domingo, 8 de março de 2015
Pensar as crises
Antoine Casanova* e Remy Herrera**
“O capitalismo, ferido no fundo do seu sistema de poder, conheceu outras crises
de que sempre saiu mais concentrado e poderoso. É ilusão acreditar que se vai
afundar sozinho sob o efeito da crise que atravessa. Se o problema estrutural
para a sobrevivência do capitalismo é a de uma pressão para a baixa de taxas de
lucro, e se a financeirização não for para ele uma solução durável, tudo o que
esse sistema oferece, até à sua agonia, é uma acentuação da exploração do
trabalho.”
«Aproximamo-nos do estado de crise e do século das revoluções. Acho impossível
que as grandes monarquias da Europa ainda durem muito tempo: todas brilharam e
todo o estado que brilha está em declínio. Tenho ideias particulares sobre este
assunto: mas não vem a propósito citá-las, para não falar demais»
J.J. Rousseau, 1762, Emílio ou a educação, livro III.
A crise actual como crise sistémica
O momento histórico que atravessamos é frequentemente encarado como uma crise
financeira que contaminaria o resto da economia. Na realidade, trata-se de uma
crise do capital considerada na sua totalidade, de que uma das manifestações
mais visíveis e mediatizadas surgiu da esfera dita «financeira», assim
artificialmente separada da esfera «real», devido à financeirização extrema do
capitalismo contemporâneo. Esta crise fere assim o verdadeiro centro do sistema
capitalista, o cerne do poder da finança, definido como constituído pelo bloco
dos oligopólios bancários (ainda principalmente estados-unidos) que controla
hoje a acumulação de capital. Isso, desde o fim dos anos 1970 e o «golpe de
Estado financeiro» que impôs ao mundo os dogmas do que se intitula
«neoliberalismo».
Uma série de desordens económicas repetidas atingiu sucessivamente vários países
e, há mais de três decénios, participa da mesma crise estrutural: México em
1982, crise da dívida do Terceiro Mundo dos anos 1980, Estados Unidos em 1987,
União Europeia (mesmo o Reino Unido) em 1992-93, México ainda em 1994, Japão em
1995, Ásia dita «emergente» em 1997-98, Rússia e Brasil em 1998-99, Estados
Unidos novamente em 2000, Argentina e Turquia em 2001… Esta crise agravou-se
quantitativa e qualitativamente desde 2006 e a sua evolução explosiva no segundo
semestre de 2008, alargou-se espacialmente a partir do centro do sistema, ao
mundo inteiro.
Não se trata de uma crise habitual e passageira de liquidez ou de crédito para o
qual o sistema se reorganizaria para recomeçar a funcionar «normalmente», graças
a um progresso renovado de forças produtivas e no quadro de relações sociais de
produção modernizados.
A crise actual é mundializada, global, sistémica: isso, de uma maneira e a
níveis que ultrapassam todas as crises internacionais do passado, em 1857, em
1907-08 e ainda mais em 1929 e no decénio de 1930. Que se entende então hoje por
«crise sistémica»? Isso significa que o sistema não encontrou e (em nossa
opinião) não encontrará mais soluções internas para a dinâmica contraditória que
origina.
Ao longo da sua história, o capital soube forjar instrumentos e instituições
(ligadas pelo essencial às intervenções etáticas e políticas dos Bancos
centrais) que lhe permitiram «gerir» as crises e delas amortizar, numa certa
medida, os efeitos mais devastadores — pelo menos no Norte — mas sem que jamais
as organizações da dominação do capital consigam suprimir as contradições
fundamentais do sistema. Essas últimas já se tornaram tão profundas e complexas
que os riscos reais de afundamento do sistema capitalista não podem mais ser
ignorados.
Para compreender de maneira razoável esta crise em particular, como as crises em
geral, capitalistas ou pré-capitalistas, a referência a Marx é para nós
absolutamente essencial, pois o (s) marxismo (s), ou seja certas «misturas»
boas, fornece (m) para esta análise meios muito poderosos, conceitos, métodos,
como também — apesar de muitas dificuldades e incertezas — os esquissos
políticos do futuro. É o quadro teórico mais útil à nossa disposição para
esclarecer a amplitude das transformações actuais do capitalismo em declínio, e,
mais ainda, compreender a necessidade das transições pós-capitalistas que se
iniciam sob a pressão dos povos em luta.
Retorno às crises «de tipo antigo»
A história da humanidade foi caracterizada pela existência de tipos de sistemas
históricos de relações sociais e de modos de produção diferentes dos do modo
capitalista. Comportaram ao longo dos séculos — e de milénios — tipo de relações
mercantis inseparáveis de relações mercantis inseparáveis de relações sociais de
produção que não estavam ao nível de traços essenciais, de relações sociais
propriamente capitalistas. Entendemos relações de produção tendo como eixo e
base, não únicos, mais no entanto maiores, um sistema capitalista
simultaneamente mercantil, industrial e financeiro, e que vai apresentar uma
especificidade histórica e antropológica própria. Entendemos também um sistema
que não se confunde com as sociedades que tem apenas relações mercantis; que já
foi inédito como Karl Marx observou e sublinhou no Livro I do Capital (1).
Esse sistema histórico desenvolveu-se, durante um longo espaço de tempo, no
quadro de coexistências contraditórias — elas mesmas de caminhos diversificados
— com as estruturas sociais, económicas e políticas de tipo senhorial e feudal,
o «regime feudal», para retomar os termos em curso na véspera da Revolução. É no
Século XVIII e mais ainda no século XIX e XX que o sistema histórico das
relações de produção capitalistas se tornará, com características e vias
diferentes segundo os países, uma realidade massiva e dominante. Nesses
movimentos, as relações mercantis e mais amplamente as relações sociais de
produção vão conhecer transformações e alargamentos quantitativos, qualitativos
e espaciais consideráveis.
Isso, com dois traços de nível antropológicos. De um lado, num quadro em ligação
com o desenvolvimento de uma profunda revolução das forças e capacidades
produtivas, a força de trabalho de milhões de seres humanos tornou-se uma
mercadoria cuja colocação no trabalho, com comando e exploração, foi comprada
pelo patronato contra um salário sobre «um mercado de trabalho». Por outro lado,
o mercado torna-se por isso um mercado de consumo de massa na medida em que
milhões de assalariados não possuem para o essencial qualquer meio de produção e
devem comprar os produtos necessários à sua existência.
Mas, sublinhemos de novo, durante muito tempo — e com duração e conteúdos muito
variáveis segundo os países — as relações mercantis desenvolveram-se no quadro
de relações de produção e de sistemas sociais e políticos que essencialmente não
eram os do capitalismo. Há fortes realidades que, do século XVI ao século XIX,
existiram na Europa: as de vendas, em mercados alargados, de bens produzidos nos
domínios senhoriais, não na base da preponderância do assalariado livre, mas na
de estruturas sociais e de relações de produção diferentes. Como, por exemplo,
os da escravatura nas plantações do Sul dos Estados Unidos até à Guerra da
Secessão na primeira metade dos anos de 1860. Ou, de modo inverso, na Europa
oriental, os das transformações da servidão realizadas em ligação com a extensão
zonal europeia e global — para a época — dos mercados. Ou ainda, noutros
contextos, os da evolução das relações sociais senhor-camponeses e estruturas e
orientações políticas no reino de França no século XVIII.
Essas realidades são acompanhadas por sua vez pelo desenvolvimento de
contradições, cada vez mais agudas e inseparáveis, simultaneamente técnicas,
socioeconómicas e políticas. Esses processos são por sua vez marcados por crises
específicas, repetidas e em muitos casos maiores, muito diferentes das do
capitalismo industrial desenvolvido, as «crises de tipo antigo» estudadas
principalmente por Ernest Labrousse (2) e Pierre Vilar (3).
Produtividade do trabalho, forças produtivas, contradições
O conhecimento dessas realidades, da sua evolução, a das suas contradições e as
crises que as caracterizam, alargou-se e afinou nos decénios do fim do Século XX
e no início do Século XXI. O mesmo aconteceu com os contributos preciosos do
estudo comparativo, e ainda mais raro como tal, o de Guy Lemarchand (4) Há ainda
imenso a fazer para melhor entender a dinâmica das contradições que se ligam às
crises e as constituem, a dos regressos repetidos com o aumento complexo, mas
forte, dos movimentos sociais ao longo do Século XVIII — e, em França, até aos
últimos decénios antes da Revolução.
Uma dimensão é necessária para esta aproximação; é uma visão mais acurada e
completa das experiências que foram as dos camponeses. Em relação aos
utensílios, com a perícia da sua prática e, assim, o desenvolvimento das
capacidades simultaneamente conceptuais e operatórias dos trabalhadores, obras
muito esclarecedoras, relatórios, pesquisas, e estudos foram elaborados sobre
este assunto no Século XVIII em França, a Enciclopédia e as suas pranchas
constituem um apoio magistral. Voltaremos depois a este ponto, fundamental.
Uma outra dimensão, simultaneamente específica e inseparável da precedente, diz
respeito à análise de experiências vivida pelos aldeões, com as inflexões, os
limites, os obstáculos que encontrou; tais os obstáculos ligados aos esforços de
se assenhorearem das terras comunais pelos senhores, ou os controles e
levantamentos multiformes (em tempo de trabalho, em natureza sobre os produtos
das colheitas das famílias camponesas, ou pelos levantamentos em dinheiro).
Esses processos apoiam-se sobre os poderes jurídico-políticos da dominação
senhorial. Os seus desenvolvimentos — no século XVIII em França, e mais tarde no
século XIX noutros países — estão ligados aos modos de pesquisa pelos senhores,
e seus agentes, de lucros em dinheiro pelas vendas nos mercados em posição
dominante.
Não é aqui possível apresentar com precisão esse processo. São inseparáveis das
pesadas dificuldades que são então as dos produtores camponeses em matéria de
crescimento da produtividade do seu trabalho, e entrelaçam-se com os efeitos de
inegualidades com os senhores e as camadas de camponeses. Constituem as bases
cada vez mais fortes para as crises locais, de que as amplificações e os enredos
alargam os terrenos e os retornos na segunda metade do Século XVIII.
Estes processos acompanham-se de movimentos sociais multiformes cuja força
expansiva se acentua em França no decénio de 1770 e ainda com mais força entre
1780 e 1789, realizado no nosso país com o «carácter esclarecedor de longas
durações», a pesquisa de Jean Menée mostra assim «a degradação contínua do
clímax de relações desde o segundo terço do Século XVIII, todos os tipos de
acções se confundem» (5)
É apenas possível aqui evocar cursivamente alguns aspectos dessas realidades
complexas e tocantes. É o caso do conhecimento dos processos de transformação
histórica das forças produtivas nos campos dos Séculos XVI ao XVIII e no início
do Século XIX.
Utensílios, gestos e capacidades operatórias
A evolução dos utensílios, gestos e capacidades apresentam níveis
simultaneamente diversos e articulados entre si. Um entre eles é constituído
pela dilação progressiva das capacidades do produtor. Este torna-se
incessantemente apto a conseguir e realizar com melhor conhecimento e utensílios
melhor adaptados, toda a gama de etapas da fabricação de um objecto ou duma
actividade agrícola policultural alargada, diversificada, enriquecida… Os
pequenos produtores imediatos a trabalhar por sua conta — sendo explorados e
vendo travar o desenvolvimento das suas aptidões e a produtividade do seu
trabalho pela pressão das diversas formas de domínio feudal — conseguem
tornar-se cada vez mais «virtuosos» retomando a expressão de Marx (6).
Ao mesmo tempo e contraditoriamente, a produtividade do trabalho dos
produtores-vendedores autónomos evolui de modo muito modesto, parcial, pouco
espectacular, mais real) não apenas por causa da virtuosidade global dos
produtores directos, mas também do facto da diferenciação e da especialização
das operações e dos utensílios manuais no sentido de processo de produção de
objectos dedicados a tal ou tal profissão.
No decurso desse período, progridem simultaneamente — ao mesmo tempo
consequência e negação potencial do desenvolvimento da adaptação de utensílios e
da virtuosidade do produtor imediato — processos de simplificação,
aperfeiçoamento, multiplicação dos instrumentos de trabalho. Estes acham-se cada
vez «acomodados às funções separadas e exclusivas de trabalhadores parcelares
(7). Este período histórico que, na indústria, é da manufactura criou «uma das
condições materiais do emprego de máquinas, as quais consistem numa combinação
de instrumentos simples».
Assim constituem-se as condições de génese e de expansão de uma etapa
qualitativamente nova, à escala da história da espécie humana, de forças
produtivas. O seu êxito pleno vai estar ligado ao desenvolvimento do
capitalismo, e vai contribuir para lhes dar as bases materiais de uma maneira
historicamente específica de aumento da produtividade do trabalho humano.
Os traços até agora evocados desenvolveram-se cada vez intensa e precocemente no
quadro da produção manufactureira. Mas caracterizam o conjunto do movimento das
forças produtivas dessa etapa. E, desse ponto de vista, o Século XVIII apresenta
um atractivo particular: «Século em que se anunciam as perspectivas da máquina,
é também [aquele] em que as modificações decisivas dão a algumas ferramentas a
sua forma óptima. É o século que escuta ainda a linguagem de diversas profissões
que a indústria moderna apagou para sempre» (8)
Estas transformações lentas mas reais das ferramentas e das capacidades
produtivas nos campos são de porte antropológico (9).
Aristocracia, lucros em dinheiro, lutas camponesas
Estes processos de transformação lentos, diversificados, de um conhecimento cada
vez mais maduro na Europa e, segundo uma realidade específica em França,
desenrolam-se no seio de condições e de limites inerentes às formas e às
estruturas no seguimento de uma longa história pelo modo feudal de produção no
fim do Século XVIII. Estas modificações e transformações apresentam traços
comuns essenciais, eles próprios inseparáveis de vias e soluções diversas. No
conjunto, a classe dominante acaba por aceitar nos levantamentos operados no
trabalho das famílias e das comunidades rurais camponesas, finalidades e
objectivos para os quais não tinham sido elaborados.
Trata-se de fornecer um tipo de subtrabalho desconhecido do modo feudal de
produção na sua primeira forma onde predominava o valor do uso. O sobretrabalho
estava então circunscrito pelo círculo de necessidades determinadas. É assim
destinado a trazer à nobreza rendas em dinheiro crescente. Essencialmente, a
aristocracia esforça-se para obter o aumento dessa renda em dinheiro perla
adaptação e reforço (directos e indirectos) dos levantamentos sobre o labor dos
produtores imediatos camponeses, e não pelos investimentos em capital fixo nem
desenvolvimento do emprego de assalariados livres.
Os produtores imediatos camponeses possuem/ou gerem os meios — em ferramentas,
plantas, gado, ligação à terra, formas de cooperação — de trabalho e devem
assegurar a reprodução da sua própria existência, até por meio de uma ligação
acrescida ao mercado, sobretudo na Europa ocidental. Está aí uma diferença
qualitativa essencial com o assalariado capitalista propriamente dito.
As vias e traços dos métodos desta adaptação do modo feudal de produção, pelos
quais se procuram os objectivos de crescimento das rendas em dinheiro, diferem
muito segundo o que se encontra na Europa central e oriental, na Itália ou ainda
na França.
Mas por todo o lado, seguindo modos históricos simultaneamente convergentes e
contrastantes, as potencialidades, as necessidades, as exigências — que se ligam
ao papel crescente do mercado e a esse movimento das forças produtivas de que
evocámos a natureza — colocam cada vez mais em questão o modo feudal de produção
e o tipo social de crescimento da Europa, até aos meados do Século XIX.
Esse tipo é então fundado simultaneamente sobre a existência de um campesinato
(esse socialmente cada vez mais diferenciado) de produtores-vendedores
relativamente autónomos na gestão dos seus meios de produção e numa tendência
massiva para a captação pela nobreza das terras (principalmente comunais) — e,
directamente ou indirectamente, do máximo de tempo de trabalho necessário às
actividades das famílias campesinas.
As instituições e as leis do «regime feudal», obstáculos ao crescimento
A tomada de consciência e o conhecimento meditado desses movimentos de
realidades cruzam-se e precisam-se nos decénios de 1770 e 1780. As mobilizações
e os protestos tomam acuidade e força em terrenos e modos múltiplos. Vão de
processos postos pelos vilões e pelas comunas aos senhores, até aos cadernos de
queixas e mais tarde às pesquisas de empreendedores da burguesia, aos estudos
agrónomos (10) ou ainda às ligações da administração. Essas análises e as
atitudes que se expressam enraízam-se profundamente nas experiências vividas e
nas observações que a elas se ligam (11). Campo de observações e campo de razões
críticas articulam-se cada vez mais nos decénios de 1770 e 1780, com as questões
do sistema histórico dominante posto em causa: os da aristocracia senhorial e do
«regime feudal» considerado como conjunto institucional sócio-político. Um
sistema de que os críticos cercam e denunciam precisamente o eixo maior — os
«direitos fedais» — como constituindo a raiz e o gerador de «inconvenientes» (no
sentido verdadeiro do termo que tinha na época) ruinosos para o povo e o país
(12).
