sexta-feira, 20 de agosto de 2021

O sadismo tornou-se um símbolo dos Estados Unidos (2)

 
  O sadismo tornou-se um símbolo dos Estados Unidos (2)

*por Chris Hedges [*]

A classe dominante dedica enormes recursos para mascarar o sadismo
social e o assassinato. Controla as narrativas na imprensa. Inunda os
nossos ecrãs com imagens e propaganda amigáveis e alegres, aperfeiçoadas
pelas empresas de publicidade e relações públicas. Essas alucinações
eletrónicas distraem-nos das limitações das nossas próprias vidas.
Ofuscam a natureza fundamental do capitalismo corporativo. Atacam a
nossa auto-estima e suscitam uma tomada de consciência embaraçosa sobre
a nossa aparência, posição social e funções corporais. Falsificam a
ciência e os dados, como fizeram as indústrias de combustíveis fósseis,
pecuária e tabaco durante décadas.

Criam, como escreve Guy Debord
<https://en.wikipedia.org/wiki/Guy_Debord> , a "espetacular sociedade
mercantil" que é um substituto sedutor para a democracia participativa.
Essa tirania empresarial reduz a escolha política às prescrições sádicas
fornecidas pelo poder corporativo. Isso cria uma sociedade onde há uma
ausência de quase todas as construções sociais e políticas positivas.
Mesmo a mudança social, reduzida a políticas de identidade e
multiculturalismo, foi efetivamente castrada pela propaganda
corporativa. O sentimento de agir, poder pessoal e estatuto social veem
quase exclusivamente, como Nietzsche previu, a servir à máquina sádica.

Intermediários de energia da Enron, num diálogo que poderia ter vindo de
qualquer grande corporação, gravado em 2000, discutindo como "roubar" a
Califórnia. Identificados como Kevin e Bob, rejeitaram os pedidos dos
reguladores da Califórnia de reembolsos por causa da constante
manipulação de preços da empresa:

Kevin: Então o que está sendo dito é verdade? Esses filhos da puta vão
tirar todo o dinheiro de vocês? Todo aquele dinheiro que vocês roubaram
daquelas pobres avós na Califórnia?
Bob: Sim, caro. Mas foram elas que não souberam votar com essa porra do
voto automático.
Kevin: Sim, agora querem a porra do dinheiro de volta por toda a
eletricidade que você cobrou a 250 dólares o megawatt-hora.
Bob: Você sabe, você sabe, você sabe… mas isso é aquilo por que Al Gore
está lutando, já viu?

Mais tarde, na mesma conversa, Kevin e Bob menosprezam os californianos:

Kevin: Oh, a melhor coisa que pode acontecer é a porra de um terremoto,
deixe essa coisa flutuar no Pacífico e coloque velas neles.
Bob: Eu sei. Esses tipos, você só precisa demiti-los.
Kevin: Eles estão tão metidos na merda e tão, como posso dizer...
Bob: Eles estão tão fodidos

A obscena avareza dos muito ricos agora supera o hedonismo e os excessos
dos déspotas mais hediondos e dos capitalistas mais ricos do passado. Em
2015, pouco antes de sua morte, a [revista] /Forbes / estimou que o
património líquido de David Rockefeller era de 3 mil milhões. O Xá do
Irão roubou cerca de mil milhões ao seu país. Ferdinand e Imelda Marcos
acumularam entre 5 e 10 mil milhões. O ex-presidente do Zimbabué, Robert
Mugabe, valia cerca de mil milhões. Jeff Bezos e Elon Musk valem cada um
180 mil milhões. Sim, o decoro da presidência de Biden difere da
presidência de Trump. Mas a exploração mercenária subjacente e o sadismo
da sociedade americana permanecem intactos.

O Plano de Empregos Americanos de Biden nunca criará "milhões de
empregos bem remunerados – empregos com os quais os americanos possam
criar suas famílias", assim como o NAFTA, que ele apoiou, não criou como
também havia sido prometido milhões de empregos bem remunerados. Seu
mantra do "compre americano" é inútil. A grande maioria de nossos
produtos eletrónicos, roupas, móveis e produtos industriais é feita na
China por trabalhadores que ganham em média um ou dois dólares por hora
e não têm sindicatos e direitos sindicais básicos [NT] <#nt> . Seu apelo
para reduzir as franquias e os custos dos medicamentos prescritos no
Affordable Care Act nunca será permitido pelas empresas que lucram com
os cuidados de saúde.

