terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Presidente Rousseff declara guerra à classe trabalhadora: O Brasil e a política do Neoliberalismo


Presidente Rousseff declara guerra à classe trabalhadora: O Brasil e a Política do Neoliberalismo
por James Petras

A classe trabalhadora brasileira está a enfrentar o mais selvagem assalto
aos seus padrões de vida em mais de uma década. E não são apenas os
trabalhadores industriais que estão sob ataque. Os trabalhadores rurais
sem terra, os empregados assalariados do sector público e privado,
professores, profissionais da saúde, desempregados e pobres estão a
enfrentar cortes maciços no rendimento, nos empregos e nos pagamentos de
pensões.

Quaisquer que tenham sido os ganhos obtidos entre 2003-2013, serão
revertidos. Os trabalhadores brasileiros enfrentam uma "década de
infâmia". O regime Rousseff abraçou a política do "capitalismo selvagem"
tal como personificado na nomeação de dois dos mais extremos advogados de
políticas neoliberais.

O "Partido dos Trabalhadores" e a ascendência do capital financeiro

No princípio de Dezembro de 2014, a presidente Rousseff nomeou Joaquim
Levy como o novo ministro das Finanças – de facto o novo czar económico
para dirigir a economia brasileira. Levy é um importante membro da
oligarquia financeira brasileira. Entre 2010-2014 foi presidente do
Bradesco Asset Management, um braço de gestão de activos do gigantesco
conglomerado Bradesco que administra mais de 130 mil milhões de dólares.
Desde os seus tempos de doutoramento na Universidade de Chicago, Levy é um
leal seguidor do supremo neoliberal, o professor Milton Friedman, antigo
conselheiro económico do ditador militar chileno Augusto Pinochet. Como
antigo responsável de topo no Fundo Monetário Internacional (1992-1999),
Levy foi um forte advogado de duros programas de austeridade os quais uma
década depois empobreceram o Sul da Europa e a Irlanda. Durante a
presidência de Henrique Cardoso, Levy actuou como estratega económico de
topo, envolvido directamente na maciça privatização de empresas públicas
lucrativas – a preços de saldo – e na liberalização do sistema financeiro,
a qual facilitou a saída financeira ilícita de US$15 mil milhões por ano.
A presença de Levy como membro eminente da oligarquia financeira do Brasil
e seus profundos e antigos laços a instituições financeiras internacionais
é precisamente a razão porque a presidente Rousseff o colocou como
responsável da economia brasileira. A nomeação de Levy é parte integral da
adopção por Rousseff de uma nova estratégia de aumentar amplamente os
lucros do capital financeiro estrangeiro e interno, na esperança de atrair
investimentos em grande escala e findar a estagnação económica.

Para a presidente Rousseff e seu mentor, o ex-presidente Lula da Silva,
toda a economia deve ser direccionada para obter a "confiança" da classe
capitalista.

As políticas sociais que foram implementadas anteriormente são agora
sujeitas à eliminação ou redução, pois o novo czar financeiro, Joaquim
"Jack o Estripador" Levy, avança na aplicação da sua "terapia de choque".
Cortes profundos e abrangentes na parte do rendimento nacional que cabe ao
trabalho estão no topo da sua agenda. O objectivo é concentrar riqueza e
capital nos dez por centos superiores na esperança de que invistam e
aumentem o crescimento.

Se bem que a nomeação de Levy represente decididamente uma viragem para a
extrema-direita, as políticas e práticas económicas dos doze anos
anteriores prepararam os fundamentos para o retorno de uma versão
virulenta da ortodoxia neoliberal.

Os fundamentos económicos para o retorno de capitações selvagens

Durante a campanha eleitoral em 2001, Lula da Silva assinou um acordo
económico com o FMI que garantia um excedente orçamental de 3%. Lula quis
tranquilizar banqueiros, financeiros internacionais e multinacionais
assegurando que o Brasil pagaria seus credores, aumentaria as reservas [de
divisas] estrangeiras para remessa de lucros e fluxos financeiros ilícitos
para o exterior.