No decorrer dos anos 1770 e mais ainda em 1780, os diversos aspectos da crise e
seus múltiplos movimentos sociais de rebelião entrelaçam-se, amplificam-se e sem
uniformizar se globalizam.
É importante constatar que a percepção dos obstáculos essenciais e
inultrapassáveis que o modo de produção feudal — com o sistema de banalidades, a
sua fiscalidade específica — traz em pleno a utilização das potencialidades
técnicas, ao aumento da produção agrícola, se torna muito agudo. Isso é
incontestável para autores como Pons-Joseph Bernard que conseguem colocar em
acusação estruturas senhoriais a partir de uma pesquisa a objectivos precisos,
concretos, pontuais. Isso vale também tratando-se de agrónomos, de sábios, de
experimentadores, de proprietários (tal como Antoine de Lavoisier) que a sua
história e funções levaram a procurar os meios científicos e técnicos de
ultrapassar os bloqueios da agricultura do reino. São levados mesmo ao seio do
Comité de Agricultura junto do Controlo geral de Finanças, a anunciar a essência
política desses bloqueios, ou seja a situar as razões e a raiz ao próprio nível
do funcionamento e da lógica das estruturas e das instituições da sociedade do
antigo regime.
É o que explica com clareza o relatório-memória sobre a história e a actividade
do Comité de agricultura apresentado por Lavoisier, a 31 de Julho de 1878,
perante o Controlador geral das finanças. Não é inútil reproduzir a parte
essencial: aquela em que o autor demonstra que «o problema de luzes e de
instrução não é a única razão que se opõe em França ao progresso da
agricultura», pois. Diz ele, «é nas nossas instituições e nas nossas leis que
ela encontra os maiores obstáculos» (13). Ou seja, para Lavoisier, os efeitos do
sistema de banalidades senhoriais sobre a produção da farinha e do azeite (14);
ou seja também o arbitrário do tamanho, medidas, dízimos, etc., etc.).
No fim dos anos 1780, os problemas — após o curto descanso que se seguiu às
«rebeliões» de 1775 e da «guerra das farinhas» — intensificam-se de novo em
1781, 1784, 1788: atingem os números recorde de 310 entre Janeiro e Abril de
1789… (15)
Estas transformações que se elaboram e se acentuam no decorrer de decénios de
Século XVIII dificilmente podem ser separados de um movimento iniciado há muito
tempo e que se torna mais denso. Vejamos, o da experimentação, desigualmente
desenvolvida, mas cada vez mais forte, de exigências e possibilidades que dizem
respeito ao conjunto de traços de individualidade social e que traz consigo a
lenta mas real transformação acentuada das forças produtivas e de capacidades
humanas de que os camponeses são os agentes. No fim do Antigo Regime, constata
J. Meuvret, o contrate na França entre os vestígios desse passado milenar (o das
ligações sociais dominadas pela nobreza) e as novas exigências da vida prática
saltavam aos olhos. A exploração agrícola exigia cada vez mais que o seu chefe
fosse o único senhor da sua terra. Os beneficiários das antigas taxas eram
apenas arrendatários parasitas que tiravam com maior frequência aos
intermediários uma parte de produtos que nem pelo seu valor nem mesmo pelos seus
adiantamentos financeiros tinham contribuído para fazer nascer» (16)
Profundidade da crise, rebeliões e movimentos de categorias de pensamento
São essas evoluções que explicam o desenvolvimento lento mas claro na população
francesa do Século XVIII de tomadas de consciência e novas exigências. Elas
manifestam-se por um processo de transformação de categorias de pensamento: a
visão hierárquica e religiosa da sociedade não desaparece, mas encontra-se cada
vez mais erodida e acompanhada pela expansão de uma representação em termos
terrestres cada vez mais explicitamente económicas, sociais e políticas — da
situação, com os males e necessidades que vivem os produtores do campo perante a
aristocracia e o Estado real. Os terrenos e oficinas deste processo podem ser
diferentes: mas podem também ter cada vez mais raízes convergentes.
Um desses pilares é o do entrelaçar entre as experiências feitas no século XVIII
— as duas somas do real» —, as da «força educativa dos conflitos» (17) — e, de
resto, elaborações e referências sociais aos temas das Luzes (liberdade,
justiça, igualdade, direitos naturais). É nesse movimento que se constituem as
tomadas de consciência diferenciadas e novas. O poder de observação e de
antecipação reflexiva que, desde 1762, é o de J.J. Rousseau e anuncia o
aparecimento de uma crise profunda e global, atesta a presença, ainda mal
conhecida como tal, dessas realidades. Conhece-se hoje melhor a sua
complexidade: vem assim da formação intelectual dos redactores de cadernos das
queixas nas comunas; ela «devia menos à sua prática social e ao seu meio que aos
temas dos filósofos e dos economistas (18) Outro pilar: o do caminhar por entre
as aldeias, desigualmente afirmado, mas com avanços reais, de transformações de
categorias de pensamento e de reflexões e de modificações do sistema ideológico
e simbólico, legados pelos séculos anteriores.
É na ligação entre movimento de forças produtivas materiais e humanas,
desenvolvimento plenário de potencialidades da individualidade dos
produtores-vendedores camponeses e, contraditoriamente, progresso do trabalho
assalariado (seja um tipo de produtores-vendedores da sua força de trabalho) e
experiências dos conflitos sociais, que se podem em parte situar as raízes
amplas e profundas da aspiração de massa à supressão do modo de produção feudal
— supressão realizada em França de modo revolucionário (19). Na origem do
processo de transição do feudalismo ao capitalismo, há assim simultaneamente o
desenvolvimento complexo das forças produtivas, a exigência de pleno desenvolver
de potencialidades da individualidade de milhões de produtores-vendedores e esse
progresso em diversas géneses — no próprio quadro das unidades de explorações
familiares dos produtores por conta própria, artesãos e camponeses — de um
trabalho assalariado no campo, ele mesmo dependente de um conjunto de (pequenos
ou grandes) produtores-vendedores, viveiro do capitalismo.
Os processos de crises e pesquisas socialmente contraditórias de origem dessas
crises apareciam assim de grande multiforme porte: enraízam-se numa distorção
sempre mais marcada entre traços, movimentos, campos de possibilidades
(socioeconómicas) culturais, individuais…) das forças produtivas camponesas e da
evolução do modo feudal de produção.
A Revolução francesa é o centro desses processos que explicam os diversos modos
de passagem do feudalismo ao capitalismo na Europa e numa grande parte do mundo
entre os meados do Século XVII e a metade do Século IXI. O desenvolvimento e a
transformação — complexos mas afirmados — das forças produtivas humanas, o papel
crescente do mercado e da ligação ao mercado nos campos, o papel crescente da
burguesia, as lutas sociais e culturais onde se expressam essas realidades e se
pensam, criam incessantemente as bases de novas exigências. Estas que dizem
simultaneamente respeito às aptidões, formas de cooperação social, às aspirações
dos camponeses, dos artesãos, dos assalariados, das pessoas da burguesia… Todos,
mas em níveis muito variáveis de consciência segundo as classes, os países e os
momentos, demonstram cada vez mais nitidamente, entre os anos 1750 e o meio do
Século XIX, a necessidade e a possibilidade de serem libertados da vasta rede de
impostos (curvas, taxas senhoriais…), de privilégios e de instituições pelas
quais os aristocratas de vários regimes asseguram as suas fileiras e as suas
riquezas.
Crises mistas…
O problema da transformação da velha sociedade, da passagem à sociedade nova,
cresce assim com uma força cada vez maior em numerosos países. Ele surge
simultaneamente nas mesmas datas e segue traços próprios a cada um deles.
Apresenta tipos de soluções profundamente diversas. Caminha-se para o
capitalismo no quadro de reformas limitadas fundadas num acordo entre a
aristocracia e a burguesia, realizado nas costas dos camponeses obrigados a
pagar indemnizações pesadas em terra e dinheiro aos nobres, em troca da abolição
dos direitos senhoriais. Esta via, de rudes e pesadas consequências para os
trabalhadores como para a democracia, será a dos países da Europa de Leste e,
sob formas diferentes da Itália do Sul e da Espanha. (20).
As características de vias diversas tomadas por esses países não podem ser
examinadas com precisão no quadro deste artigo. Digamos apenas que na Rússia do
Século XIX, os esforços — dada a venda no mercado — para combinar impostos e
trabalho servil (para uma parte essencial, sob a forma de levantamentos em
dinheiro sobre os camponeses) pelo grande proprietário nobre na base do
trabalho, do material e de métodos do servo camponês, não seriam conciliáveis
com o crescimento da produtividade agrícola. As evoluções das realidades serão
em, parte diferentes nas empresas industriais, onde se utilizava já na Rússia no
século XVIII servos transformados em operários, na metalurgia. Essas
contradições e esses pesos sobre a produtividade modificaram-se sem desaparecer
no contexto da reforma de 1801 (21).
Os Estados Unidos da América constituem um caso histórico esclarecedor —
experimental, digamos. Assistimos aqui à revolução contrastada, no seio da mesma
nação, de relações de mercados internacionais que sucederam no quadro de tipos
de relações sociais e políticas muito diferentes: a escravatura no Sul «que se
apoiava na Inglaterra» (22); o capitalismo cm agricultores e assalariados livres
no Norte.
O problema, fundamental no Sul, é que a produção para os mercados se faz, nas
grandes propriedades, com o trabalho de escravos para cultivar os produtos mais
rentáveis nas melhores terras. A produtividade (em geral) relativamente baixa do
trabalho escravo e as exigências da cultura do algodão esgotam os solos e
incitam assim os grandes proprietários a procurar para o Norte novas terras. Daí
uma fonte de confronto incessante agravada com os produtores, patrões e
operários livres do Norte.
Na véspera da Guerra da Secessão, os Estados esclavagistas continuavam incapazes
de prover às suas próprias necessidades. Exportavam a maior parte do algodão
bruto (superior a 75% em 1860), mas estavam impedidos de importar cereais,
alimento para o gado, carne… É aliás esse movimento que, entre 1800 e 1860,
alimenta uma teia de conflitos — simultaneamente técnicos, sociais, económicos,
alfandegários, territoriais, éticos e políticos — que acabou por levar à Guerra
da Secessão.
Voltemos a França, onde uma vasta tentativa para seguir um caminho de
conciliação foi feita entre 1789 e 1791. Ela tomou a forma de um compromisso
político entre a alta burguesia e aristocracia, socialmente fundada sobre a
obrigação lançada aos camponeses de pagar pesados direitos de resgate aos
nobres. Mas a evolução e o aguçar das lutas de classes entre Revolução e
Contra-Revolução, a acção dos sem calções e, principalmente as longas, maciças,
múltiplas iniciativas autónomas do movimento camponês, impuseram uma via
burguesa democrática, ou seja os termos de um compromisso entre a burguesia e as
massas populares, e não uma transição estreitamente burguesa e conservadora — de
tipo italiano, por exemplo.
Esse compromisso foi marcado em 1793, pela abolição definitiva e sem
indemnização dos direitos senhoriais e pela instauração ou, pelo menos a
proclamação, em todos os domínios, de medidas de uma força democrática
desconhecida algures.
Pensemos assim, entre outros passos em frente, no estabelecimento do sufrágio
universal — para os cidadãos masculinos — às decisões respeitantes à partilha
igualitária dos bens comuns cultiváveis, à venda de bens nacionais, ou ainda ao
carácter de projectos de educação de Louis Michel Lepeletier de Saint-Fargeau
que foram, após o seu assassinato por um realista, a 21 de Janeiro de 1793, dia
da execução de Luís XVI, apresentados à Convenção por Maximilien Robespierre.
Pensemos nas orientações e princípios proclamados na Constituição de 24 de Junho
de 1793 ou no aprofundamento da concepção — montanhesa, inspirada por
Jean-Jacques Rousseau — dos direitos humanos e cívicos operada pela Segunda
Declaração dos direitos do homem e do cidadão. Acaba com o reconhecimento do
direito e do dever de insurreição do povo em caso de opressão (23).
…. Crises modernas
Afinal não encontramos na crise sistémica que atravessamos hoje os índices
evidentes de uma «neofeudalização do mundo», para retomar aqui a expressão de
Jean Ziegler(24)? Capitalismo financeiro e nova «feudalidade» não se encontram
elas nesta crise do capitalismo moderno, como antigamente a senhoria e o grande
mercado nas crises que qualificamos de mistas?
No contexto da crise sistémica do capital financeiro mundializado, à qual
voltaremos, os problemas das relações do XXI século entre o movimento das forças
e capacidades produtivas da humanidade e o sistema dominante das relações
sociais de produção encontram-se simultaneamente prolongadas e profundamente
transformadas. Evocamos aqui sumariamente apenas algumas dimensões.
Estas questões enviam-nos de novo também, num modo próprio, para um campo
consideravelmente renovado cujas características aparecem de modo cada vez mais
claro nos anos 2000: a numerização, os seus objectos, os seus terrenos, que
conheceram desenvolvimentos e simplificações quantitativas e qualitativas.
Os processos e os problemas da numerização cristalizam e dão a conhecer os seus
traços mais marcantes. Com o surgir, depois desenvolvimentos e a difusão cada
vez mais forte dessas realidades nas relações sociais nas suas dimensões
económicas, sociais, culturais, políticas, somos todos actores e espectadores há
alguns decénios de entrada numa nova etapa das capacidades e das forças
produtivas da humanidade.
Um imenso campo de possibilidades está assim aberto para o melhor e o pior. Os
cidadãos nas suas diversidades serão, nós e cada um de nós, os agentes
associados portadores da matriz dessas mutações das capacidades humanas ou as
tomadas de decisão na maneira de entender e depois conduzir as coisas
continuarão incessantemente a ser no essencial orientadas pelos privilegiados
que dominam uma sociedade a velocidades diferentes?
Não existe nenhuma fatalidade nem num sentido nem no outro. O aporte das
pesquisas históricas mostra-nos com efeito que não há aqui nem arbitrariedade
nem fatalismo tecnicista, positivo ou negativo. De um lado, uma vez que novas
capacidades de acção sobre a natureza são inventadas, pois socialmente
objectivadas em conjuntos operativos materiais, elas fazem entrar as sociedades
humanas e o conjunto dos seus aportes sociais num campo histórico novo,
específico e original de possibilidades, de limites, de exigências, de riscos.
Pelo contrário, este novo campo é, insistimos, um campo de possibilidades ou
nada é fatal, unilateralmente determinado: são com efeito as vias e as escolhas,
estratégias contraditórias que se desenvolvem, se enfrentam quanto à orientação
(económica, social, cultural, política) predominante a fazer valer para
responder aos desafios do campo histórico novo.
Isso era verdade ontem: noutros contextos e noutras vias, isso é hoje
incomensuravelmente ainda mais verdadeiro.
Os caminhos contrastados, os traços dominantes das lógicas e do «espírito das
leis» (para retomar o conceito, denso, de Montesquieu), económicos, sociais,
políticos, que habitam esses caminhos, nada têm de linear. São até profundamente
contraditórios. É nesse sentido que a nova etapa das capacidades e das forças
produtivas humanas evocadas mais alto e as facetas contrastadas das estratégias
políticas postas em cena nas condutas da numerização que a ela se ligam,
colocam-nos perante um imenso desafio, «o que constitui para nós, hic et nunc, a
ambivalência formidável desta esplêndida invenção» (25).
Voltemos ainda um instante ao que constitui os paradoxos essenciais das forças e
das capacidades produtivas dos seres humanos nesse início do século XXI; esses
paradoxos da economia do imaterial» que foram descobertos e sublinhados por
alguns dos ideólogos e dos estrategas da grande burguesia, principalmente em
França (26).
Os «paradoxos da economia do imaterial»
Nos decénios da segunda metade do Século XX e mais ainda no início do século
XXI, tornou-se cada vez mais possível objectivar nos sistemas materiais dos
processos complexos (memória, cálculo, operações de comando programadas,
elaboração de símbolos…) das capacidades intelectuais humanas. O movimento desta
transformação alargou de forma imensamente inédita capacidades simbólicas, os
modos de comunicação e de actividade do espírito humano. Fez-nos entrar numa
transformação profunda das capacidades e das forças produtivas da espécie
humana, assim constitutiva — como André Leroi-Gouhan o tinha afirmado desde
1964-1965 — de uma nova etapa da hominização (27). Verdadeira «revolução
informacional» ou não se trata, verdadeiramente falando, de realidades
«imateriais» (termo filosoficamente desprovido aqui de sentido): mas de
ferramentas materiais historicamente especificas onde se podem objectivar o
logos, ou seja de capacidades intelectuais e simbólicas, com a techné.
Não há, lembramos de novo, nas relações entre as transformações históricas das
forças produtivas e das capacidades humanas e, mesmo nos movimentos das
sociedades, nem fatalidade nem determinismo (positivos ou negativos nos seus
efeitos) devido à acção das ferramentas consideradas em si e fora das suas
interacções com as exigências, as atitudes, as estratégias que se enraízam nas
contradições das relações sociais.