Suas promessas de tributação justa, apesar de os homens mais ricos do
mundo – Jeff Bezos, Elon Musk, Warren Buffett, Carl Icahn, Michael
Bloomberg e George Soros – pagarem uma taxa de impostos real de 3,4%,
não serão alteradas. Os subsídios corporativos e incentivos fiscais que
ele propõe como solução para a crise climática [NR] <#nr> nada farão
para deter a fraturação hidráulica para extrair petróleo e gás, fechar
centrais a carvão ou interromper a construção de novos gasodutos para
centrais movidas a gás. O dinheiro para projetos de infraestrutura é
destinado a grandes corporações e governos estaduais.

O sistema de saúde continuará privatizado, o que significa que as
seguradoras e as empresas farmacêuticas colherão dezenas de milhares de
milhões de dólares com o Plano de Resgate Americano, e isto quando já
estavam tendo lucros recordes. Os lucros que os grandes bancos, Wall
Street e os especuladores globais predatórios obtêm com os níveis
maciços de escravidão por dívida imposta a uma classe trabalhadora mal
paga, incluindo os empréstimos estudantis, continuarão a direcionar
dinheiro para as mãos de uma pequena minoria oligárquica.

Não haverá reforma do financiamento das campanhas para acabar com o
sistema de suborno legalizado. Os gigantescos monopólios de tecnologia
permanecerão intactos. A censura imposta pelas plataformas de media
digitais, a obliteração de nossas liberdades civis e a vigilância do
governo por atacado continuarão a ser aplicadas. O pedido de Biden de
715 mil milhões para o Departamento de Defesa no ano fiscal de 2022, um
aumento de 1,3 mil milhões (1,6%) em relação a 2021, irá exacerbar as
provocações militares com a China e a Rússia, as guerras intermináveis
no Médio Oriente e a inchada indústria de defesa.

As indústrias que foram enviadas para o exterior e os empregos
sindicalizados bem remunerados não voltarão. Os 81 milhões de americanos
que lutam para cobrir as despesas domésticas básicas, os 22 milhões que
não têm comida suficiente e os 11 milhões que não podem atender ao
próximo pagamento da casa estão prestes a bater numa parede quando os
parcos benefícios do alívio de contas pelo COVID acabarem e a moratória
sobre despejos e execuções hipotecárias for levantada. A máquina do
capitalismo predatório, e o sadismo que o define, envenenarão a
sociedade com a mesma crueldade com Biden como quando Trump geria a
presidência no Twitter. Essas chamadas reformas não têm mais peso do que
as promovidas por Bill Clinton e Barack Obama, com quem Biden colaborou
servilmente e que também prometeram igualdade social enquanto traíam
homens e mulheres trabalhadores.

Biden é a epítome da criatura vazia e amoral produzida pelo sistema de
suborno legalizado, aqueles que construíram a cultura de sadismo. Sua
longa carreira política no Congresso foi definida pela representação dos
interesses das grandes empresas, especialmente as de cartão de crédito
sediadas em Delaware. Ele foi alcunhado de Senador do Cartão de Crédito.
Sempre disse ao público o que ele queria ouvir e depois os vendeu.

Foi um proeminente promotor e arquiteto de uma geração de leis federais
"duras com o crime" que militarizaram a polícia do país e mais do que
duplicaram a população do sistema prisional, a maior do mundo, com
diretrizes severas de condenação obrigatória e leis que colocam pessoas
na prisão por toda a vida por crimes não violentos com drogas, mesmo
enquanto o seu filho lutava contra o vício. Ele foi o principal autor do
Patriot Act
<https://www.fincen.gov/resources/statutes-regulations/usa-patriot-act>
. E nunca houve um sistema de armas ou uma guerra que ele não apoiasse.
Nada de substancial mudará sob Biden, apesar da propaganda sobre ser o
próximo Franklin Roosevelt.

