segunda-feira, 16 de abril de 2012

Chomsky: O ataque ao Ensino Público

Publicado em Esquerda
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Chomsky: O ataque ao Ensino Público
 Os cortes de financiamento, os aumentos das propinas, a empresarialização das
universidades, a instituição do ensino para o teste e outros mecanismos que
pretendem destruir o interesse dos estudantes e moldá-los, são exemplos deste
ataque. Por Noam Chomsky, Truthout
O ensino público está sob ataque em todo o mundo e, em resposta, realizaram-se
protestos estudantis recentemente na Grã-Bretanha, no Canadá, no Chile, em
Taiwan e noutros países.
A Califórnia também é um campo de batalha. O The Los Angeles Times informa sobre
outro capítulo da campanha para destruir o que foi o maior sistema de ensino
superior público do mundo: “Funcionários da Universidade Estadual da Califórnia
anunciaram planos para congelar as matrículas na próxima primavera, na maioria
dos campus, e para pôr em lista de espera todos os candidatos no próximo outono,
dependendo do que for decidido sobre uma iniciativa fiscal na eleição de
novembro.”
Cortes de financiamento semelhantes estão a ocorrer em todo o país. “Na maioria
dos estados”, diz o New York Times, “são os pagamentos de propinas, não o
dinheiro do estado, que cobrem a maior parte do orçamento”, de forma que “a era
dos quatro anos nas universidades públicas a preços acessíveis, pesadamente
subsidiadas pelo Estado, pode ter acabado”.
As faculdades comunitárias enfrentam cada vez mais problemas semelhantes – e os
cortes de financiamento chegam ao ensino secundário.
A ideia de que beneficiamos, como nação, de uma educação superior, foi
substituída pela crença de que são aqueles que recebem a educação que se
beneficiam dela em primeiro lugar e por isso devem pagar a conta”, conclui
Ronald G. Ehrenberg, administrador do sistema da Universidade Estadual de Nova
York e diretor do Cornell Higher Education Research Institute.
A descrição mais precisa, penso eu, é “Erro de projeto” [Failure by Design], o
título de um estudo recente do Economic Policy Institute, que desde há muito é
uma importante fonte de informação confiável e de análise do estado da economia.
O estudo do EPI reexamina as consequências da transformação da economia, há uma
geração, da produção doméstica à financeirização e à transferência da produção
para outros países. Por projeto; sempre houve alternativas.
Uma primeira justificação para o projeto é o que o prémio Nobel Jospeh Stiglitz
chamou de “religião” que afirma que “o mercado leva a resultados eficientes”, e
que recentemente enfrentou mais um revés esmagador com o colapso da bolha
imobiliária, ignorada por princípios doutrinários, desencadeando a atual crise
financeira.
Houve também denúncias de alegados benefícios da expansão radical das
instituições financeiras desde os anos 70. Uma descrição mais convincente foi
dada por Martin Wolf, correspondente económico sénior do Financial Times: “Um
setor financeiro fora de controlo está a devorar a moderna economia de mercado
desde dentro, tal como uma larva da marabunta come o hospedeiro onde foi
depositada.”
O estudo da EPI observa que o “Erro de Projeto” tem uma base de classe. Para os
projetistas, foi um clamoroso sucesso, tal como revela a espantosa concentração
de riqueza no 1% de topo, de facto no 0,1%, enquanto a maioria foi reduzida à
virtual estagnação ou ao declínio.
Em resumo, quando têm oportunidade, “os Senhores da Humanidade” aplicam a sua
“máxima vil” – “tudo para nós e nada para os outros”, como há muito explicou
Adam Smith.
O ensino público massificado é uma das grandes conquistas da sociedade
americana. Teve muitas dimensões. Um objetivo foi preparar agricultores
independentes para a vida de trabalhadores assalariados que tolerassem o que
encaravam como virtual escravidão.
O elemento coercivo não passou despercebido. Ralph Waldo Emerson observou que os
líderes políticos defendem a educação popular porque temem que “Este país está a
encher-se de milhares e milhões de eleitores, e é preciso educá-los para os
manter longe das nossas gargantas.” Mas educados de forma correta: limitando as
suas perspetivas e compreensão, desencorajando o pensamento livre e independente