Nos nossos dias, o local, o papel, os impactos das potencialidades da revolução
informacional só são compreensíveis nas suas relações com os movimentos das
relações sociais. Isso com os conflitos sociais, políticos, ideológicos que aí
se enraízam a partir de estratégias das forças sociais em conflito: estratégias
que querem orientar, regular os conteúdos e as vias contrastadas da colocação em
acção das utilizações económicas, sociais, políticas nas características
históricas e potencialidades inerentes à revolução informacional. Os dados, as
características, as possibilidades e as perspectivas que aí se ligam são sem
dúvida mais ampla e profundamente contraditórias do que ontem.
Estas dimensões e estas características contraditórias do campo histórico e
antropológico assim aberto são constitutivas dos «paradoxos da economia do
imaterial», para retomar os termos de Maurice Levy e Jean-Pierre Jouyet (28).
Esses «paradoxos» atestam a ambivalência fundamental dos caminhos e das
consequências contraditórias, para os sujeitos humanos e as suas relações
sociais e ideológicas.
O que é de longe preponderante para as grandes firmas visa por em acção a
revolução informacional de modos que podem ser inovadoras. Mas isso com as
estratégias e objectivos específicos: os de assegurar a manutenção e o
crescimento dos lucros no quadro de uma concorrência mundial estimulada e
intensificada. Isso também é constrangedor nas empresas de tipo diversificado,
de assalariados que são portadores de fortes qualificações. E, sem que cesse
verdadeiramente o enquadramento hierárquico tradicional, esses sujeitos humanos
que estão sujeitos a uma vigilância permanente através de ferramentas
informáticas com progiciels de gestão integrada; ou ainda em razão de um
contacto mantido permanentemente com o nível hierárquico superior via o
computador ou o telemóvel pessoal.
Estes novos tipos de pressão (e isso sem que a penibilidade física tenha
desaparecido) são geradores de tensão e stress (29). A estratégia económica e
política de pesquisas amplificada de lucros e da concorrência das firmas (e
outros modos dos Estados) leva, num paradoxo maior, a utilizar meios inéditos da
revolução informacional para vigar, controlar, aumentar empregos precários e
licenciamentos, amplificando a angústia.
É nesse sentido que não são os computadores ou os robôs que transformam
negativamente o status e a vida dos assalariados. Isso desnaturalizando e
reduzindo as imensas capacidades e potencialidades da revolução informacional. É
igualmente nesse sentido que parafraseamos Lavoisier, num outro contexto,
podíamos dizer que os traços simultaneamente antigos e inéditos da exploração
dos seres humanos se opõem radicalmente às capacidades de eficiência
potencialmente libertadora da revolução informacional.
O «paradoxo da gratuidade»
«O paradoxo da gratuidade» acha-se confirmado pelo outro que versa os «paradoxos
essenciais da economia do imaterial»: a vertente das associações e das redes
onde não domina o «espírito das leis» dos lucros, da concorrência feroz, como
eixo e alma da utilização da revolução informacional (3=9.
Com o desenvolvimento dos traços próprios da revolução informacional, podemos
observar uma tendência de fundo que representa um quadro e condições
constitutivas da eficácia criativa, livre, a da gratuidade multiforme, como (e
ao contrário dos sistemas de vigilância e de alargados evocados mais acima)
conjunto social, colectivo, pessoal, que julga ser um estimulante precioso,
alimentador e insubstituível (e fora das pressões da concorrência) mais como
«factor de liberdade do que de precaridade».
Mas, voltemos ao mesmo tempo aos assalariados que trabalham no quadro das firmas
da «economia do imaterial» marcadas pelo contexto das estratégias de controlos
incessantes dos directores e, que atrás, dos accionistas financeiros, exercem
pesos múltiplos sobre a existência e a vida psicológica.
Nos seus artigos, livros e combates, um pesquisador e cidadão como Christophe
Dejours, psiquiatra e psicanalista (31), demonstrou as características. Isso com
a postura axial da submissão a uma «mobilização permanente geradora de tensões e
de stress»: e a passagem «de uma economia industrial a uma economia imaterial
fundada sobre os serviços tem assim um impacto relativamente ambíguo sobre o
trabalho e a sua organização. Mas, [isso] permite enfrentar um trabalho mais
interessante, mais rico, menos penoso e menos fragmentado que na organização
tayloriana do trabalho. Ao mesmo tempo, as novas organizações geram a sua
própria penalidade e os seus obstáculos próprios, sem que certas tarefas
particularmente difíceis tenham desaparecido» (32)
E, ao mesmo tempo, na nossa época, existe, sublinhamos, um paradoxo maior que
atesta a inanidade dos discursos que enchem os diversos apoios da ideologia
dominante: estas ferramentas, conhecimentos, práticas da revolução informacional
não decretam nem organizam as supressões de emprego, a precaridade, o sofrimento
no trabalho e o aumento de suicídios em relação ao referido sofrimento no
trabalho. Podem ser postos em acção — e isso pode aumentar se as mobilizações
aumentarem dentro da competição — nos quadros e contextos que se tornem
dominantes, que não sejam os da lógica do aumento de lucros, concorrências
planetárias, guerras económicas, ou seja das guerras (33).
No quadro do contexto histórico e antropológico do desenvolvimento da revolução
informacional, como demonstrou Christophe Dejours, «a exaltação pelas direcções
das empresas da performance individual acompanha-se de uma baixa da
produtividade. Uma melhor cooperação na empresa permite escapar a um stress que
leva por vezes ao suicídio» (34).
E é ainda mais um dos contextos sociais e políticos de desenvolvimento fundado
sobre as partilhas, as cooperações — e não sobre a concorrência ou as guerras
económicas —, e na gratuidade (35), adequada ao mundo do início do Século XXI,
que de transformações por vezes discretas e libertadoras podem adquirir força e
consistência.
Colocação em perspectiva da crise actual
Parte integrante da dinâmica contraditória da reprodução alargada do capital., a
crise actual interpreta-se como crise de sobre-acumulação (36). Vinda da
anarquia da produção capitalista e levando a uma pressão à baixa tendencial da
taxa de lucro até às contra-tendências — subentendendo nelas a realização de
lucros financeiros — acabam por esgotar-se, esta sobre-acumulação manifesta-se
através de um excesso de produção vendável, não devido ao facto de uma
insuficiência de pessoas que precisem, ou com o desejo de consumir cada vez
maior da população, mas porque a concentração das riquezas exclui uma proporção
cada vez maior da população da possibilidade de comprar esses bens.
Mas em vez de enfrentar uma superprodução standard de mercadorias, o do sistema
de crédito permite ao capital acumular-se sob as formas de capital-dinheiro cada
vez mais abstractas e irreais, fontes de valorização autonomizadas e de
aparência separada da mais-valia, ou apropriadas sem trabalho, «como por magia»
poderia ter dito K. Marx (37). Hoje, vectores privilegiados deste «capital
fictício» são a titularização e as trocas de produtos derivados, pelos quais o
capital parece funcionar como um autómato — ou talvez um autocrata (38).
A crise que surgiu sobre o compartimento dito das «subprimes» do mercado
imobiliário norte-americano foi preparada por decénios de sobre-acumulação de
capital fictício. Convém nestas condições entender a crise presente na
perspectiva de um longo ou médio período de um agravamento de disfunções dos
mecanismos de regulação do sistema mundial colocado sob a hegemonia dos Estados
Unidos. Estas disfunções, que remontam pelo menos à acumulação de
capital-dinheiro dos anos 1960, estão claramente ligadas aos défices
norte-americanos — causados em parte pelas despesas militares da guerra do
Vietname —, às tensões sofridas pelo dólar e à multiplicação dos eurodólares,
depois dos petrodólares, sobre os mercados interbancários.
Nesse processo, alguns acontecimentos desempenharam um papel crucial, entre os
quais a decisão dos Estados Unidos, a partir de 1971 de pedir os acordos de
Bretton Woods e acabar com o estalão de change-or. Daí os desregulamentos de
mercados monetários e financeiros do fim dos anos 1970 e a liberalização das
taxas de juro. Nas origens, estes processos de desregulação e de re-regulação
pelos oligopólios financeiros, pois da integração dos mercados financeiros no
seio de um mercado globalizado, que levaram para a alta finança o centro de
gravidade do poder mundial, que perdera após a crise de 1929.
As contradições que esta crise revela mergulham as suas raízes a longo prazo no
esgotamento dos diversos motores de crescimento do após guerra, pressionando o
sistema à financeirização. Assim, as formas de extracção de mais-valia e da
organização da produção haviam tocado os seus limites, e deviam ter sido
substituídas por novos métodos (tipo Kanban) e re-impulsionadas pelo progresso
tecnológico (a informação, a robótica…), baralhando as bases sociais da
produção, principalmente por uma substituição acelerada do trabalho pelo
capital.
Após uma sobre-acumulação concentrada cada vez mais sob a forma de
capital-dinheiro, o excesso de oferta acentuou a pressão à quebra das taxas de
lucro observada nos países do centro desde o fim dos anos 1960. Para tentar —
sem êxito — resolver esse problema, a Reserva Federal norte-americana relevou
unilateral e brutalmente as suas taxas de juro (em Outubro de 1979), marcando a
entrada na era dita do «neoliberalismo» — que continua a ser uma palavra vazia
se não for dotada de um conteúdo de classe e se não estiver ligada ao poder dos
oligopólios da alta finança moderna.
Crise do capitalismo, desvalorização do capital, aumento de perigo
A crise das subprimes, através da qual muitas famílias pobres se encontraram sem
poder pagar, explica-se igualmente por trinta anos de políticas neoliberais que
destruíram, minorizaram os salários, flexibilizaram os empregos, massificaram o
desemprego, degradaram as condições de vida; políticas que cortaram a procura e
accionaram os recursos tornando-a insustentável. No Norte, o crescimento só pode
manter-se em regime neoliberal dopando artificialmente a procura de consumo
privado e forçando as linhas de crédito — e é esse progresso do credito que
revela uma originalidade da crise de sobre-acumulação actual.
É no cerne da dinâmica da economia norte-americana que nasceu a crise; uma
economia caracterizada, nas suas relações com o exterior, por ajustamento dos
seus desequilíbrios enormes implicando uma drenagem de capitais duráveis
estrangeiros, em forma de punção operada pelas classes dominantes
norte-americanas sobre as riquezas do mundo, e, no interior dos Estados Unidos,
pelo enchimento exorbitante do capital fictício e uma concentração de riquezas
sem equivalência há mais de um século. Numa sociedade em que massas de
indivíduos cada vez mais numerosas estão excluídas e sem direitos, o alargamento
dos deserdados abre aos proprietários do capital o poder de retardar a
desvalorização do excedente de capitais colocados sobre os mercados financeiros;
mas claro que o não podem evitar.
A primeira manifestação desta crise foi a destruição brutal do capital fictício.
Esta espiral descendente dos activos em valor foi acompanhada de uma perda de
confiança e de uma situação de iliquidez no mercado interbancário — num mundo
sobre-liquido.
Num contexto onde os preços dos títulos compostos e os riscos que os
caracterizam são muito mal avaliados, porque não são avaliáveis, os problemas
saíram do compartimento das subprimes para o dos créditos de créditos
imobiliários, depois para os dos empréstimos solúveis, antes da implosão da
«bolha» dos instrumentos endossados às hipotecas imobiliárias contamine outros
segmentos de mercados financeiros, e finalmente o mercado monetário propriamente
dito. É assim que todo o sistema de financiamento da economia foi bloqueado.
A desvalorização do capital, com o desaparecimento do crédito, principalmente de
empréstimos ao consumo, mergulhou assim as economias dentro da depressão —
conjunturalmente, a partir de 2007, mas, estruturalmente, num meio onde um pico
parecia ter sido atingido por vários recursos naturais estratégicos (o
petróleo), e onde a procura de fontes de energia alternativas coloca limites
objectivos ao crescimento.
Uma das dimensões mais preocupantes da crise actual é o endividamento dos
estados e as dificuldades induzidas de finanças públicas, e mesmo locais,
principalmente em matéria de orçamentos sociais. Os piores efeitos da crise são
assim suportados pelas fracções mais pobres das classes populares, com os danos
alargados e profundos, compreendendo ao Norte, desemprego, pobreza, miséria
generalizada, sofrimento no trabalho (quando ele existe) fenómenos de
afundamento psicológico individual, de que já falámos anteriormente, e no plano
político, indo até às extremas-direitas sob as suas diversas variantes, dando um
espectro de religioso ao neofascismo, passando pelos derivados da direita
tradicional — para já não falar das da «esquerda» socio-liberal.
Da impossibilidade das políticas ortodoxas às ilusões keynesianas
A resposta anticrise dos governos do centro do sistema mundial capitalista
consistiu em coordenar as acções dos seus Bancos centrais a fim de injectar a
liquidez no mercado interbancário para criação de dinheiro primário, oferecer
linhas de crédito suplementares aos oligopólios bancários e reduzir taxas de
juro para os colocar logo abaixo de zero. O objectivo era de travar a queda das
cotações e limitar a desvalorização do capital fictício para que um máximo de
produtos derivados fosse paga mais perto dos seus valores faciais; mas era
também para evitar simplesmente que o sistema de financiamento se afundasse
totalmente (39). Pois, por mais incrível que pareça, esse último tocou o abismo
— em meados de Setembro de 2008.
O ponto de inflexão foi sem dúvida a não intervenção das autoridades monetárias
norte americanas quando do afundamento do banco Lehman Brothers e da gravíssima
desestabilização do sistema que se seguiu. Em algumas horas, o Banco Central e o
Tesouro norte americanos mudaram. Foi decidido nacionalizar e recapitalizar os
estabelecimentos em perigo, suspender vendas a descoberto, abrir aos primary
dealers linhas de crédito em condições favoráveis, auxiliar na centralização do
poder dos oligopólios financeiros no seio de estruturas de propriedade ainda
mais concentrados, trazer a garantia do Estado aos títulos «tóxicos»…
E, medida fundamental, em Outubro de 2008, a Reserva Federal (Fed) estendia aos
Bancos Centrais do Norte e aos vários países chave do Sul o seu dispositivo de
swap lines, ou «arranjos recíprocos temporários sobre divisas», as quais já se
tornavam quase ilimitadas … com, de passagem, recapitalizações de uma Fed quase
sem fôlego… Tudo isso, de maneira perfeitamente antidemocrática, sem o mínimo
debate, e sob os olhos de pessoas que tomam cada vez mais consciência de que o
Estado as faz pagar pela salvação de uma alta finança que o domina.
Num contexto de incertezas muito grandes à escala internacional, a criação
maciça de dinheiro primário e a fixação de taxas de juro perto do zero, por um
lado, e por outro, o cruzamento dos défices orçamentais e o crescimento
desmesurado das dívidas públicas, arrastaram uma depreciação relativa do dólar e
uma «guerra dos dinheiros». Esta última foi de momento ganha (mas por quanto
tempo?) pelos Estados Unidos, que dispõem de uma arma extraordinária: a de poder
criar — sem limite, pelo menos na aparência — dinheiro, reserva de valor
internacional, aceite pelos outros países. Assim conseguem obrigar o resto do
mundo a aumentar as taxas de troca do dólar que melhor convir à sua estratégia
de domínio, mas também a exercer políticas neoliberais. O resultado é, no centro
do sistema mundial capitalista, uma quase estagnação.
As políticas anticrise e seus iniciadores, nem sempre vêm dos dogmas da
ortodoxia económica. Se a persistência e a gravidade da crise favorecem um certo
retorno de teses keynesianas estas só formulam na maioria das vezes visões mal
«reformistas» reclamando modificações mínimas do funcionamento do sistema
capitalista a fim de conseguir sobreviver mais algum tempo. Um outro
capitalismo, «de rosto humano», sem crise sistémica nem guerra imperialista, não
é possível (40).
Guerras imperialistas às saídas de crises pós-capitalistas
Entretanto, a militarização tornou-se a modalidade de existência do capitalismo
destruidor. A crise chama a guerra, que se integra no ciclo económico como forma
extrema de destruição do capital, mas também, politicamente, enquanto meio de
reproduzir as condições do comando da alta finança sobre o conjunto do sistema.
Lembramos que durante a guerra-fria, a expansão das forças produtivas nos
Estados Unidos foi em parte impulsionada pela despesa militar, através da
corrida aos armamentos e ao progresso técnico associado. Agora, os orçamentos de
defesa são consideráveis (perto de 5% do produto interno bruto norte americano,
e cerca de 45% das despesas mundiais). O complexo militar-industrial continua a
desempenhar um papel primordial, embora sob o jugo da alta finança cujo poder
sobre as firmas de armamento é crescente e se recupera pela tomada de controlo
da estrutura de propriedade do seu capital pelos investidores institucionais
detidos pelos oligopólios financeiros.
