quinta-feira, 5 de abril de 2012

O capitalismo e as raizes da desigualdade

O capitalismo e as raízes da desigualdade
Fred Goldstein
05.Abr.
O movimento “Occupy Wall Street” (OWS) fez da desigualdade na sociedade
capitalista uma questão que pôs os ricos na defensiva, pelo menos em público. O
aumento da desigualdade nos últimos 30 anos e especialmente na última década tem
sido comentado ao longo dos anos em vários meios por analistas económicos e
mesmo alguns políticos. Contudo, antes do movimento “Occupy Wall Street”
levantar o slogan do 1% contra os 99%, esta condição era completamente pacífica
e meramente observada como um inevitável facto da vida, mesmo que indesejável (a
menos que se pertencesse ao 1%).

As desigualdades que deram ao OWS o seu grito de guerra são verdadeiramente
obscenas e reminiscentes do fosso entre os monarcas da velha ordem e os servos
camponeses. Por um lado, 50 milhões de pessoas vivem de senhas de refeição, 47
milhões são oficialmente pobres, metade da população é classificada como pobre
[i], 30 milhões são desempregados ou subempregados e dezenas de milhar de
trabalhadores vivem com baixos salários.Por outro lado, de 2001 a 2006, os 1% do
topo conseguiram 53 cêntimos de cada dólar de riqueza criada. De 1979 a 2006, o
décimo superior dos 1% (0,1%, ou seja 300 mil pessoas) conseguiu mais do que os
outros 180 milhões de pessoas [ii]. Em 2009, enquanto os trabalhadores estavam
ainda a ser dispensados em grande número, os executivos das 38 empresas mais
importantes ganhavam um total de 140 mil milhões de dólares.[iii]Estes números
são apenas um reflexo da vasta desigualdade de rendimentos entre por um lado os
banqueiros, os corretores e os exploradores das corporações e a massa de pessoas
por outro. Tornou-se um escândalo, mas ninguém mexeu uma palha para fazer nada
contra isto. Por isso, o movimento “Occupy Wall Street” começou a luta em nome
dos 99% contra os 1%. E pegou como fogo.Como a força motriz fundamental do
movimento é a luta contra a obscena desigualdade de rendimentos, os marxistas
devem apoiá-lo e participar totalmente na luta. Mas, o marxismo deve também
estudar esta questão e dar-lhe uma interpretação de classe.
Podemos começar por perguntar o seguinte: o que significa lutar contra a obscena
desigualdade da riqueza?Significa certamente lutar por impostos para os ricos,
usando o dinheiro para ajudar os trabalhadores e os oprimidos a sobreviverem à
dureza económica do capitalismo. Ao fim e ao cabo, ser desempregado torna um
trabalhador tão desigual quanto é possível sê-lo no capitalismo.Igualdade dentro
da classe operária e desigualdade entre classesNormalmente, quando pensamos em
lutar pela igualdade económica, pensamos na luta de ação afirmativa pelo emprego
dos negros, dos latinos, dos asiáticos e dos povos nativos. A luta pela
igualdade compreende lutar por salário igual e condições de trabalho iguais às
dos brancos.Implica também lutar por pagar igual por trabalho igual às mulheres
trabalhadoras, isto é, terem o mesmo salário dos homens para trabalho
comparável. E a luta pela igualdade inclui a luta pela garantia de igualdade
económica entre trabalhadores normais e lésbias, gays, bi- ou transsexuais ou
travestis.Pedir a igualdade entre os trabalhadores imigrantes e sem documentos e
os trabalhadores nascidos nos EUA, especialmente brancos, é uma componente
essencial na construção da solidariedade e do avanço da luta de classe de todos
os trabalhadores.De facto, a luta pela igualdade económica dentro da nossa
classe e entre oprimidos e opressores é fundamental para aumentar a
solidariedade contra os senhores. Desigualdade e divisão no interior da classe
trabalhadora é tanto um problema económico, como um perigoso problema político.
