criar estas práticas todas às vezes em que uma
parcela significativa da população, formada supostamente por sujeitos
monetários, não tem condições de existir a partir deste fundamento. Em
outros termos, se equilibram num fio da navalha entre ser este sujeito e
não ter dinheiro.

As modernizações recuperadoras somente foram possíveis como parte de um
mecanismo de compensação que a grande crise do capitalismo engendrou
entre os anos 1910 e 1945. Elas consistiram na terceira onda de
industrialização. Diferente da primeira, que abrangeu basicamente a
Inglaterra, e a segunda, que não foi muito além da França, Alemanha,
EUA, Japão e outros poucos países da Europa, o terceiro surto
industrializador impulsionou um desenvolvimento de parte da periferia
nas bases da moderna tecnologia da Segunda Revolução Industrial, então
em voga.

Portanto, desde o início, a modernização do Brasil implicou num
desenvolvimento em bases altamente poupadoras de força de trabalho. Ela
precisou operar, no mesmo ato, a imposição brutal do trabalho, como
única condição possível de existência das massas, e a exclusão de uma
parcela destas (principalmente negros e indígenas) das formas
elementares do direito e dos mais modestos postos de ocupação no mercado
de trabalho.

Esta tensão foi se formando e tornando evidente nos anos da ditadura
civil-militar (1964-85). Num comentário extemporâneo ao cerne de sua
análise, num pequeno livro coletivo de 1982, que faz um  balanço sobre a
violência brasileira naquela altura da história contemporânea, Roberto
da Matta produz uma boa imagem do que estava em curso: “[…] a violência
parece transformar-se em moeda corrente do mundo cotidiano” (DA MATTA,
1982, p. 13).

Para o Iluminismo as relações de troca do mercado servem de esquema base
de um modelo de entendimento isento de violência. Quando este esquema é
destroçado por diferentes razões, como por exemplo, a impossibilidade de
uma quantidade significativa de membros da sociedade realizarem suas
necessidades por meio da venda de sua força de trabalho, as condições
elementares da pacificação que ele pressupõe têm boas chances de ficarem
suspensas. O que resta dessas relações é a irrupção violenta dos nexos
sociais entre mônadas reificadas.

O carácter de insignificância social dos sujeitos monetários
desmonetarizados se mostra, então, pelo reverso desta imagem: na falta
de moedas para substancializar os sujeitos da modernização, a violência
se torna a moeda comum. A transformação desta violência acidental num
direito de vida ou morte sobre os ‘despossuídos de dinheiro’ é uma das
mudanças de patamar que se introduziu no período da ditadura. Este
detalhe, inclusive, não passou desapercebido à análise que Roberto
Schwarz fez, alguns anos antes do comentário de Da Matta, do ensaio A
dialética da malandragem de Antônio Cândido.

O movimento entre ordem e desordem característico da vida social, no
qual os grupos subalternos realizavam as mediações para garantir sua
sobrevivência, descrito vivamente por Cândido neste ensaio, diz Schwarz
(1987), havia se deslocado socialmente nos anos 1970, quando a ditadura
fez da tortura um método de governo. Na elaboração original de Cândido,
talvez descanse a explicação de uma etapa bem anterior do
desenvolvimento das leis de mercado, quando as relações de favor
ajudavam a amarrar um todo social frouxo, enquanto agora, esta dialética
embrutecida revela os modos pelos quais esta totalidade social sem força
inclusiva se sustenta.

No momento anterior, portanto, esta oscilação entre ordem e desordem não
tendia a uma supressão duradoura da ordem, enquanto agora, a desordem é
a pressão dominante e a ordem apenas o resultado de métodos excepcionais
de terror do Estado. Provavelmente esta seja a origem remota do
bolsonarismo e seu sentido histórico mais profundo e inconsciente de uma
revolução conservadora, em que se rompem as linhas de negociação
política e social com as classes populares e se inicia uma agudização
das pressões descivilizadoras que nunca mais foram amainadas.

Leia também:  Privatização do Serpro e da Dataprev: Um risco à soberania
nacional, por Henrique Fontana
 <https://jornalggn.com.br/artigos/privatizacao-do-serpro-e-da-dataprev-um-risco-a-soberania-nacional-por-henrique-fontana/>

Segundo Paulo Sérgio Pinheiro (1982), este fato pode ser atestado pela
continuidade entre o combate à subversão e a guerra contra o crime
realizado pelas Polícias Militares (PM), criadas pelo decreto lei 667 em
1969. Com isso, as polícias passam a ser subordinadas e centralizadas
pelo exército. Este é o elo estruturante de um ordenamento que inventa,
‘nas figuras dos porões da ditadura’, um corpo técnico dedicado ao
trabalho sujo (Arantes, 2014 ), sem o qual a ordem social burguesa na
periferia do capitalismo, em condições como o Brasil se desenvolveu,
seria inviável:

Depois da dissidência armada ter sido dizimada, esses grupos de choque
perdem a motivação que havia presidido a sua constituição. E se voltam à
criminalidade comum. Têm ampliado o seu papel ‘político’ tradicional às
antigas forças militares estaduais, sem, entretanto, abdicar do estilo e
dos métodos que desenvolveram durante o período de arbítrio. […]. Aos
métodos convencionais de maus-tratos e de tortura, as polícias militares
[…] conservaram o poder de abater o inimigo sem riscos penais. O inimigo
não é mais o ‘terrorista’, mas o criminoso comum infiltrado nas massas
populares […] (PINHEIRO, 1982, p. 60).

Esta situação histórica é acompanhada de um processo, embora ainda
lento, já atuante de desmoronamento social presente no início dos anos
1980. Tanto a extensão do aparato policial, como a violência que este
mobiliza no enfrentamento da delinquência comum, mostra que o que está
em andamento não é “[…] uma política de combate ao crime, mas a
consolidação de uma certa concepção de estado e de sociedade. Essa
atribuição confunde […] a repressão política […] e a repressão comum
[…]” (PINHEIRO, 1982, p. 65).

O sentido de guerra atribuído ao combate da guerrilha urbana se estende
ao crime. A guerra civil (que a rigor, não passou de uma modesta ‘luta
armada’) começa sua transição de um quadro clássico antigo de luta pelo
poder e se transforma numa guerra de novo tipo. Nos anos 1980, as
pressões descivilizadoras que se avolumaram nos anos da ditadura,
começam a adquirir contornos nítidos de uma tendência que desde então
apenas se aprofundou.

*II.*

Uma modificação tão profunda do que Elias chamava de economia das
emoções do processo civilizador, deve ser entendida como uma alteração
do princípio de realidade. Na medida em que o processo de valorização do
capital foi dessubstancializando-se, com a eliminação crescente de
trabalho vivo, mais totalitária se apresentou a tensão entre a esfera da
lei e o mundo das necessidades. O universo de indivíduos excluídos das
condições de realização das formas básicas de socialização por meio de
mercadorias implicou numa desordem desta lógica dominante, que precisou
ser restaurada à força.

Como observou Kurz (2018), “[…] uma relação de violência social
autoritária […] se torna manifesta no estado de exceção” (KURZ, 2018, p.
54). Nesta perspectiva, a dominação jurídica torna-se sempre e mais um
autoritarismo sustentado por violências bárbaras. A preservação por
meios arbitrários das normas de condutas externas confirma a existência
de um estado de insegurança que está na base de uma alteração ampla dos
hábitos sociais, obrigando os indivíduos a um trabalho redobrado de
autocontenção. Neste contexto, a não-violência passou a ser uma escolha
constantemente medida por um sentimento contrário, que se formou em
geral à sombra de um acontecimento violento, sentido como demasiado
frequente e próximo, que comovia, mobilizava e esperava uma reação
imediata da mesma ordem.

Com isso a não-violência deixou de ser a sustentação acordada, mesmo que
oscilante, de uma perspectiva compreensiva de que a paz é sempre
vantajosa – ou a única condição – para o desenvolvimento de relações
humanas livres. Neste impasse, a defesa da pacificação se enfraqueceu e
se tornou cada vez mais um projeto adiado e, com o tempo, ausente do
horizonte de expectativas dos indivíduos. É como se a sociedade, de
repente, tivesse desaparecido e deixado estes indivíduos abandonados e
imersos em relações estranhas com desconhecidos ameaçadores por todos os
lados.