e formando-os na obediência.
A “máxima vil” e a sua implementação provocaram regularmente uma forte
resistência, que por seu lado despertou os mesmos temores entre a elite. Há 40
anos, houve grande temor de que a população se estivesse a libertar da apatia e
da obediência.
No extremo internacionalista liberal, a Comissão Trilateral – um grupo político
não governamental a partir do qual foi desenhada em grande parte a administração
Carter – tornou públicas em 1975 sérias advertências de que havia demasiada
democracia, em parte devido a erros das instituições responsáveis pela
“doutrinação dos jovens”. Na direita, um importante memorando de 1971, assinado
por Lewis Powell, dirigido à Câmara de Comércio dos EUA, o principal lóbi
empresarial, lamentava que os radicais estavam a tomar tudo – universidades,
média, governo, etc. – e apelava à comunidade empresarial para que usasse o seu
poder económico para reverter o ataque ao nosso apreciado modo de vida – que ele
bem conhecia. Como lobista da indústria do tabaco, conhecia bem o Estado
paternalista para com os ricos ao qual chamava de “mercado livre”
Desde então, muitas medidas foram tomadas para restaurar a disciplina. Uma é a
cruzada pela privatização – pondo o controlo em mãos confiáveis.
Outra foi o grande aumento das propinas, até perto de 600 por cento, desde 1980.
Este aumento produziu um sistema de ensino superior com “muito mais
estratificação económica do que em qualquer outro país”, segundo Jane Wellman,
ex-diretor do Delta Cost Project, que monitoriza estas questões. Os aumentos de
propinas empurram os estudantes para a armadilha das dívidas de longo prazo e,
assim, a subordinação aos poderes privados.
Dão-se justificativas de base económica, mas muito pouco convincentes. Em países
ricos e pobres, incluindo o vizinho México, as propinas mantêm-se gratuitas ou
simbólicas. Isto era assim também nos Estados Unidos, quando eram um país muito
mais pobre, depois da Segunda Guerra Mundial e muitos estudantes conseguiam
entrar nas universidades sob a lei GI1 – um fator de crescimento económico
singularmente alto, mesmo pondo de lado o significado em termos de melhoria de
vida.
Outro dispositivo é a empresarialização das universidades. Esta levou a um
dramático aumento das camadas da administração, muitas vezes recrutadas fora em
vez de serem oriundos da faculdade, como antes; e a imposição de uma cultura
empresarial da “eficiência” – uma noção ideológica, não apenas económica.
Um exemplo disto é a decisão das universidade estaduais de eliminar os programas
de enfermagem, engenharia e ciências da computação, porque são caros – e
acontece que são profissões onde há falta de mão de obra, como informa o The New
York Times. A decisão prejudica a sociedade, mas está de acordo à ideologia
empresarial dos ganhos de curto-prazo sem consideração pelas consequências
humanas, de acordo com a máxima vil
Um dos efeitos mais insidiosos afetam os professores e monitores. O ideal das
Luzes na educação era plasmado na imagem do ensino como uma corrente que os
estudantes seguiam a seu modo, desenvolvendo a sua criatividade e independência
de espírito.
A alternativa, a ser rejeitada, é a imagem de derramar água num vaso – muito
furado, como todos sabemos da experiência. Esta última abordagem inclui o ensino
para o teste e outros mecanismos para destruir o interesse dos estudantes e
procurar moldá-los, de forma a melhor controlá-los. Hoje, isso é tudo muito
familiar.
4 de Abril de 2012
Publicado originalmente em TruthoutTradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
1Lei que estabelecia uma gama de benefícios para os veteranos que regressavam da
II Grande Guerra (os GI's), que incluíam empréstimos à habitação bonificados,
empréastimos para arrancar um negócio ou uma fazenda, pagamento de propinas e
despesas para frequetnar a universidade, o ensino secundário ou a educação
vocacional, assim como um ano de compensação de desemprego. (N.T.)

URL de origem:
http://www.esquerda.net/artigo/chomsky-o-ataque-ao-ensino-p%C3%BAblico/22742
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In: Esquerda.net
http://www.esquerda.net/artigo/chomsky-o-ataque-ao-ensino-público/22742
Portugal 13/4/2012

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