A adopção por Lula de políticas orçamentais conservadoras foi acompanhada
pelas suas políticas de austeridade, redução de salários de funcionários
públicos e de pensões, bem como de proporcionar apenas aumentos marginais
no salário mínimo. Acima de tudo, Lula apoiou todas as privatizações
corruptas que tiveram lugar sob o anterior regime Cardoso. No fim do
primeiro ano de Lula no governo, em 2003, a Wall Street louvou-o como o
"Homem do ano" pelas suas "políticas pragmáticas" e a sua desmobilização e
desradicalização dos principais sindicatos e movimentos sociais. Em
Janeiro de 2003, o presidente Lula da Silva nomeou Levy como secretário do
Tesouro, uma posição que ele manteve até 2006 – o mais socialmente
regressivo período da presidência Lula da Silva. Este período também
coincidiu com uma série de escândalos de corrupção enormemente lucrativos,
de muitos milhares de milhões de dólares, envolvendo dúzias de altos
responsáveis do PT no regime Lula que recebiam comissões clandestinas das
principais companhias de construção.

Dois acontecimentos em meados dos anos 2000 permitiram a Da Silva moderar
suas políticas e introduzir reformas sociais limitadas. O boom das
commodity – um aumento agudo na procura e nos preços das exportações
agro-minerais – encheu os cofres do Tesouro. E a pressão acrescida dos
sindicatos, dos movimentos rurais e dos pobres por uma fatia na
prosperidade económica levou a aumentos em gastos sociais, salários e
crédito fácil sem afectar a riqueza, propriedade e privilégios da elite.
Com o boom económico, Lula podia também satisfazer o FMI, o sector
financeiro e a elite dos negócios com subsídios, isenções fiscais, juros
baixos nos empréstimos e lucrativos contratos estatais com "sobrepreços".
Os pobres receberam 1% do orçamento através de uma "subvenção familiar",
uma esmola de US$60 por mês, e trabalhadores mal pagos receberam um
salário mínimo mais alto. O custo do bem-estar social (social welfare) foi
uma fracção dos 40% do orçamento que os bancos receberam em pagamentos do
principal e de juros na dúbia dívida pública incorrida pelos anteriores
regimes neoliberais.

Com o fim do boom, o governo de Rousseff reverteu às políticas ortodoxas
de Lula no período 2003-2005 e renomeou Levy para executá-las.

A terapia de choque de Levy e suas consequências

A tarefa de Levy de reconcentrar rendimento, ascender lucros e reverter
políticas sociais será muito mais árdua em 2014-2015 do que foi em
2003-2005. Principalmente porque, anteriormente, ele estava simplesmente a
continuar as políticas do regime Cardoso – e Lula prometeu aos
trabalhadores que isso era apenas temporário. Hoje Levy deve cortar e
retalhar ganhos que os trabalhadores e os pobres consideravam como
garantidos. De facto, em 2013-2014 movimentos de massa urbanos
pressionavam por maiores despesas sociais em transportes, educação e
saúde.

Para a terapia de choque de Levy avançar, em algum ponto será necessária
repressão, como foi o caso no Chile e na Europa do Sul quando políticas de
austeridade semelhantes deprimiram rendimentos e multiplicaram o
desemprego.

Levy propõe resgatar os interesses do capital financeiro tomando várias
medidas cruciais, as quais estarão alinhadas com a agenda da Wall Street,
da City de Londres e dos potentados financeiros brasileiros. Consideradas
na sua totalidade, as políticas financeiras de Levy equivalem a
"tratamento de choque" – medidas económicas duras e rápidas aplicadas
contra os padrões de vida dos trabalhadores, o equivalente a choques
eléctricos em pacientes com perturbações aplicados por psicólogos dementes
a afirmarem que "sofrimento é ganho", mas que mais frequentemente
transformam os pacientes em zumbis ou coisa pior.

A primeira prioridade de Levy é cortar e retalhar investimentos públicos,
pensões, pagamentos por desemprego e salários do sector público. Sob o
pretexto de "estabilizar a economia" (para os grupos financeiros) ele
desestabilizará a economia familiar de dezenas de milhões. Ele cancelará
isenções fiscais para a massa de consumidores que compra carros,
electrodomésticos e "produtos da linha branca", aumentando portanto os
custos para milhões de famílias da classe trabalhadora ou expulsando-as do
mercado através dos preços. O objectivo de Levy é desequilibrar orçamentos
familiares (aumento da dívida em relação ao rendimento) a fim de aumentar
o excedente do orçamento do Estado e assegurar plenos e prontos pagamentos
de dívidas a credores como o seu próprio conglomerado Bradesco.