A constituição histórica deste cotidiano, com fortes tonalidades
paranoicas, pode ser acompanhado por meio dos esforços de aumento e
presentificação das polícias militares no espaço urbano. Ainda em 1980,
por exemplo, a PM do RJ tinha um contingente de cerca 23 mil soldados e
pretendia estar presente em cada canto da cidade. Em 2010, este
contingente atingiu os 60 mil, ou seja, quase triplicou em 30 anos,
enquanto a população cresceu num ritmo bem mais modesto.

No mesmo delírio de presentificação, o comandante da PM de São Paulo,
num depoimento na Assembleia Legislativa em 1981, falava no desejo
(felizmente impossível) de se colocar um PM em cada quarteirão, o que
exigiria um contingente de 144 mil soldados! Este crescimento da polícia
mostra a força de uma política de extermínio que se realiza como guerra
contra o crime. Foi este extermínio, basicamente de jovens e adultos
negros, que esteve na raiz da virada da violência dos anos finais da
ditadura.

A explicação desta explosão da violência cotidiana e, de certo modo, da
mudança de sua característica, marcada agora por um número elevado de
mortes por causas externas, precisa ainda ser articulada com elementos
de uma nova constelação que começa a se processar com o início de uma
grave crise estrutural do capitalismo.

A dinâmica essencial dessa constelação que se forma, começa a se
manifestar pelo colapso dos esforços de modernização da periferia. Numa
década, não apenas países como Brasil, Argentina e México foram
esmagados e levados a bancarrota por dívidas impagáveis, que
inviabilizavam a continuidade de qualquer pretensão de desenvolvimento,
como também potências militares como a ex-URSS, passando por países
outrora bem sucedidos, como a ex-Iugoslávia entraram num processo comum
de dissolução das suas formas de vida social. Os esforços de adequação
ideológica que procuraram marcar estes colapsos como um fracasso de
políticas econômicas heterodoxas, afirmando, por outro lado, a vitória
triunfal do (neo)liberalismo, não duraram muitas horas.

As repetições catastróficas das crises do capitalismo – que é sempre bom
lembrar, tal conceito não diz respeito apenas a uma realidade econômica,
mas a uma forma social total – depois destes acontecimentos se
manifestaram com tanta intensidade que já não deixam ninguém a
descoberto. Os elementos da nova constelação passam, portanto, a ser
parte importante desta explosão de violência. Alguns dados podem
ilustrar e ampliar a sustentação deste argumento.

O primeiro deles é o número de homicídios no Brasil: em 1979 andava na
marca de 11.194 mortes ao ano, já em 1998 chegava a 41.138 e atingia uma
média de 27 mortes por 100 mil/ha. O segundo é o encarceramento em
massa; em 1990 o número de presos era de 90 mil, chegando a meio milhão
duas décadas depois. A relação entre encarceramento e mercado de
trabalho foi assinalada inúmeras vezes. Neste caso, a crise pode e deve
ser lida a partir dos seus efeitos.

O passo mais ousado nesta explicação, talvez, seja caracterizar o quadro
que se forma nos anos 1990, como um novo tipo de guerra civil. Num
ensaio do início deste século, intitulado A epidemia da guerra, Hobsbawm
(2002) formula uma importante contribuição nesta direção, que permite
alinhavar características comuns entre acontecimentos contemporâneos na
aparência tão díspares. Segundo ele, o fim do sistema de poder de duas
superpotências, ocorrido no fim dos anos 1980, alterava
significativamente a natureza das guerras: “No início do século 21 […]”,
diz, “[…] nos encontramos em um mundo em que operações armadas não mais
estão essencialmente nas mãos de governos ou de seus agentes autorizados
e no qual os partidos em disputa não têm características, status ou
objetivos comuns, exceto a disposição para usar a violência” (HOBSBAWM,
2002).

Além da corrosão do monopólio do uso da violência do Estado, com esta
perda da soberania, processou-se também uma alteração importante de quem
morre nesta guerra: “[…] o ônus da guerra passou cada vez mais das
Forças Armadas para os civis, que não eram apenas suas vítimas, mas cada
vez mais o objeto de operações militares” (HOBSBAWM, 2002).

Leia também:  Revoluções libertárias, democratização, golpismo e
ampliação do Estado, por Ion de Andrade
 <https://jornalggn.com.br/politica/revolucoes-libertarias-democratizacao-golpismo-e-ampliacao-do-estado-por-ion-de-andrade/>

Nas grandes cidades brasileiras a ‘guerra contra o crime’ nos anos 1980
e 1990 recebeu a fórmula norte-americana de ‘guerra contra às drogas’ e
serviu de fachada para as operações armadas das polícias contra bandos
de traficantes, que vitimaram milhares de pessoas da população civil
desarmada. Não é uma novidade a relação entre o fim da Guerra Fria, no
âmbito interno, quando a ditadura perseguiu militantes de organizações
comunistas e criou a Lei de Segurança Nacional, com o início da
mobilização das forças armadas e policiais contra o tráfico de drogas.

O crescente uso de drogas, no entanto, apenas perifericamente teve a ver
com uma mudança de comportamento como a induzida por protestos do
movimento hippie. Os conflitos que rondam uma ampliação da
permissividade dos costumes e a demanda de drogas, por aqui, parecem ter
tido uma base social mais ampla, assim como razões existenciais ou de
protesto menos conscientes do que aquelas do movimento surgido nos EUA.
Drogas como canábis e seu uso crescente tem um paralelo com o consumo de
álcool e, frequentemente, misturam parte do público que as consomem.

A ideia de que as classes populares não consomem canábis, neste sentido,
não passa de velho preconceito. O aumento da sensação de insegurança e a
imprevisibilidade da irrupção da violência, que se ampliou
constantemente, como vimos, além de um trabalho maior de autocontenção,
exigiu que numerosos setores da população ampliassem suas estratégias de
escapismo. Neste sentido, tudo indica que o próprio aumento no uso de
drogas tem relação com o modo como a violência alterou as condições
normais de percepção da realidade, criando com isso um círculo vicioso
de retroalimentação.

Este quadro de uma guerra civil de novo tipo começou a se armar
historicamente nos mesmos anos em que a crise da divida externa
explodiu, em 1981-3. Esta crise produziu o pior afundamento do país
desde 1929. O desemprego neste período, que depois se revelou ser uma
‘década perdida’, foi descomunal para uma sociedade que se sustentava de
forma tão precária. Em cidades como o Rio, que esteve à frente de todos
estes processos, houve uma combinação com diversos fatores locais, como
a transferência da capital federal para Brasília em 1960, e um início
precoce de desindustrialização, antes dela ser uma tendência nacional,
que tornou tudo mais rápido e dramático.

Por isso, o esforço de se retirar este tema do campo das análises
moralistas ou conspiratórias é essencial para se demonstrar o quanto a
violência em grande medida faz parte de elementos centrais da dinâmica
da totalidade desta forma social numa conjuntura histórica em que o
capitalismo tende a aprofundar o seu caráter bárbaro. Tal fato não é
alheio às próprias necessidades da economia, que passa a se organizar
mais frequentemente a partir de atividades que, ao menos sob o ponto de
vista jurídico, são ilícitas. Como sabemos, na história do capitalismo
este aspecto foi sempre muito relativo. O tráfico de escravos, por
exemplo, foi essencial para a acumulação primitiva de capital. Hoje se
finge que ele está proibido.

O comércio de drogas, entendido como uma modalidade da economia política
da barbárie, em que a rapina é o seu eixo dominante, mobiliza desde
meados dos anos 1980 somas respeitáveis de dinheiro, assim como
contingentes não desprezíveis de trabalhadores precários. Poucos
indivíduos diretamente envolvidos neste comércio acumulam algum
patrimônio ou fortuna, e a grande maioria é preso ou morto muito
rapidamente. O discurso policial dos ganhos fáceis destas atividades é
apenas um homília dominical, pois não parte da constatação real de como
se procedem seus momentos de horror.

Para além disso, a circunstância de que este comércio de drogas se
territorializa em favelas também precisa ser vista pelo ângulo desta
dinâmica econômica de colapso. Como esta é uma atividade cuja finalidade
é transformar dinheiro em mais dinheiro, e precisa se preocupar
permanentemente com sua viabilidade, reduzindo custos, a grande
disponibilidade de mão de obra para uma atividade de alto risco não é
algo secundário. A idiotia a que a teoria neoliberal se reduz não ajuda
a decifrar o básico desta situação.