Quebra a solidariedade e dá força aos patrões e ao seu governo.Mas, o problema
da desigualdade económica global na sociedade capitalista não é fundamentalmente
um problema de desigualdade no interior da nossa classe ou entre a classe média
e a classe trabalhadora. O problema fundamental da desigualdade massiva é a
desigualdade entre a classe dominante capitalista e todas as outras classes,
principalmente a classe trabalhadora multinacional.A desigualdade entre a classe
trabalhadora e a classe capitalista está embutida no sistema e está na raiz da
questão. A chamada “excessiva” desigualdade entre a classe dominante e o resto
da sociedade está constantemente sob ataque, como deve estar. Mas a desigualdade
geral entre a classe dominante e todas as outras classes é tida como natural e
raramente questionada.Desigualdade genética do capitalismoEsta é devida à
maneira como o rendimento é distribuído no sistema do lucro. O rendimento da
classe capitalista vem do trabalho não-pago dos trabalhadores sob a forma de
lucro ou mais-valia. Tudo o que é criado pelos trabalhadores pertence aos
patrões. E tudo o que é criado pelos trabalhadores contém tempo de trabalho
não-pago. Os patrões vendem os bens e serviços e obtêm dinheiro pelo tempo de
trabalho não-pago dos trabalhadores – é isso o lucro. Guardam parte para si
próprios e enriquecem. A outra parte é reinvestida de modo a se tornarem mais
ricos no próximo ciclo de produção e venda.O rendimento dos trabalhadores, pelo
outro lado, vem da venda da sua força de trabalho ao patrão, explorador. Os
trabalhadores recebem vencimentos ou salários dos patrões. A quantia mantém-se
sempre algures dentro da gama do que é necessário para sobreviver. Alguns
trabalhadores são pagos um pouco melhor e podem dispor de um certo grau de
conforto. Muitos trabalhadores, cada vez mais hoje em dia, conseguem apenas o
suficiente para viverem uma vida de austeridade, enquanto outros dificilmente
conseguem o suficiente para sobreviverem. Os salários no capitalismo são
basicamente o que custa a um trabalhador subsistir e manter a família, de modo
que os patrões tenham garantida a próxima geração de trabalhadores para
explorarem. Os salários dos trabalhadores ficam sempre dentro de uma estreita
gama, quando comparados com o rendimento dos patrões. Nenhum trabalhador
consegue alguma vez ficar rico contando com o seu salário, mesmo que bem pago.
Mas, a classe capitalista como um todo fica automaticamente mais rica, mesmo que
alguns capitalistas individualmente saiam dos negócios e sejam engolidos. Os
patrões reinvestem continuamente o seu capital e mantêm vivo o processo em curso
de exploração de cada vez mais trabalho.Os patrões deixam a sua riqueza pessoal
aos filhos, assim como o seu capital. Os descendentes, em regra, tornam-se cada
vez mais ricos de geração para geração, enquanto os trabalhadores deixam aos
filhos as suas magras posses de geração para geração. Os trabalhadores têm de
lutar para manterem o que têm através dos altos e baixos das crises capitalistas
e do desemprego cíclico.Como alcançar a igualdade social e económica nestas
circunstâncias?Neste contexto, para o movimento OWS e todos os outros que sejam
pela igualdade genuína, surge a questão de saber por qual igualdade exatamente
estão a lutar. Se o objetivo final é a reforma do código fiscal, ou a redução do
financiamento empresarial na política, ou a regulação da classe capitalista
predadora e dos banqueiros avarentos, então o objetivo final limita-se a uma
luta por uma forma de desigualdade menos obscena.Trata-se certamente de um
objetivo progressista e deve ser sempre prosseguido como meio de aliviar os
trabalhadores e a massa do povo em geral. Mas, seja qual for a maneira de o
fazer, se se limita a luta contra a desigualdade a mantê-la no quadro do
capitalismo, isso significa lutar por menos desigualdade, mas também por
mantê-la e consenti-la. O sistema de exploração de classe gera a extrema
desigualdade entre classes.Distribuição da riqueza e capitalismoO facto é que a
desigualdade na distribuição é um resultado do sistema de produção pelo lucro.
Ora, conforme os marxistas mostram, as relações de distribuição decorrem das
relações de produção. O que determina a distribuição da riqueza social é a
propriedade privada dos meios de produção e serviços. Nenhuma redistribuição da
riqueza no capitalismo, quer através de despesa estatal, quer de acordos com
sindicatos ou qualquer outro método, consegue ultrapassar a desigualdade de
classe que resulta do direito dos capitalistas a possuírem não só os meios de
produção, como todos os produtos da produção. Neste sentido, é útil uma análise
escrita por Karl Marx em 1847. Marx tentava desmontar o argumento de que o
trabalho e o capital têm um interesse comum no crescimento do capitalismo. O
ensaio “Trabalho assalariado e capital” foi escrito com base em lições a
trabalhadores alemães com consciência de classe que primeiro conseguiram
organizar-se. Escreveu Marx: “Vimos portanto que mesmo a situação mais favorável
para a classe operária, designadamente o mais rápido crescimento do capital, por
muito que melhore a vida material do trabalhador não elimina o antagonismo entre
os seus interesses e os do capitalista. Lucro e salário continuam como antes em
proporção inversa. “Se o capital cresce rapidamente, os salários podem crescer,
mas o lucro do capital cresce desproporcionadamente mais depressa. A posição
material do trabalhador melhorou, mas à custa da sua posição social. O abismo
social que o separa do capitalista alargou-se.“Finalmente dizer que ‘a condição
mais favorável para o salário-trabalho é o crescimento mais rápido do capital