Embora seja uma fonte importante de rentabilidade para o capital, a despesa
militar não permite entrever o relançar da acumulação. Pelo contrário, a
continuação de guerras imperialistas exacerba ainda mais as contradições
intrínsecas do sistema capitalista do confronto Norte-Sul ou Norte-Sul e Leste)…
A probabilidade de agravamento da crise actual, como crise sistémica, é hoje
elevada. As condições parecem reunidas para que isso aconteça. O capitalismo,
ferido no fundo do seu sistema de poder, conheceu outras crises de que sempre
saiu mais concentrado e poderoso. É ilusão acreditar que se vai afundar sozinho
sob o efeito da crise que atravessa. O que quer dizer que vamos ainda sofrer
durante muito tempo os males desse sistema declinante. Se o problema estrutural
para a sobrevivência do capitalismo é a de uma pressão para a baixa de taxas de
lucro, e se a financeirização não for para ele uma solução durável, tudo o que
esse sistema oferece, até à sua agonia, é uma acentuação da exploração do
trabalho.
Para conseguir relançar um ciclo de expansão no centro do sistema mundial, a
crise que sofremos deveria destruir os montantes gigantescos de capital
fictício, largamente parasitário. Ou, como já dissemos, as contradições são hoje
tão difíceis de resolver para o capital que uma tal desvalorização arriscaria
muito empurrá-la para um afundamento.
A actual situação assemelha-se assim ao início de um longo processo de
degenerescência do estado actual do sistema capitalista, oligopolístico e
financeirizado; um processo que abre largas perspectivas de transição, onde a
luta de classes se vai complicar e endurecer ainda.
Isso obriga-nos a pensar, discutir e reconstruir alternativas de transformações
sociais e democráticas pós-capitalistas, já que somos muitos, para lá das
diferenças, a querer (não apenas nominal mas autenticamente) socialistas.
1. Karl Marx, 1976, O Capital — Crítica da economia política, Livro I, Edições
Sociais, Paris. Ver principalmente os capítulos I a IV
2. Ernest Labrousse, 1944, A Crise da economia francesa no fim do antigo regime
e no início da Revolução, PUF, Paris.
3. Pierre Vilar, A Crise do antigo regime, em Uma História em Construção:
opinião marxista e problemáticas conjunturais, pp. 191-216, Altos Estudos,
Gallimard e Le Seuil, Paris.
4. Guy Lemarchant, 2011, Camponeses e senhores na Europa: uma história
comparada, PUR, Rennes.
5. Jean Nicolas, 2002, A rebelião francesa – Movimentos populares e consciência
social, 1661-1789, Le Seuil, Paris, pp. 338-541. Também p. 258 e pp. 258-264.
6. Marx, 1976, O Capital, Livro I, capítulo XXXII, p. 364.
7. Ibidem, capítulo XIV, p. 250.
8. Guy Besse, 1974, «Aspectos do trabalho operário em França no século XVIII»,
em Ensaios sobre Diderot e o Iluminismo em Honra de Otis Fellows, História das
ideias e crítica literária, Genebra, p. 73.
9. Cf. Antoine Casanova, 1977, Técnicas, sociedade rural e ideologia em França
no fim do Século XVIII, Anais da Universidade de Besançon, Les Belles-Lettres,
Paris. Do mesmo modo, 1966, Identidade corsa, utensílios e Revolução francesa,
edição da Comissão de trabalhos históricos e científicos, XLIX, Paris.
10. André Bourde, 1967, «Agronomias e agrónomos em França no Século XVIII, 3
volumes, SEVPEN, Paris.
11. Entre esses documentos, muitas vezes substanciais e de grande riqueza,
sublinhamos A Memória para servir a história natural da oliveira de Pons-Joseph
Bernard (1788).
12. Pierre-Françis Boncerf, 1776, «Inconvenientes dos direitos feudais», Valade
Libraire, Paris.
13. «A Administração da Agricultura no controle geral de finanças (1785-87),
processos verbais e relatórios, pp. 408-409.
14. «a banalidade opõe-se à perfeição da moagem» escreve Lavoisier no seu
relatório…
15. J. Nicolas, op. cité, p. 538.
16. Jean Meuvret, 1988, O problema das subsistências na época de Luís XIV,
EHESS, Paris, p. 69.
17. J. Nicolas, pp. 540-541.
18. Ibidem, p. 540.
19. K. Marx, O Capital, Livro I, capítulo XXXIII, p. 203: «A propriedade
privada do trabalhador sobre os méis da sua actividade produtiva é o corolário
da pequena indústria agrícola ou manufactureira e constitui o viveiro da
produção social, a escola onde se elaboram a capacidade manual, o engenho e a
individualidade livre do trabalhador. Claro que este modo de produção se
encontra no meio da escravatura, da servidão e outros estados de dependência.
Mas não prospera e não desenvolve toda a sua energia, não apresenta a sua forma
integral e clássica senão onde o trabalhador é o proprietário livre das
condições de trabalho que executa, o camponês do solo que cultiva, o artesão das
ferramentas que usa, como o virtuoso o seu instrumento».
20. No caso da Espanha, ler, principalmente, Pierre Vilar, 1947, História da
Espanha, PUF, Paris.
21. Veja-se: V.I. Lenine, 1974, O Desenvolvimento do capitalismo na Rússia,
(1898/1908), Edições sociais, Paris.
22. Cf. O prefácio de Roger Dangeville na Guerra civil nos Estados Unidos
(1861-1865) por K. Marx e F. Engels, 1970, UGE — Colecção 10-18, Paris.
23. O 35.o e último artigo da Constituição de 1793 declara: «Quando o governo
viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada porção do
povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres».
24. Jean Ziegler, 2005, O Império da vergonha, Fayard, Paris.
25. Jean-Noël Jeanneney, 2010, Quando o Google desafia a Europa- para um
sobressalto, Mil e Uma Noites, Fayard, Paris, p. 51.
26. Cf. Maurice Lévy e Jean-Pierre Jouyet, 2006, A economia do imaterial, o
crescimento do amanhã, Novembro, A Documentação francesa, Paris. Sobre este
documento, ver, principalmente o artigo de Claude Gindin, 2007, «O dinheiro do
imaterial», La Pensée, n.o 35.
27. André Leroy-Gourhan, 1964-1965, O Gesto e a palavra, Tomo 1: Técnica e
linguagem (1964), Tomo 2: A memória e os ritmos (1965), Albin Michel, Paris.
28. M. Lévy e J.P. Jouyet, op. cité.
29. Ibidem, p. 26.
30. Ibidem, pp. 22-26.
31. Christophe Dejours é também professor no Conservatório nacional de Artes e
Ofícios e director da revista Travailler.
32. M. Lévy e J.P. Jouyet, op. cité, p. 27.
33. Ler a este respeito: Rémy Herrera, 2013, «Crise e guerra estão ligadas?»,
Inovações — Cadernos de Economia e de Gerência de Inovação, vol. 2013, n.o 42,
pp. 175-194, Bruxelas.
34. Christophe Dejours, 2011, «Sair do sofrimento do trabalho», Le Monde, 22 de
Fevereiro.
35. Os observadores da Economia do Imaterial sublinham-no com pertinência, e
sem dúvida também com uma inquietação vigilante: «Na nossa cultura de mercado, é
raro que os indivíduos de ocupem do trabalho sem remuneração, e no interesse de
todos. A Internet para os media das massas contribuiu para fazer nascer esta
economia do imaterial». Não se trata apenas de uma economia de mercado, mas de
uma economia com mercado, o dobro de uma economia da «gratuitidade» A economia
de mercado tradicional não vai desaparecer, mas uma economia com mercado, ou
economia «plural», vai favorecer outras trocas para além do mercado (tempos
contra tempos, tempo contra valor, tempo contra informação, informação contra
tempo, informação contra informação…) (op.cité, p. 25).
36. Rémy Herrera e Paulo Nakatani, 2008, «A crise financeira: raízes,
mecanismos, efeitos», La Pensée, n.o 353, pp. 109 e s.
37. K. Marx, 1976, O Capital, Livro I, segunda secção, capítulo IV.
38. Ibidem, quarta secção, capítulo XV.
39. Rémy Herrera e Paulo Nakatani, 2009, «Crítica das políticas ortodoxas
anticrise », La Pensée, n.o 360., pp. 31 e s.
40. Leia-se: Rémy Herrera, 2010, Um Outro Capitalismo não é possível, Syllepse,
Paris.
* Director da Revista La Pensée, Paris.
** Pesquisador do CNRS (UMR 8174), Paris.
Tradução: Manuela Antunes
In
O DIÁRIO.INFO
http://www.odiario.info/?p=3578
8/3/2015
sábado, 7 de março de 2015
Na Grécia, Syriza abre cenário de polêmicas e interrogações*
Escrito por Achille Lollo, de Roma para o Correio da
Cidadania
Quarta, 04 de Março de 2015
Na Grécia, o entusiasmo da empolgante vitória eleitoral do
partido Syriza durou apenas três dias, durante os quais Alexis
Tsipras e seu braço direto, Yanis Varoufakis, o novo Ministro
das Finanças, continuaram a recitar o copião do populismo
eleitoreiro, repetindo nos palanques a célebre frase
“....Nunca nós iremos nos rebaixar aos homens da Troika e
nunca mais seus ditames voltarão em Athenas...”.
Durante três anos, isto é, do momento em que a Coalizão de
Esquerda “Syriza” se transformou em partido, Alexis Tsipras
alimentou sabiamente a esperança na maioria dos gregos que,
repetitivamente, votaram nele e nos deputados do Syriza,
acreditando nas palavras de ordem das campanhas eleitorais,
que eram claras, diretas, tal como o programa que não
apresentava dúvidas, concluindo com a celebre frase: “...nunca
iremos baixar a cabeça, nunca iremos aceitar a continuação
dos programas de austeridade....”.
Lindas palavras, que fizeram chorar de felicidade os gregos,
tanto que, nos dias que antecederam as eleições, o que mais se
escutava nas ruas era o jingle da campanha eleitoral do
Syriza, “...Afinal chegou a hora de uma mudança…”. Um refrão
que as rádios haviam transformado em um segundo hino nacional
e que recebeu a solidariedade dos partidos da esquerda do
mundo inteiro.
Syriza bicéfalo?
Hoje, devemos reconhecer que o marketing eleitoral do Syriza
foi mais que ótimo. Em particular, a performance do seu líder,
Alexis Tsipras, foi nota dez, do momento que soube persuadir a
maioria dos gregos de que o novo governo iria batalhar
intensamente em Bruxelas, na mesa de negociações, para dobrar
os tecnocratas da BCE.
Excluindo poucos comentaristas – entre os quais o próprio –,
todos acreditaram nas promessas de Tsipras, inclusive porque o
New York Times, uma semana antes das eleições, sentenciou:
“…Alexis Tsipras é o Hugo Chávez helênico, capaz de tirar a
Grécia da União Europeia e romper com o Euro...”.
Um equívoco político gigantesco, que a “grande mídia” criou
propositalmente, para fazer explodir o sentimento de alarmismo
já existente nos países da União Europeia, à causa das ameaças
dos jihadistas do IS, do caos na Líbia e da guerra na Ucrânia.
Um equívoco no qual tropeçou todo mundo, de Atílio Boron a
Noam Chomsky, de Tony Negri a Naomi Klein.
Mas foi na Itália que esse equívoco atingiu o nível máximo,
porque, nesse país, Paolo Ferrero, líder do PRC (Partido para
a Refundação Comunista), já nas eleições europeias de maio de
2014, havia tentado a carta do marketing eleitoral do Syriza,
trocando o nome e o emblema do PRC para o slogan “Lista
Tsipras”. Uma opção que provocou a perda de quase 3% de
sufrágios, do momento que nem todos os eleitores da esquerda
sabiam quem era Alexis Tsipras e porque o partido havia
renunciado a sua identidade comunista!
Porém, apesar do deslavado resultado eleitoral, na esquerda
italiana continuou forte a convicção de que o Syriza era “a
essência da nova esquerda do século XXI”, tanto que Nick
Vendola, líder do SEL (Socialismo Ecologia e Liberdade) - uma
espécie de PSOL, mas muito mais parlamentar e reformista -,
logo após a vitória eleitoral de Syriza, declarou: “...Alexis
Tsipras, líder de Syriza, entende libertar os grupos da
esquerda das aréolas da ortodoxia e dos vestígios do
extremismo. De fato, ontem, Tsipras esteve com o presidente do
Parlamento Europeu e do PSE (Partido Socialista Europeu),
Martin Schultz, depois deverá se encontrar com Matteo Renzi, e
isso significa que ele quer fazer política.... Depois da
afirmação do Syriza, acredito que precisamos olhar com muita
atenção o que vai acontecer nas famílias da esquerda política
europeia, visto que os partidos ortodoxos, ou seja, os
partidinhos comunistas, podem abandonar o GUE/NGL (grupo
parlamentar da esquerda europeia), tal como fizeram os dois
deputados europeus do KKE em junho do ano passado...”.
Declarações de mero oportunismo político, que pretendem
mascarar e, sobretudo, esconder aos militantes da esquerda o
conúbio no Parlamento Europeu com os deputados europeus da
socialdemocracia alemã. Um casamento ilícito, que provocou a
saída do KKE (Partido Comunista da Grécia) do GUE/NGL
(Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica), porque,
segundo o secretário do KKE, Dimitris Koutsoumpas: “...o novo
posicionamento político e a pressão hegemônica do Syriza e dos
alemães do Die Linke (partido “A Esquerda”) no âmbito do GUE,
em favor de um maior relacionamento com os socialdemocratas
do PSE (Partido do Socialismo Europeu), na realidade acabou
por desnaturar a natureza política confederativa do GUE que,
originariamente, visava preservar a identidade da esquerda
europeia...”.
Alinhamento com a socialdemocracia?
Em Bruxelas, as negociações entre o Syriza, o BCE e a União
Europeia duraram dez dias. Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis
foram os únicos representantes do Syriza, visto que, na
delegação do governo grego, não havia nenhum membro da chamada
“Plataforma de Esquerda”, a minoria de esquerda do Syriza. Por
sua parte, a Troika era representada por Jeroen Dijsselbloem,
presidente do Euro-grupo, Wolfang Scauble, ministro das
Finanças da Alemanha, e Mario Draghi, presidente do BCE, todos
em contato direto com a presidente do FMI, Christine Lagarde,
e o primeiro-ministro da Alemanha, Ângela Merkel.
Foi nessa fase que a verdadeira essência política e ideológica
dos antigos “eurocomunistas” gregos, Alexis Tsipras e Yanis
Varoufakis, se manifestou claramente. Aliás, foi com base à
lógica de um pretenso “compromisso histórico em moldes
europeu” que Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis assinaram um
acordo que, por um lado, é a negação do Programa de Salonico
de 14 de Setembro de 2014 e, por outro, é uma reedição
melhorada do antigo Memorando que o governo de Samaras assinou
com a Troika (FMI, EU e BCE) em julho de 2012.
A imprensa europeia e, em particular, os jornais e as
televisões da Alemanha exaltaram “o realismo político de
Alexis Tsipras”, para poder estraçalhar até o fim as temáticas
da esquerda do Syryza (Plataforma de Esquerda e Tendência
Comunista).
Entretanto, é necessário sublinhar que o verdadeiro objetivo
estratégico dos tecnocratas da União Europeia era manter a
Grécia atrelada ao Euro, estritamente monitorada com os
programas de austeridade da BCE. Desta forma, era evidente que
o novo governo grego perderia toda sua vitalidade política,
deixando de ser um reiterado exemplo de resistência na Europa.
Consequentemente, o “realismo político” de Alexis Tsipras e
Yanis Varoufakis possibilitaria evitar hipotéticas fraturas no
Euro-grupo, visto que o alinhamento do Syriza com as posições
conciliadoras da socialdemocracia alemã abafaria as
contradições políticas na Espanha, em Portugal, na Itália e na
própria França.
De fato, é necessário lembrar que, nesses países, o desemprego
e a espiral recessiva chegaram aos níveis máximos à causa dos
programas de austeridade e das regras financeiras europeias
fixadas aos 12 de março de 2012, com o Tratado Europeu sobre
Estabilidade, Coordenação e Governança. Regras que, no lugar
de ajudar, deprimiram ainda mais as economias da Itália,
Espanha, Portugal e França, com a introdução do Fiscal Compact
e a obrigação de manter a relação entre déficit orçamentário e
PIB em no máximo 3%.
Na realidade, o cerne da situação grega é de natureza
política, visto que o argumento do reescalonamento da dívida
ou o agendamento de novos empréstimos para realizar
intervenções de caráter meramente assistenciais são elementos
técnicos que podem ser enquadrados, a qualquer hora, nos
diferentes programas “Salva-Estados”, que o BCE guarda nos
seus cofres como uma mera reserva financeira de última hora.
Portanto, o elemento político determinante da questão grega
era impedir que o Syriza radicalizasse o programa político de
esquerda para a salvação da nação grega e que o apoio popular
recebido por sua contraposição aos ditados de Ângela Merkel e
de Christine Lagarde não se tornasse um exemplo vitorioso,
sobretudo na Espanha e na Itália, onde existem forças
políticas em ascensão que apostam na possibilidade de
construir uma real alternativa ao fiscal compact da União
Europeia e à lógica neoliberal dos conglomerados financeiros
alemães e franceses.