A administração Biden assemelha-se ao governo alemão ineficaz formado
por Franz von Papen em 1932, tentando recriar o antigo regime, um
conservadorismo utópico que garantiu a queda da Alemanha para o
fascismo. Biden está privado, como von Papen, de novas ideias e
programas. Manterá a máquina de repressão bem lubrificada, uma máquina
que foi fundamental na construção da sua carreira política. Aqueles que
resistirem serão atacados como agentes de uma potência estrangeira e
censurados, como muitos já estão a ser, através de algoritmos e de
plataformas eletrónicas nas redes sociais. Os dissidentes mais ardentes,
como Julian Assange, serão criminalizados.

As elites fingem que Trump era uma anomalia bizarra. Ingenuamente
acreditam que podem fazer Trump e seus apoiantes mais vociferantes
desaparecerem, banindo-os das redes sociais. O "antigo regime" irá,
afirmam, voltar com o decoro da sua presidência imperial, respeito pelas
normas procedimentais, eleições elaboradamente coreografadas e
fidelidade às políticas neoliberais e imperiais. Mas o que as elites
governantes estabelecidas ainda não compreenderam, apesar da estreita
vitória eleitoral de Joe Biden sobre Trump e da tomada da capital em
seis de janeiro por uma multidão enfurecida, é que a credibilidade da
velha ordem está morta. A era Trump, se não o próprio Trump, é, a menos
que quebremos o domínio do poder corporativo, o futuro. As elites
governantes, representadas por Biden e o Partido Democrata e a ala bem
educada do Partido Republicano representada por Jeb Bush e Mitt Romney,
estão indo para o caixote do lixo da história.

O crescente ressentimento dos desapossados é alimentado pelos media que
dividiram o público em grupos demográficos concorrentes. As plataformas
dos media tomam como alvo um grupo, alimentando as suas opiniões e
tendências, enquanto demonizam estridentemente o grupo demográfico do
outro lado do xadrez político. Isto provou ser um êxito comercial. Mas
também dividiu o país em facções irreconciliáveis que não podem mais
comunicar entre si, sendo a verdade e a realidade dos factos ambas
sacrificadas.

O Partido Democrata, numa tentativa desesperada de controlar a narrativa
mediática, construiu uma aliança com gigantes da indústria dos media
sociais como Twitter, YouTube, Facebook, Patreon, Substack e Spotify
para restringir ou censurar os seus críticos. O objetivo é levar o
público de volta às organizações de notícias aliadas do Partido
Democrata, como /The New York Times, The Washington Post / e /CNN. / Mas
estes meios de comunicação, que prestam serviço a anunciantes
corporativos, tornaram invisíveis as vidas da classe trabalhadora e dos
pobres. Eles são tão desprezados quanto as próprias elites no poder.

A perda de credibilidade também deu origem a novos grupos, muitas vezes
espontâneos, bem como à franja lunática de direita que abraça as teorias
da conspiração como o QAnon <https://pt.wikipedia.org/wiki/QAnon> . Eles
aproveitam a indignação emocional, muitas vezes substituindo uma
indignação por outra. Fornecem novas formas de identidade para
substituir as identidades perdidas por dezenas de milhões de americanos
que foram postos de lado. Essa indignação emocional pode ser aproveitada
para causas louváveis, como acabar com o abuso policial, mas muitas
vezes é efémera. Transforma o debate político em protestos de queixa, na
melhor das hipóteses, e mais frequentemente em espetáculo televisivo.

Estes episódios não representam nenhuma ameaça para as elites, a menos
que construam estruturas organizacionais disciplinadas, o que leva anos,
e articulem uma visão do que poderia vir a seguir. É por isso que apoio
a Extinction Rebellion, que tem uma grande rede de base, especialmente
na Europa, realiza atos efetivos de desobediência civil e tem um
objetivo claramente declarado de derrubar as elites governantes e
construir um novo sistema de governo por meio de comités populares e
seleção aleatória. Mas essa indignação emocional, que colocou Trump na
Casa Branca, também pode atiçar o sadismo americano, especialmente entre
uma classe trabalhadora branca que se sente destronada e abandonada.