produtivo’ é o mesmo que dizer: quanto mais depressa a classe trabalhadora
multiplicar e aumentar o poder do seu inimigo e a riqueza de quem reina sobre a
sua classe, mais favoráveis serão as condições sob as quais será permitido lidar
com a multiplicação da riqueza burguesa e com o aumento de poder do capital,
contentando-se assim com forjar para si as cadeias douradas pelas quais a
burguesia a arrasta no seu caminho.” (Marxist Internet Archive).Muito do ensaio
de Marx é dedicado a mostrar que, independentemente das condições relativas de
que os trabalhadores dispõem no sistema de exploração capitalista, quer sejam
mais bem ou menos bem pagos e mesmo quando estão em boa posição negocial porque
o patrão precisa deles para continuar a aumentar a produção, os trabalhadores
perdem constantemente terreno em relação aos capitalistas, cuja riqueza aumenta
imensamente. Por isso, está inscrito no próprio sistema de exploração o aumento
sistemático da desigualdade entre as classes. Além disso, a classe trabalhadora
está na melhor das hipóteses limitada para sempre a tentar “forjar as cadeias
douradas pelas quais a burguesia a arrasta no seu caminho.”Marx então continua,
mostrando que a chamada prosperidade dos trabalhadores é uma mentira, porque os
patrões utilizam todos os meios para baixarem os ordenados, mesmo nos chamados
“bons tempos”.O capitalismo na era da revolução técnico-científica e da
globalização imperialista expandiu-se e evoluiu por saltos e descontinuidades
desde os tempos de Marx. As classes trabalhadoras dos países imperialistas estão
num caminho descendente, com os salários a baixar. Estão a perder terreno não só
em termos relativos, mas também absolutos.Os trabalhadores já não progridem nem
lentamente no seu modo de vida, enquanto os capitalistas continuam em frente. Os
salários estão a baixar. As condições estão a piorar. Os patrões arquitetaram
uma competição salarial mundial entre os trabalhadores nos centros do
capitalismo e as centenas de milhões de trabalhadores dos países de baixos
salários. Os patrões usaram a deslocalização associada à tecnologia e à
exploração dos trabalhadores imigrantes para promoverem esta competição. O
exército global de reserva de desempregados e subempregados aumentou para
centenas de milhões. Os trabalhadores estão sob pressão em todos os continentes.
Nos EUA, os salários têm descido desde os anos setenta (Perry L. Weed,
“Inequality, the Middle Class & the Fading American Dream” – “Desigualdade, a
Classe Média e o Fim do Sonho Americano”). A grande desigualdade que vemos hoje
resulta do declínio absoluto dos salários. A parte de leão da nova riqueza vai
para os financeiros e os donos das corporações em quantidades crescentes de
mais-valia (trabalho não-pago) sob a forma de dinheiro.É urgente procurar
inverter o declínio absoluto das condições do proletariado e dos oprimidos. A
luta contra o aumento obsceno da desigualdade tem que continuar e crescer.A
riqueza das empresas cria riqueza pessoal extrema É importante notar que a
obscena desigualdade no rendimento pessoal não é nada comparada com a riqueza
das empresas, controlada não pelos 1% mas pela pequena fração deles que se
sentam nos gabinetes de diretor dos bancos e das gigantescas corporações
transnacionais. Foi a isto que Lenine chamou capital financeiro – o pequeno
grupo de grandes empresas que controlam biliões de riqueza empresarial e a maior
parte da produção da riqueza mundial.Um estudo recente mostra que 147
corporações dominam 40% da riqueza empresarial mundial” (“Financial world
dominated by a few deep pockets,” “O mundo financeiro dominado por alguns bolsos
cheios,” ScienceNews, 24 Set., 2011). A propriedade privada e o controle de uma
vasta riqueza financeira e empresarial pelo topo da classe dominante são o que
está por detrás da imensa riqueza pessoal concedida aos administradores da lista
dos 500 da Fortune e aos ricaços mundiais (grandes administradores e grandes
acionistas do capital e da finança).
A questão é então: vamos parar a luta para a redução da desigualdade no
capitalismo, vamos lutar para ajudar a forjar as “cadeias douradas” com as quais
o capital arrasta o trabalho, ou vamos levar a luta contra a desigualdade até às
últimas consequências e lutar para quebrar as cadeias da dominação de classe de
uma vez? A desigualdade entre classes só pode ser abolida libertando-nos da
classe capitalista de uma vez e do sistema de exploração sobre o qual toda a
obscena riqueza está erigida.[i] “Census data: Half of U.S. poor or low income,”
[“Dados do censo: metade dos americanos são pobres ou de baixo rendimento”]
Associated Press, Dez. 15.
[ii] Jacob S. Hacker e Paul Pierson, “Winner-Take-All Politics” [“A política do
quem-ganha-apanha-tudo”] (New York: Simon & Schuster, Kindle Edition, 2010), p.
3.
[iii] Perry L. Weed, “Inequality, the Middle Class & the Fading American Dream,”
[“Desigualdade, a Classe Média e o Fim do Sonho Americano”] Economy in Crisis
online, Fev. 12, 2011.
Próxima 2ª Parte: Como a natureza da distribuição da riqueza decorre do modo de
produção e Controle da riqueza empresarial: a fonte de riqueza pessoal extrema.
Extraído do anexo do próximo livro “Capitalism at a Dead End” [“O Capitalismo
num Beco sem Saída”] de Fred Goldstein. Goldstein é também autor de “Low-Wage
Capitalism” [“Capitalismo dos Pobres”]
________________________________________
Tradução: Jorge Vasconcelos Imprimir
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O Diário.info
http://www.odiario.info/?p=2435
Portugal 5/4/2012

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