Um contexto que também evidenciou a ausência de uma base
ideológica e de um preparo político por parte do grupo
majoritário do Syriza – politicamente chefiado por Alexis
Tsipras e Yanis Varoufakis -, necessários para sustentar o
confronto político com os tecnocratas da União Europeia e,
também, com a primeira-ministra da Alemanha, Ângela Merkel,
cujo governo é sustentado pelos socialdemocratas com a chamada
“Grande Coalizão”.
Elementos que ficaram evidentes quando Alexis Tsipras convocou
ao governo o partido da direita nacionalista ANEL, para depois
empossar na presidência da República Procopios Pavlopoulos
(historicamente ligado ao partido de direita Nova Democracia),
no lugar de Manolis Glezos, herói da resistência ao
nazi-fascismo e atual deputado europeu do Syriza.
Todas essas opções prognosticavam o alinhamento com as
posições conciliadoras da socialdemocracia alemã; de fato não
foi por mera simpatia que o socialdemocrata Martin Schultz,
presidente do Parlamento Europeu e do PSE, dois dias depois da
vitória eleitoral do Syriza, já estava em Athenas para se
reunir com Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis!
Por dentro do Syriza
O ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schaeuble,
porta-voz da ala mais conservadora da CDU, após o
enquadramento do governo grego, com ar de vencedor, declarou
...os parlamentares do Bundestang, em larga maioria,
ratificaram o acordo entre a União Europeia e o novo governo
da Grécia, configurando a extensão da ajuda financeira por
mais quatro meses, sendo que a mesma será condicionada com a
realização das reformas econômicas que o governo grego se
comprometeu em realizar. Por isso, o montante de 11 bilhões de
euros não ficará no National Bank of Grece, mas nos cofres do
Fundo Europeu (EFSF) gerenciado pelo Banco Central
Europeu...”.
É evidente que um acordo desse tipo desmascarou por completo
as contradições entre a estratégia política do Syriza,
adversa aos programas de austeridade da Troika e ao
progressivo endividamento de quase 153 bilhões de Euros, em
grande parte utilizados para saldar as dívidas com os bancos
europeus (alemães, franceses e italianos) e para o
refinanciamento dos bancos gregos, e o marketing eleitoral de
Alexis Tsipras, que, no último comício realizado em Athenas,
aos 25 de janeiro, diante de quase cem mil pessoas, disse:
“... Depois de ter ganho essas eleições, o pessoal da Troika
nunca mais pisará o chão de Athenas!!!”.
Se Alexis Tsipras e seu braço direito, Yanis Varoufakis,
tivessem logo declarado que nunca iriam romper com o
Euro-grupo, mas que pretendiam, apenas, melhorar as duras
condições do endividamento, realizando os programas de
privatização identificados pelos técnicos do FMI, certamente
muitos eleitores teriam votado nos comunistas do KKE, que
sempre se manifestaram contra a União Europeia e a OTAN. Por
outro lado, se Alexis Tsipras tivesse revelado que o aumento
do salário mínimo de 450 para 750 euros não seria imediato,
mas gradual e, talvez, a partir de setembro de 2015, em base
ao conjunto dos novos recursos financeiros, é evidente que o
Syriza nunca teria ganho as eleições, e talvez nunca existiria
como Partido da Esquerda Radical.
Uma consideração que reflete a análise sobre o complexo
processo de transformação do Syriza em partido. De fato, em
2004, a coalizão de movimentos Synaspismós foi transformada em
partido, com um programa de esquerda totalmente diferente da
lógica social-democrática do PSE (Partido da Esquerda
Europeia), de que, hoje, Alexis Tsipras e seu braço direito,
Yanis Varoufakis, são ferventes discípulos.
Um contexto que o acadêmico marxista esloveno, Slavoj Zizek,
enfocou perfeitamente em outubro de 2013 no Subversive
Festival de Zagabria, sublinhando: “...a situação da Grécia e,
portanto, o surgimento do Syriza nos obriga a questionar as
chamadas alianças inteligentes, do momento que deveremos viver
ainda várias décadas no capitalismo, isto é, com a chamada
burguesia progressista ou patriótica que, de fato, tem
interesse em produzir....Hoje, no capitalismo, há coisas que
funcionam, como, por exemplo, a competição. Por isso o Syriza,
atuando no âmbito da redistribuição global da economia,
deveria tornar a vida mais simples para os capitalistas que
produzem. Este seria o verdadeiro triunfo do Syriza, no
sentido de que, além de apoiar os trabalhadores, seria capaz
de resolver os problemas dos capitalistas. Aliás, acredito
que, hoje, um capitalista honesto deveria votar para o
Syriza!!!”.
Um argumento que não escapou a Paolo Ferrero, líder do PRC
italiano (Rifondazione Comunista) e fiel discípulo de Fausto
Bertinotti, teórico do socialismo democrático, mas também
adjetivado “ ... o fomentador do anticomunismo do século
XXI...”. Desde 2014, Ferrero utiliza o exemplo das vitórias
eleitorais do Syriza para reformular ideologicamente o PRC
italiano, com vista a lhe tirar o “estigma de comunista” e,
assim, poder abocanhar consensos no eleitorado e voltar no
Parlamento.
De fato, para os órfãos do “compromisso histórico” do PCI de
Berlinguer, as vitórias eleitorais e o crescimento político do
Syriza se tornaram o elemento fundamental para impor o chamado
“socialismo democrático”, que é uma mera forma de convivência
pacífica com o capitalismo. Um contexto que, hoje, após a
assinatura do acordo com a União Europeia, os grupos
majoritários que controlam o partido Syriza, os
eurocomunistas do grupo AKOA, os socialdemocratas e os
ambientalistas do Synaspismós e os nacionalistas de esquerda
(DIKKI), não escondem mais.
Entretanto, o pretenso “controle político” do Comitê Central
do Syriza e, portanto, o “controle social das massas” podem
fugir das mãos de Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis, do
momento em que os grupos minoritários de esquerda se rebelaram
na última reunião do Comitê Central do Syriza, quando 5
deputados não votaram o acordo que Alexis Tsipras e Yanis
Varoufakis assinaram com a União Europeia, e outros 30 se
recusaram a votar. Enquanto isso, as pequenas organizações da
esquerda associadas ao Syriza, nomeadamente os trotskistas de
Xekinima, Κόκκινο e DEA, os maoístas do KOE, os revolucionário
do KEDA, os grupos feministas, os ambientalistas e os
eco-socialistas, já iniciaram protestos publicamente contra a
assinatura do acordo com a União Europeia.
Consequentemente, o complexo sistema de alianças e de
compromissos políticos que rege o partido Syriza começou a
vacilar, quando Statis Kuvelakis, um dos teóricos do partido,
Dimitris Stratouli, ministro do Bem Estar Social,
Panaghiotis Lafazanis, ministro do Desenvolvimento Econômico,
Ambiental e da Energia, a presidente da Câmara dos Deputados,
Zoe Konstantopoulou, e o mítico Manolis Glezos, herói nacional
da resistência ao nazi-fascismo e hoje deputado europeu,
manifestaram seu aberto dissenso com Alexis Tsipras,
reforçando, assim, o grupo de opositores de esquerda, reunidos
na chamada “Plataforma de Esquerda”. Aliás, Manolis Glezos fez
mais, ao publicar um editorial onde, textualmente, escreveu “
...Peço desculpa aos gregos por ter apostado em uma ilusão. Eu
me dissocio das opções econômicas assumidas pelo novo chefe do
governo, Alexis Tsipras, visto que tentaram usar uma nova
terminologia para melhorar o Memorando da Troika, sem que isso
possa mudar em nada a situação da Grécia...É um mês que
esperamos implementar o que está escrito no nosso programa e
que prometemos realizar. Por isso peço desculpa ao povo grego
por ter participado dessa ilusão!!!”.
É evidente que esse contexto vai transformar o Syriza em um
grande caldeirão de ideias, reivindicações, cooptações,
alianças, programas de lutas, e que, certamente, deverá
estourar daqui a quatro meses, quando a Comissão da União
Europeia, o BCE e o governo alemão devem averiguar a
realização dos programas de austeridade e o cumprimento das
“reformas”, com as quais o governo deverá reduzir o emprego,
privatizar por completo o sistema portuário do Pireo e todas
as empresas públicas, em particular as que distribuem a
eletricidade e a água.
Um período que será extremamente positivo para o KKE (Partido
Comunista Greco) e a confederação sindical PAME, que hoje são
os verdadeiros opositores, ideológicos e políticos, ao governo
de Alex Tsipras.
Por isso, o secretário do KKE, Dimitris Koutsoumpas, declarou:
“…O que podemos esperar de um governo que legitima uma dívida
que não foi criada para beneficiar o povo, mas apenas os
bancos? Podemos contar com um governo que reduz seu orçamento
para encontrar dinheiro para os grupos empresariais e que não
se preocupou de impedir a fuga de 20 bilhões de euros dos
bancos da Grécia? Por qual motivo deveríamos apoiar um governo
que, com muita fadiga, vai conseguir poder garantir uma
estável permanência na União Europeia, mantendo inalteradas
todas as condições que destruíram a economia da Grécia? As
poucas coisas feitas em favor do povo, tais como os cupons
para dar um prato de sopa aos mais pobres, por exemplo, perdem
seu valor humanitário diante das garantias que Alexis Tsipras
deu à União Europeia, aos banqueiros, aos operadores da City
e, sobretudo, à Confederação dos Empresários Gregos. Afinal, o
que podemos esperar de um governo que se diz de esquerda, mas,
na realidade, deixou inalterado o poderio dos grandes
empresários gregos e das multinacionais?”.
Achille Lollo é jornalista italiano, correspondente do Brasil
de Fato na Itália, editor do programa TV “Quadrante
Informativo” e colunista do "Correio da Cidadania
In
CORREIO DA CIDADANIA
http://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10566:manchete040315&catid=34:manchete
4/3/2015
---------
* O Syriza parece ser a expressão patente dos dilemas do "progressismo democrático". Este teve seu momento de esplendor entre o fim da grande guerra e o fim dos anos 1960, devido ao período econômico favorável da era "dourada" do capitalismo, mas antes de tudo devido ao medo pânico da classe dominante ao "espectro" do comunismo materializado numa potência atômica e ideológica, a URSS. Com a dissolução desta e da maior parte do mundo socialista, com o desaparecimento do que parecia ser a grande "concorrência" no âmbito das "concepções do mundo", as concessões feitas às lutas dos trabalhadores entraram numa rota de involução. O Syriza parece acreditar que é possível recuperar mediante um "caminho suave" o welferism que outrora fez a glória da socialdemcoracia. Isto provavelmente não ocorrerá, porque sem a presença objetiva de um concorrente ideológico real como foi o mundo socialista, não obstante os seus fatais problemas, a rota do "progressismo democrático" parece ter chegado a seu limite, e na forma de "caminho suave" seguramente encontra-se fechada.
quinta-feira, 5 de março de 2015
Golpe no Caribe
por Luis Britto García
Durante o seu melhor sono na madrugada o opositor ouve zumbidos de aviões
em picada. Uma, duas, três, dez bombas silvam em direcção ao Centro. Cinco
desviam-se e caem sobre a Fedecámaras [1] .
Com tecnologia superior, os media privados interferem na cadeia em que o
Presidente eleito fala à Nação. Alguns divulgam a notícia a sua morte,
outros a da renúncia "que ele aceitou".
Das suas covas saem encapuzados e a disparar dezenas de milhares de
paramilitares que há décadas infestam o submundo crioulo.
Os media instam à cidadania a denunciar os partidários do governo,
divulgam de forma sensacionalista a detenção maciça de funcionários
eleitos, cobrem com apagão comunicacional as caravanas de camiões fechados
que aceleram rumo aos estádios, onde se ouvem descargas de fuzilamentos.
Nas ruínas do Palácio reúnem-se os abaixo assinados de sempre.
Como numa gravação a rodar de modo invertido, aqueles que promoveram o 13
de Abril agora regressam de costas rumo à confusão que então não puderam
concluir.
O presidente da Junta de Transição anula por decreto a Constituição
aprovada por 75% do eleitorado, suspende perpetuamente as garantias
constitucionais, demite por despacho todos os funcionários eleitos e
dissolve Conselhos Comunais, sindicatos e organizações do Poder Popular.
Entre aclamações lêem-se decretos de privatização da PDVSA, da
siderurgia, da electricidade, da telefónica, das auto-estradas, dos
latifúndios expropriados, das águas, rios, lagos e lagoas, e do lançamento
de um dumping de sobreprodução petrolífera para fazer com que os preços
caiam ainda mais.
Em poucos minutos negocia-se com o Fundo Monetário Internacional e o
Banco Mundial um empréstimo com juros modificáveis por estes em troca da
entrega das reservas de hidrocarbonetos do país.
Entre ovações decreta-se a legalização do contrabando de gasolina e a
eliminação do Controle de Câmbios. Em meio dia desaparece a metade das
reservas de divisas e a outra metade é confiscada pelos que roubaram as
reservas da Líbia.
Mediante despachos anulam-se as Missões, as entregas de habitações, as
pensões aos idosos, as prestações sociais, o salário mínimo e o regime de
estabilidade laboral. A libertação de preços desencadeia uma onda de
aumentos de mil, dez mil e vinte mil por cento.
Por decreto reduzem-se as taxas máximas de tributação dos monopólios a
14% e aumenta-se o IVA para 34%. Nas ruínas da Chancelaria são firmados de
uma só vez 33 novos Tratados contra a Dupla Tributação, que isentam as
transnacionais de outros tantos países de pagar impostos no nosso. O país
retira-se da ALBA, da CELAC, da UNASUL, do MERCOSUL e alia-se ao Eixo do
Pacífico.
O gabinete da Defesa anuncia a instalação de uma dezena de bases dos
Estados Unidos, outra de bases da NATO e um número indefinido de bases
paramilitares, cujos efectivos não estão submetidos às leis nem aos
tribunais nacionais e exercerão a direcção e supremo comando das Forças
Armadas.
O decreto mais aclamado elimina a gratuidade do ensino e encerra as 16
novas universidade e centenas de escolas e institutos de formação técnicas
criados numa década e meia.
Declara-se a amnistia para corruptos e delinquentes financeiros.
Para o controle do submundo reinicia-se a política calderista [2] de
operações que encerram bairros completos pelo delito de serem populares.
A fim de eliminar a polarização reimplantam-se as medidas adoptadas
durante o Caracazo [3] de 27 de Fevereiro de 1989. Nas fossas de La Peste
volta-se a enterrar com pás mecânicas.
Correm rumores desarticulados sobre a secessão do país em várias zonas
aproximativamente dominadas por diversas facções do National Security
Council, do Mossad, da Al Qaed, das AUC [4] , da NED [5] , do Daesh, do
Cartel do Pacífico e do Cartel de Medellín.
Cerca do meio-dia a Junta de Transição parece haver perdido o controle
sobre os bandos que disputam o poder: apesar do apagão comunicacional
transpira que, tal como na Líbia, a presidenta foi executada pelos seus
cúmplices quando tentava refugiar-se na Embaixada dos Estados Unidos.
Dos morros, dos bairros marginais, das aldeias, dos montes brotam sem
cessar torrentes humanas dispostas a resistir aos ocupantes nos seus mesmo
termos.
Enxames de drones teledirigidos contra os bairros populares por erros de
direcção através de satélite convertem em terra arrasada o Country Club,
Sartenejas, Lagunita.
A fumarada tóxica cobre o horizonte dos acontecimentos.
Com mãos tremelicantes o opositor desarrolha uma garrafa de champanhe
para brindar a realização dos seus desejos.
Mas nessa altura a explosão acorda-o do seu sonho e o defronta com a
realidade cruel: a situação é normal, o governo constitucional continua a
mandar, há vários oficiais detidos e não vai haver comissão para a
privatização da PDVSA.
Sonhar não custa nada.
02/Março/2015
[1] Fedecámaras: uma associação patronal, Federação Venezuelana de
Câmaras de Comércio.
[2] política calderista: política de Rafael Caldeira que foi presidente
da Venezuela de 1969 a 1974 e de 1994 a 1999.
[3] Caracazo : distúrbios que culminaram num massacre durante o governo
de Carlos Andrés Pérez.
[4] AUC: grupos paramilitares colombianos.
[5] NED: organização financiada pelo governo dos EUA especializada em
subversão de países e em organizar as chamadas "revoluções coloridas".
O original encontra-se em
prensapcv.wordpress.com/2015/03/02/golpe-en-el-caribe/#more-8412
este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
http://resistir.info/venezuela/golpe_no_caribe_02mar15.html
2/3/2015
quarta-feira, 4 de março de 2015
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa?
