terça-feira, 18 de abril de 2023

A OPEP+ e a luta do capitalismo contra a inflação


 


    Prabhat Patnaik [*] <#asterisco>

Estados da OPEP+.

Exceto em tempo de guerra, o capitalismo procura /invariavelmente/
controlar a inflação criando uma recessão; e isto acontece mesmo quando
a inflação foi causada por um aumento autónomo das margens de lucro dos
capitalistas, as quais são inflexíveis em baixa e portanto não seriam
reduzidas por uma recessão. Esta estratégia é prosseguida porque uma
recessão reduz invariavelmente a procura de produtos primários e,
consequentemente, os seus preços; isto serve para reduzir a inflação. Do
mesmo modo, uma recessão aumenta a taxa de desemprego e reduz assim a
força negocial dos trabalhadores empregados, o que significa que os
trabalhadores não obtêm aumentos salariais que os compensem pelo aumento
do seu custo de vida; também isto serve para baixar a taxa de inflação.

Se pensarmos nos três pretendentes daquilo que é produzido numa economia
capitalista – nomeadamente os capitalistas, os trabalhadores e os
fornecedores de produtos primários sob a forma de alimentos e materiais
correntes – então pode dizer-se que a inflação emerge porque as
pretensões sobre o produto destes três em conjunto excedem a própria
produção. A política anti-inflacionária sob o capitalismo consiste
portanto, invariavelmente, em baixar as quotas dos dois últimos grupos e
não as dos capitalistas, reduzindo a sua força negocial através de uma
recessão.

É significativo que mesmo economistas liberais americanos, que
reconhecem serem os trabalhadores as vítimas da atual inflação, ainda
assim recomendam controlar os aumentos de salários monetários, ou seja,
aumentar ainda mais o fardo sobre os trabalhadores, como meio de
controlar a inflação. Uma vez que esta é a lógica do capitalismo e que a
perspectiva dos economistas liberais está confinada exclusivamente ao
capitalismo, eles encaram o modo do capitalismo de controlar a inflação
como o único possível. E é também evidente que a motivação do
capitalismo para controlar a inflação não reside em qualquer simpatia
pelos trabalhadores por ela esmagados (pois então não estaria a procurar
controlar a inflação à sua custa), mas sim no facto de a inflação
prejudicar /interesses financeiros/; o valor real dos ativos detidos
pela oligarquia financeira é reduzido pela inflação.

Mencionei acima dois grupos à custa dos quais a inflação é perseguida a
fim de ser controlada sob o capitalismo. Mas se um destes grupos
conseguir resistir a um esmagamento, então o sistema precisa de esmagar
o outro grupo ainda mais drasticamente a fim de controlar a inflação. E
para fazer isso precisaria de impor uma recessão ainda mais drástica.
Isto é exatamente o que parece estar a acontecer no momento presente.

No dia 2 de Abril, os países da OPEP+, constituídos pelos 13 membros da
OPEP e 11 outros países não OPEP produtores de petróleo que incluem a
Rússia, decidiram reduzir a sua produção petrolífera em 1 milhão de
barris por dia a partir de Maio e até pelo menos o fim deste ano. Este
corte ultrapassa o anunciado pela OPEP+ em Outubro do ano passado, da
ordem dos 2 milhões de barris por dia. Aquele corte ocorrera apesar da
pressão maciça em contrário exercida pelos Estados Unidos. Joe Biden, o
presidente dos EUA, havia enviado vários dos seus ministros à Arábia
Saudita, um líder da OPEP e um aliado próximo dos EUA, e havia mesmo
visitado pessoalmente aquele país, a fim de o persuadir a evitar tal
ação – mas em vão. Mesmo contra o presente corte os EUA exerceram uma
pressão imensa, mas mais uma vez em vão. Estes cortes na produção são o
testemunho do declínio da hegemonia dos EUA que se tem verificado
ultimamente.

O argumento apresentado pela OPEP+ para o anunciado corte na produção é
que a procura de petróleo está a ser reduzida devido à recessão. Por
outras palavras, argumentam que quando há uma redução na procura de
petróleo, os produtores estão em melhor situação se a produção ao invés
do preço for reduzida, que é de facto o que estão a fazer cumprir. O seu
argumento pode ser entendido como se segue:  suponhamos que há uma
redução de 10% na procura ao preço atual; se a produção for reduzida em
10%, então o preço permanece inalterado e as suas receitas totais também
caem em 10%. Mas se deixarem a produção permanecer inalterada e deixarem
o preço cair até que a procura e a oferta sejam igualadas, então a queda
do preço será superior a 10 por cento e portanto a receita cairá mais de
10 por cento. /Isto acontece porque a procura de petróleo é inelástica
ao preço/ (na verdade, é exatamente este o /significado/ de
inelasticidade-preço da procura). Aliás, é esta elasticidade-preço da
procura de petróleo que faz com que as multinacionais petrolíferas
aumentem as suas margens de lucro e consequentemente os preços sempre
que precisam se safar.

