quarta-feira, 15 de junho de 2022

PAX Americana

 

 

// Rui Namorado Rosa

Este artigo vai fazer vinte anos. Mas o que formula poderá contribuir
para interpretar o percurso do que acontece agora, e recordar vários
seus antecedentes. Quando proliferam os mais inconsistentes
«especialistas» em tudo e mais alguma coisa, e em particular em
geopolítica, textos como este ajudam a colocar as coisas na devida
perspectiva. Não é só o estudo sério dos complexos problemas do mundo de
hoje que é indispensável, é-o ainda mais o estudo que se fundamente em
pensamento e análise marxista.

O sistema político mundial revela o actual domínio da estrutura
capitalista imperialista. Há uma divisão essencial entre essa poderosa
estrutura e o resto do mundo, que é objecto de activa exploração. O
sistema capitalista é agora caracterizado pelo mercado financeiro
mundial e pelas corporações transnacionais em constante crescimento e
mudança. Pelo contrário, os Estados-nação estão agora em segundo plano,
preocupando-se cada vez menos com o bem-estar e os direitos políticos
dos seus cidadãos, os seus governos tendo rendido os seus poderes e
direitos a organismos internacionais, que não prestam contas perante os
povos.
É verdade que os EUA aparecem como a face do imperialismo actual, mas os
EUA não são sinónimo de imperialismo. Claro que desempenham, juntamente
com a NATO, o importante papel de principal potência diplomática e
militar ao serviço do imperialismo; bem como, através do FMI/BM e da
OMC, o papel de corretor principal de assuntos financeiros, económicos e
comerciais. Mas seria enganoso, para aqueles que desejam entender o
funcionamento ou reverter o curso do sistema imperialista, concentrar
demasiada atenção nos EUA como se fossem a fonte ou o chefe do sistema
capitalista. A União Europeia também desempenha um papel importante no
mesmo processo, sendo activa na desarticulação de Estados
multinacionais, reunindo países independentes numa federação cada vez
maior sob órgãos governamentais supranacionais não representativos,
submetendo-os às regulamentações de uma economia de mercado uniforme e
desprovida de coesão social. EUA, UE, Rússia, Japão são figurados como
centros de um sistema capitalista mundial multipolar, o que de facto
são; em num primeiro nível de observação, eles têm interesses
contraditórios e estão desse modo em conflito; mas num segundo nível de
observação eles partilham profundos interesses comuns e um mesmo destino
final; o mais relevante é serem partes cooperantes do mesmo sistema mundial.
A ascensão do capitalismo tem sido continuamente enraizada na indústria
militar e em efectiva guerra violenta em todo o mundo. Os últimos dois
séculos estão repletos de milhões de cadáveres, miséria e danos
resultantes de conflitos de grande escala, liderados pelas principais
potências políticas, e guerras de “pequena escala” ou “regionais” por
recursos. Após a rendição do bloco socialista na Guerra Fria, não foi o
fim da história que se seguiu; em vez disso, a marcha imperialista foi
rapidamente reatada com menores impedimentos. Na última década do século
XX, o mundo teve que suportar a Guerra do Golfo, a Guerra dos Balcãs, o
conflito permanente no Médio Oriente, algumas guerras por recursos na
África Central e outros conflitos na Ásia e na América Latina. E na
medida em que a essência do capitalismo não tem a ver com confrontos
nacionais, mas com contradições de classe, as suas desigualdades residem
também no interior dos países mais ricos.
Os EUA são ainda a potência hegemónica no sistema mundial, mas hoje em
evidente declínio. A Pax Americana, que marcou a história do mundo
durante a maior parte do século XX, está a chegar ao fim, tal como a Pax
Britannica dominou a maior parte do século XIX para ser substituída pela
primeira. Qual será o resultado é uma questão em aberto sobre a qual
somos chamados a pensar e a agir.

*As ondas económicas longas de Kondratieff*

Ondas económicas longas ou ondas ou ciclos de Kondratieff é um fenómeno
económico observado em dados macroeconómicos empíricos (como produção,
preços e dívida), proposto pela primeira vez pelo russo-soviético
Nikolai Kondratieff na década de 1920 e posteriormente desenvolvido por
Joseph Schumpeter, um economista austríaco de linha neopositivista que
emigrou para os EUA na década de 1930; este autor identificou quatro
fases na onda e introduziu mecanismos tecnológicos e sociais na sua
interpretação. Outras manifestações do fenómeno e reflexões foram
adicionadas posteriormente à teoria desenvolvida por Schumpeter. Foram
apontadas a diferenciação e dessincronização na incidência da onda longa
no centro e na periferia do sistema mundial, o enraizamento geográfico e
a multipolaridade do mecanismo de impulso económico e as manifestações
sectoriais diferenciadas. A combinação de crescimento da produção, de
preços e de ciclos de dívida, com sete anos de desfasamento, foi
proposta para conduzir a uma onda longa de seis fases (François-Xavier
Chevallier); e foi objecto de hipótese a evolução autónoma de longo
prazo da actividade de produção e do nível de preços (Henry Lepage) para
levar a configurações adicionais de fases individuais (Henry Lepage, Le
cinquième Kondratieff /La crise est finie (…ou presque), 1998,
http://www.euro92.org/edi/biblio/cyclekc.htm). Muitos desses
desenvolvimentos são hoje conhecidos como a escola Schumpeter e a
Economia Evolucionária, entre as muitas escolas de pensamento da
economia actual.
Na década de 1970, quando se iniciou a fase de estagflação da actual
onda longa, o interesse na onda Kondratieff renovou-se com a provável
justificação de interpretar os tempos difíceis e “prever” a sua saída.
As ondas económicas tornaram-se cada vez mais objecto de estudo (e
também de especulação) do ponto de vista da “gestão” dos ciclos de
negócios (Wally Bently, Cycles, Gold-Eagle, 2002,
http://www.gold-eagle.com/editorials_02/wallybently040502pv.html).
Em sentido oposto, as ondas de Kondratieff foram tomadas como unidades
básicas para formular grandes interpretações da respiração de fenómenos
políticos globais e históricos de longo alcance (George Modelski, The
Evolutionary world Politics Homepage,
http://faculty.washington.edu/modelski/; Immanuel Wallerstein, Fernand
Braudel Center, http://www.binghamton.edu/fbc/index.htm, Jean Zin, Les
Cycles du Capital, Écologie Révolutionnaire,
http://perso.wanadoo.fr/marxiens/politic/capital.htm, etc).
Estamos hoje a passar pelo último estágio – depressão – do quarto ciclo
de Kondratieff. Depressão, recessão, deflação estão lá; e a crise está a
arrastar-se. Deveríamos interrogar-nos sobre o que vem a seguir. Como
irá realmente evoluir a onda longa? Nos cenários prospectivos, que
potência económica pode tornar-se hegemónica, ou qual pode deter um
poder hegemónico multipolar? O ciclo económico de ondas longas não é uma
necessidade histórica; até onde podemos apurar, é um fenómeno observado
numa determinada formação social e de produção económica, o capitalismo.
Irá isso prevalecer na sua actual ou futura forma?
Em paralelo com o renovado interesse de investigação sobre os fenómenos
de ondas longas económicas e de hierarquia superior, houve também uma
influência dominante dos conceitos e teorias emergentes das ciências
exactas e naturais e da engenharia nas ciências sociais. Novas
categorias de fenómenos e novas teorias oriundas das “ciências duras”,
como teoria da informação, cibernética, catástrofes, caos, comportamento
cooperativo, emergência etc. entraram daí em diante no discurso das
ciências políticas, económicas e sociais. Estas analogias podem
revelar-se inspiradoras e eficazes em vários campos, desde que a
“análise fundamental” e a “análise técnica” de cada campo particular do
conhecimento permaneça no comando.