Josep Fontana
Hay varias razones que hacen necesario que estudiemos de nuevo la historia
de la revolución rusa. La primera de ellas, que nos hace falta hacerlo para dar
sentido a la historia global del siglo XX. Una historia que, tal como la podemos
examinar ahora, desde la perspectiva de los primeros años del siglo XXI, nos
muestra un enigma difícil de explicar. Si utilizamos un indicador de la evolución
social como es el de la medición de las desigualdades en la riqueza, podemos
ver que el siglo XX comienza en las primeras décadas con unas sociedades
muy desiguales, donde la riqueza y los ingresos se acumulan en un tramo
reducido de la población. Esta situación comienza a cambiar en los años treinta
y lo hace espectacularmente en los cuarenta, que inician una época en que hay
un reparto mucho más equitativo de la riqueza y de los ingresos. Una situación
que se mantiene estable hasta 1980: es la edad feliz en que se desarrolla en
buena parte del mundo el estado del bienestar, un tiempo de salarios elevados
y mejora de los niveles de vida de los trabajadores, en el que un presidente
norteamericano se propone incluso iniciar un programa de guerra contra la
pobreza.
Todo esto se acabó en los años ochenta, a partir de los cuales vuelven a
crecer los índices de desigualdad, que superan los del inicio del siglo, hasta
llegar a un punto que ha llevado a Credit Suisse a denunciar hace pocos
meses que el setenta por ciento más pobre de la población del planeta no llega
hoy a tener en conjunto ni el tres por ciento de la riqueza total, mientras el 8'6
por ciento de los más ricos acumulan el 85 por ciento.
¿Qué ha pasado que pueda explicar esta evolución? Thomas Piketty sostiene
que la desigualdad ha sido una característica permanente de la historia
humana. Os leo sus palabras: "En todas las sociedades y en todas las épocas
la mitad de la población más pobre en patrimonio no posee casi nada
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
(generalmente apenas un 5% del patrimonio total), la décima parte superior de
la jerarquía de los patrimonios posee una neta mayoría del total (generalmente
más de un 60% del patrimonio total, y en ocasiones hasta un 90%)".
La desigualdad de los patrimonios, que se traduce en una desigualdad de los
ingresos, marca, según Piketty, el curso entero de la historia, en la que las
tasas de crecimiento de la población y de la producción no han pasado
generalmente del 1% anual, mientras el "rendimiento puro" del capital se ha
mantenido entre el 4% y el 5%. Estas consideraciones le llevan a una
interpretación formulada rotundamente: "Durante una parte esencial de la
historia de la humanidad el hecho más importante es que la tasa de
rendimiento del capital ha sido siempre menos de diez a veinte veces superior
a la tasa de crecimiento de la producción y del ingreso. En eso se basaba, en
gran medida, el fundamento mismo de la sociedad: era lo que permitía a una
clase de poseedores consagrarse a algo más que a su propia subsistencia".
Que es tanto como decir que la civilización, la ciencia y el arte son hijos de la
desigualdad.
Después habría venido, en el siglo XX, una etapa en la que las reglas del juego
parecían estar cambiando, como consecuencia sobre todo, sostiene, de las
destrucciones causadas por las dos guerras mundiales y por las conmociones
sociales, que llevaron a ese mínimo de la desigualdad que se ha producido
entre 1945 y 1980. Pero la normalidad se restableció a partir de los años
ochenta, hasta llegar a la extrema desigualdad actual. De este hecho arranca
su previsión de que en el transcurso del siglo XXI, es decir hasta 2100, el
crecimiento de la producción será apenas de un 1,5 por ciento y nos
encontraremos en una situación en que la superioridad de los rendimientos del
capital volverá a ser como antes y se habrá restablecido la normalidad. Todo lo
que termina con una conclusión pesimista: "No hay ninguna fuerza natural que
reduzca necesariamente la importancia del capital y de los ingresos
procedentes de la propiedad del capital a lo largo de la historia".
Ahora bien, yo he vivido en esta edad anterior a 1980 en que éramos muchos,
yo diría que muchos millones en todo el mundo, los que pensábamos que las
reglas del juego estaban cambiando permanentemente en favor de un reparto
más justo de la riqueza, y que valía la pena esforzarse para seguir avanzando
en esta dirección. Es por eso que me niego personalmente a aceptar que lo
que pasó en este medio siglo de mejora colectiva fuera simplemente un
accidente, y pienso que hay que examinar de cerca los acontecimientos del
período que va de 1914 a 1980, introduciendo en el análisis los factores
políticos que carecen por completo el libro de Piketty, donde, por poner un
ejemplo, la palabra "sindicatos" aparece una sola vez (en la página 471 de la
edición original francesa).
Esta otro tipo de exploración de la evolución de la desigualdad en el siglo XX,
en clave política, debe comenzar forzosamente por el gran cambio que
representó la revolución rusa de 1917. ¿Por qué digo un "gran cambio"? En
1917 había una larga tradición de luchas obreras encaminadas a mejorar las
condiciones de vida de los trabajadores, y existía una amplia tradición en
apoyo del "socialismo", aunque sólo un intento de aplicarlo a la realidad había
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
llegado a cuajar, el de la Commune de París de 1871, que duró poco más de
dos meses y nos dejó como legado un himno, la Internacional, que anunciaba
que "el mundo cambiará de base".
Pero la verdad era que, desde finales del siglo XIX, tanto la lucha de los
sindicatos como la actuación política de los partidos llamados socialistas o
socialdemócratas había renunciado a los programas revolucionarios para
dedicarse a la pugna por la mejora de los derechos sociales dentro de los
marcos políticos existentes, con voluntad de reformarlos, pero no de
derribarlos. El caso del SPD alemán, del partido socialdemócrata que podía
considerarse como legítimo heredero de Marx y de Engels, es revelador. En los
años anteriores al inicio de la Primera Guerra Mundial era el partido que tenía
más diputados en el parlamento alemán, contaba con más de un millón de
afiliados y con un centenar de periódicos, pero no se proponía hacer la
revolución, sino que aspiraba a obtener un triunfo parlamentario que le
permitiera reformar y democratizar el estado. De modo que, cuando se produjo
la declaración de guerra, los socialistas votaron los créditos y procuraron
mantener la paz social, aconsejando a los trabajadores que, mientras durase la
guerra, dejaran de lado las huelgas y los conflictos.
Situados en esta perspectiva no cuesta entender que lo que pasó en Rusia en
el transcurso de 1917 significara una ruptura, un paso adelante inesperado,
que mostraba que un movimiento surgido de abajo, de la revuelta de los
trabajadores y de los soldados, podía llegar a hacerse con el control de un país
y hacerlo funcionar de acuerdo con unas reglas nuevas. Porque lo más
innovador de este movimiento fue que, desde los primeros momentos, desde
febrero -o marzo, según nuestro calendario-de 1917 no actuaba solamente a
partir de un parlamento, sino que se basaba en un doble poder, una parte
esencial del cual la formaban los consejos de trabajadores, soldados y
campesinos, que comenzaron entonces a construir una especie de contra-
estado.
Añadamos a esto que el proceso aceleró rápidamente, sobre todo por iniciativa
de Lenin, que proponía renunciar al programa de una asamblea constituyente,
es decir, el sistema parlamentario burgués donde todo contribuía, decía él, a
establecer "una democracia sólo para los ricos "-y pasar directamente a otra
forma de organización en que el poder debía estar en manos de consejos
elegidos desde abajo, con una etapa transitoria de dictadura del proletariado porque
no era previsible que los privilegiados del viejo sistema aceptaran su
desposesión sin resistencias-que llevaría finalmente a establecer una sociedad
sin estado y sin clases.
Para los millones de europeos en 1917 estaban combatiendo en los campos de
batalla, y que habían descubierto ya que esa guerra no se hacía en defensa de
sus intereses, la imagen de lo que estaba pasando en Rusia era la de un
régimen que había liquidado la guerra de inmediato, que había repartido la
tierra a los campesinos, que otorgaba a los obreros derechos de control sobre
las empresas y que daba el poder a consejos elegidos que debían ejercer de
abajo arriba.
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
El nuevo emperador de Austria-Hungría, Carlos I, le escribía el 14 de abril de
1917 al Kaiser: "Estamos luchando ahora contra un nuevo enemigo, más
peligroso que las potencias de la Entente: contra la revolución internacional".
Carlos -que, por cierto, fue beatificado en 2004 por el papa Woytila-había
sabido entender la diferencia que representaba lo que estaba pasando en
Rusia: se había dado cuenta de que aquel era un enemigo "nuevo", que no
había que confundir con lo que significaban las revueltas, manifestaciones y
huelgas que se habían producido, y seguían produciéndose en aquellos
momentos, en Austria y Alemania.
Porque es verdad que en los dos países se estaban produciendo tantos
movimientos de protesta que hicieron nacer entre los bolcheviques rusos la
ilusión, totalmente equivocada, de que la revolución se podía extender
fácilmente en la Europa central. No llegó a haber una revolución ni siquiera en
Alemania, que era donde parecía más inminente. Pero el miedo de que pudiera
producirse fue lo que explica que a principios de noviembre de 1918 los jefes
militares alemanes decidieran que habían de acabar la guerra para poder
destinar las fuerzas a aplastar la revolución. Fueron los militares los que, ante
la necesidad de satisfacer las exigencias que el presidente norteamericano
Wilson ponía para negociar la paz, destituyeron el emperador y optaron por
pasar el poder a un gobierno integrado por socialistas, con la condición,
pactada previamente entre los jefes del ejército y el del Partido socialista,
Friedrich Ebert, que "el gobierno cooperará con el cuerpo de oficiales en la
supresión del bolchevismo".
Los temores de los militares tenían suficiente fundamentos, ya que parecía que
si en algún lugar podía repetirse la experiencia soviética era en la Alemania de
noviembre y diciembre de 1918, cuando en Baviera y Sajonia se proclamaban
"repúblicas socialistas", y en Berlín se reunía un congreso de los
representantes de los Consejos de trabajadores y de soldados de Alemania
donde, entre otras cosas, se reivindicaba que la autoridad suprema del ejército
pasara a manos de los consejos de soldados y que se suprimieran los rangos y
las insignias. La gran victoria de Friedrich Ebert fue conseguir que el congreso
de los consejos aceptara la inmediata elección de unas cortes constituyentes,
que permitieron asentar un gobierno de orden y desvanecieron la amenaza de
una vía revolucionaria.
Mientras tanto los Freikorps, unos cuerpos paramilitares de voluntarios
reclutados por los jefes del ejército, que estaban integrados por soldados
desmovilizados, estudiantes y campesinos, dirigidos por tenientes y capitanes,
y que actuaban con el apoyo del ministro de Defensa, el socialista Gustav
Noske, hacían el trabajo sucio de liquidar la revolución. Comenzaron
reprimiendo a sangre y fuego un intento prematuro de revuelta que tuvo lugar
en Berlín el 5 de enero de 1919, y que terminó con el asesinato de Karl
Liebknecht y de Rosa Luxemburgo, y siguieron luego disolviendo violentamente
los consejos de trabajadores y de soldados y liquidando la república soviética
de Baviera. No se suele destacar lo suficiente la importancia que tuvo este
movimiento contrarrevolucionario que se extendió por Alemania, Austria,
Hungría y los países bálticos, con la estrecha colaboración de unos dirigentes
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
políticos que estaban movidos por un terror obsesivo de la revolución rusa.
Quizás os sirva para valorarlo saber que estos cuerpos llegaron a contar entre
250.000 y 400.000 miembros.
La revolución quedó así aislada en Rusia, lo que no preocupaba demasiado.
Ingleses y franceses se cansaron pronto de apoyar a los ejércitos blancos que
luchaban contra los soviéticos y lo dejaron correr, preocupados por reacciones
como la revuelta de los marineros de la flota que los franceses habían enviado
el mar Negro. Lo que realmente les preocupaba era la posibilidad de que el
ejemplo soviético se extendiera a sus países: temían sobre todo el contagio.
El malestar de los años que siguieron al fin de la Gran Guerra en Francia, en
Inglaterra (donde en 1926 se produjo la primera huelga general de su historia),
en España (donde de 1918 a 1921 se desarrolla lo que se llama habitualmente
el "trienio bolchevique") o en Italia (con las ocupaciones de fábricas de 1920)
no llevó a ninguna parte a movimientos revolucionarios que aspiraran a tomar
el poder. En Italia, por ejemplo, tanto el partido socialista como el sindicato
mayoritario se negaron a apoyar actuaciones encaminadas a la toma del poder.
De esta manera la ocupación de las fábricas no podía llevar más allá de la
obtención de algunas concesiones de los patrones. Pero el miedo a la
revolución "à la rusa" estaba muy presente en el imaginario de los dirigentes de
la Europa burguesa, y los sindicatos aprendieron pronto a usarla para negociar
con mayor eficacia las condiciones de trabajo y los salarios.
Las mejoras en el terreno de la desigualdad que se fueron consiguiendo
posteriormente, desde la década de los treinta, no se explicarían suficiente sin
el pánico al fantasma soviético. Cuando la crisis mundial creó una situación de
desempleo y de pobreza extremas, se recurrió a dos tipos diferentes de
soluciones. En países donde la amenaza parecía más grande, como eran Italia
y Alemania, los movimientos de signo fascista comenzaron disolviendo los
partidos y sindicatos izquierdistas violentamente.
En el caso de Alemania, Hitler repitió en 1934 el pacto con el ejército que Ebert
había hecho en noviembre de 1918. Ante la amenaza que representaban las
tropas de las SA, que querían sacar adelante las promesas revolucionarias de
los programas nazis, los militares avisaron a Hitler de que o bien detenía el
asunto él o lo haría el ejército por su cuenta. Los militares colaboraron dando
armas a las SS para el exterminio de las SA que se produjo a partir de la noche
de los cuchillos largos, el 30 de junio de 1934. Pero quizá lo más interesante
sea la justificación que Hitler dio de su actuación en este caso, al decir que
había querido evitar que se volviera a producir en Alemania un nuevo 1918.
En otro caso en que las consecuencias de la crisis eran de una gravedad
extrema, como era el de los Estados Unidos, la solución consistió en establecer
una política de ayudas y de concesiones en el terreno social, dentro del
programa del New Deal. Se suele ignorar que los años que van de 1931 a 1939
fueron un tiempo en los Estados Unidos de grandes huelgas y de graves
conmociones sociales. Con motivo de una de estas huelgas, Los Angeles
Times escribía: "La situación (...) no se puede describir como una huelga
general. Lo que hay es una insurrección, una revuelta organizada por los
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
comunistas para derribar el gobierno . Sólo se puede hacer una cosa: aplastar
la revuelta con toda la fuerza que sea necesaria".
Aparte de estas luchas, los trabajadores estadounidenses utilizaban también
para defenderse de la crisis medidas de auto-organización: en Seattle el
sindicato de los pescadores intercambiaba pescado para frutas, verduras y
leña. Había 21 locales, con un comisario delante, para hacer estos
intercambios. A finales de 1932 había 330 organizaciones varias de auto-ayuda
para todo el país, con 300.000 miembros.
Sin este contexto de luchas sociales no hay forma de encontrar una explicación
racional del New Deal y de sus medidas de ayuda, como la Civil Works
Administration, que llegó a dar empleo a 4 millones de trabajadores, o el
Civilian Conservation Corps, que cogía jóvenes solteros y los llevaba a trabajar
en los bosques pagándoles un salario de un dólar al día para trabajos de
recuperación o de protección contra las inundaciones. Todo esto se hacía bajo
la vigilancia inquieta de los empresarios, que veían por todas partes la
amenaza del socialismo. De hecho, el miedo a la clase de giro a la izquierda
que les parecía que se estaba produciendo con Roosevelt generó una fuerte
reacción que es lo que explica que en 1938 se fundara el Comité del congreso
sobre actividades anti-americanas, encargado de descubrir subversivos en los
sindicatos o entre las organizaciones del New Deal. El macartismo no es un
producto de la guerra fría, sino la continuación del pánico contra lo rojo nacido
en los años treinta.
Tras el fin de la segunda guerra mundial, en 1945, el miedo a la extensión del
comunismo en Europa parecía justificada por el hecho de que los años 1945 y
1946 los comunistas obtuvieron más del 20 por ciento de los votos en
Checoslovaquia, en Francia (donde fueron el partido más votado) y en
Finlandia, y muy cerca del 20 por ciento en Islandia o en Italia. No había en
ninguno de estos casos propósitos revolucionarios por parte de los comunistas,
porque, paradójicamente, el propio Stalin se había convertido a la opción
parlamentaria, y aconsejaba a los partidos comunistas europeos que no se
embarcaran en aventuras revolucionarias.
La guerra fría tenía el objetivo de crear una solidaridad en la que los Estados
Unidos ofrecerían a sus aliados la protección contra el enemigo revolucionario,
del que sólo ellos podían salvar, con su superioridad militar, reforzada por el
monopolio de la bomba atómica. Detrás de este ofrecimiento de protección
había el propósito de construir un mundo de acuerdo con sus reglas, en el que
no sólo tendrían una hegemonía militar indiscutible, sino también un dominio
económico.
Mantener este clima de miedo a un choque global contra un enemigo, el
soviético, que podía aplastar cualquier país que no estuviera bajo la protección
de los estadounidenses y de sus fuerzas nucleares, era necesario para
sostener este control político global, y para hacer negocio, de paso.