Os produtores portanto ficam melhor se reduzirem a produção quando há
uma redução da procura induzida pela recessão do que se mantiverem a
produção inalterada e deixarem o preço ajustar-se para igualar a procura
com a oferta. Este é o argumento da OPEP+ para cortar a produção; e já
antes de o corte na produção ter entrado em vigor, há um aumento de 6%
no prazo de uma semana no preço do petróleo bruto, em antecipação do
mesmo. Mesmo os preços das ações de algumas multinacionais petrolíferas
também começaram a subir.

Se os preços do petróleo forem mantidos em alta através de cortes na
produção de petróleo bruto, então o efeito de uma recessão engendrada
pela redução da taxa de inflação é reduzido de forma correspondente.
Isto significa que a extensão da recessão terá de ser ainda maior, a fim
de impor uma restrição ainda maior aos salários reais dos trabalhadores
e à quota de outros produtores de matérias-primas não petrolíferas e de
alimentos. Mas sendo já bastante baixa a parte dos produtores de
matérias-primas não petrolíferas e de alimentos na produção, o fardo
terá de ser suportado pelos assalariados. A questão é: será que a classe
trabalhadora no mundo capitalista, especialmente nos países capitalistas
avançados, permitirá que isto aconteça? Na medida em que não o permitir,
a recessão que é a panaceia capitalista para a inflação terá de ser
ainda maior.

Contudo, a resistência da classe trabalhadora não se limita ao
esmagamento dos salários reais; é também ao maior desemprego. E se a
recessão se tornar demasiado profunda, isso provocará uma ação
significativa da classe trabalhadora. A Europa já está atormentada por
uma onda de greves; de facto, nenhum grande país europeu está atualmente
livre de lutas grevistas significativas. Se a recessão se aprofundar,
então a classe trabalhadora, sob o ataque em pinça da inflação e do
desemprego, tornar-se-á ainda mais militante.

Mas isso não é tudo. Se a recessão se aprofundar, então os bancos
ficarão ainda mais sob tensão. Já há um stress considerável
experimentado pelo sistema bancário no mundo capitalista avançado, com
dois bancos norte-americanos a afundarem. Com o agravamento da recessão
e o resultante incumprimento de empréstimos bancários, a situação
tornar-se-á ainda mais grave.

Tudo isto aponta para um facto importante. Todo um conjunto de condições
está subjacente ao funcionamento aparentemente suave do capitalismo e se
o cumprimento de qualquer destas condições for prejudicado, então
desencadeia-se uma reação em cadeia que ameaça seriamente a estabilidade
de todo o sistema. A hegemonia do imperialismo metropolitano liderado
pelos EUA sobre a economia mundial é uma destas condições. Porque esta
hegemonia tem sido tão generalizada, tomada como garantida, a maior
parte dos analistas nem sequer se apercebe da sua relevância – mas uma
fenda na mesma, como a relativa assertividade da Arábia Saudita que
testemunhámos ultimamente, o facto de não mais seguir a linha americana,
está a ameaçar seriamente a estabilidade do sistema.

O capitalismo mundial tem estado em crise há muito tempo, desde o
colapso da bolha imobiliária em 2008. É uma característica da crise que
a tentativa de resolvê-la de uma forma simplesmente dá origem a uma
crise de alguma outra forma. A manifestação original da crise foi sob a
forma de estagnação; mesmo economistas de establishment como Lawrence
Summers, o antigo secretário do Tesouro dos EUA, começaram agora a falar
de uma "estagnação secular". Mas a tentativa de ultrapassar esta
estagnação através do bombeamento de crédito extraordinariamente barato
para o sistema durante um longo período de tempo, e a seguir incidindo
em enormes défices orçamentais na sequência da pandemia, provocou a
inflação atual. A guerra da Ucrânia, uma consequência do esforço para
manter a hegemonia ocidental sobre o mundo, acentuou esta inflação. E
agora o esforço para travar esta inflação está a ameaçar a hegemonia
ocidental sobre o mundo, bem como o controlo exercido pelo capital
metropolitano sobre a sua classe trabalhadora interna. O que estamos a
testemunhar, em suma, é um desmoronamento da conjuntura que estava
subjacente à estabilidade do capitalismo neoliberal.


        16/Abril/2023


    [*] Economista, indiano, ver Wikipedia
    <http://en.wikipedia.org/wiki/Prabhat_Patnaik>

Em
RESISTIR.INFO
https://www.resistir.info/patnaik/patnaik_16abr23.html
16/4/2023

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