*Recursos energéticos*

As fontes primárias de energia (como carvão, petróleo, gás natural e
urânio) e as infraestruturas associadas à conversão e ao transporte das
formas de energia derivadas para uso final (transportadores de energia,
como gasolina e electricidade) apresentam tendências regulares de longo
prazo que, por escala de tempo ou por sincronização, parecem
correlacionadas com os ciclos de Kondratieff. (Cesare Marchetti, On
Decarbonization: Historically and Perspectively, International Institute
for Applied Systems, Analysis, Laxenburg, Áustria, Preparado para OCDE,
Paris 2-3 de utubro de 2000).
Na situação actual, devemos necessariamente referir entre as grandes
infraestruturas energéticas as infraestruturas de transporte. Mas as
infraestruturas mais específicas são as refinarias de petróleo para a
produção de combustíveis e matérias-primas químicas e as grandes e
pequenas centrais eléctricas para geração de electricidade; grandes
redes de condutas para combustíveis líquidos e gasosos e redes de
energia eléctrica foram construídas para o fornecimento de energia a
grandes cidades e centros industriais e sobre extensos territórios.
Todas essas estruturas materiais exibem um perfil de ascenção e
declínio, à medida que as fontes de energia primária ou os
transportadores de energia ou as tecnologias de conversão são
substituídas ao longo do tempo. A produção mundial de carvão atingiu o
pico por volta de 1930 e a produção de petróleo está agora a atingir o
pico; a produção de gás natural tem progredido com cerca de vinte anos
de atraso em relação ao petróleo e deve atingir o pico dentro de cerca
de vinte anos; a energia nuclear tem progredido com mais de meio século
de atraso relativamente ao gás natural, mas os seus recursos são
consideravelmente maiores do que os de petróleo ou gás.
O actual pico na capacidade de produção de petróleo convencional está a
impor uma pressão sobre o fornecimento de energia, com particular
incidência sobre os combustíveis líquidos (ASPO, Proceedings of the
International Workshop on Oil Depletion, Uppsala, Suécia, 23-25 de maio
de 2002, http://www.isv.uu.se/iwood2002/iwood2002procceding.html). O
recurso a fontes energéticas diversificadas e a melhoria da utilização
da energia (eficiência) são as principais medidas de política formuladas
pela Agência Internacional de Energia, desde a sua criação, na sequência
das crises petrolíferas dos anos 70. Mas está a tornar-se cada vez mais
óbvio que as medidas políticas tomadas até agora são insuficientes, viz
a viz o declínio iminente da oferta de petróleo. Esta situação denuncia
as secretivas políticas no que diz respeito à disponibilidade de
recursos adoptadas durante muito tempo tanto pela indústria petrolífera
como pelos países industrializados. Isso é sintomático da incapacidade
do sistema capitalista e dos seus modelos económicos de lidar
adequadamente com o meio ambiente, os recursos naturais, e em particular
com os que são exauríveis, como factores de produção. A maioria das
reservas de petróleo bruto e a sua capacidade variável de produção estão
em grande parte nas mãos da OPEP, cuja maioria dos membros são países do
Golfo Pérsico; outros importantes países produtores estão no Golfo da
Guiné (incluindo a Nigéria, membro da OPEP), no Golfo do México
(incluindo Venezuela, membro da OPEP) e Sudeste Asiático (incluindo
Indonésia, membro da OPEP); esta é uma geografia de conflito real ou
potencial para guerras por recursos.