Aparte de eso, sin embargo, la necesidad de hacer frente a lo que temían
realmente, que no eran las armas soviéticas, sino la posibilidad de que ideas y
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
movimientos de signo comunista se extendieran por los países "occidentales",
los llevó a todos a recurrir a políticas que favorecían un reparto más equitativo
de los beneficios de la producción y a un abastecimiento más amplio de
servicios sociales universales y gratuitos: son los años del estado del bienestar,
los años en que encontramos los valores mínimos en la escala de la
desigualdad social.
Desde 1968, sin embargo, se empezó a ver que no había que temer ningún
tipo de amenaza revolucionaria, porque ni los mismos partidos comunistas
parecían proponérselo. En el París de mayo de 1968, en plena euforia del
movimiento de los estudiantes, que estaban convencidos de que, aliados con
los trabajadores, podían transformar el mundo, el partido comunista y su
sindicato impidieron cualquier posibilidad de alianza y se contentaron pactando
mejoras salariales con la patronal y recomendando a los estudiantes que se
fueran a hacer la revolución a la Universidad. Al mismo tiempo, los
acontecimientos de Praga demostraban que el comunismo soviético no
aspiraba a otra cosa que a mantenerse a la defensiva, sin tolerar cambios que
pusieran en peligro su estabilidad.
A mediados de los años setenta, a medida que resultaba cada vez más
evidente que la amenaza soviética era inconsistente, los sectores
empresariales, que hasta entonces habían aceptado pagar la factura de unos
costes salariales y unos impuestos elevados, comenzaron a reaccionar. La
ofensiva comenzó en tiempos de Carter, impidiendo que se creara una Oficina
de representación de los consumidores, por un lado, y abandonando los
sindicatos en la defensa de sus derechos, por otra, y prosiguió con Reagan en
Estados Unidos, y con la señora Thatcher en Gran Bretaña, luchando
abiertamente contra los sindicatos. Como consecuencia de esta política
comenzaba de nuevo el crecimiento de la curva de la desigualdad, que se
alimentaba de la rebaja gradual de los costes salariales y fiscales de las
empresas.
¿Se puede considerar una simple coincidencia que la mejora de la igualdad se
haya producido coetáneamente a la expansión de la amenaza comunista -o,
más exactamente, del miedo a la amenaza comunista-y que el cambio que ha
llevado al retorno a las graves proporciones de desigualdad que estamos
viviendo hoy coincida con la desaparición de este factor?
Y déjenme insistir: no me estoy refiriendo a la amenaza de la Unión Soviética
como potencia militar, que nunca existió (las diferencias de potencial militar en
favor de los Estados Unidos eran enormes, pero eso se escondía al público,
que de otro modo quizá no habría aceptado tan mansamente los gastos y las
restricciones que comportaba la guerra fría). Me estoy refiriendo a la amenaza,
para decirlo con los términos usados para afianzar estos miedos, del
"comunismo internacional"; al miedo a la subversión revolucionaria.
Dejadme que cite un testimonio de extraña lucidez que supo ver por dónde
podían ir las cosas muy bien, ya en el año 1920. El testigo es el de Karl Kraus,
que escribió entonces: "Que el diablo se lleve la praxis del comunismo, pero,
en cambio, que Dios nos lo conserve en su condición de amenaza constante
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
sobre las cabezas de los que tienen riquezas; los que, a fin de conservarlas,
envían implacables los otros a los frentes del hambre y del honor de la patria,
mientras pretenden consolarlos diciendo y repitiendo que la riqueza no es lo
más importante de esta vida. Dios nos conserve para siempre el comunismo
para que esa chusma no se vuelva aún más desvergonzada (...) y que, al
menos, cuando se vayan a dormir, lo hagan con una pesadilla".
Y es que buena parte de lo que llamamos progresos sociales, desde la
revolución francesa hasta la fecha, está estrechamente asociado a las
pesadillas de las clases acomodadas, obligadas a hacer concesiones como
consecuencia del miedo a perderlo todo a manos de los bárbaros. La abolición
de la esclavitud, por ejemplo, no se explicaría sin el pánico que produjo la
matanza de los colonos en Haití durante la revolución de 1791. Que resulte que
en la actualidad hay en el mundo más esclavos que en 1791 (la cifra actual de
los trabajadores forzados se calcula que oscila entre los 13 y los 27 millones)
obliga a hacer algunas reflexiones sobre el significado de lo que los libros de
historia llaman abolición de la esclavitud.
Nada comparable, sin embargo, con el pánico que provocó desde su inicio la
revolución rusa, y que se ha mantenido persistentemente tanto en el terreno de
la propaganda política como en el de la historia. Aún hoy los hechos de Ucrania
son aprovechados para rehacer la misma historia de la amenaza al mundo
libre. En un artículo de una revista erudita de historia de la guerra fría que
estudia las organizaciones "stay behind", que Estados Unidos y Gran Bretaña
montaron en Europa para poder oponerse a un posible ascenso comunista, la
más conocida de las cuales es Gladio, que preparaba una respuesta violenta
en Italia si los comunistas ganaban unas elecciones, el autor trata de justificar
que siguieran incluso después de la desaparición de la Unión Soviética y
argumenta que, con la agresión rusa actual en Ucrania, tiene lógica mantener
"algunos de los mismos elementos de seguridad" de la guerra fría. O sea que el
anticomunismo dura incluso después de la muerte del comunismo.
Nos hemos nutrido de la historia criminal del comunismo, que se nos sigue
repitiendo cada día, y nos ha faltado, en cambio, conocer en paralelo una
historia criminal del capitalismo que permitiera situar las cosas en un contexto
más equilibrado. El estudio de la revolución rusa, como veis, es necesario para
entender la historia del siglo XX, y la situación a la que esta historia nos ha
llevado.
Hay, sin embargo, más motivos que hacen necesario este estudio, a los que
me referiré brevemente porque el tiempo no da para más. Uno de los más
importantes es el de dilucidar porqué el proyecto social de 1917 terminó
fracasando. Y no me refiero al hundimiento final de la estructura política de la
Unión Soviética después de 1989, sino a la incapacidad de construir ese
modelo de una sociedad libre y sin clases que se había planteado al inicio de la
revolución.
Es un tema que nos obligará a revisar toda una serie de cuestiones,
empezando por la crisis de marzo de 1921, cuando se celebraba el décimo
congreso del partido comunista, mientras los trabajadores de Petrogrado se
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
declaraban en huelga, con el apoyo de los marineros de la base de Kronstadt,
no sólo por razones económicas, sino en demanda de más derechos de
participación, y de nuevas elecciones a los soviets, que se habían convertido,
en el transcurso de la guerra civil, en una simple cadena de transmisión de las
órdenes dadas desde arriba por unos mandos que no habían sido elegidos.
Tendremos que explorar después qué significaba realmente el programa de la
planificación tal como lo estaban elaborando, hasta 1928, los hombres que
trabajaban en el Gosplan, y la forma en como su proyecto fue pervertido por
Stalin, que lo convirtió en un instrumento para un proyecto de industrialización
forzada, que tenía que ir acompañado de una política de terror encaminada a
someter a amplias capas de la población a unas condiciones de trabajo y de
explotación inhumanas.
O tendremos que investigar las razones del fracaso del proyecto de las
democracias populares en 1945, del que hablaba Manfred Kossok, que lo vivió,
evocando "aquellos años de las grandes esperanzas, de las visiones, de las
utopías -la fin del imperialismo en 10 o 20 años, liberación de todos los
pueblos, bienestar universal, paz eterna-unos años de ilusiones heroicas: el
socialismo real como el mejor de los mundos". Un proyecto del que decía
Edward Thompson: "este fue un momento auténtico, y no creo que la
degeneración que siguió, en la que hubo dos actores, el estalinismo y
occidente, fuera inevitable. Pienso que hay que volver a ocuparse de esto y
explicó que este momento existió". Hay, en efecto, que estudiar todos estos
momentos diversos en que las cosas pudieron ser diferentes.
Y hay un aspecto central de esta cuestión que habría que examinar con
detenimiento. ¿Tenía viabilidad el proyecto de Lenin de crear una sociedad sin
clases, que implicaba abolir no sólo el aparato del estado sino el trabajo
asalariado? No hace mucho que Richard Wolff, profesor emérito de Economía
de la Universidad de Massachusets, repasaba diversos momentos de la
historia de las revoluciones –la avolición de la esclavitud, el fin del feudalismo,
la revolución socialista de 1917-y mostraba que cada una de ellas había
aportado beneficios y libertades, pero que todas habían acabado dejando el
terreno abierto a una nueva forma de explotación (en el caso de 1917, la de un
capitalismo de Estado) porque no habían sabido entender que la sola forma de
abolir la explotación es acabar con la extracción de los excedentes del trabajo
de las manos de los que lo producen.
Para Wolff esto se consigue con formas de organización cooperativas y apunta
a un movimiento bastante interesante de formación de pequeñas cooperativas
que se desarrolla actualmente en los Estados Unidos. Pero olvida un aspecto
que Lenin tenía suficientemente en cuenta: que a fin de abolir la explotación lo
primero que hace falta es haber despojado del poder político a los que
resultarían perjudicados con este cambio. Podría servir de ejemplo lo ocurrido
con Mondragón, que muchos, incluyendo el mismo Wolff, presentaban como el
modelo de una alternativa. Puedes hacer lo que quieras montando
cooperativas, grandes o pequeñas, pero no cambiará nada si mientras tanto
tienes en Madrid un Montoro que tiene a su disposición todo el poder del
estado para modificar las reglas como le convenga.
¿Por qué nos conviene estudiar la revolución rusa? www.sinpermiso.info
Otra propuesta que sería interesante considerar, pero de la que conocemos
todavía demasiado poco, es la de Abdullah Öcalan, el dirigente del PKK kurdo,
aprisionado por los turcos desde 1999, que hace unos años propuso la fórmula
del confederalismo democrático, que propone reemplazar el estado-nación por
un sistema de asambleas o consejos locales que generen autonomía sin crear
el aparato de un estado. Hoy este proyecto tiene una primera plasmación en
Rojava, la zona del norte de Siria donde se ha instalado el que un reportaje de
la BBC califica como "un mini-estado igualitario, multi-étnico (porque encierra
en pie de igualdad kurdos, árabes, y cristianos), gobernado comunitariamente".
Son justamente los que están combatiendo para reconquistar la ciudad de
Kobane. Os recomiendo que veáis este documental de la BBC -lo encontrareis
tanto en Google como en YouTube, con el título de "Rojava: Sirya’s secret
revolution".
¿Por qué hablo de estas cosas, que parecen muy lejos del estudio de la
revolución de 1917? He dicho antes que debíamos estudiarla para llegar a
entender nuestra propia historia; pero es evidente que este estudio no lo veo
como un puro ejercicio intelectual sin fines prácticos. La utilidad que puede
tener, que debe tener, es la de ayudarnos a rescatar de aquellos proyectos que
no tuvieron éxito -por errores internos y por la hostilidad de todas las fuerzas
que se oponían a los avances sociales que promovían -lo que pueda servirnos
aún para el trabajo de construir una sociedad más libre y más igualitaria.
Porque me parece indiscutible que el propósito que movió a los hombres de
1917 era legítimo. Como dijo Paul Eluard: "Había que creer, era necesario /
creer que el hombre tiene el poder / de ser libre y de ser mejor que el destino
que le ha sido asignado". Y pienso que necesitamos seguirlo creyendo hoy.
(Conferencia pronunciada por Josep Fontana en el acto de presentación de la comisión del centenario de
la Revolución Rusa)
Josep Fontana, miembro del Consejo Editorial de SinPermiso, es catedrático emérito de Historia y dirige el Instituto
Universitario de Historia Jaume Vicens i Vives de la Universitat Pompeu Fabra de Barcelona. Maestro indiscutible de
varias generaciones de historiadores y científicos sociales, investigador de prestigio internacional e introductor en el
mundo editorial hispánico, entre muchas otras cosas, de la gran tradición historiográfica marxista británica contemporánea,
Fontana fue una de las más emblemáticas figuras de la resistencia democrática al franquismo y es un historiador militante
e incansablemente comprometido con la causa de la democracia y del socialismo.
Traducción para www.sinpermiso.info: Daniel Raventós
sinpermiso electrónico se ofrece semanalmente de forma gratuita. No recibe ningún tipo de subvención
pública ni privada, y su existencia sólo es posible gracias al trabajo voluntario de sus colaboradores y a las
donaciones altruistas de sus lectores
In
SIN PERMISO
http://www.sinpermiso.info/articulos/ficheros/5revrus.pdf
2/3/2015
segunda-feira, 2 de março de 2015
Avance del capital sobre la clase trabajadora: decenas de reformas laborales desde 1980
Por Endika A.
en Periodicocnt
Es costumbre entre las trabajadoras y en las organizaciones obreras hablar
de que parte de la mala situación de los derechos laborales se debe a la
Reforma Laboral; pocas veces se oye hablar de esta en plural.
La legislación laboral es un reflejo de las relaciones laborales
existentes en el momento, un ejemplo de cómo se encuentra la dinámica de
luchas de clases entre capital y clase obrera; la situación de los
servicios sociales, sanitarios, educativos y de las pensiones se pueden
utilizar también como termómetro de esa dinámica de lucha de clases.
Los gobiernos de diferentes colores han ido implementando reformas en la
legislación laboral durante los últimos 35 años, y siempre bajo una serie
de premisas comunes, ya fuese época de bonanza o de crisis: crear empleo,
flexibilizar y hacer más competitivo el mercado laboral, romper la
dualidad empleo fijo y estable versus empleo precario… La realidad
demuestra que todas estas reformas no tenían como objetivo estas
cuestiones, ya que pese a haber aplicado más de ochenta reformas al
Estatuto de las Trabajadoras[1], los problemas siguen siendo los mismos,
si es que no han empeorado.
El mercado de trabajo no se puede entender como mercado, como si fuese un
bien o servicio que se compra y vende como cualquier otro. Hay relaciones
de poder y sometimiento, además de personas, algo que nunca tratan ni
tratarán estas reformas. Además, muchas veces se ha culpado a la
legislación vigente en el momento como la responsable del alto nivel de
desempleo en el estado español (“sale caro despedir, por lo que no
contrato”, “las instituciones laborales son muy rígidas” y frases de corte
similar), algo sin mucho sentido pero sí de mucha carga ideológica: la
regulación laboral está de más, sobre todo si no está diseñada a favor de
la empresa. Durante los primeros años del siglo el empleo y la
contratación fueron muy fuertes pese a esta legislación, lo que contradice
esta teoría; y sobre la rigidez del mercado, pues más de lo mismo, la
destrucción de empleo desde 2008 ha sido superior a los tres millones (de
una población activa de 22 millones), algo que desmiente las eruditas
voces que hablan de la rigidez del mercado laboral. Tampoco la mayor
intensidad de las crisis en el estado español se debe a su mercado
laboral, sino a otros factores como el no desarrollo o subdesarrollo de
sectores estratégicos con carga tecnológica y de valor añadido.
Las reformas y sus efectos: empezamos en los ’80
1984 sentó las bases de la política laboral que quería la patronal,
plasmada en las reformas llevadas a cabo por el PSOE. En agosto de 1984 se
abre la costumbre de modificar el Estatuto de las Trabajadoras cada poco
tiempo, introduciendo la temporalidad en la contratación, eliminando la
exigencia de una causa definida. También se ampliaron la duración de los
contratos en prácticas y de formación, a la vez que se disminuía el peso
de la enseñanza en los contratos formativos. En 1986, otra reforma eliminó
los topes diarios, semanales y mensuales de horas extras, lo que permite a
la empresa jugar con el máximo que dicta la ley, dejando el significado de
las horas extraordinarias en nada, siendo utilizables casi como ordinarias
en el momento que la empresa quisiera.
De esta manera, en un contexto de desempleo en aumento afectando de una
manera directa a la juventud, se divide (“segmenta”) el mercado laboral,
en plantilla fija y estable, y otra precaria, a la vez que los contratos
formativos y de prácticas empeoran. Además, con las horas extra se
consigue que la plantilla trabaje más horas, influyendo negativamente
sobre la contratación. La estrategia del capital es la del divide y
vencerás, creando lo que más tarde los sindicatos de concertación,
gobiernos y patronales han llamado dualidad del mercado de trabajo, excusa
para aplicar nuevas reformas en el futuro.
A primeros de la década de los 90 las reformas se aplicaron también en el
derecho a las prestaciones (Ley 22/1992) que más tarde se desarrollaría,
además de legalizar las empresas de trabajo temporal (Ley 10/1994), lo que
supone una privatización de hecho de la contratación laboral. Otro de los
elementos tratados es el de la flexibilidad interna, ya que se da más
poder a los departamentos de recursos humanos, con la posibilidad de
polivalencia y movilidad funcional, además de ampliar la movilidad
funcional y las modificaciones sustanciales de condiciones de trabajo. Y
en 1995 se aprobó un nuevo Estatuto de los Trabajadores. Las empresas
están cambiando, el capitalismo va modificando su modelo de producción del
fordismo (gran empresa, contratos estables, trabajo de por vida… en lo que
corresponde a las relaciones laborales) al denominado postfordismo, donde
las empresas buscan la mayor flexibilidad posible (cambiar de lugar de
producción sin trabas, modificar los procesos productivos muy
rápidamente…) siendo las trabajadoras las que carguen con el peso de estas
modificaciones: formación y especialización continua a cargo de la
trabajadora, precariedad laboral para la gran mayoría (hoy me necesitan
aquí, mañana ahí..), entre otras cuestiones.
