segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Acerca do capitalismo monopolista transnacional ***






por Daniel Vaz de Carvalho [*]



O monopólio penetra imperiosamente em todos os domínios da vida
social independentemente do regime político e de todas as outras
contingências.
Lenine, O imperialismo estado supremo do capitalismo


1 – Do CME ao CMT
2 – Países dominantes e países dominados
3 – CMT e "comércio livre"
4 – "Construtores de uma civilização mundial"
1 – Do CME ao CMT

No início dos anos 70 o capitalismo monopolista de Estado (CME)
evidenciava os limites do capitalismo perante o agudizar das suas
contradições. Para as superar, bem como à crise que se instalava,
restavam duas vias: a progressista de transição para o socialismo, a
reacionária neoliberal e imperialista.

Em "A catástrofe iminente e os meios de a conjurar", Lenine escrevera: "O
capitalismo monopolista de Estado é a mais completa preparação para o
socialismo, a antecâmara do socialismo, o degrau histórico que nenhum
outro degrau intermédio separa daquele a que se chama socialismo".

Os partidos socialistas/social-democratas renegando os seus próprios
programas em que preconizavam atingir o socialismo pele via reformista,
seguiram a sua verdadeira agenda: defender o sistema capitalista e a
aliança com o imperialismo, acabando assim por assegurar o domínio do
neoliberalismo.

O grande capital encontrara no ultraliberalismo da "escola de Chicago" a
justificação teórica para a sua ofensiva contra o CME keynesiano, forçando
a instauração de um capitalismo monopolista transnacional (CMT).

Em dezembro de 1970 a Business Week postulava: "Sem um governo mundial
não pode haver verdadeira economia mundial", salientando que "doravante o
Estado encontra-se apoiado de modo periclitante entre o seu quadro
nacional e o internacional". [1]

A social-democracia aceitou como boas as teses neoliberais (não podemos
ignorar os interesses pessoais e materiais envolvidos nestas opções),
convencendo-se, ou apenas tentando convencer os demais, que manteria a
mesma relação de forças capital-trabalho, que os trabalhadores
partilhariam dos aumentos de produtividade e da exploração dos outros
povos.

No fundo, aceitavam a tese do "gotejamento", pela qual o grande capital
iria enriquecer ainda mais. Tudo isto, disfarçado com o culto do
"mercado", apresentando-o de forma mecanicista em que as ações humanas
perdem conteúdo social e se resumem à hipotética racionalidade e
predeterminação do homo economicus.

Uma intensa propaganda pretende que o Estado seja gerido como o comum das
famílias, portanto retirando-lhe as funções próprias à sua soberania. O
Estado submeter-se-ia totalmente à voracidade do capital transnacional,
perdendo inclusive o papel que a social-democracia lhe reservava como
protagonista na conciliação de classes a favor do capital. A conciliação
passou a submissão e o protagonismo pertence ao grande capital financeiro.

As privatizações fazem parte do processo de desmantelamento do CME, sendo
desde logo ou posteriormente absorvidas pelos grandes grupos
transnacionais. As regras da UE e a sua "união bancária" visam em
absoluto este objetivo.

A UE é exemplo da ilusão de criar um sistema capitalista, neste caso
transnacional, esvaziado de contradições, perfeitamente racional e
solidário. Assim, enquanto os preâmbulos dos tratados e principais
diretivas apontam para mais emprego, aumento de riqueza dos cidadãos,
solidariedade, crescimento intensivo, a sua prática apenas defende "ûber
alles" os interesses dos grandes grupos transnacionais.

O CMT representa o predomínio da oligarquia sobre a democracia: livre
circulação de capitais, hipertrofia das atividades improdutivas,
repressão dos ideais e movimentos progressistas, expansão e propaganda de
ideologias reacionárias. Tudo o que é social e coletivo fica entregue aos
exclusivos interesses do lucro capitalista. E chamam a isto eficiência…

2 – Países dominantes e países dominados

O CMT estabelece e torna permanentes relações de dependência entre as
nações, relações que não são apenas económicas, mas também políticas (os
tratados), ideológicas (direitos e deveres dos cidadãos e dos povos) e
culturais como modelos de comportamento. A libertação das cadeias de
dependência implica a superação do CMT.

Objetivamente o CMT visa estabelecer uma repartição internacional da
mais-valia a favor do grande capital transnacional, assumindo-se a
superpotência imperialista como garante da exploração do proletariado a
nível mundial.

O mais favorável desempenho dos países dominantes é apresentado como
resultante do seu modelo, tendo em vista a manutenção das relações de
dependência e a sua aceitação pelos países dominados.

Na UE os mecanismos de dependência conduziram os países menos
desenvolvidos para a via do subdesenvolvimento, os casos da Grécia e
Portugal são evidentes, mas logo na sua esteira estão a Espanha, a
Itália, apenas menos pressionados devido à sua dimensão que provocaria o
rápido desmoronamento desta construção imperialista. Quanto aos países da
Europa do leste foram (des)estruturados ao nível do chamado "terceiro
mundo".

A financeirização constitui uma estrutura fundamental de suporte do CMT
sendo a forma do grande capital tentar escapar à baixa tendencial da taxa
de lucro. A função da banca seria transformar dinheiro (capital fictício)
em capital produtivo criando valor. Transformou-se no seu contrário:
acumula valor através da usura e transforma-o em capital fictício através
da especulação.

A lei do valor (transformação do valor em preço de mercado) passa a
realizar-se ao nível global, controlada pelas transnacionais com nítidos
prejuízos para os trabalhadores de todos os países envolvidos e com o
poder do Estado capturado nesta lógica.