*Os EUA como potência mundial hegemónica *

Dado o papel de vanguarda dos EUA, dever-se-ia indagar as razões pelas
quais está no momento a agir como está no cenário mundial. Temos que
olhar para os Estados Unidos como a potência hegemónica no
sistema-mundo, agora no início do seu declínio. A sua ascensão teve
início na depressão económica de 1873-1883, quando os EUA e a Alemanha
se posicionaram como sucessores do Reino Unido, que já então começava o
seu declínio enquanto potência mundial hegemónica. A ascensão dos EUA
foi desde então até ao fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota da
Alemanha numa longa “guerra de trinta anos” que durou de 1914 a 1945
(Immanuel Wallerstein, Comentário No. 99, 15 de Outubro, 2002, The The
U.S.-Iraqi War, Seen from the longue durée,
http://www.binghamton.edu/fbc/commentr.htm). O período de 1940 até 1973
foi um período de prosperidade económica do sistema capitalista, sob a
hegemonia mundial dos EUA. No decurso desse período, os EUA mantiveram
uma das maiores produtividades e alcançaram um dos maiores produtos per
capita do mundo. Para tanto, também dominou as forças armadas mundiais,
com o auxílio de alianças político-militares com as outras potências
económicas da época (OTAN, ASEAN) e um acordo de status quo com seu
único rival militar - a URSS (acordos de Yalta). A hegemonia diplomática
e militar foi sustentada pelo complexo militar-industrial (com ênfase na
telecomunicação, ciências e tecnologias aeroespaciais e nucleares);
deste modo, esses sectores industriais adquiriram uma influência
económica e política primordial desde então.
Este estado de coisas foi alterado devido a uma série de factores.
Primeiro, a ascensão económica da Europa Ocidental (e a sua união
política) e do Japão na década de 1960, que transformaram o
sistema-mundo numa estrutura económica mais multipolar e acabou com a
esmagadora superioridade económica dos EUA. Em segundo lugar, os EUA
depararam com o relativo sucesso das políticas “desenvolvimentistas” em
grande parte do resto do mundo, cujo objectivo era restringir a
capacidade dos países do centro de acumular capital à custa dos situados
na periferia do sistema capitalista. Na década de 1970 houve a “década
do desenvolvimento”, a busca por uma “nova ordem económica
internacional”, os dois choques do preço do petróleo da OPEP. Tudo isso
foi obra dos movimentos anticolonialistas e de libertação nacional e do
movimento dos países não alinhados, que estabeleceram resistência
organizada e forçaram mudanças nas regras fora do núcleo central do
sistema capitalista. Estes tinham sido alcançados com o decisivo apoio
diplomático e económico do sistema socialista; e alguns países como
China, Índia, Vietname e Cuba tiveram um papel muito importante nesse
sentido; o nacionalismo árabe também ajudou pela sua própria acção e por
meio da influente OPEP (criada em 1960). Nessa mesma altura, a derrota
dos EUA na guerra do Vietname não foi apenas um desastre militar;
desferiu também um grande golpe na capacidade dos EUA de permanecerem
como potência económica dominante do mundo; o conflito foi extremamente
dispendioso e esgotou as reservas de ouro dos EUA que tinham sido
abundantes desde 1945, e num momento em que a Europa Ocidental e o Japão
experimentavam grandes avanços económicos (Immanuel Wallerstein, The
Eagle Has Crash Landed, Foreign Policy July/Agosto 2002,
http://www.foreignpolicy.com/issue_julyaug_2002/wallerstein.html). Essas
diferentes mudanças minaram o poder dos EUA de continuar a impor a sua
versão da ordem mundial e determinaram o declínio da sua capacidade de
acumular lucros monopolistas.
A história dos EUA desde o início dos anos 1970 até hoje é uma batalha
para desacelerar o declínio geopolítico no contexto de estagnação e
recessão econômica mundial (estagflação e depressão). Um contra-ataque
foi lançado (Immanuel Wallerstein, America and the World: The Twin
Towers as Metaphor, Social Science Research Council, 5 de dezembro de
2001, http://www.ssrc.org/sept11/essays/wallerstein.htm). O FMI-BM não
podia mais ir além do que havia alcançado até agora para preencher a
agenda imperialista; a Comissão Trilateral, as reuniões do G-8, o Fórum
Econômico Mundial, as reuniões de Davos e outras foram criadas e o GATT
foi transformado na Organização Mundial do Comércio; essencialmente,
essas iniciativas visavam evitar que os diferentes centros capitalistas
mundiais se afastassem do controle dos EUA. O neoliberalismo foi
anunciado como a ferramenta ideológica e o conceito de globalização foi
difundido, com o intuito de conter o surgimento da periferia contra o
centro do sistema capitalista e a ameaça velada de sua ruína. A OTAN foi
remodelada, mas sua funcionalidade diminuiu; antiproliferação, guerra
preventiva e outras doutrinas foram introduzidas para remediar o
inevitável declínio militar. Nas décadas de 1980 e 1990, a
contra-ofensiva liderada pelos EUA parecia ter sucesso; mas se
avaliarmos o sucesso de todos esses esforços, percebemos que eles
reduziram a velocidade do declínio dos EUA no cenário mundial, mas não
impediram que ocorresse.
Com o início do declínio dos EUA dentro do sistema capitalista mundial,
as prioridades internas mudaram do bem-estar social para o bem-estar das
corporações. A persistente negligência e o vacilante investimento em
infraestrutura pública, em serviços de saúde e educação, em programas de
formação e emprego, em protecção ambiental e saúde pública, colocam
continuados riscos à população. O custo de restaurar a há muito
negligenciada infraestrutura física orçaria em US$ 2 milhões de milhões
(Dimitri Papadimitriou e L. Randall Wray, Are we all Keynesians
(Again)?, The Levy Economics Institute, 2001,
http://www.levy.org/docs/pn/01-10.html). No entanto, o governo manteve
sempre um forte envolvimento nas esferas sociais e económicas em
benefício das camadas sociais mais altas, sob o disfarce de defesa da
pátria, capacidade militar, segurança, bem-estar corporativo, retórica
patriótica, conduzindo assim ferozes políticas de classe. Isto seria em
breve levado muito mais longe, como será visto a seguir.
Os falcões ou o partido da guerra nos EUA nunca estiveram no poder
político entre 1941 e 2001. Para eles, o declínio dos EUA é real, mas
interpretam a causa desse declínio como vontade fraca e políticas
equivocadas. «Acreditam que o poder potencial dos EUA é imbatível desde
que seja exercido. Não são unilateralistas por defeito, mas
unilateralistas por preferência. Acreditam que o unilateralismo é em si
uma demonstração de poder e um reforço de poder» (Immanuel Wallerstein,
Commentary No. 97, September 15, 2002, 9/11, One Year Later,
http://www.binghamton.edu/fbc/commentr.htm). Após os acontecimentos de 9
de Setembro de 2001, os falcões tiveram a oportunidade de tomar o poder
em Washington.
A implementação do programa do partido de guerra pelo presidente Bush
foi dupla. Internacionalmente, o governo procurou e conseguiu criar uma
ampla coligação diplomática e militar para a “guerra ao terror” e, de
facto, os EUA invadiram o Afeganistão para derrubar o regime talibã e
supostamente destruir a Al-Qaeda; no processo, várias bases militares
foram instaladas na região do Cáspio. Internamente, o governo procurou
impor medidas drásticas de segurança, principalmente através da
aprovação quase unânime pelo Congresso do Patriot Act. Isso conferiu
poderes sem precedentes ao governo dos EUA na superação de obstáculos
legais aos seus propósitos. Tribunais militares podem agora ser
convocados pelo Presidente com regras a serem estabelecidas por ele,
tribunais que funcionarão em sigilo, sem direito de recurso, podendo
proceder rapidamente a uma conclusão, incluindo pena de morte,
possivelmente também concretizada em segredo. (Immanuel Wallerstein,
America and the World: The Twin Towers as Metaphor, Social Science
Research Council, 5 de Dezembro de 2001,
http://www.ssrc.org/sept11/essays/wallerstein.htm). O novo Departamento
de Segurança Interna é a maior reorganização do governo desde 1947;
aspectos vitais da Lei de Liberdade de Informação foram eliminados; foi
criado um programa de “conhecimento total da informação” dentro do
Departamento de Defesa; o conceito de terrorismo foi completamente
redefinido. Um “golpe de estado” constitucional foi realizado com
presteza após o ataque terrorista, sob o consentimento da maioria.
A actual agressividade das políticas internacionais dos EUA, por um
lado, e, por outro, o drástico recuo relativamente às tradicionais
liberdades civis dos seus cidadãos, denotam o reconhecimento implícito
do persistente declínio de sua influência como potência hegemónica. O
autoritarismo extremo e a violência são vistos por observadores
independentes como uma escolha de último recurso. No entanto, os EUA não
podem contar incondicionalmente senão com alguns aliados, não podem
contar com o seu próprio povo para morrer em campos de batalha no
exterior e já não podem manter várias frentes de guerra ao mesmo tempo,
apesar do seu poderio militar, devido a limitações económicas.

