sexta-feira, 13 de junho de 2014

Venezuela: para que haja paz, poder ao povo


Fernando Vicente Prieto (*)


Há um ano, diferentes ações impulsionadas por amplos setores do povo e
acompanhadas por Maduro vêm a confirmar o rumo estratégico assumido pela
Revolução Bolivariana. No marco de uma conjuntura complexa – caracterizada pela
intenção golpista da ultradireita –, milhões de pessoas se propõem a continuar o
legado de Chávez, em um momento chave para a América Latina e o Caribe. É Comuna
ou nada.

Não apenas a Venezuela está pendente quanto às circunstâncias enfrentadas
abertamente pelos dois projetos em disputa: o de construção do socialismo
bolivariano, baseado na democracia participativa e incentivadora do
protagonismo; ou o de restauração de um capitalismo completamente subordinado às
transnacionais, que implica ao mesmo tempo a volta ao poder dos setores
dominantes durante o Pacto de Punto Fijo. E o resultado desse jogo terá impacto
em todo o continente.

Um triunfo do chavismo empurrará com mais força a integração entre os povos. Os
Estados Unidos, pelo contrário, tentam garantir as maiores reservas de petróleo
do mundo, mas terminam com o mal exemplo para um povo que se organiza e percebe
que há crescentes cotas de poder político na sociedade. Paradoxalmente, esse é
um dos elementos mais desconhecidos fora do país, embora leve maior radicalidade
ao processo venezuelano.

Um ouvido junto ao povo, para entender o processo

Acostumados a olhar exclusivamente para cima, a direita ou esquerda fazem
análises da situação na Venezuela em que o grande ausente é o protagonista,
aquele que “cresce nas dificuldades”, como mostra a história recente do país –
ao menos desde o contragolpe popular em abril de 2002.

Apesar desse menosprezo internacional, é aí que está a causa da resistência
prolongada diante de uma ofensiva que inclui ataques de todo tipo, desde o uso
de franco atiradores como “apoio” a manifestantes identificados com a etiqueta
de estudantes pacíficos – que, no entanto, assassinam pessoas com arames e
incendiam ônibus e universidades – até a agressiva diplomacia do Departamento de
Estado. Tudo suficientemente coberto pelas matrizes dos meios hegemônicos,
capazes de penetrar em escala planetária na maioria das consciências, inclusive
na de pessoas que acreditam estar informadas porque leem as capas dos grandes
jornais. Nesse contexto, não é por acaso que a construção das Comunas não entre
“na agenda”, que condiciona o que pode ser dito sobre a Revolução Bolivariana.

Por isso, o tema tampouco é assumido por meios progressistas ou de esquerda, que
na maioria dos casos reduzem o processo revolucionário ao que ocorre no nível do
governo, sem observar a profundidade de algumas propostas que envolvem o Estado,
mas em interação dialética com as organizações de base.

Esse processo funde suas raízes no programa de governo vigente (o Plano da
Pátria 2013-2019) e no Golpe de Timão de Chávez, que estabelece a necessidade de
avançar em direção ao Estado comunal, com o objetivo de superar o Estado liberal
burguês.

Nos últimos doze meses, mais de 630 comunas foram registradas pelo Estado em
transição. Muitas outras se encontram em construção, com o horizonte de
consolidar 3 mil nos próximos seis anos. Essa nova forma jurídico-política traz
a teimosa aspiração do povo de avançar para o autogoverno vinculado com
organismos do governo central, e não poucas vezes com indiferença – ou com surda
oposição – em relação aos níveis médios, governos ou prefeituras, inclusive as
chavistas.

Dessa forma, em meio às “guarimbas”, que tanta atenção da mídia conseguiram em
nível internacional, distintos acontecimentos indicam que, desde baixo, cresce o
poder popular. Por isso, esse é um dado inevitável para compreender o que está
acontecendo. E também para projetar a serventia de os povos que a heterodoxa
experiência bolivariana continuarem resistindo.

Organizar-se para ser livres

Em março, enquanto o governo impulsionada Conferências de Paz com distintos
setores, cerca de 300 delegadas e delegados das comunas se reuniram em Las
Casitas, estado de Zulia, para debater um plano de ação a fim de aprofundar a
organização popular.

Dois meses depois, em 17 de maio, cerca de 20 mil pessoas encheram o Poliedro de
Caracas para se encontrar com o ministro das Comunas, Reinaldo iturriza, e com o
presidente Nicolás Maduro. Ali apresentaram os acordos de Las Casitas, que
incluíram propostas sobre temas políticos, econômicos e comunicacionais quanto à
paz e a convivência.

A jornada levou o nome de “Comunas produtivas para a ofensiva econômica, pela
paz e pela vida” e insistiu no aporte que a organização comunal pode fazer para
a superação do modelo rentista petroleiro. Um modelo caracterizado por importar
a maioria dos bens básicos – entre eles, os alimentos – e, portanto, débil
diante da guerra econômica. É a arma mais importante dos setores interessados em
derrubar o governo.

Os moradores e moradoras das comunas destacaram o trabalho realizado pelo
ministro Iturriza e se propuseram a “avançar o encadeamento produtivo mediante a
construção de redes sócio-produtivas a partir da unidade nacional das comunas”.

Também pediram a Maduro para que continue apostando nas comunas e celebraram a
resistência diante dos protestos violentos, que são inexistentes nos bairros
populares. “Esse povo das comunas se faz respeitar com organização, ética e
alegria”, disseram, para falar da ofensiva midiática contra a Revolução
Bolivariana. “As empresas privadas de comunicação se encarregaram de
potencializar uma matriz alheia à nossa realidade (…) Meios de comunicação:
venham a nossas comunidades e digam a verdade”.

Seguindo Chávez, lembraram que “para que haja paz, deve-se dar poder ao povo.
Nem nessa Pátria nem em uma outra haverá paz se o sistema capitalista se
mantiver”.

Potencializar a unidade comunal

Além da anunciar a transferência de recursos para a economia comunitária, Maduro
aumentou a aposta e propôs criar um Conselho de Governo Comunal que agrupe os
organismos de autogoverno em nível nacional e tenha interlocução direta com a
Presidência.

“Vocês me fazem propostas, eu as articulo com as políticas e me fazem chegar as
críticas das falhas que o Governo Bolivariano tem. Viva a crítica popular!
Aprendamos a nos alimentar da crítica. Não tenhamos medo da verdade, esse é o
método de Hugo Chávez”, disse o presidente entre muitos aplausos.

Entre este mês que se inicia – e que se anuncia como se suma importância diante
de outros cenários de estabilização –, novos encontros serão realizados. Um
deles será “A festa dos saberes comunais”, que está sendo desenvolvida por estes
dias em Caracas para promover intercâmbios e mostrar o conhecimento presente na
organização social. De acordo com o que foi expressado pelo ministro Iturriza, o
desafio é “criar as condições para que não dependamos em nenhum momento do ciclo
produtivo do capitalismo”. Um grande desafio. É aí que estão os debates do povo
venezuelano – à espreita, mas insistindo na construção do socialismo.


(*) Fernando Vicente Prieto, de Caracas – @FVicentePrieto

IN:
Carta Maior
http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Venezuela-para-que-haja-paz-poder-ao-povo/6/31139
12/6/2014

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