A partir de 1996 comienza a disminuir la tasa de desempleo, y empieza otra
etapa, caracterizada por el crecimiento económico y la burbuja
inmobiliaria, que durará hasta 2007. En estas dos décadas previas, las
reformas iban dirigidas a dualizar el mercado laboral, en fijos estables y
temporales precarios; así se creó un ejército de personas desempleadas (y
mayoritariamente jóvenes), que es lo que el capital necesitaba para la
siguiente etapa; y por otra parte, frente a las personas con empleo
estable se creaba una figura para hacerla más dócil, bajo la amenaza de
despido, al haber millones de personas en situación de desempleo que
aceptarían cualquier puesto de trabajo.
La Era del Ladrillo
1997 comienza con varias leyes, siendo el Decreto-Ley 8/1997 el que vuelve
a abrir la veda para las causas organizativas, tecnológicas y de
producción en caso de modificaciones sustanciales y despidos, vinculando
estas causas a la “competitividad” de la empresa. Lo que vuelve a ser un
paso atrás en las relaciones laborales para las trabajadoras, ya que
vuelve a facilitar el despido y la flexibilidad interna, como solución a
los problemas de competitividad de las empresas.
En 1989 se legisló en materias de igualdad, ampliando la maternidad y la
excedencia por cuidado de hijos e hijas; más de una década después, en
1999, en materia de conciliación de vida familiar y laboral. Una
legislación que se ha demostrado insuficiente para poder lograr un trato
no discriminatorio de las mujeres.
Para flexibilizar aun más el mercado laboral, en 2002 se modificaron las
prestaciones por desempleo, teniendo la administración mayor control y
criminalizando a las personas desempleadas de fraude. Comenzó a
implantarse el compromiso de ocupabilidad para poder recibir la
prestación, algo que es un derecho obtenido por el mero hecho de haber
trabajado. De esta manera se presiona a las personas desempleadas a coger
un trabajo mediante extorsión económica por parte del Estado.
Este es el período en el que los sindicatos de concertación, patronal y
gobiernos se sacan fotos diciendo que la dualidad del mercado de trabajo
se acabará con la enésima reforma, algo absolutamente falso. Así lo
describían con las reformas de 2006 y 2007, limitando la contratación
temporal y dando dinero a las empresas por hacer contratación indefinida.
La tasa de paro había descendido del 10% (pese a haber más de dos millones
de personas paradas) y el crecimiento económico parecía imparable al calor
de la burbuja inmobiliaria. Con la excusa de que el coste del despido es
una traba a la contratación, estos costes van reduciéndose previo pacto
con CC.OO. y UGT bajando las indemnizaciones a pagar por las empresas, lo
que sienta las bases de la destrucción del empleo que vino en la siguiente
etapa.
Una novedad fue la Ley Orgánica para la igualdad efectiva de mujeres y
hombres en 2007, que supuso abordar cuestiones de género en las relaciones
laborales de una manera más transversal, pero que no se acercó a acabar
con el patriarcado en la empresa, siendo los planes de igualdad en las
empresas y los cambios en permisos de paternidad sus efectos más notorios
a corto plazo.
Y así nos pilló la mal llamada crisis
Las reformas laborales que precarizaron el trabajo y abarataron el despido
fueron las que facilitaron el brutal aumento del desempleo en este
periodo. Despido libre y casi gratis, poco más necesitaba la patronal. El
trabajo de los años anteriores fue muy útil para las patronales. Pero en
crisis, las necesidades y ambiciones empresariales fueron a más en lo que
respecta a las relaciones laborales, centrándose las nuevas reformas en
varias líneas: desactivar las posibilidades de negociación de las
organizaciones sindicales, aumentar la flexibilidad externa aún más (vía
despidos individuales y colectivos) y la interna (lograr el absoluto
control sobre las trabajadoras y los puestos que ocupan en las empresas)
además de desmontar el sector público para poder lucrarse con su
privatización (ya sea de manera directa o indirecta).
La reforma del 2010 tiene como puntos fuertes el hecho de que Fogasa asume
parte del despido, esto es, que lo financiamos entre todas, y se reforman
las causas del despido, ampliándose los conceptos de causas económicas,
técnicas, productivas y organizativas. A esto sumar que ya no solo se
abarataba el coste del despido (flexibilidad externa), sino que además se
volvía a incidir en facilitar el aumento de la flexibilidad interna
(traslados colectivos, modificaciones sustanciales de condiciones de
trabajo, clausulas de inaplicación salarial, EREs temporales….). Al mismo
tiempo, la Administración facilita la acogida a los contratos de fomento
de contratación indefinida.
En 2011 se vuelve a legislar otro apartado básico para la actividad de los
sindicatos, la negociación colectiva. Las modificaciones se dieron en la
estructura de la negociación (prioridad en ciertas áreas del convenio de
empresa sobre los sectoriales), en el contenido y vigencia de los
Convenios Colectivos, la legitimación para negociar y en la comisión
negociadora.[2]
La siguiente gran reforma fue la de febrero de 2012. Un análisis
pormenorizado de este decreto ley supondría un monográfico, por lo que
sólo se van a resaltar varios de los cambios que ha supuesto. En el ámbito
del despido, en lo que respecta al sector público, se abrió la posibilidad
de aplicar despidos colectivos; además de eliminar la autorización de la
autoridad laboral, flexibilizar despidos colectivos mediante la aplicación
de medidas atenuadoras por parte de las empresas, rebaja del coste en el
caso del despido improcedente…
En lo que corresponde a la negociación colectiva, se facilitan los
descuelgues de convenio ampliando las causas para el mismo, se limita la
ultraactividad de los convenios y en ciertas materias se da prioridad al
convenio de empresa frente al sectorial. En el caso de las modificaciones
del contrato de trabajo, la movilidad geográfica se explica de manera más
genérica (lo que de hecho significa su aplicación), y las modificaciones
sustanciales de condiciones de trabajo se flexibilizan a favor de la
empresa.
En julio de 2012, la nueva legislación endurece las condiciones para
acceder al subsidio y en relación al empleo público, se rebajan los
sueldos (supresión de la paga extraordinaria de diciembre de 2012) se
reducen las vacaciones, aumenta la jornada de trabajo…
A día de hoy también se ha reformado el sistema de pensiones, se ha
limitado la creación de empleo público, y parece que la dinámica actual es
que las patronales piden, y el Estado otorga, sin ya ni siquiera hacer un
teatro de concertación social.
Respuestas, resistencias y retos
Pero estas medidas no fueron tomadas sin resistencias. El enfrentamiento
en cada reforma ha venido matizada por el teatro del diálogo social. Los
paros de 24 horas (cuando llegaban a ser de día completo) han sido la
herramienta de presión más utilizada ante cada nueva legislación, siendo
el boicot y sabotaje menos utilizados. La legislación sobre huelgas ha ido
descafeinándose en lo que toca a los derechos de las trabajadoras, siendo
vulnerada casi al 100% de las veces sin apenas efectos para las patronales
y el Estado mientras que para nosotras se ha ido endureciendo. Un ejemplo
es la declaración de ilegalidad de una huelga y sus consecuencias sobre
una plantilla o sindicato; o el aumento de la represión y condenas de
piqueteras, con penas de cárcel.
La correlación de fuerzas de los sindicatos de concertación y otros
sindicatos más combativos (anarcosindicalismo, sindicatos nacionalistas e
independistas, otros de clase…) son las que han marcado el conflicto.
Entre 2009 y 2014, mientras en el estado los sindicatos de concertación
seguían sin moverse, en los lugares donde menos peso tenía, había mayor
conflictividad (8 paros generales en Hego Euskal Herria, por ejemplo).
Habrá que ver a partir de ahora la evolución de esta conflictividad.
Otra de las cuestiones que quedan en segundo plano son las oportunidades
de resistencia que también abren las nuevas reformas. La resistencia puede
plasmarse en un paro general de 24 horas, pero también trasladarla al
centro de trabajo, logrando un convenio de empresa (algo que facilita la
reforma de la negociación colectiva de 2011) por las secciones sindicales
que blinde ante futuras reformas; o lograr la reinternalización de los
servicios en un ayuntamiento, demostrando que es más rentable para el
mismo, en vez de dejarlo en manos de las grandes corporaciones como FCC y
otras. Las formas de hacer frente a las reformas son muchas y variadas.
[1] Para un mayor análisis pormenorizado de las reformas laborlaes hechas,
se pueden consultar dos informes de la Fundación Primero de Mayo:
http://www.1mayo.ccoo.es/nova/files/1018/Informe77.pdf
yhttp://www.1mayo.org/nova/files/1018/InformeReformas.pdf
[2] Para más información, se puede consultar el dossier “La reforma de la
negociación colectiva” publicado por CNT y disponible
enhttp://cnt.es/sites/default/files/la_reforma_de_la_negociacion_colectiva.pdf
In
ICEA - Instituto de Ciencias Económicas y de la Autogestión
http://iceautogestion.org/index.php?option=com_content&view=article&id=689:avance-del-capital-frente-a-la-clase-trabajadora-decenas-de-reformas-laborales-desde-1980&catid=19:noticias
2/3/2015 (?)
domingo, 1 de março de 2015
La era de la salud pública nació en la URSS
Juan Manuel Olarieta
El concepto y, sobre todo, la práctica de la salud pública no han existido
siempre sino que son una conquista de la Revolución de Octubre. Algo tan
sencillo como esa práctica cotidiana y actual que consiste en acudir a un centro
médico para cuidar nuestras enfermedades gratuitamente se la debemos al esfuerzo
de los bolcheviques. La atención médica ha existido siempre… para unos pocos
privilegiados; la atención a los obreros, los campesinos y la población, en
general, sólo existen desde 1917 y sólo existirá en el futuro si somos capaces
de defenderla al menos con tanta energía como pusieron otros en conseguirla.
La primera red sanitaria general de la historia fue obra de Nikolai A. Semashko,
fundador del partido bolchevique y primer comisario (ministro) de Sanidad desde
1918 hasta 1930. En su libro sobre la “Protección de la salud en la URSS”,
publicado en 1934, Semashko estableció tres principios básicos que debía reunir
el servicio soviético de salud: unidad en la organización, participación de la
población en la totalidad del trabajo de protección de salud y medidas
profilácticas, es decir, la prevención.
(adsbygoogle = window.adsbygoogle || []).push({});
La sanidad soviética, por tanto, no era un servicio especialmente destinado a
los obreros y campesinos sino una tarea en cuya planificación participaban
activamente los sindicatos obreros, las cooperativas agrarias, los soviets y la
población en general, es decir, millones de personas que atendían y eran
atendidos por la red sanitaria más grande que nunca se había puesto en
funcionamiento, alcanzado a cada uno de los rincones de la extensa URSS,
incluidos los más alejados y remotos.
La implantación del modelo de medicina soviética en el mundo capitalista fue
obra del suizo Henry E. Sigerist que, entre otros, impartió cursos en el
Instituto de Historia de la Medicina de la Universidad John Hopkins de Estados
Unidos. Sigerist viajó varias veces a la URSS y estudió meticulosamente su
sistema sanitario, del que se convirtió en su divulgador más entusiasta: “Los
estudios que he hecho durante tres veranos en la URSS -escribió- fueron quizás
los más inspiradores de toda mi carrera. Admito francamente que estoy
impresionado por todo lo que vi, por el esfuerzo honesto de una nación entera
para darle atención médica a todo el pueblo”. El médico suizo siempre reconoció
honestamente las aportaciones pioneras de la revolución socialista a la medicina
mundial, que describió en su libro “Socialized Medicine in the Soviet Union”
publicado en Nueva York en 1937.
Durante la I Guerra Mundial Sigerist fue movilizado como médico del ejército
francés, lo que le permitió comprender el carácter imperialista de aquella
terrible masacre y, a la vez, valorar la trascendencia histórica de la
revolución de 1917: “Un nuevo orden político, económico y social ha nacido de
allí y ha modificado muy profundamente las formas de la atención médica […]
Puesto que la salud es un bien al que todos tienen derecho el servicio médico es
gratuito […] La medicina preventiva tiene prioridad decisiva […] El servicio
médico se lleva a la población cada vez más por centros médicos, dispensarios,
policlínicos […] La cultura física se ha hecho popular […] Lo que está
sucediendo allá es el inicio de un nuevo período de la historia de la medicina”.
Médico e historiador de la medicina, Sigerist se convirtió en un socialista
convencido. Sin llegar a ser nunca un marxista militante, gracias al estudio de
la medicina se apercibió de que el socialismo era una forma superior de vida
para la humanidad. Para el médico suizo el sistema sanitario soviético no sólo
era un modelo válido de atención sanitaria que había que llevar al mundo entero;
era algo mucho más importante que eso: la sanidad soviética culminaba una larga
evolución histórica de los servicios de salud.
En 1938 escribió el artículo “Medicina socializada” para la “Yale Review” donde
decía que “el pueblo tiene derecho a la atención médica y la sociedad tiene la
responsabilidad de cuidar a sus miembros […] Cada ciudadano debe tener una
asistencia médica gratuita, los médicos, como los demás trabajadores de la
salud, deben recibir un salario”. La salud no es sólo un problema técnico de
asistencia al enfermo sino que se promueve activamente proporcionando
condiciones de vida decentes, buenas condiciones de trabajo, educación, cultura
física y formas de esparcimiento y descanso.
En 1943 en su libro “Civilization and desease” (Civilización y enfermedad)
escribió que el mundo se disponía a dar el paso “de la sociedad de competencia a
la sociedad de cooperación; irá hacia el socialismo”. La obra incorpora
importantes tesis del materialismo histórico sobre la enfermedad en dos
capítulos en los que analiza los determinantes materiales y económicos de la
enfermedad. El libro le convirtió en un referente para los estudiantes y jóvenes
médicos progresistas de todo el mundo. El 30 de enero de 1939 la revista “Time”
ya había publicado su retrato en portada, calificándole como el historiador de
la medicina más importante del mundo.
A través de Sigerist la influencia de la medicina soviética alcanzó a Estados
Unidos. Con la ayuda de conocidos investigadores, el médico suizo creó la
“American Soviet Medical Society”, que presidió Walter B. Cannon, amigo de
Pavlov y profesor emérito de Fisiología de la Universidad de Harvard. La
asociación editó la revista “The American Review of Soviet Medicine”. La
promoción de la comprensión entre los pueblos era su modo de ayudar al
intercambio cultural y científico.
Sin embargo, durante la caza de brujas de la posguerra fue ferozmente atacado
por la Asociación Médica Norteamericana y el círculo más reaccionario de
estudiantes de medicina de la Universidad Johns Hopkins. Fue purgado por la
Comisión del Servicio Civil Gubernamental, lo que le impidió ocupar cargos
públicos en lo sucesivo. Entonces decidió regresar a Suiza, donde comenzó a
redactar su obra cumbre “Historia de la Medicina”, de la cual llegó a publicar
el primer volumen.
Por influencia de la Revolución de Octubre y de Sigerist, en Inglaterra también
apareció un movimiento en favor de la nueva medicina social y en 1930 Major
Greenwood fundó la Asociación Médica Socialista que influyó decisivamente en el
programa sanitario del partido laborista. Posteriormente con la ampliación del
campo socialista en 1945 y la llegada del partido laborista al gobierno, los
obreros británicos pudieron disfrutar de una red pública de atención sanitaria
como la que ya disfrutaba la URSS desde hacía décadas.
Desde Suiza, Sigerist hizo varios viajes a Londres que culminaron en las
Conferencias de Health-Clark en 1952, pronunciadas en la Escuela Londinense de
Higiene y Medicina Tropical. Hasta su muerte en 1957 la ingente obra de
Sigerist, que llena las bibliotecas de las facultades de medicina, inspiró la
creación del nuevo sistema público de salud británico y otros parecidos en el
mundo entero.
El remate de este proceso que se inició en la URSS también acabó en la URSS, en
1978, en Alma-Ata, durante la asamblea de la Organización Mundial de la Salud,
cuando el bloque de países socialistas logró aprobar una resolución en la que,
por primera vez, se definía a la medicina como un servicio público, con un único
voto en contra: el de Estados Unidos. En medicina este principio se conoce como
la Declaración de Alma-Ata y dice lo siguiente: “El pueblo tiene el derecho y el
deber de participar individual y colectivamente en la planificación y aplicación
de su atención en salud”.
Hoy en cada dispensario médico, hospital o clínica pública del mundo siguen
latiendo -inmortales- los principios de la Revolución de Octubre y su éxito al
llevar a toda la humanidad algo tan preciado como es la salud.
In
LA REPÚBLICA.ES
http://www.larepublica.es/2015/02/la-era-de-la-salud-publica-nacio-en-la-urss/
18/2/2015
Assinar:
Postagens (Atom)