O capitalismo nestes locais mostra com toda força seu estado de crise e
a verdade de seu funcionamento. Que o capital seja portador do horror,
até chapeuzinho vermelho parece ter descoberto, quando teve que escolher
entre o lobo mau e o caçador. Esta atividade nestes territórios é o
cenário de uma alternativa de sobrevivência bastante perversa para
setores numeroso da população que ficaram soterradas sob a crise. Não
são estas pessoas que governam seus destinos e ameaçam a existência e o
bem-estar da sociedade, mas sim as relações fetichistas fundadas na
produção de mercadorias que tornam suas vidas supérfluas, embora ainda
mereçam ser vividas e, por isso mesmo, o façam arriscando-se nos últimos
espaços da economia em que ainda é possível vender-se, como é o caso do
comércio de drogas. Situadas neste limbo, estes indivíduos passaram a
ser o objeto de operações militares cujo mandato é o seu simples extermínio.

Os conflitos pelo domínio de territórios e disputas de mercados de
drogas produziram um número de mortos que se assemelha ao de outros
conflitos mundo afora. A guerra dos Bálcãs, na mesma época, gerou
situações muito parecidas. Como as formas abstratas da economia eram a
força que sustentava a coesão das relações sociais, ao se desfazerem com
a crise, puseram todos em combate.

Por suas práticas de sobrevivência ilícitas ou por sua cor da pele ou
religião ou sexo determinados grupos tornam-se descartáveis: “A
Iugoslávia para mim traz boas memórias. Minha infância feliz antes da
guerra. […]. Ninguém esperava a guerra. […] De repente, seu próprio
exército dispara contra você. Seus amigos passam a atirar em você…”.

As diferentes latitudes de um processo social total, no seu
desmoronamento, desencadeiam patologias muito próximas: a simulação de
continuidade da lógica da transformação do valor em mais valor somente
se mantém com um índice crescente e aberto de violência. Observe o(a)
leitor(a) que a origem identificada deste quadro no final dos anos 1970
tinha muito de um estado de desmoronamento social incipiente em atuação.

A ditadura preparou o arsenal para algo que, sem saber o que de fato
viria, foi desde então uma escolha adequada e pouco questionada de um
modelo de manutenção policialesco da ordem socioeconômica que não tem
como realizar sua finalidade sem se afirmar em meio a um ‘estado de
guerra’. O Estado na periferia do capitalismo teve antecipado seu
enfraquecimento pela própria quebra da economia mundial.

O cenário aqui descrito é um sintoma desta crise, ele integra “uma
grande diferença entre o século 21 e o 20: a ideia de que a guerra
acontece em um mundo dividido em áreas territoriais sob a autoridade de
governos efetivos que possuem o monopólio dos meios de poder e de
coerção públicos [esta ideia] deixou de se aplicar” (HOBSBAWN, 2002).

*III.*

A apresentação de um conceito histórico estrutural de violência, que
contrasta com os métodos das disciplinas acadêmicas de coletar em
pesquisas empíricas toda sua verdade, pode parecer problemático. No
entanto, apenas uma leitura apressada pode considerá-lo desse modo ou
como reducionista. Tal conceituação se afirma numa crítica radical dos
fundamentos da forma social tomados no seu desenvolvimento histórico.
Para as disciplinas do arco iluminista (e o marxismo tradicional
incluído), que ontologizam estes fundamentos – como o trabalho, o valor,
a mercadoria, o dinheiro – e deles derivam o sentido teleológico de
progresso das formas jurídicas e políticas, a violência é em geral
predominantemente um fator extraeconômico, ou seja, uma ruptura
repentina de um acordo normativo ou a exclusão deste acordo de setores
das classes subalternas.

Porém, a sociedade burguesa é um processo de abstração contínuo, em que
a natureza e os seres humanos, com seus corpos sensíveis, precisam ser
negados. Desse modo, a reificação, que encerra a forma coagulada deste
processo social, já é em si uma imensa violência que deve ser
subjetivamente abstraída pelos indivíduos – até explodir. Uma abordagem
crítica da violência a partir da relação com o esquema base da
socialização do valor revela uma face invisibilizada da dominação
social, que são as formas impessoais de abstração, que se estruturam
como mecanismos burocráticos de organização estatal, ou como
objetivações da forma valor e que tendem a criar uma aparência de
realidade vazia de ocorrências.

Leia também:  A moeda de caronte, por Alexandre Coslei
 <https://jornalggn.com.br/artigos/a-moeda-de-caronte-por-alexandre-coslei/>

Nesta perspectiva crítica, o Estado é sempre uma máquina opressora,
inclusive (e cada vez mais) na forma da democracia ocidental. Não é
diferente com as relações de socialização, que podem ser vividas com
mais violência em países periféricos, mas não há como se eliminar a
violência como base da imposição das formas de existência submetidas a
priori às necessidades da acumulação de capital, principalmente nas
circunstâncias de impossibilidade da sua realização.

Mesmo quando a relação com a dinâmica da acumulação pode ser
estabelecida, como em situações de grave recessão ou de catástrofes
naturais, estas causas costumam ser tomadas pelo arco teórico iluminista
como causas momentâneas ou secundárias. Para este campo teórico é
inconcebível tanto a ideia de uma regressão permanente do capitalismo,
como de que as formas de existência desta sociedade guardam o paradoxo
de serem desde sempre uma barbárie civilizada. Com isso não se está
afirmando que tal chave explicativa esgote a compreensão dos fenômenos
da violência. Mas é, certamente, a mais ampla.

Nas últimas quatro décadas todos os esforços dos governos mundo afora
andaram em torno de uma meta: impedir que o capital acumulado sofresse
uma grande desvalorização. Apesar disso, força de trabalho, mercadorias
e meios de produção foram sendo reduzidos a sucata. As bolhas
financeiras criaram poderosos mecanismos de retardo desta
desvalorização, mas o preço social pago ao fim continuou alto.

Os abalos do mercado financeiro têm ocorrido progressivamente em espaços
de tempo mais curtos e, ao fim, deixam a impressão do zumbido de um
pavio ainda aceso anunciando a próxima explosão. A crise de 2008 está
longe de ter sido superada e deixou um novo patamar de destruição no
cotidiano. Ainda na crise de 2001, quando a bolha da economia digital
estourou e a Bolsa de Nova York esteve a risco, a relação entre guerras
de ordenamento, dissolução social e guerras civis ficou estabelecida.

Na última década estas relações se amalgamaram totalmente. As saídas por
segundos da linha do pavio da desvalorização generalizada do capital
tornaram as guerras – ou sua preparação – um fenômeno central do
presente, ao ponto de que a política já cedeu seu lugar a estes novos
meios. Como não se trata de um guerra convencional, por ora é apenas o
direito da sua primazia sobre os direitos sociais e o esmagamento das
massas supérfluas que está em andamento.

Nesta linha, o bolsonarismo é o representante desta violência terrorista
que se alimenta do horror diário das ruas, um ponto de chegada da
passagem da atividade policial defensiva, como deveria ser numa
democracia, para as modalidades ofensivas, iniciado, e nunca
interrompido, ainda em 1969. Ele é a formulação política rebaixada de
uma chantagem dos bandos armados dos porões da ditadura cujas
ramificações começam nas estruturas das PM’s, cruzam pelas Forças
Armadas e se acomodam em grupos milicianos.

Em troca da captura do Estado, em aliança com um programas neoliberal
liquidacionista dos restos da economia, estes bandos adquirem o salvo
conduto para aprofundar socialmente estruturas de uma economia de
pilhagem da riqueza ainda existente. A invasão do Iraque de 2003 havia
deixado clara a mudança de patamar das guerras desde então. Nestas, no
seu movimento interno de avalanche, não há mais sequer condições para se
simular ao fim uma pacificação ou reconstrução dos territórios
atingidos. Após 2008 o desmanche ganhou velocidade e contundência e,
para experiências como a brasileira, agora estes bandos milicianos são
necessários para sustentar o governo, enquanto as massas começam a se
por em fuga.