Em segundo lugar, Levy "ajustará" preços. Mais especificamente o controle
do preço final de combustíveis, energia e transportes de modo a que os
oligarcas financeiros com milhões de acções naqueles sectores possam
elevar preços e "ajustar" sua riqueza ascendente para os milhares de
milhões de dólares. Em consequência, a classe trabalhadora e a média terão
de gastar uma maior fatia do seu rendimento declinante com combustível,
transporte e energia.

Em terceiro lugar, Levy provavelmente deixará a divisa enfraquecer a fim
de promover exportações agro-minerais sob o disfarce da maior
"competitividade". Mas uma divisa mais barata aumentará o custo de
importações, especialmente de alimentos básicos e bens manufacturados. A
desvalorização de facto atingirá mais duramente os milhões que não podem
proteger suas poupanças e favorecerá os especuladores financeiros que
capitalizarão nos movimentos da divisa. E estudos comparativos demonstram
que uma divisa mais barata não aumenta necessariamente os investimentos
produtivos.

Em quarto lugar, é provável que Levy afirme que as falhas de energia
devidas à seca, a qual reduziu a produção das hidroeléctricas do Brasil,
exigem "reforma" do sector da energia, eufemismo de Levy para
privatização. Ele proporá a liquidação do gigante semi-público Petrobrás e
acelerará a privatização da exploração de sítios offshore, em termos
favoráveis a grandes bancos de investimento.

Em quinto lugar, é provável que Levy retalhe e incinere regulamentações
ambientais e de negócios, incluindo aquelas que afectam a floresta
tropical, direitos do trabalho e dos índios, a fim de facilitar a entrada
e saída rápida de capital financeiro.

A "terapia de choque" de Levy terá um profundo impacto social e económico
sobre a sociedade brasileira. Toda indicação, de experiências passadas e
presentes, é que em todo o país onde "Chicago boys", como Levy, aplicaram
sua fórmula de "choque", o resultado foi profunda recessão económica,
regressão social e intranquilidade política.

Ao contrário das expectativas da presidente Rousseff, cortes em crédito,
salários e investimento público deprimirão a economia – remetendo-a da
estagnação para a recessão. A retrógrada equilibragem do orçamento diminui
a procura e não induz fluxos de capital produtivo. Os sectores de
crescimento mais dinâmico na manufactura, indústria automobilística, serão
drástica e adversamente afectados pelos aumentos nos impostos sobre
compras. E o mesmo se passa quanto a electrodomésticos.

Até agora a expansão do investimento público fora a principal força
condutora do magro crescimento económico. Não há razão racional para
acreditar que vastos fluxos de capitais privados subitamente preencherão a
lacuna, especialmente num mercado em contracção. Isto é especialmente
verdadeiro se, como é provável que aconteça, o conflito de classe se
intensificar na generalidade devido a reduções em salários e padrões de
vida.

Levy, como todos os fanáticos do mercado livre, argumentará que a recessão
e regressão é necessária a curto prazo e que "no longo prazo" terá êxito.
Mas em todos os países contemporâneos que seguiram sua fórmula de choque,
o resultado foi a regressão prolongada. A Grécia, Espanha, Itália e
Portugal estão no sétimo ano de austeridade que induziu a depressão e a
sua dívida pública está em crescimento .

As efectivas consequências reais da terapia de choque

Temos de por de lado as afirmações ideológica de "estabilidade e
crescimento" dos Levyitas e olhar para os resultados reais das políticas
que ele promete.

Em primeiro lugar e acima de tudo, as desigualdades aumentarão porque
quaisquer ganhos no rendimento serão a seguir concentrados no topo. As
políticas do governo de desregulamentação orçamental e das taxas de câmbio
aprofundarão os desequilíbrios na economia, favorecendo credores em
relação a devedores, a finança estrangeira em relação a manufacturas
locais, os proprietários de capital em relação aos trabalhadores
assalariados, o sector privado em relação ao sector público.

Levy na verdade "assegurará a confiança do capital" porque o que é
alcunhado como "confiança do investidor" repousa sobre uma licença sem
empecilhos para pilhar o ambiente, reduzir salários e explorar um
crescente exército de reserva de desempregados.