«Na conjuntura actual, a ordem económica existente como um todo está a
ser minada pelo conflito que emergiu entre a procura contínua do capital
de expandir a sua base de mais-valia disponível e as lutas políticas que
resultaram dessa procura.
É importante considerar a chamada ‘guerra ao terrorismo’ no contexto da
actual crise financeira porque, em essência, a guerra dos EUA contra o
mundo é uma tentativa da sua classe dominante de se apropriar de
recursos e mercados que de outra forma lhe seriam negados pelo ‘mercado
livre’. Basicamente, a economia dos EUA está à beira de um colapso
catastrófico e, para evitar essa realidade iminente, os EUA pretendem
apropriar-se dos recursos de petróleo e gás da Ásia Central e inserir-se
entre a emergente UE e blocos económicos do Leste Asiático. Além disso,
visa reorganizar as relações de produção tal como existem actualmente na
economia global, de modo a permitir uma exploração mais eficiente e
incontestada.» (Centro de Pesquisa Cooperativa, The current Financial
Crisis, 2002,
http://www.cooperativeresearch.org/the_current_financial_crisis.htm).

*Guerras por recursos*

Desde os tempos pré-coloniais as matérias-primas eram objecto de
transação comercial. Com o início da revolução industrial no final do
século XVIII, os impérios coloniais capitalistas configuraram-se como
redes para a colecta de recursos naturais (e de força de trabalho quando
necessário) e como entrepostos para a exportação de bens produzidos em
massa por parte das potências coloniais industrializadas. O capitalismo
de hoje não é diferente nos seus propósitos, embora seja diferente nos
seus meios. Desde então, em numerosos países do mundo menos
desenvolvido, os recursos naturais são motivo de conflitos armados, seja
por atraírem grupos predatórios que procuram controlá-los, seja
financiando guerras iniciadas devido a outros factores regionais,
alimentando desse modo as necessidades materiais, já não dos países
industrializados, mas sim das corporações transnacionais.
Exemplos proeminentes incluem Serra Leoa, Angola, República Democrática
do Congo, Sudão e Afeganistão. Conflitos armados eclodiram também em
vários países para abrir caminho para projetos de mineração e extracção
de madeira - petróleo na Colômbia e na Nigéria, madeira e gás natural na
Indonésia e cobre na Papua Nova Guiné. Misturadas com as guerras de
recursos, outras “oportunidades de negócios” criminosas se desdobram e
estão geralmente associadas com elas, como negócios de armas e tráfico
de drogas, ou seja, miséria cada vez maior.
Governos corruptos, rebeldes, e senhores da guerra ganharam pelo menos
US$ 12 mil milhões vendendo mercadorias de conflito e usaram o dinheiro
para se armar e servir os propósitos de quem lhes orienta os negócios. O
custo humano desses conflitos tem sido extraordinariamente pesado - mais
de 5 milhões de pessoas mortas durante a década de 1990, cerca de 20
milhões expulsas das suas casas e danos ambientais consideráveis em
áreas muitas vezes sensíveis (Michael Renner, The Anatomy of Resource
Wars, Outubro 2002). Claro, esses US$ 12 mil milhões são apenas um custo
acessório para as corporações que compraram esses serviços de guerra.
Receitas muito maiores para as corporações interessadas deverão ter
resultado de tais custos de “serviços de guerra”, bem como das
“oportunidades colaterais de negócios”.

De entre as mercadorias das quais se alimenta o poder económico e
político do sistema capitalista mundial, o petróleo bruto é de
importância central. Pela sua escassez, pelos seus múltiplos, essenciais
e específicos usos finais e pelos enormes lucros e impostos
proporcionados pelo seu comércio. No período 1996-2000, a média anual de
impostos sobre o petróleo arrecadados pelos governos do G7 (EUA, Canadá,
França, Alemanha, Itália, Grã-Bretanha e Japão) foi de US$ 270 mil
milhões; e a receita média anual de vendas de petróleo obtida pela OPEP
foi de US$ 170 mil milhões. O preço da gasolina para os consumidores
varia significativamente, de menos de US$ 0,5 por litro nos EUA e Canadá
a mais de US$ 1 por litro na UE; isso não se deve às diferenças de custo
do petróleo bruto, mas à grande variação dos impostos aplicados sobre os
seus destilados; a margem da indústria petrolífera, incluindo o seguro
de transporte, varia, mas em menor grau, sendo comparável ao preço do
petróleo bruto (FOB) que paga o custo de extração. A grande diferença
reside nos impostos governamentais, que são muito altos na UE; esses
governos arrecadam de impostos três a quatro vezes a quantia que os
países produtores recebem pela venda do seu petróleo; na América do
Norte os dois valores são comparáveis (Divisão de Investigação, OPEP,
Viena, Áustria, 2001). As empresas transnacionais de petróleo são
remuneradas pelo preço do petróleo bruto, onde detêm participação na
etapa de extração (portanto, não nos países onde a indústria petrolífera
é nacionalizada, como Irão e Venezuela) mais o transporte (seja por
oleoduto ou por frota de petroleiros) mais os preços de destilação e de
entrega. Tal como acontece com todas as outras mercadorias, o preço
final é muito superior ao preço pago pela matéria-prima.
Não é de admirar que as potências capitalistas financiem guerras por
recursos e estejam prontas a enviar os seus próprios exércitos para se
apossar de fontes de matérias-primas quando acharem conveniente. No
primeiro caso, pela camuflagem silenciosa das suas malfeitorias; e no
segundo caso por meio de repetidas mentiras e retórica doutrinadora, com
as quais enganam e “mobilizam” os seus povos, para os seus secretos
propósitos criminosos.