As possibilidades de saídas desta crise capazes de manter algum nível de
racionalidade que possa evitar traumas agudos, são pequenas e
improváveis. Como foi argumentado ao longo do artigo, este processo se
formou em continuidade com as soluções que a ditadura representou para
os impasses de uma economia periférica no início da apresentação do
limite lógico interno da acumulação.

A articulação de um governo policialesco do desmoronamento social, com a
estruturação de uma economia de pilhagem que funcionou tanto ao nível
macroeconômico, como no cotidiano das classes populares e, cada vez
mais, também das médias, foi um limite do processo de redemocratização e
uma fraqueza do poder constituinte da sociedade brasileira após 20 anos
de arbítrio militar.

Este limite era o ponto de encontro entre a crise do capitalismo
iniciada nos anos 1970, e que se aprofundou nos 1980, como pode ser
atestada na crise da dívida externa, com as demandas democráticas
represadas. Um confronto entre aspirações em expansão e um princípio de
realidade demasiado restrito para ampará-las. Como se pretendesse apoiar
um gigante sobre uma casca de noz quebrada. Mas este foi o início do
próprio limite da sociedade produtora de mercadorias. A continuidade da
sua existência implicava em não confrontar ou compreender como uma
impotência inaceitável a presença maciça das polícias no cotidiano. Ela
fazia parte de uma lição silenciada.

As milícias não são um simples retrocesso dos costumes políticos. Elas
são um passo além na gestão da barbárie. Sendo um produto do caos, elas
estão a postos para semear no solo árido que as fertiliza. Uma esquerda
capaz de enfrentar este novo desafio, precisará romper com o que se
considerou ser a esquerda até ontem. Ou é isso, ou mais barbárie.

/*** Filósofo, professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em
Direitos Humanos da UFRJ./

*Referências*

ARANTES, P. E. Apagão.  In: ARANTES, P. E. Zero à esquerda. São Paulo:
Conrad, 2003.

ARANTES, P. E. Fim de Jogo. In: ARANTES, P. E. Extinção. São Paulo:
Boitempo, 2006;

ARANTES, P. E. Sale Boulot. In: ARANTES, P. E. O novo tempo do mundo.
São Paulo: Boitempo, 2014.

DA MATTA, Roberto. As raízes da violência no Brasil: reflexões de um
antropólogo social, In: PAOLI, Maria Célia; BENEVIDES, Maria Victória;
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Paulo: Brasiliense, 1982.

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HOBSBAWM, Eric. A epidemia da guerra. Folha de São Paulo, São Paulo,
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https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1404200204.htm. Acesso em 15 de
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In
GGNhttps://jornalggn.com.br/artigos/violencia-e-barbarie-por-marildo-menegat/
11/10/2019

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

El éxito de la 'Evonomics'



Eslogan en apoyo del presidente Evo Morales pintado en una pared en La Paz, Bolivia, 2014


© AP Photo / Juan Karita
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Evo Morales puede mostrar dos éxitos extraordinarios en la Presidencia de Bolivia durante 14 años: estabilidad política, en una sociedad cruzada históricamente por bruscos y violentos cambios de Gobiernos y una economía pujante, con una mejora sustancial de la distribución progresiva del ingreso.
Logró, de ese modo, que Bolivia deje de ser señalado como el país más pobre de América latina, para transformarse en una experiencia económica, social y política que despierta admiración a nivel mundial.
El próximo domingo 20 de octubre habrá elecciones en Bolivia y Evo Morales buscará ratificar en las urnas lo que ya se conoce como el modelo boliviano o la Evonomics. La disputa electoral, estiman analistas del proceso político, sería más estrecha para el oficialismo, pero los extraordinarios resultados económicos son su principal soporte.En 2019, Bolivia registrará su decimoquinto año continuo de crecimiento, a un promedio anual de casi el 5%, el ciclo más intenso por la extensión en el tiempo de la historia del país.
Si bien la fuerza política que tiene como líder a Evo Morales (el Movimiento al Socialismo) no espera resultados como los de 2014, cuando obtuvo el 63% de los votos, confía en lograr el triunfo en las urnas por tres factores fundamentales:
  1. La mayoría de la población sigue aprobando la gestión de gobierno de Evo Morales.
  2. La imagen personal de Evo sigue siendo más fuerte que la de cualquier otro político boliviano.
  3. El apoyo electoral se basa fundamentalmente en un ciclo económico fabuloso.

La Evonomics

La gestión de Evo, iniciada en 2006, un presidente aymara por primera vez en la historia de un país cuya población indígena es mayoría, logró estabilidad con crecimiento sostenido.Las claves de este resultado se tienen que encontrar en la combinación de una fuerte intervención del Estado (nacionalización) en áreas estratégicas, como el gas y la electricidad, con una potente alianza con el sector privado del agro, industria, comercio y finanzas.
Con una larga tradición de economía informal, hubo también un acuerdo con la inmensa masa de pequeños y medianos emprendimientos artesanales y comerciales, que emplea a más del 60% de la fuerza de trabajo.
La clave del esquema macroeconómico boliviano es cómo se administra el excedente. El Estado pasó a tener un papel relevante en la tarea de orientador y administrador de las actividades generadoras de excedentes. Estas son las petrolera, minera y de electricidad.De esa forma, la evonomics tiene al Estado como el principal actor, puesto que se apropia del excedente social generado en los sectores más dinámicos, para transferir recursos vía el gasto público hacia sectores productivos generadores de ingresos y empleos.
Estos últimos están integrados por firmas dedicadas a las manufacturas, a la actividad agropecuaria, a la construcción, al turismo, entre otros. Con esas transferencias del excedente producido en el sector primario exportador, se consigue una redistribución de ingresos que permite ampliar la demanda interna.
El elemento esencial para comprender por qué esa dinámica generó una transformación sustancial de la economía boliviana se encuentra en la comparación de lo que se hacía con el excedente antes de la irrupción de Evo Morales en el Gobierno.Durante el neoliberalismo dominante en la región en los 90, y también en Bolivia, esos excedentes se fugaban de la economía doméstica, ya sea por salida de dólares hacia el exterior o por la remisión de utilidades de multinacionales que operaban en áreas estratégicas de recursos naturales.
Un informe del Centro Estratégico Latinoamericano de Geopolítica (Celag) calculó el impacto de las nacionalizaciones de áreas estratégicas. Estimó que la generación de riqueza que no se fugó sumó 74.000 millones de dólares, equivalente a dos PIB, y que pudo crear entonces 670.000 puestos de trabajo.

¿Qué hacer con el excedente?

Las economías latinoamericanas han gozado de ciclos extraordinarios de precios internacionales elevados de las materias primas que exportan. El último se registró en la primera década del nuevo siglo. A diferencia de otras experiencias en donde se fugaban al exterior esos ingresos provenientes del sector externo, en estos años Evo Morales no solo nacionalizó el excedente que se producía en esa actividad, sino que lo reorientó hacia el mercado interno, con tres objetivos:
  1. Industrializar las materias primas.
  2. Fomentar actividades del mercado interno generadoras de empleo e ingreso nacional.
  3. Tratar de achicar la brecha social.
La meta de mejorar las condiciones sociales de la mayoría de la población ha sido reconocida por el Banco Mundial. De acuerdo con los parámetros utilizados por ese organismo internacional, Bolivia hoy es un país de ingresos medios.La extrema pobreza en términos monetarios (dos dólares por día) disminuyó de 38% a 18%, mientras que en los principales centros urbanos retrocedió al 10% de la población.
Un informe especial del semanario estadounidense The Nation, realizado por Zeeshan Aleem, reconoce que durante la evonomics Bolivia triplicó el ingreso per cápita y que la inflación y el tipo de cambio se han mantenido estables. Además, destacó que los niveles de desigualdad, que se encontraban muy por encima del promedio de la región, ahora se ubican bastante por debajo de la media.
Para sorpresa del mundo conservador, que cuestiona la intervención estatal, Aleem reconoce que "está claro que una agenda redistribucionista no ha sido ruinosa para la economía boliviana". Por el contrario, el país ha crecido al doble de la tasa promedio de Latinoamérica.Para la Comisión Económica para América Latina y el Caribe (Cepal) el motor del crecimiento del PIB de Bolivia ha sido la inversión pública, destacando también la expansión del consumo. En este año, la inversión pública en infraestructura y energía, así como en salud y educación, junto al crecimiento sostenido del consumo, facilitará que "la economía continúe mostrando un ritmo de avance similar al de 2018".