O colapso de nossa sociedade não é apenas político. É ecológico. Os
cientistas há muito alertam que, à medida que as temperaturas globais
[NR] <#nr> aumentam, aumentando a precipitação e as ondas de calor em
muitas partes do mundo, as doenças infecciosas disseminadas por animais
afetarão as populações e se expandirão para as regiões do norte. Doenças
zoonóticas – doenças que saltam de animais para humanos – como SIDA que
matou aproximadamente 36 milhões de pessoas, gripe aviária, gripe suína,
ébola e COVID-19, que já matou cerca de 4 milhões, se espalharão pelo
mundo em variantes cada vez mais virulentas, frequentemente sofrendo
mutações além do nosso controlo.

O uso indevido de antibióticos na indústria de criação de animais, que
responde por 80% de todo o uso de antibióticos, produziu variantes de
bactérias que são resistentes aos antibióticos e fatais. Uma versão
moderna da Peste Negra, que no século XIV matou entre 75 e 200 milhões
de pessoas, eliminando talvez metade da população da Europa, é
provavelmente inevitável, desde que as indústrias farmacêutica e médica
estejam configuradas para ganhar dinheiro em vez de proteger e
economizar vidas.

Mesmo com as vacinas, não temos infraestrutura nacional para
distribuí-las de maneira eficiente porque o lucro supera a saúde. E os
do sul global estão, como sempre, abandonados, como se as doenças que os
matam nunca nos alcancem. A decisão de Israel de distribuir vacinas
COVID-19 para 19 países, enquanto se recusa a vacinar os 5 milhões de
palestinos que vivem sob sua ocupação, é emblemática da impressionante
miopia da elite governante, para não mencionar da imoralidade.

O que está a acontecer não é negligência. Não é inépcia. Não é uma falha
política. É um assassinato social. É assassinato porque é premeditado. É
assassinato porque uma escolha consciente foi feita pelas classes
dominantes globais para extinguir a vida em vez de protegê-la. É um
assassinato porque o lucro, apesar das estatísticas, das crescentes
perturbações climáticas e da modelagem científica, é considerado mais
importante do que a sobrevivência humana.

As elites globais prosperam neste sistema, contanto que cumpram os
ditames do que Lewis Mumford
<https://en.wikipedia.org/wiki/Lewis_Mumford> chamou de "megamáquina", a
convergência de ciência, economia, tecnologia e poder político
unificados numa estrutura burocrática integrada cujo único objetivo é
perpetuar-se. Essa estrutura, observou Mumford, é antitética aos
"valores que melhoram a vida". Mas desafiar a megamáquina, nomear e
condenar o seu desejo de morte, é ser expulso de seu santuário interno.
Há, sem dúvida, alguns dentro da megamáquina que temem o futuro, que
estão horrorizados com o assassinato social, que se preocupam com o que
vai acontecer aos seus filhos, mas não querem perder seus empregos e sua
condição social para se tornarem párias.

Os militares dos Estados Unidos – que respondem por 38% dos gastos
militares em todo o mundo – são, naturalmente, incapazes de combater a
grave crise existencial diante de nós. Os caças, satélites,
porta-aviões, frotas de navios de guerra, submarinos nucleares, mísseis,
tanques e vastos arsenais de armas são inúteis contra as pandemias e a
crise climática. A máquina de guerra, que gasta 1,2 milhões de milhões
de dólares para modernizar o arsenal nuclear, não faz nada para mitigar
o sofrimento humano causado por ambientes degradados que adoecem e
envenenam populações ou tornam a vida insustentável.

A poluição do ar já mata cerca de 200 mil americanos por ano, enquanto
as crianças em cidades decadentes como Flint, Michigan ficam afetadas
para o resto da vida com a contaminação de chumbo na água potável. E,
além de tudo isto, os militares dos EUA emitiram 1 200 mil milhões de
toneladas de emissões de CO2 entre 2001 e 2017, o dobro da produção
anual dos veículos de passageiros do país.

As gerações futuras, se houver alguma, olharão para trás, para a atual
classe dominante global como a mais criminosa da História da humanidade,
condenando deliberadamente milhares de milhões de pessoas à morte. Esses
crimes estão a ser cometidos à nossa frente. E, com poucas exceções,
somos conduzidos como ovelhas para o matadouro.

