sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Ao menos 70 empresas colaboraram com a ditadura

Ao menos 70 empresas colaboraram com a ditadura

por Marsílea Gombata, para a Carta Capital


Petrobras, Ericson, Ford, Brastemp e Volkswagen, entre outras, podem ser
responsabilizadas por crimes de lesa-humanidade, diz a Comissão da Verdade


Victoria Basualdo, Rosa Cardoso e Sebastião Neto com o documento apresentado
nesta segunda-feira 8 em São Paulo
Empresas brasileiras e estrangeiras colaboraram com os militares durante a
ditadura. Elas funcionavam como fonte de informações sobre sindicalistas e
trabalhadores suspeitos de comandarem greves e fazerem parte de organizações de
esquerda, comprovam documentos obtidos pelo Grupo de Trabalho “Ditadura e
repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical” da Comissão Nacional da
Verdade, apresentados nesta segunda-feira 8, em São Paulo. Além de mostrar nomes
e endereços de trabalhadores suspeitos de confabular contra o regime, os
documentos trazem os nomes do empresariado que monitorava seus funcionários a
fim de colaborar com o sistema de censura e repressão nos últimos anos da
ditadura civil militar no Brasil (1964-1985).

O documento “confidencial” de 18 de julho de 1983 do Ministério da Aeronáutica
mostra a ata de uma reunião do chamado CECOSE (Centro Comunitário de Segurança)
do Vale do Paraíba na qual as empresas Vibasa, Petrobras, Ericson, Telesp,
Engesa, Confab, Ford, Embrape e Volkswagen traziam informações sobre demissões,
greves e reuniões de sindicalistas no intervalo do expediente. “ENGESA – existe
uma Comissão do Sindicato da Categoria que funciona no horário do almoço,
visando à sindicalização daqueles que ainda não são sócios do mesmo”, diz o
documento da Engenheiros Especializados S/A (Engesa), empresa do ramo bélico
fundada na década de 1960.

O mesmo arquivo fala sobre a reunião seguinte a ser realizada em 3 de agosto de
1983 na Empresa Mecânica Pesada S/A, em Taubaté (SP) e mostra também “lembretes”
que a Volkswagen trazia aos pares sobre vendas de jornais da imprensa
alternativa nas portarias da fábrica e atividades do Partido dos Trabalhadores
(PT): “No dia 17JUN83 foram distribuídos na sede do Sindicato dos Metalúrgicos
de SBCampo/Diadema panfletos intitulado (sic) ‘COMPANHEIROS TRABALHADORES’”.

“A Volkswagen, pelo que mostra o documento, funcionava como uma espécie de órgão
de inteligência nesse grupo”, disse Sebastião Neto, secretário executivo do
grupo de trabalho, ao lembrar que a empresa monitorou líderes sindicalistas como
o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Um outro documento, de 1981, localizado no Arquivo Público do Estado de São
Paulo, revela uma lista de nomes de empregados suspeitos entregues ao Dops. Ao
menos 67 empresas teriam passado, além dos nomes completos, o endereço de
residência de cada um desses trabalhadores. Dentre as principais empresas que
aparecem estão: Brastemp, Chrysler, Ford do Brasil S/A, Mercedez Benz do Brasil
S/A, Termocânica, Volkswagen do Brasil S/A, Westinghouse LTDA, Rolls-Royce,
Scania, Toyota e Toshiba.

Também preocupada com as “greves ilegais no ABCD”, a Polícia Civil de São Paulo
emitiu em 27 de junho de 1978 um relatório no qual falava sobre membros de
inteligência em empresas a fim de passar informações sobre sindicalistas e
articuladores da classe trabalhista. “A direção da indústria introduziu entre
seus empregados três elementos com a finalidade de os informarem e localizarem
os possíveis mentores do movimento grevista naquela indústria”, disse sobre a
sede da RESIL S/A, em Diadema.

“Tivemos no Brasil prisões seletivas com base nas informações que eram
apresentadas pelas empresas”, observou a advogada Rosa Cardoso, integrante da
Comissão Nacional da Verdade e coordenadora do GT que investiga as perseguições
aos movimentos sindicais. “Cerca de 40% dos mortos e desaparecidos naquela época
dizem respeito a trabalhadores”.

Segundo a advogada, apesar de não estarem envolvidas diretamente em casos de
desaparecimento forçado, essas empresas podem ser responsabilizadas por crimes
de lesa-humanidade. “Prisões arbitrárias, ilegais e em lugares de tortura também
são atos considerados tortura pela legislação internacional”, afirma. “E essas
práticas foram generalizadas entre os trabalhadores, pois não havia sequer
mandado de prisão contra eles”.

Rosa Cardoso disse ainda que o relatório final da Comissão da Verdade, a ser
apresentado até 16 de dezembro, trará dois capítulos sobre o tema: um sobre
perseguição aos trabalhadores e ao movimento sindical, e outro sobre as relações
e formas de financiamento do empresariado com a ditadura.

Para isso, a comissão pretende realizar uma audiência na qual serão colhidos
depoimentos de representantes das empresas cujos nomes constam nos documentos da
época. A CNV conta ainda com o auxílio da pesquisadora argentina Victoria
Basualdo, professora titular de História Econômica Argentina da Universidade de
Ciências Sociais e Empresariais de Buenos Aires, que orientará os trabalhos do
grupo de trabalho à luz do que ocorreu na Argentina.

“No caso da Argentina, foram imputadas pessoas e não empresas”, disse Victoria
sobre os diretores das companhias Ledesma (açúcar), Aguilar Minera, La Veloz Del
Norte (transporte), e a Ford em território argentino. “Muitas vezes, supõe-se
que falar da ditadura é falar do passado. Mas creio que há momentos chaves do
passado que nos permitem entender o presente”, diz Basualdo. “As ditaduras não
só deixaram um legado de repressão e terror, mas também transformaram as
relações econômicas e sociais da nossa sociedade”.



In:
CSP - Conlutas
http://cspconlutas.org.br/2014/09/deu-na-imprensa-ao-menos-70-empresas-colaboraram-com-a-ditadura/
8/9/2014

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