Bolivianización

La era de Evo tiene también estabilidad en la función pública de un cargo clave: la del ministro de Economía. Con la pausa obligada de un año por enfermedad, Luis Arce Catacora está al frente de Hacienda y es considerado una de las principales figuras de la evonomics.
Uno de sus pilares filosóficos en términos económicos de Arce Catacora es el equilibrio macro, al que considera que se trata de "un patrimonio del pueblo boliviano". Defiende que el programa monetario y fiscal sea diseñado por el Ministerio de Economía y el Banco Central, y no el Fondo Monetario Internacional, como en el pasado.
Esa tarea de coordinación tiene como objetivo básico impulsar la actividad, pero sin crear presiones inflacionarias. Uno de los grandes logros de Arce Catacora estuvo en el frente financiero: la desdolarización o, expresado en términos económicos nacionales, la bolivianización de la economía.La moneda nacional volvió a circular en transacciones comerciales y, en especial, financieras, desplazando al dólar. A comienzos de los 2000, apenas el 3% de los depósitos del sistema financiero estaba nominado en la moneda nacional y el resto estaba en dólares. Ahora, la relación es la inversa: 94% de los depósitos están en bolivianos y solo 6% en dólares.
Esta transformación no fue por arte de magia. El Celag realizó una ilustrativa explicación para exponer el éxito de la desdolarización de la economía boliviana. Las principales acciones fueron las siguientes:
  1. Mantener estable el tipo de cambio (cotiza a 6,95).
  2. Desalentar la compraventa de divisas ampliando la brecha entre ambas operaciones.
  3. Encarecer el costo de los créditos en dólares.
  4. Aumentar la tasa de interés de los depósitos en moneda nacional.
  5. Establecer un impuesto a las transacciones financieras en dólares, que alcanza solo a las cajas de ahorros con más de 2.000 dólares y a los depósitos a plazos menores al año.
  6. Facilitar el crédito en moneda nacional, al tiempo que se aumentaron los requisitos para otorgar créditos en dólares.
  7. La emisión de títulos públicos es en moneda nacional.
  8. Se prohibió indexar las tarifas en función a la evolución del dólar.
  9. Se creó un fondo contracíclico de reservas internacionales, equivalente al 25% del PIB.
La estrategia de bolivianización del sistema financiero permitió que las políticas monetaria y fiscal puedan ser expansivas, alentando la demanda interna que derivó en el ciclo de crecimiento continuo más importante de la historia del país. Y lo pudo sostener pese a la crisis económica de Argentina y Brasil, las dos potencias latinoamericanas que en los últimos años han recaído en otro experimento neoliberal.

A contramano

El éxito del Gobierno de Evo Morales adquiere mayor dimensión porque ha podido superar el cambio de signo político en la región, que pasó de uno dominado por fuerzas que se reconocen en la heterodoxia económica a uno con predominio del neoliberalismo. Bolivia pudo mantenerse en su sendero y ha mostrado que, de ese modo, están en condiciones de exhibir mejores resultados.El ministro de Minería, César Navarro Miranda, resume esa experiencia de sobrevivir a la ola neoliberal indicando que "hoy nos encontramos en este escenario en el que el Estado Plurinacional como modelo de Estado, economía y sociedad, está consolidado, con una economía plural con intervención del Estado, de producción, de distribución de la riqueza y de democracia integral".

LA OPINIÓN DEL AUTOR NO COINCIDE NECESARIAMENTE CON LA DE SPUTNIK


In
SPUTNIK
https://mundo.sputniknews.com/firmas/201910081088906416-el-exito-de-la-evonomics/
8/10/2019

sábado, 5 de outubro de 2019

Cronicamente inviável [a indústria brasileira]





por José Martins, da redação


Como a pequenina cidade de Bacurau, no sertão de Pernambuco, a indústria de manufaturas do Brasil está marcada para morrer. Para sumir do mapa. Inevitavelmente. E a totalidade da economia nacional seguirá naturalmente essa fatalidade.
Os recentes desdobramentos políticos e sociais protagonizados pelo atual governo burguês instalado em Brasília já refletem nas superestruturas do Estado nacional a aceleração deste inevitável processo material.
Mais cedo ou mais tarde a economia acaba determinando a política. Apesar da pasmaceira crítica que assola atualmente o país, alguém teria que dizer alguma coisa a respeito destas coisas precisas, materiais. Essa tarefa só poderia ser confiada aos economistas, estes bem preparados ideólogos da propriedade privada e do capital.
Primeira e importante observação empírica destes distintos cidadãos: enquanto a produção industrial no resto do mundo cresceu 10% desde 2014, a atividade nas fábricas brasileiras caiu 15% no mesmo período – e não recuperou o patamar em que estava antes da recessão. Se nada for feito, dizem eles, a indústria brasileira corre o sério risco de não figurar mais no ranking das dez maiores do mundo.
Na zona da degola do darwiniano mercado mundial. A gravidade do problema começa a ser ilustrada pela evolução recente da classificação da indústria de alguns importantes países da América Latina frente à evolução dos demais competidores mundiais.

De acordo com a economista Laura Karpuska, da BlueLine Asset, que sistematizou os dados acima sobre produção industrial no mundo, nos países dominados da periferia do sistema, excluindo a China, a atividade das fábricas cresceu 8% desde 2014, enquanto na América Latina o desempenho foi de queda de 4% – e o destaque entre os maiores países da região foi o Brasil.
Em resumo, desde 2014, enquanto a produção industrial mundial cresceu 41,8%, na América Latina permaneceu praticamente estagnada. E no Brasil ela desabou 14%! Dentre os motivos que ajudam a explicar o desempenho mais fraco do Brasil em relação aos vizinhos, a senhora Karpuska cita primeiro “os diferentes choques que vêm impactando a economia do País”.
Quais seriam estes choques? Ela lista a queda nas exportações para a Argentina, que afeta os manufaturados, pode ter tirado até 0,7 ponto porcentual do PIB em 2017 e 2018. Também pesaram para ela a tragédia do rompimento da barreira da mineradora Vale do Rio Doce, em Brumadinho (MG) e a greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado.
Pura abobrinha! Conversa fiada! A economia vulgar não é capaz de comentar nem os números que ela mesma coleta. Afinal, mesmo concedendo grande gentileza à simpática economista que esses “choques” pudessem explicar alguma coisa da derrocada histórica da indústria brasileira, eles ocorreram de 2018 para cá. E os números observados acima se referem aos últimos cinco anos.
Esses números exigem uma análise um pouco mais séria. Como procura fazer o economista Rafael Cagnin, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). “À exceção da Argentina e dos problemas gravíssimos da Venezuela, a crise industrial do Brasil foi uma das mais profundas da América Latina, e a recuperação tem sido das mais frustrantes possíveis também”.
Vem dele e do Iedi, também, o alerta bastante óbvio de que o Brasil, que ocupa a nona posição entre os maiores países indústrias do mundo, pode deixar, em breve, de aparecer entre os dez primeiros desse ranking.
O desempenho fraco da indústria, na avaliação de Cagnin, reflete tanto a demanda fraca quanto problemas estruturais de competitividade e produtividade, como a complexa estrutura tributária, o baixo investimento e o parque produtivo obsoleto. O economista reforça que é cada vez maior o risco de a atividade fechar 2019 com queda na produção.
A análise de Cagnin coincide no principal com a do economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em economia industrial, David Kupfer.
O distinto especialista em economia industrial avalia que não há uma solução de curto prazo para reverter o quadro atual, que classifica como “anemia industrial”. E completa. “Há uma questão estrutural, de falta de competitividade, e conjuntural, de falta de dinamismo na economia, que impede a indústria de crescer
Diagnóstico  razoável. Falta apenas esclarecer melhor a gênese desta “falta de competitividade”. Aqui encontramos os limites dos economistas. É uma pena que o distinto professor não passe de um vago diagnóstico e não tenha condições, enquanto economista, de tirar todas as consequências da situação histórica que ora explode com toda a força: a cronicamente inviável indústria da economia do imperialismo na maior economia do mundo ao sul do equador.
Ele ainda tenta alguma coisa. Para o nosso bem intencionado David Kupfer, “as políticas usadas por governos anteriores [leia-se Guido Mantega], como o fomento aos chamados campeões nacionais e a desoneração da folha de pagamento de diferentes setores produtivos, não serviram para fortalecer a indústria, mas para tentar melhorar o ambiente macroeconômico. Ainda assim, esses instrumentos não devem ser demonizados, apenas não foram bem utilizados à época.”
Um Guido Mantega mais esclarecido? Difícil. Pelo menos a intenção do professor é boa. Mas, como já se sabe a tanto tempo, o caminho do inferno é pavimentado de boas intenções.
E a roda da História não gira para trás. Agora, neste exato mês de outubro de 2019, a questão mais importante e que não pode ser equacionada pelos economistas (e muito menos pelo governo dos capitalistas) é saber se a falência da indústria e da economia do imperialismo na trôpega economia brasileira ainda suporta mais prorrogações e mais paliativos, como aqueles últimos tentados ao limite do possível (e do impossível) por Guido Mantega.
Aliás, o mesmo Mantega que agora anda ameaçado de ser julgado e trancafiado pela justiça e pela polícia dos mesmos capitalistas que ele tanto incentivou e procurou salvar enquanto esteve no comando da economia nacional.