O mal radical que torna possível este assassinato social é perpetrado
por burocratas e tecnocratas incolores que saem das escolas de negócios,
faculdades de direito, programas de gestão e universidades de elite.
Nulidades demoníacas. São estes os gestores de sistemas que realizam as
tarefas que fazem com que os vastos e complicados sistemas de exploração
e morte funcionem. Eles coletam, armazenam e manipulam nossos dados
pessoais para monopólios digitais e o Estado de segurança e vigilância.
Lubrificam as rodas da ExxonMobil, BP e Goldman Sachs. Escrevem as leis
que a classe política, comprada e paga, aprova. Conduzem drones que
aterrorizam os pobres no Afeganistão, Iraque, Síria e Paquistão.

Eles lucram com as guerras sem fim. São os propagandistas corporativos,
especialistas em relações públicas, especialistas em televisão que
inundam com mentiras. Dirigem os bancos. Supervisionam as prisões.
Emitem formulários. Processam papéis. Negam vales-refeição e cobertura
médica para alguns e benefícios de desemprego para outros. Realizam os
despejos. Fazem cumprir as leis e os regulamentos. Eles não fazem
perguntas, eles vivem num vácuo intelectual, um mundo de minúcias
embrutecedoras. Eles são "os homens vazios", "os homens coisa" de T.S.
Eliot. "Forma sem forma, sombra sem cor", como escreveu o poeta. "Força
paralisada, gesto sem movimento."

Estes gestores do sistema possibilitaram os genocídios do passado.
Mantiveram os comboios a funcionar. Preencheram a papelada. Apreenderam
a propriedade e confiscaram as contas bancárias. Fizeram o seu
processamento. Racionaram a comida. Administraram os campos de
concentração e as câmaras de gás. Impuseram a lei. Eles fizeram o seu
trabalho. Estes gestores do sistema, sem nenhuma educação, exceto na sua
minúscula especialidade técnica, carecem de linguagem e autonomia moral
para questionar as suposições ou estruturas dominantes.

O romancista russo Vasily Grossman
<https://en.wikipedia.org/wiki/Vasily_Grossman> no seu livro /Forever
Flowing/
<https://www.bookdepository.com/Forever-Flowing-Vasily-Grossman/9780810115033>
observou que "o novo Estado não exigia santos apóstolos, fanáticos,
construtores inspirados, discípulos fiéis e devotos. O novo Estado nem
mesmo exigia criados – apenas escriturários." Essa ignorância
metafísica, produto de um sistema educacional que é principalmente
vocacional, une as engrenagens da cultura do sadismo e do assassinato
social. Não nos livraremos do capitalismo predatório e de sua cultura de
sadismo com escassas esmolas do governo. Não vamos desviar-nos porque os
habilidosos escritores dos discursos de Biden e especialistas em
relações públicas, que usam sondagens e fazedores de opinião para nos
dizer o que queremos ouvir e fazer-nos sentir que a administração está
do nosso lado. Não há boa vontade na Casa Branca de Biden, no Congresso,
nos tribunais, nos media – que se tornaram uma câmara de eco das classes
privilegiadas – ou nas salas de reunião corporativas. Eles são o inimigo.

Vamos libertar-nos desta cultura de sadismo da mesma forma que os
desapossados se afastaram do estrangulamento do capitalismo de compadrio
durante a Grande Depressão, organizando, protestando e desorganizando o
sistema até as elites governantes serem forçadas a conceder medidas de
justiça social e económica. O Bonus Army
<https://en.wikipedia.org/wiki/Bonus_Army> , dos veteranos da Primeira
Guerra Mundial a quem foi negado o pagamento de pensões, montou enormes
acampamentos em Washington, que foram violentamente dispersos pelo
exército. Grupos de vizinhança, muitos deles membros dos Wobblies
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Industrial_Workers_of_the_World> ou do
Partido Comunista, na década de 1930 impediram fisicamente os xerifes de
despejarem famílias. Em 1936 e 1937, o sindicato United Auto Workers
realizou uma greve dentro das fábricas que paralisou a General Motors,
forçando a empresa a reconhecer o sindicato, aumentar os salários e
satisfazer as exigências sindicais de proteção do emprego e condições de
segurança no trabalho.