*O ataque ao Afeganistão e além dele*

A expedita acção militar dos EUA no Afeganistão após o ataque terrorista
de 11 de Setembro de 2001 parece sintomática da existência de um
ambicioso plano para controlar os recursos petrolíferos em todo o mundo.
«A actual ‘guerra ao terrorismo’ liderada pelos EUA está
convenientemente a resultar no estabelecimento de várias bases militares
dos EUA na Ásia Central e arredores. Este fenómeno em curso coincide com
um plano estratégico de longo prazo que foi delineado por Zbigniew
Brzezinski no seu livro de 1997, The Grande Chessboard. Nesta muito
reveladora publicação, o ex-assessor de segurança nacional argumentou
que o controlo dos EUA na Ásia Central é essencial para o seu objectivo
de longo prazo de manter a hegemonia global (…) Os principais actores
são Rússia, China, Irão e EUA, mas todas as nações na área circundante e
muitos além têm uma participação no jogo. O ‘novo grande jogo’
desempenha um papel muito significativo na assim chamada estratégia do
‘grande tabuleiro de xadrez’, cujo objectivo é aumentar a hegemonia
global dos EUA, ganhando o controlo dos recursos da Ásia Central e
impedindo a ascensão ao poder de outros Estados concorrentes –
nomeadamente a Rússia, a China, os Estados Árabes e a União Europeia.
Todavia, o ‘novo grande jogo’ é mais complicado do que apenas uma
simples corrida de pipelines; pelo contrário, é uma luta que envolve
interesses geopolíticos concorrentes, forças de mercado, um sistema
financeiro em rápida deterioração e operações secretas de terrorismo e
sabotagem. Antes da “guerra ao terrorismo”, parecia que a Rússia estava
à frente dos EUA neste “jogo” porque havia construído com sucesso vários
oleodutos ao longo das suas rotas preferidas. Se a Rússia tivesse
conseguido controlar uma percentagem significativa da distribuição de
petróleo e gás da Bacia do Cáspio, o plano dos EUA de manter e aumentar
a sua hegemonia global poderia ter sido severamente prejudicado. No
entanto, desde o 11 de Setembro, o cenário geopolítico sofreu mudanças
dramáticas. Por um lado, os EUA obtiveram ganhos dramáticos no jogo sob
a capa da “guerra ao terrorismo” ao estabelecerem numerosas bases
militares na Ásia Central. Outra mudança é a aparente convergência de
interesses dos EUA e da Rússia. Desde 11 de Setembro, houve várias
indicações de que a Rússia e os EUA podem cooperar no desenvolvimento
das reservas de petróleo e gás do Mar Cáspio» (Center for Cooperative
Research, Oil Industry Interests, 2002,
http://www.cooperativeresearch.org/Oil%20Industry%20Interests.htm).
Efectivamente, a guerra no Afeganistão foi acompanhada pelo
posicionamento de forças militares norte-americanas em toda a Ásia
Central rica em petróleo e seguida pelos preparativos para a agressão
norte-americana contra o Iraque, possuidor das segundas maiores reservas
de petróleo do mundo. Além disso, a guerra no Afeganistão coincidiu com
uma intensificação constante da pressão política dos EUA sobre a Arábia
Saudita, o maior exportador de petróleo do mundo. Depois, assistiu-se a
uma tentativa de golpe apoiada pelos EUA na Venezuela e ao reforço do
apoio militar na Colômbia, os dois mais importantes fornecedores
sul-americanos de petróleo para o mercado norte-americano. E no último
semestre de 2002, assistiu-se a missões diplomáticas e militares a
vários países da África Ocidental, tendo em vista a concretização de um
plano, apresentado pelo Africa Policy Initiative Group (AOPIG) no
Congresso dos EUA, para o controlo dos recursos na região do Golfo da
Guiné, que inclui a assistência à resolução de algumas disputas
territoriais sobre o território petrolífero, o investimento em
infra-estruturas energéticas como o oleoduto Chade a Camarões de 3,7 mil
milhões de dólares e, por último mas não menos importante, a instalação
de uma Base aeronaval norte-americana em São Tomé e Príncipe (François
Misser, Militarization du Golf de Guinée, Demain Le Monde n.º 69-70,
Décembre 2002- Janvier 2003). Nenhum desses episódios pode ser
devidamente entendido sem os considerar no âmbito da política geral
norte-americana de procurar dominar o mercado do recurso mais importante
e estratégico do mundo, o petróleo.
Uma segunda Guerra do Golfo aparece como um iluminado desígnio imperial.
O atentado terrorista de 11 de Setembro em território norte-americano
funcionou como mero gatilho para o ataque interno aos direitos
constitucionais, que foi imediatamente realizado, e para uma guerra
ultramarina na Ásia Central, que aguardava apenas uma oportunidade para
acontecer.
Os EUA abrigam um influente complexo militar-industrial desenvolvido
desde a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial, e novamente
impulsionado durante a Guerra Fria. Agora, a Guerra ao Terrorismo cumpre
o papel de inimigo externo que o governo norte-americano requer para
justificar a sua retórica patriótica para o aniquilamento de
consciências críticas e a cobrança de impostos extra para arrecadar
receitas públicas que irão depois alimentar as corporações privadas do
complexo industrial-militar, que fornecerá novas inovações em armamento
a qualquer preço e, posteriormente, lucrará ainda mais com a venda de
“spin offs” civis vendidos aos consumidores.

*A ameaça de uma segunda guerra do Golfo*

Os acontecimentos de 11 de Setembro foram, portanto, um mero gatilho
para lançar um grande plano diplomático e militar, já elaborado, visando
desmantelar a emergente comunidade de estados muçulmanos na Ásia Central
e reduzir a influência diplomática e económica da Rússia na região então
em recuperação e em obter o controlo sobre as reservas de petróleo e gás
na bacia do Mar Cáspio. Este poderia conter cerca de 15% das reservas
mundiais de petróleo, mas os relatórios da CIA e até do US Geological
Survey pretendiam exagerar essas riquezas. A rápida acção tomada pelo
governo dos EUA granjeou amplo apoio oficial na época, muito
provavelmente oportunista, que desde então se vem esvaindo. Mas,
entretanto, os EUA tiveram tempo para estabelecer algumas alianças
militares e algumas bases militares na região, e melhorar a sua posição
negocial para a extracção e transporte de petróleo e gás da bacia do Cáspio.
As contradições entre as potências capitalistas, e destas com outros
países, pelo controlo ou pelo menos o acesso ao abastecimento de fontes
de energia escassas, não podem ser adiadas e escondidas por muito tempo,
tanto mais que a tomada de consciência sobre o iminente declínio na
disponibilidade de petróleo vem crescentemente sendo reconhecido.
Importantes países das proximidades, cuja procura prospectiva é enorme,
nomeadamente a China e a Índia, e o Japão, que é hoje um dos centros do
sistema capitalista, têm interesses e argumentos próprios que os EUA não
se podem dar ao luxo de ignorar abertamente.
A situação real é ainda mais complicada pela circunstância de que o Mar
Cáspio e o Golfo Pérsico são duas regiões não apenas próximas uma da
outra, mas também intimamente relacionadas e interdependentes do ponto
de vista cultural e estratégico. Outro ponto importante para mudanças de
estados de espírito são as identidades dos países árabes, muçulmanos e
islâmicos, que foram prejudicados em todo o processo, a um preço que os
seus colaborativos respectivos governos pagam perante as suas opiniões
públicas.