In
CRÍTICA DA ECONOMIA
https://criticadaeconomia.com/2019/10/cronicamente-inviavel/
1/10/2019

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Revisitando la cuestiones estratégicas: diez tesis*



Por Panagiotis Sotiris, profesor de la Hellenic Open University y
Miembro del comité editor de la revista Historical Materialism.

En el año 2006 Daniel Bensaïd escribió que la izquierda debe reabrir con
urgencia el debate sobre las cuestiones estratégicas (1). Este
llamamiento lo hizo en los días en que el gobierno de Lula en Brasil y
parte del movimiento antiglobalización daban un giro hacia posiciones
socialdemócratas. 

Lo que Bensaïd solicitaba era que no olvidáramos la riqueza de las
tradiciones revolucionarias que habían inspirado al pensamiento de la
izquierda militante durante el siglo XX ; tradiciones como la huelga
general, la insurrección armada y la guerra popular prolongada. En su
concepción había que salir al paso a teóricos, como John Holloway o Toni
Negri, que habían desechado las estrategias revolucionarias y que
limitaban la lucha a las contiendas electorales. A pesar del peso de
nuestras derrotas, lo que pedía era reabrir el debate y volver a pensar
en términos estratégicos.

Trece años después, es innegable que este llamamiento no ha sido
escuchado por la izquierda. Sin embargo, la realidad nos siguen
interpelando, exigiendo de nosotros un debate sobre las cuestiones
estratégicas.

*La crisis y la izquierda*

La crisis del capitalismo de 2007-2008, trajo consigo un profunda crisis
política y económica. La respuesta fue un impresionante retorno de las
masas a la política y, por lo tanto ha vuelto al centro del debate la
problemática del poder y la hegemonía.

Pero, perdimos una oportunidad. La falta de preparación de la izquierda
y la vergonzante pobreza de sus respuestas han impedido enfrentar con
coherencia este desafío.

El resultado ha sido una sucesión de derrotas; el caso de Grecia es sólo
un ejemplo, también está la deriva de Podemos, el aprovechamiento de la
ultraderecha del descontento y la manifiesta incapacidad de la izquierda
francesa para tener una “relación orgánica” con alzamientos populares
como el de los chalecos amarillos.

Por tanto, a pesar de la extensión y profundidad de la crisis, estamos
ante la ausencia de lo que Gramsci llamaría una “iniciativa histórica de
los subalternos”.

Como este debate estratégico no puede ser un lujo para “iniciados”
quiero proponer, en un formato un tanto esquemático, diez tesis para la
deliberación. 

*/Tesis Uno: Debemos repensar la soberanía popular con un horizonte
comunista/*

Los movimientos sociales tienen hoy en día como denominador común una
fuerte impronta democrática; todos exigen que la política deje de ser
una maquinaría a favor de las élites y en contra de las personas
comunes. Esta exigencia democrática se combina con una demanda por la
soberanía del espacio-temporal que la “modernidad” ha llamado ‘países’.

La gran mayoría de la población no quiere estar en manos del capitalismo
globalizado, se presente como “la mano invisible del mercado” o mediante
un modelo de soberanía reducida como la integración europea. De hecho,
la Unión Europea es un institución estructuralmente antidemocrática, por
tanto la izquierda debe luchar por recuperar la soberanía popular y
dejar de lado la fantasía de cambiar a la UE desde adentro.

Recuperar la soberanía popular no tiene nada que ver con el
nacionalismo. Tiene que ver con la democracia, con la posibilidad que
las clases subalternas tengan capacidad de decidir, de oponerse y
resistir las imposiciones del capital . Tiene que ver con desbrozar el
camino para un control democrático de la producción con un horizonte
postcapitalista.

Recuperar la soberanía popular no se opone al internacionalismo, al
contrario, es una condición previa necesaria. Sin embargo, la soberanía
popular no es un fin en sí mismo. Deberíamos oponernos a la tendencia
que desvincula la política con las relaciones de producción sobre las
cuales está cimentada la sociedad.

La erosión de la soberanía y el capitalismo autoritario
internacionalizado – para usar la expresión de Poulantzas (2) o el nuevo
cesarismo burocrático para usar la expresión de Durand y Keycheyan (3) –
son estrategias de clase para sostener el régimen contemporáneo de
acumulación.

La demanda por democracia y soberanía popular, que han caracterizado las
grandes manifestaciones de los últimos años, es la respuesta de los
pueblos al cerramiento en banda del estado capitalista ante la más
mínima iniciativa de participación democrática.

En este sentido, recuperar la soberanía popular es también una
estrategia de clase, ya que el cambio sólo puede lograrse mediante una
profunda transformación y repolitización de la economía

Recuperar la soberanía representa las resistencias, luchas y
aspiraciones de un amplio espectro de grupos y clases subalternas que se
reúnen no sólo por la indignación ante el autoritarismo del capital sino
también por que tienen una condición común : son explotados, son sujetos
de dominación de un agresivo régimen de acumulación. Un régimen que va
desde la violencia del mercado hasta la explosiva combinación de
precariedad y sobre-calificación de la juventud, desde la
mercantilización de los servicios sociales hasta la paralizante
catástrofe ecológica, desde la reproducción del patriarcado hasta el
racismo y el neocolonialismo.

Por tanto, necesitamos volver a hacer al comunismo como nuestro
horizonte estratégico (4).

Es imperativo pensar las luchas democráticas y las demandas por
soberanía popular como aspectos de un combate por el comunismo y
reconocer en estas batallas el surco abierto por la tradición de lucha
que tenían las diversas culturas comunistas.

Usando una tipología antigua, la revolución democrática sólo puede
hacerse realidad si es profundamente anticapitalista. Esto no es un idea
abstracta ni tampoco un intento de “ir más allá” ” de la dinámica de las
luchas populares.

De lo que se trata es de reconocer que las actuales resistencias tiene
límites y que la única manera de hacer posible la democracia, la
soberanía, la justicia, la equidad y la participación es reinventando el
horizonte comunista.

*/Tesis Dos: No es suficiente el “Keynesianismo de Izquierda”/*

No es suficiente pensar en términos de un incremento y redistribución
del gasto público. Incluso no se trata solamente de recuperar la
soberanía monetaria saliendo del Euro.

La integración europea – y  todas las formas actuales de
internacionalización del capital-  han provocado profundas derivaciones
tanto en la estructura de la economía como en el funcionamiento del
Estado. El capitalismo ha logrado expandir la lógica del mercado a toda
la sociedad, introduciendo desequilibrios, dependencias y una división
del trabajo internacional que son antagónicas con una economía que
satisfaga las necesidades sociales.

Lo que se necesita es una profunda transformación de la base productiva.
Es absolutamente insuficiente una política económica fundada sólo en un
hipotético aumento del gasto público o en un eventual crecimiento por un
regreso a la moneda nacional.