Os agricultores, forçados à falência e execuções hipotecárias pelos
grandes bancos e Wall Street, fundaram a Farmer's Holiday Association
para protestar contra a apreensão de fazendas familiares, uma das razões
pelas quais ladrões de bancos como John Dillinger, Bonnie e Clyde e a
Barker Gang eram heróis populares. Os fazendeiros bloquearam estradas e
destruíram montanhas de produtos agrícolas, reduzindo a oferta e
aumentando os preços. Os agricultores, tal como os trabalhadores
sindicalizados da indústria automobilística, suportaram ampla vigilância
do governo e ataques violentos do FBI, capangas da empresa, assassinos
contratados, milícias e departamentos do xerife. Mas a militância
funcionou. Os fazendeiros forçaram o Estado a aceitar uma moratória nas
execuções de hipotecas. Ao mesmo tempo, as manifestações em massa fora
das capitais pressionaram os parlamentos estaduais a bloquear a cobrança
de hipotecas vencidas.

Hooverville. Agricultores e rendeiros do sul sindicalizaram-se. O
Departamento do Trabalho chamou à sua ação coletiva de "guerra civil em
miniatura". Em todo o país, os desempregados e os famintos ocuparam
casas e terrenos baldios, formando favelas conhecidas como Hoovervilles
<https://en.wikipedia.org/wiki/Hooverville> . Os destituídos ocuparam
prédios públicos e serviços públicos. Essa pressão constante e não a boa
vontade de Roosevelt criou o New Deal. Ele e seus companheiros oligarcas
acabaram entendendo que se não houvesse reforma haveria revolução, algo
que Roosevelt reconheceu na sua correspondência privada.

Até que as pessoas sejam reintegradas na sociedade, até que o controle
das corporações e oligarquias sobre os nossos sistemas educacionais,
políticos e dos media sejam removidos, até recuperarmos a ética do bem
comum, não temos qualquer esperança de reconstruir os laços sociais
positivos que promovem uma sociedade saudável.

A história ilustrou amplamente como esse processo funciona. É um jogo de
medo. E até deixarmos as elites governantes com medo, até que um
aterrorizado Joe Biden e os oligarcas que ele serve olhem para um mar de
gente com forcados, não pararemos a cultura do sadismo e do assassinato
social que eles engendraram.

A rebelião, no entanto, deve ter sua própria justificativa. É um
imperativo moral, não prático. Não apenas corrói, ainda que
impercetivelmente, as estruturas de opressão, mas mantém o lume da
empatia e compaixão, bem como da justiça, dentro de nós, desafiando o
sadismo que impregna todas as camadas da nossa existência. Em suma,
mantém-nos humanos. A rebelião deve ser abraçada, finalmente, não apenas
pelo que ela vai realizar, mas pelo que ela permitirá que nos tornemos.
Nesse devir, encontramos esperança.

29/Junho/2021

[NT] A China, conforme declarou Xi Jinping, concretizou o objetivo da
construção de uma sociedade moderadamente próspera
<https://www.globaltimes.cn/page/202107/1227574.shtml> em todos os
aspetos, alcançando a histórica situação de ter erradicado a pobreza
extrema. Algo que nem a UE e muito menos os EUA conseguem.
[NR] Ver A impostura global
<https://resistir.info/climatologia/impostura_global.html> .

*A primeira parte deste artigo encontra-se aqui
<https://resistir.info/eua/sadismo_1.html> .

[*] Jornalista. Ver Chris Hedges
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Chris_Hedges> . Palestra feita em The
Sanctuary for Independent Media <https://www.mediasanctuary.org/> , em
Troy, Nova York, 27/Jun/21.

O original encontra-se em
scheerpost.com/2021/06/29/chris-hedges-speaks-on-american-sadism/
<https://scheerpost.com/2021/06/29/chris-hedges-speaks-on-american-sadism/>

In
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/eua/sadismo_2.html
29/6/2021

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