«A propensão da administração Bush para a acção unilateral emergiu antes
de 11 de Setembro, e aquele acontecimento serviu apenas para a
encorajar. Reflectindo essa tendência geral foi a azeda e petulante
retirada do acordo de Kyoto sobre alterações climáticas, a maníaca
oposição ao Tribunal Penal Internacional, o abandono do Tratado de
Mísseis Antibalísticos e outros acordos de controlo de armas e – mais
surpreendentemente, à luz do compromisso declarado do presidente com o
livre comércio – a imposição de altas tarifas sobre o aço. Mas a
propensão para medidas unilaterais foi marcada sobretudo na condução da
guerra ao terrorismo e na doutrina estratégica que emergiu no seu
decurso. Essa doutrina prevê que os Estados Unidos tenham carta branca
para agir em nome das exigências percepcionadas do seu interesse
nacional e da segurança internacional. Mesmo quando o governo se
aproxima das instituições internacionais, como fez nas suas solicitações
de Setembro de 2002 ao Conselho de Segurança da ONU, fá-lo com a reserva
explícita de que tem em qualquer caso a intenção seguir o rumo
escolhido, impugnando dessa forma a autoridade do conselho no próprio
apelo que lhe dirige” (David Hendrickson, The Course of Empire, World
Policy Journal, outono de 2002).

O mundo depara-se com a ameaça de uma segunda Guerra do Golfo. A longo
prazo, os estrategas de guerra veem isso como um meio de trazer o Iraque
e, eventualmente, todo o mundo árabe para uma “democracia” estável num
sistema de mercado aberto. James Woolsey, ex-director da CIA, declarou
ao The Atlantic Monthly: «… se der atenção aquilo que nós e os nossos
aliados realizámos com as três guerras mundiais do século XX – duas
quentes e uma fria – e aquilo que fizemos nos interstícios, já o
conseguimos em dois terços do mundo. Há oitenta e cinco anos, quando
entramos na Primeira Guerra Mundial, havia oito ou dez democracias nessa
altura. Agora é à volta de cento e vinte (…). Se olharmos para o que
aconteceu em menos de um século, então fazer com que o mundo árabe e o
Irão se movam na mesma direcção parece muito menos impressionante. Não é
a americanização o mundo. É atenizá-lo (torná-lo Atenas). E isso é
factível.»
Percebe-se a óbvia postura do partido da guerra na administração dos
EUA: eles são o braço armado do imperialismo em nome da democracia e do
livre mercado. Daqui também se vê, ainda não é o fim da história como
clamava Francis Fukoyama, mas é a continuação do mesmo percurso
histórico, ainda inacabado, e sempre pelos mesmos meios. Não em nome de
Deus ou da justiça ou da liberdade, igualdade e fraternidade; antes em
nome da democracia (estilo ateniense) e do livre mercado (não da
humanidade livre) (James Fallows, The fifty-first state?, The Atlantic
Monthly, Novembro de 2002).

*Os recursos petrolíferos do Iraque e do Irão*

Mas o epicentro do plano imperialista mundial está neste momento no
Iraque. Um artigo publicado na primeira página do Washington Post, “In
Iraqi War Scenario, Oil Is Key Issue: U.S. Drillers Eye Huge Petroleum
Pool”, 15 de Setembro de 2002,
http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/articles/A18841-2002Sep14.html
começa: “A deposição do presidente iraquiano Saddam Hussein liderada
pelos EUA poderia abrir uma bonança para as companhias petrolíferas
americanas há muito banidas do Iraque, afundando acordos de petróleo
entre Bagdad e Rússia, França e outros países, e reorganizando os
mercados mundiais de petróleo, segundo funcionários da indústria e
líderes da oposição iraquiana”.
O Iraque cobre cerca de 435 mil quilómetros quadrados e possui uma
população de 20 milhões de pessoas. A nordeste é montanhosa e abriga a
população curda (cerca de 4 milhões); os rios Tigre e Eufrates correm ao
longo de férteis planícies até ao Golfo Pérsico, lugar da população
xiita (cerca de 12 milhões). O petróleo foi descoberto no início do
século XX; a sua exploração e comércio tornou-se em 1912 a obra
vitalícia de Calouste Gulbenkian (ainda sob o poder otomano); fundou a
Turkish Petroleum Company, detida pelo Deutsch Bank, Shell e o Turkish
National Bank. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a importância do
petróleo tornou-se bastante mais evidente e as potências capitalistas
avançaram com rapidez; interessadas negociações ocorreram no rescaldo da
guerra; um novo reino foi estabelecido como Iraque com sede em Bagdad
sob a protecção da Grã-Bretanha. A antiga petrolífera foi reestruturada
em Iraq Petroleum Company com as seguintes participações: Shell
(anglo-holandesa), BP (britânica) e CFP (França, agora Total-Fina-Elf)
com 23,75% cada, Exxon e Mobil ( ambas EUA, agora Exxon-Mobil) com
11.875% cada, sendo os restantes 5% detidos pelo próprio Gulbenkian.
Após a Segunda Guerra Mundial, o nacionalismo árabe em ascensão levou à
nacionalização da maioria das empresas petrolíferas da região, também o
fazendo o Iraque em 1972; Saddam Hussein estava politicamente empenhado
na batalha política ao lado do partido Baath e foi nomeado presidente em
1979.
Segundo informação actualizada, o Iraque possui cinquenta campos de
petróleo, metade dos quais são campos gigantes, contendo juntos cerca de
90 mil milhões de barris de petróleo, dos quais cerca de 50 mil milhões
estão em apenas três campos (Rumaila, Kirkuk e East Bagdad);
extrapolando descobertas passadas, o total de produção passada e futura
é estimado em 135 mil milhões de barris, dos quais 27 mil milhões são de
produção passada; as estatísticas mostram que a descoberta atingiu o
pico em 1948 e prevê-se a data do pico de produção em 2013. A taxa de
produção é de cerca de 2 milhões de barris por dia, mas pode ser maior,
devido às incertas exportações de contrabando através dos estados
fronteiriços, não permitidas pelo actual embargo da ONU; em condições
irrestritas, tendo pouca capacidade disponível hoje em dia, a taxa de
produção pode ser elevada para 3 milhões em 2010 e para um pico de 4,5
milhões por volta de 2020.
O Irão é de suma importância no Golfo Pérsico por vários motivos: possui
uma das maiores reservas de petróleo bruto e gás natural do mundo, uma
população grande e jovem e uma forte identidade nacional e ocupa uma
localização estratégica única abrangendo o Mar Cáspio, o Golfo Pérsico e
o Oceano Índico.
No que diz respeito ao petróleo, o Irão detém 90 mil milhões de barris
de reservas provadas, cerca de 9% do total restante do mundo, a quinta
maior. A maioria delas está concentrada na região sudoeste do Khuzestan,
perto da fronteira do Iraque e do Golfo Pérsico e no próprio Golfo,
perto do Estreito de Ormuz. No que diz respeito ao gás natural, o Irão
detém 16% das reservas mundiais, das quais a maior parte está no campo
de gás South Pars, o maior do mundo, na fronteira entre os mares do
Catar e do Irão no Golfo Pérsico. South Pars deve ser desenvolvido ao
longo de pelo menos 25 anos, num projecto que tem como accionistas
TotalFinaElf, ENI e Enterprise Oil PLC, enquanto RoyalDuctch/Shell e BP
PLC estão a licitar licenças de exploração (James Chater, Iran: what
lies beneath the horizon? Valve World, 2002,
http://www.valve-world.net/articles/iran.asp).
As reservas de gás do Irão são as segundas maiores do mundo, depois da
Rússia, e o Catar segue em terceiro. Esses três países - Rússia, Irão e
Catar - possuem juntos cerca de metade das reservas mundiais comprovadas
de gás natural. Ao coordenar suas estratégias dentro de uma organização
exportadora de gás, incluindo outros países do Golfo Pérsico que também
possuem reservas significativas de gás, poderiam certamente ter um
grande impacto no mercado internacional de gás. Entre outras coisas,
poderiam impor regras e regulamentos sobre a produção, exportação e
preços de gás entre um número crescente de pequenos exportadores de gás
(Hooman Peimani, Russia, Iran: Stepping on the gas, Asian Times Sptember
27, 2002, http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/DI27Ag01.html ).