Lo que se necesita, desde el “día uno”, es un proceso radical de
transformación, tanto en términos de la propiedad (recuperación
inmediata  de los bienes públicos privatizados por el neoliberalismo)
como en el desarrollo de formas alternativas no-capitalistas de
organización de la producción y de la distribución ( autogestión).

No sólo necesitamos un horizonte estratégico también precisamos de un
modo y una práctica política capaz de enfrentar los escenarios de
endurecimiento político y económico que acechan los procesos de ruptura.

*/Tesis Tres: Necesitamos poner la transición en el programa /*

La anti-austeridad no es suficiente. Tampoco lo es la simple defensa de
los servicios públicos. Necesitamos que la correlación de fuerzas
cambien de tal manera que el programa transformador incluya el control
democrático de la economía, yendo efectivamente más allá de las lógicas
de mercado .

Tomando la noción de C. Wright Mill sobre “imaginación sociológica”,
Josep María Antentas ha sugerido la necesidad de tener imaginación
estratégica.(5) Yo, agregaría la necesidad de la “/experimentación
estratégica/” creando formas alternativas de organización económica y
social.

Las nuevas formas de planificación democrática requerirán conocimiento y
experiencia. En este sentido, muchas de las prácticas de los movimientos
sociales deben ser consideradas formas de experimentación: cooperativas,
fábricas ocupadas, empresas auto- gestionadas, redes de distribución
alternativas, etc.

Los movimientos de defensa de la salud y la educación pública (y también
los sindicatos industriales más radicales) contienen en su práctica de
lucha un proceso de aprendizaje. Por su actividad muchos de sus
integrantes tienen un mejor conocimiento del funcionamiento interno que
sus instituciones que sus propios “administradores”.

Incluso en las nuevas “plataformas”, la gente discute sobre cómo
utilizar las prácticas democráticas como un medio para satisfacer sus
necesidades más urgentes. En este sentido, muchos movimientos
sociales tienen el “expertise» colectivo necesario para construir
alternativas a la dictadura del mercado.

Esto es muy importante si queremos volver a elaborar un “programa de la
transición”. La única manera será retomar la práctica revolucionaria
como un proceso de experimentación de la inteligencia colectiva;
 “inventando lo desconocido” (6).

Cualquier avance real no se producirá con un nuevo capitalismo
“eficiente”, sino que será la resultante de un cambio profundo en los
patrones de producción y de consumo, de una transformación sociocultural
que porte una nueva jerarquía de valores. Es más, un enfoque de este
tipo es  la única manera de evitar un desastre ecológico, más allá de
los límites del capitalismo verde que recientemente a levantado la opaca
iniciativa denominada : “Green New Deal”.

*/Tesis Cuatro: No se trata simplemente de la “gobernanza de izquierda” /*

Aunque el proceso pueda incluir “un gobierno de izquierda” de lo que
estamos hablando es de un proceso revolucionario. Si realmente queremos
un cambio verdadero este deberá ser institucionalmente “violento” desde
el día uno. 

Explico: El gobierno elegido deberá a imponer límites a la propiedad
capitalista, nacionalizar los recursos naturales estratégicos, salir de
los tratados de comercio internacional y anular la deuda.

Incluso si el proceso es muy cuidadoso – porque está obligado a evitar
un ataque temprano del poder imperial – inevitablemente el gobierno de
izquierda se confrontará con las organizaciones internacionales del
capital y con el aparato de estado profundo.

Esto significa que las clases subalternas organizadas no pueden
conformarse  con la llegada al gobierno. La experiencia nos ha
demostrado que estos gobiernos suelen ser inestables y propensos a la
capitulación. Lo que se necesita es un contrapoder desde abajo de
organizaciones sociales autónomas y políticamente responsables .

Por tanto nos guste o no, la noción de “guerra o conflicto civil” debe
ser traída a colación, no en cuanto a la inevitabilidad de un conflicto
armado generalizado, sino como un recordatorio que la ferocidad de la
confrontación de clases  se produce siempre en todo proceso de
transformación; no hay que descartar la posibilidad de la violencia, o
como el fallecido George Labica lo expresó : “la imposibilidad de la
no-violencia”.(7)

*/Tesis Cinco: La insurrección es un arte, y una guerra popular
prolongada debe ser una ciencia/*

Con esta frase, me gustaría señalar tanto un desafío como una
dificultad. Las mayoría de las protestas de los últimos años han tenido
de forma simbólica un carácter casi insurreccional. Desde el movimiento
de los indignados, a las manifestaciones en Grecia y el Gezi Park todas
las grandes demostraciones han sido simbólicamente disruptivas ( como
ocurrió en una parada militar en Thessaloniki en 2011 o cuando lo
chalecos amarillos “invadieron” los Campos Elíseos en París).

Por tanto, es importante volver a pensar en el carácter disruptivo de
las movilizaciones políticas y sociales masivas. Cualquier cambio
político será el resultado de una protesta masiva de una magnitud tal
que permita crear una desequilibrio hegemónico y una crisis del Estado.

No estoy proponiendo un neo-Blanquismo como lo plantea el Comité
Invisible. Más bien, quiero insistir en el hecho que las protestas
masivas han probado ser más efectivas cuando realmente interrumpen los
procesos económicos y políticos, incorporando elementos estratégicos
como una huelga general.

Sin embargo, no estoy proponiendo “el fetiche” de la insurrección. El
punto está en encontrar la forma que la protesta y la movilización
tengan un costo material paralizante tanto para la economía como para el
funcionamiento del Estado.

Pero esto es solo un aspecto. También existe otra temporalidad, la
“largo duración” del proceso revolucionario. Necesitamos relacionarnos
realmente con los movimientos existentes, ensayar nuevas formas de
organización de las clases y los grupos subalternos, crear redes y
colectivos auto-gestionados. En definitiva construir la columna
vertebral de un movimiento obrero y popular abierto, inclusivo,
político, con una cultura de democracia y solidaridad.

Esto no es tan espectacular y mediático como una campaña electoral pero
sin duda será el  factor decisivo y el único medio eficaz para
garantizar que el proceso tenga larga duración en el tiempo.

*/Tesis seis: Necesitamos una concepción actualizada del poder dual/*

Una concepción renovada del poder dual se ha tornado más que necesaria.
Tenemos que pensar en un poder dual de carácter permanente.

No estoy sugiriendo esto de manera dogmática , sino que hago referencia
al poder dual porque necesitamos una politización permanente de las
clases subalternas, una expansión de sus formas de auto-organización,
una liberación de su potencial para imponer sus demandas y una
liberación de las prácticas de experimentación colectiva.

Referenciar al poder dual también apunta al hecho de que se trata de un
proceso complejo, desigual y confrontacional, donde la lucha no es sólo
contra las fuerzas del capital sino también contra ciertos gobiernos de
“izquierda” que terminan aplicando las recetas neoliberales .

Es la propuesta de un proceso dialéctico, un proceso constituyente que
trasciende los límites de legalidad constitucional, que no solo impone
limitaciones a la propiedad capitalista sino que también desarrolla
formas de control popular en el funcionamiento del Estado.

Este tipo de movilización popular es de particular importancia para
asegurar los cambios en el orden legal y constitucional que normalmente
no son posibles.

Un proceso constituyente institucionalmente “violento” es un
prerrequisito para mayores cambios sociales y para resistir el
contraataque del capital y del estado (El caso de Catalunya ejemplifica
este reto).

*/Tesis siete: Debemos pensar en un nuevo “bloque histórico”./*

No se trata de “construir pueblo”, encabezar una campaña electoral
exitosa, o formar parte de un gobierno “progresista”. Se trata de
conformar un nuevo bloque histórico.(8)

La noción gramsciana de bloque histórico no apunta a una política
concebida solo como el accionar dentro del sistema de representación
parlamentaria. La propuesta de Gramsci fue construir una alianza social
con un programa político de participación democrática masiva y una
movilización popular capaz de crear una nueva “gobernanza” para la
construcción de nueva sociedad.

Esto requiere mucho más que “hablar de la gente”, requiere mucho más que
prometerles “un cambio”, significa interactuar con ellos, escucharlos,
transformarlos y al mismo tiempo ser transformado por medio de muchas
instancias de experimentación colectiva.

También cometeremos un grave error si pensamos la soberanía en términos
nacionalistas ( incluso si creemos que determinadas naciones son el
“eslabón más débil”). Tampoco, es posible sustituir a la nación por un
demos posnacional.