Conclusão

A terapia de choque de Levy intensificará a tensão de classe e
inevitavelmente resultará na ruptura do pacto social entre o regime do
assim chamado Partido dos Trabalhadores e os sindicatos, os trabalhadores
rurais sem terra e os movimentos sociais urbanos.

Rousseff e a liderança do pretenso "Partido dos Trabalhadores",
confrontada com a estagnação económica resultante do declínio no preços
das commodities e da decisão do capital privado de evitar investimentos,
podia ter optado por socializar a economia, acabar com o capitalismo de
compadrio (crony capitalism) e aumentar o investimento público. Ao invés
disso, eles capitularam. Rousseff reciclou as políticas neoliberais
ortodoxas que Lula implementou durante os primeiros dois anos do seu
regime.

Ao invés de mobilizar trabalhadores e profissionais para mudanças
estruturais mais profundas, Rousseff e Lula da Silva estão a contar com a
"ala esquerda" do PT para lamentar, criticar e conformar-se. Eles estão a
contar com líderes cooptados da confederação sindical (CUT) para
hiper-ventilar e limitarem-se a protestos simbólicos inconsequentes os
quais não abalarão a "terapia de choque" de Levy. Contudo, o âmbito,
profundidade e extremismo do assim chamado programa de ajustamento e
estabilização de Levy provocarão greves gerais, sobretudo no sector
público. Os cortes na indústria automobilística e o aumento do desemprego
resultarão em acções de protesto no sector manufactureiro. Os cortes no
investimento público e a ascensão nos custos do transporte, cuidados de
saúde e educação revitalizarão os movimentos de massa urbanos.

Dentro de um ano, as políticas de choque de Rousseff e Levy converterão o
Brasil num caldeirão fervente de descontentamento social. Os gestos
pseudo-populistas de Lula e a retórica vazia não terão efeitos. Rousseff
não será capaz de convencer o povo trabalhador a aceitar o viés de classe
do programa de "austeridade" de Levy, seus incentivos para "ganhar a
confiança dos mercados internacionais" e sua política de contracção do
rendimento da vasta maioria do povo trabalhador.

As políticas de Levy aprofundarão a recessão, não redespertarão os
espíritos animais de empresários. Após um ano de "mais sofrimento e nenhum
ganho" (excepto quanto a lucros mais altos para financeiros e exportadores
agro-minerais), a presidente Rousseff enfrentará o inevitável resultado
político negativo de ter perdido o apoio dos trabalhadores, da classe
média e dos pobres rurais sem ganhar o apoio dos negócios e da elite
financeira – eles têm os seus próprios líderes confiáveis. Uma vez tendo
posto em prática suas radicalmente regressivas políticas de mercado livre,
e tendo provocado maciço descontentamento popular, Levy demitir-se-á e
retornará à presidência do Bradesco, do fundo de investimento de muitos
milhares de milhões de dólares, declarando "missão cumprida".

Rousseff pode substituir Levy e tentar "moderar" sua "terapia de choque".
Mas nessa altura será demasiado pouco e demasiado tarde. O Partido dos
Trabalhadores acabará no caixote de lixo da história. A decisão de
Rousseff de nomear Levy como czar económico é uma declaração de guerra de
classe . E a fim de vencer a guerra de classe, não podemos excluir que as
políticas radicalmente regressivas serão impostas pela violência estatal –
a repressão de protestos da massa urbana, o desalojamento selvagem de
pacíficos trabalhadores rurais sem terra que ocuparem terras devolutas.

A viragem do regime do "Partido dos Trabalhadores" do "neoliberalismo
inclusivo" para o extremismo friedmanista do livre mercado radicalizará e
polarizará a sociedade brasileira. A oligarquia pressionará pela
remilitarização da sociedade civil. Isto por sua vez, estimulará o
crescimento da consciência de classe dos movimentos sociais, como aqueles
que terminaram vinte anos de domínio militar. Talvez desta vez a revolução
social (social upheaval) possa não acabar numa democracia liberal, talvez
a luta que vem aí traga o Brasil mais próximo de uma república socialista.


14/Dezembro/2014
Do autor sobre o Brasil:

A luta dos trabalhadores triunfa sobre o espectáculo

O capitalismo extractivo e o grande salto para trás

O original encontra-se em www.globalresearch.ca/...

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
http://www.resistir.info/petras/petras_brasil_14dez14.html


16/Dez/14

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