*A guerra no Iraque*

É bom lembrar como a Guerra do Golfo foi iniciada em 1990. Os conflitos
nas províncias curdas do Iraque e do Irão explodiram em lutas intensas
em 1974 e novamente em 1979, desta vez iniciando a guerra de oito anos
Iraque-Irão, com o apoio do Iraque pelos EUA, na época formalmente
neutros, mas de facto mais preocupados em combater o regime islâmico em
Teerão. No final de 1990, o Kuwait provocou o Iraque aumentando a sua
participação na produção dentro da OPEP e bombeando do campo de petróleo
Rumaila para além da fronteira comum; segundo alguns relatórios, o
Iraque foi apoiado pelos EUA nessa acção. Seja provocado à acção ou por
avaliar mal a sua extensão, o Iraque rapidamente conquistou o Kuwait; os
EUA pretendiam expulsar o Iraque do Kuwait e, com o apoio da ONU,
conduziram a Guerra do Golfo em 1999, até à rendição de Bagdad. São
referidas novas armas ou são conhecidas por terem sido testadas e
empregadas naquela guerra, nomeadamente, o uso extensivo de munições de
urânio empobrecido e mísseis guiados carregando estabilizadores de voo
de urânio empobrecido.
A ocupação norte-americana do Iraque poderia levar ao restante Médio
Oriente ao seu redor em guerra, uma guerra religiosa e étnica total, com
recurso a armas convencionais e não convencionais, como consequência de
sucessivos ataques de retaliação. Confinando-nos ao território
iraquiano, seguir-se-ia uma crise humanitária e a necessidade massiva de
serviços de socorro, no contexto da destruição da maioria das
infra-estruturas e da obliteração das estruturas sociais e políticas.
Após as dificuldades de uma década de sanções e de uma guerra
desencadeada sozinho, os EUA serão fortemente pressionados a cuidar do
desastre humanitário.
No caso do derrube do poder em Bagdad, no vácuo de uma liderança firme,
podem surgir senhores da guerra, podem ocorrer acções de vingança e de
justiça por conta própria, de modo que deve ser exigido o policiamento
das áreas destruídas e conquistadas. Gerir uma força de ocupação seria
um desafio, exigindo pelo menos 50 mil efectivos, o que seria um
desgaste para as forças armadas dos EUA. Mas há também um problema de
qualidade. Grande parte da força de ocupação deve vir das especialidades
de assuntos civis, pessoas supereducadas treinadas na restauração de
infra-estruturas, estruturas policiais, tribunais, etc.; a maioria está
na reserva ou foi já enviada para os Balcãs e outros lugares; de 1947 a
1983, as unidades de assuntos civis convocadas das reservas eram poucas;
mas desde então tem sido recorrente o recurso a elas. A incapacidade de
comunicar e o não entendimento das rivalidades e políticas regionais são
dificuldades que desafiam uma força de ocupação que, agora, não conta
com aliados árabes na região do Golfo, (James Fallows, The fifty-first
state?, The Atlantic Monthly, November 2002
http://www.theatlantic.com/issues/2002/11/fallows.htm).
Em caso de derrube do poder, no Iraque não existe óbvia fonte
alternativa de autoridade legítima. Do século XVI até a Primeira Guerra
Mundial, o Iraque fez parte do Império Otomano; consistia em três
províncias: a província dominante de Bagdad no centro, de influência
muçulmana sunita; no norte montanhoso, a antiga província de Mosul, o
reduto curdo; a antiga província de Basra, no sudeste, a mais populosa,
de maioria muçulmana xiita. Após a Segunda Guerra Mundial, foi
estabelecido um reino iraquiano sob proteção britânica com um mandato da
Liga das Nações; este reino durou até 1958 quando um golpe militar
derrubou o governo e em 1963 o partido Baath assumiu o poder. O Iraque e
os seus vizinhos periféricos são um quebra-cabeças cultural; forças
étnicas, religiosas etc. separam-nos, excepto quando está em vigor um
governo central forte. Na ausência do seu centro, por influência interna
ou externa, o Iraque pode como outros países separar-se, como poderia
suceder na Indonésia e sucedeu na Jugoslávia.
Seis países fazem fronteira com o Iraque – Kuwait, Arábia Saudita,
Jordânia, Síria, Turquia e Irão. Podem não ser amigos do actual regime
no Iraque, mas seriam ameaçados por uma eventual implosão daquele país.
Existem províncias curdas não apenas no Iraque, mas também na Turquia e
no Irão, que são uma área potencial para um maior envolvimento externo
desses países. Envolvimentos semelhantes podem ser reclamados como
resultado de afinidades e populações migradas compartilhadas entre a
província xiita do sudeste do Iraque e o Irão xiita. Kuwait, Arábia
Saudita e Jordânia são monarquias árabes que estariam ameaçadas pela
instabilidade e pelo desequilíbrio trazido à região em caso de um
apagamento da influência do Iraque. Há muitas potenciais consequências
que podem surgir após uma acção militar inicial, dada a instabilidade
reinante na zona.