Nuestra posición es que debemos pensar la soberanía en términos de una
manifestación de la voluntad popular. Hay que entender que el proceso
será desigual y complejo y deberá reconocerse en una identidad común,
una identidad que forma parte de la historia de las clases subalternas
en su combate permanente por la emancipación y el autogobierno.

Y esto significa trabajar por la unidad de todos quienes se oponen a  la
explotación, la dominación, el patriarcado y un inminente desastre
ecológico.

*/Tesis ocho: Necesitamos un nuevo internacionalismo/*

Una las mayores de las dificultades que debemos enfrentar son las
presiones internacionales que sufrirá cualquier proceso de cambio.

El enfoque del “eslabón más débil ” es hoy más pertinente que nunca.
Sólo una coyuntura específica en un determinado territorio puede
conducir a la ruptura, (aunque la crisis esté basada en el declive
general del globalismo neoliberal).

Si logramos instalar un proceso de ruptura, el grado de agresión y
chantaje internacional que enfrentaremos será enorme. Por tanto, un
nuevo internacionalismo será más necesario que nunca.

La solidaridad internacional deberá contribuir a neutralizar a las
fuerza agresoras. También, habrá que tejer alianzas regionales y sacar
ventaja de las contradicciones a nivel internacional en el campo
adversario: es un cierto tipo de “realismo revolucionario” que no debe
volverse en la práctica del habitual cinismo político. Esta es una de
las cuestiones más difíciles y a la vez más urgentes que deberemos enfrentar

*/Tesis nueve: Necesitamos organizaciones que sean laboratorios de
estrategia y esperanza/*

Las actuales formas de organización política de la izquierda son
estructuralmente ineficientes. La reciente historia ha demostrado que la
izquierda es incapaz de enfrentar a un “estado burgués integral”; un
estado que es una maquinaria que combina el poder público y privado, la
violencia sistemática y los efectos disgregantes de aparatos ideológicos
dominantes.

Esto explica las reiteradas crisis de las organizaciones política de la
izquierda. Tanto la metamorfosis de los “ frentes amplios” en
maquinarias electorales, como las sucesivas implosiones de
micro-organizaciones supuestamente “leninistas”.

Lo que necesitamos es repensar las formas de organización .
Probablemente será un suerte de “Frente Integral Unido”, capaz de
articular movimientos, corrientes políticas, sensibilidades,
investigaciones teóricas, experimentaciones sociales de un proceso
constituyente que no crea ni ejércitos ni máquinas electorales, sino
laboratorios de estrategia y talleres de esperanza.

Esto requiere un profundo proceso de autocrítica por parte de la
izquierda radical, un alejamiento de los hábitos y manierismos
políticos, un deseo de aprender y experimentar, un profundo
cuestionamiento de las jerarquías, un reconocimiento de nuestras
limitaciones, un intento de crear laboratorios de nuevas
intelectualidades y nuevas formas de disciplina política.

Una organización donde la militancia esté implicada en una forma de
sociabilidad abierta, democrática, participativa e igualitaria. No deben
ser “ islitas de comunismo”. Es más, debemos repensar la organización no
en términos de “pureza ideológica” ni de eficacia electoral. Las nuevas
organizaciones deben ser el ejemplo de la producción de estrategias que
responden a la emergencia de una nueva cultura popular, de una nueva
ciudadanía subalterna.

Pienso que esta es la única manera de concebir la instancia orgánica de
un bloque histórico. No se trata de representar al pueblo sino de
participar en un proceso de “autotransformación” de las clases
subalternos, afirmando su “autonomía”. Es también la única forma de
intervenir en una temporalidad compleja y plural y “prepararse para lo
inesperado”.

*/Tesis diez: Necesitamos aprender de las derrotas/*

Por su incapacidad para convertir la ola de malestar social en un
proyecto de emancipación la izquierda ha hecho evidente su derrota política.

El desastre de SYRIZA, la deriva de Podemos , el sumarse a los
postulados socialdemócratas de Bernie Sanders en Estados Unidos y la
escandalosa  incompetencia de la izquierda francesa( con la emergencia
de los “chalecos amarillos) ejemplifican el tamaño de nuestra crisis
política e ideológica .

Es tiempo que aprendamos de las derrotas, hay que empezar por
reconocerlas en toda su profundidad y extensión, en todas sus formas y
variaciones.

Debemos hacerlo no para desahogarnos con una especie de melancolía
izquierdista o de un pesimismo histórico, sino que para hacer una
evaluación objetiva de la actual correlación de fuerzas.

Al mismo tiempo debemos participar siempre en los procesos de
reconstrucción, refundación y recomposición. Habrá que crear nuevas
esferas de  experimentación y organización, escuchando y aprendiendo de
nuestros errores. Habrá que reapropiarse de las experiencias de lucha.

Tenemos que aceptar que los movimientos reales portan generalmente mucha
imaginación estratégica y proponen preguntas y respuestas que señalan
nuevas experiencias, nuevas maneras y nuevas soluciones en la dialéctica
de confrontación política.

A las diez tesis anteriores añadiría una más: ¡ Sí ! De lo que estamos
hablando es de una revolución. Es imposible pensar de una transformación
social sin un proceso revolucionario.

Claro, revolución no es idéntica a la insurrección porque hace
referencia a un proceso más que a un momento preciso. Lo que ponemos
sobre la mesa de debate es un proceso político de ruptura, de
confrontaciones, de secuencias que implican largos y duros combates, que
no pueden reducirse lo electoral y parlamentario.

La misma noción de revolución es una de las grandes invenciones de la
modernidad, sus límites y su apertura al futuro sigue siendo la mejor
descripción de las transformaciones que comprenden cualquier  proyecto
de emancipación social.

Para concluir: seguimos dentro de los contornos de un periodo de crisis
del sistema. Es una crisis inter-imperialista y una nueva crisis
económica porque el sistema ha sido incapaz de solucionar las
contradicciones estructurales del neoliberalismo globalizado.

Igualmente, habitamos en medio de una aguda crisis política, de una
crisis de hegemonía . En Europa las élites políticas no comprenden qué
está sucediendo en la sociedad, se niegan a  reconocer la profundidad de
la rabia acumulada.

Ni quieren darse cuenta que las demandas de justicia, equidad y
democracia, aunque hoy se expresen en forma rudimentaria, tienen un
potencial de disrupción capaz de desafiar al poder.

No estoy proponiendo un falso optimismo. En contrasto, creo que, en
cierto sentido, podríamos invertir la frase de Gramsci: necesitamos el
optimismo del intelecto para contrarrestar el pesimismo de la voluntad,
o dicho a la manera de Spinoza : /las tensiones inmanentes que recorren
el imperio tienen el potencial del cambio revolucionario inscrito en la
frente/.

NOTAS

1.Daniel Bensaïd, “On the return of the politico-strategic question,” 2006.

2.Nicos Poulantzas, State, Power, Socialism, Verso, 2000.

3.Razmig Keucheyan and Cédric Durand, “Bureaucratic Caesarism: A
Gramscian Outlook on the Crisis of Europe,” Histrorical Materialism
23.2: 23–51, 2015.

4.Isabelle Garo, Communisme et strategie, Paris, Editions Amsterdam, 2019.

5.Josep Maria Antentas, “Imaginación estratégica y partido,” Viento Sur,
150: 141-150, 2017.

6.“Inventer l’inconnu” was the title that Bensaïd chose for a collection
of texts by Marx and Engels on the Paris Commune (Paris, La Fabrique, 2008).

7.Georges Labica and Francis Sitel, “De l’impossibilité de la
non-violence. Entretien avec Georges Labica,” 2009.

8.Panagiotis Sotiris, “Gramsci and the Challenges for the Left: The
Historical Bloc as a Strategic Concept,” Science & Society: Vol. 82, No.
1, 94-119.

In
OBSERVATORIO DE LA CRISIS

https://observatoriocrisis.com/2019/09/30/revisitando-la-cuestiones-estrategicas-diez-tesis/
30/9/2019

sábado, 28 de setembro de 2019




In
OBSERVAORIO DE LA CRISIS
https://observatoriocrisis.com/2019/09/26/las-nuevas-tecnologias-y-los-fundamentos-del-ciber-comunismo/
26/9/2019