*Visões e Modelos do Sistema Mundial *

Entre os teóricos da política do sistema mundial pode ser traçada uma
ampla distinção entre funcionalistas, que defendem o papel das
hierarquias globais como servindo uma necessidade de ordem global, e
teóricos do conflito, que favorecem as formas pelas quais as hierarquias
servem os privilegiados. O termo “hegemonia” geralmente corresponde à
abordagem de conflito, enquanto os funcionalistas tendem a empregar a
ideia de “liderança”, embora ambos os termos possam surgir
indiferentemente. Outra diferença pode ser traçada entre aqueles que
enfatizam o papel do poder político e militar e aqueles que dão maior
peso ao “poder económico”. Muitos economistas não aprovam a noção de
poder económico na suposição de que as trocas de mercado ocorrem entre
parceiros iguais. Muitos cientistas políticos concordariam que o poder
económico ganhou cada vez mais importância.
Alguns autores reconhecem que a ordem mundial contemporânea pode ser
melhor compreendida à luz do poder exercido pelas corporações
transnacionais e pelos mercados financeiros globais (William Robinson,
Beyond Nation-State Paradigms: Globalization, Sociology and the
Challenge of Transnational Studies, Social Forum nº. 13 , 1998).
Para Wallerstein, a hegemonia é a vantagem comparativa em tipos
rentáveis de produção que serve de base à hegemonia política e militar
mundial; a hegemonia económica oferece o tipo de produção mais
lucrativo, no cimo da hierarquia global da divisão do trabalho
centro-periferia. Haveria três estágios dentro de cada período de
hegemonia; o primeiro baseado no sucesso na produção de bens de consumo,
o segundo na produção de bens de capital e o terceiro alicerçado no
sucesso dos serviços financeiros e no investimento estrangeiro
decorrentes da centralidade institucional no sistema-mundo. (Immanuel
Wallerstein, The Modern World System, Nova York: Academic Press, 1989).
George Modelski e William Thompson são cientistas políticos cuja
perspectiva teórica contém o funcionalismo estrutural (Modelski e
William Thompson, Leading Sectors and World Powers: the Co-evolution of
Global Economics and Politics, Columbia: University of South Carolina
Press, 1996). O mundo necessita de ordem e, portanto, as potências
mundiais levantam-se em determinadas oportunidades para preencher essa
necessidade. Emergem com base na vantagem económica comparativa em
indústrias inovadoras que lhes permitem adquirir os recursos necessários
para vencer guerras entre outras potências políticas e mobilizar
coligações que mantenham uma certa ordem mundial. As guerras
funcionariam como mecanismos de seleção conduzindo à liderança global.
Mediram o ascenso de certos comércios e indústrias importantes que foram
considerados relevantes para a ascensão das potências mundiais e também
o grau de concentração de poder naval no sistema interestatal europeu
desde o século XV (Modelski e Thompson 1988). O seu modelo postula que
cada “ciclo de poder” mundial é composto de duas ondas Kondratieff. A
Grã-Bretanha desempenhou duas vezes o papel de líder mundial, uma no
século XVIII e outra no século XIX; e designam os Estados Unidos como o
líder mundial do século XX e possivelmente também do XXI.
Giovanni Arrighi (Giovanni Arrighi, The Long Twentieth Century, New
York: Verso, 1994) adopta o conceito de “ciclos sistémicos de
acumulação” e explica a hegemonia mundial pela colaboração bem-sucedida
entre capitalistas e detentores do poder estatal. Admite que as
indústrias inovadoras são importantes na ascensão de uma potência
hegemónica, mas afirma que o lucro da produção e do comércio se torna
mais difícil no final de um ciclo sistémico de acumulação, de modo que,
durante a fase de declínio do ciclo, os capitalistas concentram cada vez
mais a sua actividade em obter lucros com a especulação financeira.
Joachim Rennstich (Joachim Rennstich, The Future of Great Powers
Rivalries, em Wilma Dunaway (eds.) New Theoretical Directions for the
21st Century World-System, New York: Greenwood Press, 2001) formula as
reorganizações das estruturas institucionais que conectam capital com
Estados para facilitar o surgimento de unidades hegemónicas cada vez
maiores no decorrer dos últimos seis séculos. Anuncia a possibilidade de
os EUA sucederem a si próprios no século XXI como potência mundial
hegemónica.
Alguns estudiosos da economia política, entre os “teóricos do conflito”,
focam-se ou enfatizam as possíveis relações entre as ondas económicas
longas e os acontecimentos tanto políticos como militares; o próprio
Kondratieff foi o primeiro a apresentar essa possibilidade. Goldstein
(Joshua Goldstein, Long Cycles: prosperity and war in the modern age,
New Haven: Yale University Press, 1991) reexaminou esta questão que tem
sido retomada ultimamente por vários outros autores. Christopher
Chase-Dunn e Bruce Podobnik (Christopher Chase-Dunn e Bruce Podobnik,
The Next War: World-System Cycles and Trends, Journal of World-Systems
Research, vol. 1(6), 1995,
http://csf.colorado.edu/wsystems/jwsr/vol1/v1_n6.htm), examinou a etapa
contemporânea do desenvolvimento global dentro de um modelo de longa
linha de tempo dos ciclos do sistema mundial e tendências para chegar à
afirmação: «…há uma probabilidade significativamente alta de que guerra
entre estados centrais poderá ocorrer na década de 2020. As perspectivas
para a formação do Estado global nas próximas três décadas são
consideradas. Recomendamos uma combinação do aumento das forças de
manutenção da paz da ONU e a continuação da força militar dos EUA como a
solução menos má e mais viável para o problema de evitar o holocausto
nuclear na década de 2020». Tal relação hipotética deve ser tomada com
muita cautela, tendo em vista os escassos dados e tendo em conta o
conteúdo ético da questão. E tais posições assertivas parecem mais acção
política do que investigação académica.

Tradução: Filipe Diniz

Em
O DIARIO.INFO
https://www.odiario.info/pax-americana/
14/6/2022

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