A extorsão do excedente económico dos países dominados faz-se pelos
juros, pela troca desigual, pela livre transferência de capitais, pela
(criminosa) concorrência fiscal e seus "paraísos", mas também pela
emigração altamente qualificada.

À perda de soberania e da autonomia democrática dos Estados corresponde o
acréscimo de relações de dependência económica, monetária, tecnológica,
modelos de consumo. Os ataques aos direitos e salários como forma de criar
"confiança" ao investimento estrangeiro contribuem para estabelecer uma
rede de exploração a nível global sob o controlo das transnacionais.

3 - CMT e "comércio livre"

"A liberdade de comércio é a liberdade do capital", escrevia Marx em
"Miséria da filosofia". O CMT elimina limitações nacionais à penetração do
capital transnacional justificando-se com uma aparente neutralidade e
eficiência dos mercados, pelos quais se obteria a otimização dos recursos
produtivos a nível mundial.

Contudo esta aparência esconde as relações de produção que suportam os
mercados e a forma como atuam nos espaços onde se inserem. Praticamente
todos os mercados estão programados pelas grandes transnacionais, numa
ótica monopolista, sob a proteção do imperialismo. O preço é então uma
grandeza determinada por esses interesses, frequentemente com o apoio
(vergonhoso) de entidades ditas reguladoras

Quanto à função reguladora que o mercado poderia desempenhar desaparece
sob a ação dos monopólios e o domínio da finança. Tal função só seria
possível entre unidades de dimensão e com fatores de produção
equivalentes.

A mera constatação da realidade mostra que o comércio externo baseado na
teoria das "vantagem comparativas" (algo completamente fora do contexto!)
conduz ao aumento das desigualdades e desequilíbrios estruturais dos
países menos competitivos, impedindo a reestruturação das suas economias,
estabelecendo relações de dependência e subdesenvolvimento. Tal é evidente
no nosso país com as acríticas e alienantes opções europeias.

A "concorrência livre e não falseada" da UE não passa de um sofisma para
estabelecer mecanismos de troca desigual. A competição pelo preço mascara
a desigualdade dos valores trabalho trocados pela igualdade das taxas de
lucro, em vez de: a trabalho igual salário igual, mesmo capital mesmo
lucro. [2]

A partir do momento em que a OMC escapava de alguma forma às intenções do
imperialismo e se tornava um instrumento insuficiente para impor o CMT [3]
passou-se à fase a dos tratados transcontinentais como o TPP (acordo de
parceria transpacífica), o TTIP, a ser negociado em segredo entre os EUA
e a UE (mas em conluio com as grandes transnacionais) e o TISA (tratado
de serviços e investimento, em negociação). [4]

Estes tratados são uma arma contra os povos e a formalização
institucional do CMT, colocando as transnacionais acima da democracia e do
próprio poder dos Estados, nada mais reconhecendo senão esses interesses,
movidos por uma insana ambição de maximizar os lucros, lei que sobrepõem a
qualquer outra.

De facto, com estes tratados as transnacionais podem submeter totalmente
as nações aos seus interesses e penaliza-las caso considerarem que de
alguma forma as suas perspetivas de lucro foram prejudicadas.

São tratados que vão muito para além do "comércio livre": visam assegurar
o domínio absoluto do CMT tornando a democracia, as aspirações e a vontade
dos povos uma ficção. Trata-se de nivelar por baixo a nível mundial
legislação laboral, políticas de taxação de rendimentos e lucros, mas
também requisitos de qualidade e sanidade, regulamentações ambientais,
etc.

Alguns empresários, políticos e os omnipresentes "comentadores" declaram
o seu apoio a este "comércio livre" que possibilitaria a expansão dos
mercados. A pergunta que se deve fazer é: a troco de quê para o país e
para o seu povo? Ou tal não lhes diz respeito?

4 – "Construtores de uma civilização mundial"

Os ideólogos do CMT defendem os seus políticos como "construtores de uma
civilização mundial". A insanidade desta obsessão evidencia-se pela mera
circunstância de que para a formação dos EUA como Estado federal foi
necessária uma sangrenta e prolongada guerra, cujas sequelas se mantiveram
durante décadas.

O CMT procura criar a ilusão de uma economia mais produtiva, permitindo
mais empregos, maiores níveis de desenvolvimento e correção das
ineficiências de cada país. Na realidade, resultou num descontrolado
aumento das desigualdades e em intermináveis crises.

A ação combinada do capital financeiro e das megaempresas transnacionais
levaram as contradições do sistema capitalista para um nível ainda mais
gravoso e antagónico. O CMT está a ser imposto através da chantagem do
"não há alternativa", da conspiração e da ingerência, guerras de agressão,
desmembramento de Estados, caos social, desastres humanos, apoio
(camuflado) ao terrorismo.

A UE ultraliberal integra-se neste modelo de capitalismo, sem soluções
para os problemas que origina, no fundamental escamoteados pelos
"analistas" e comentadores de serviço que não ultrapassam o estado de
miopia ideológica ou da mera estratégia de desinformação. Uma evidência é
a estagnação económica, desemprego massivo, aumento da pobreza, apesar
dos 60 mil milhões que o BCE programou despejar mensalmente sobre o
sistema financeiro e que não consegue transformar-se em capital produtivo.

As contradições entre as necessidades de desenvolvimento nacional e os
interesses das transnacionais são evidentes: o capital transnacional
apenas ocorre para os locais onde a taxa de lucro é maior,
independentemente de considerações éticas e humanistas. Para serem
defendidos os lucros do grande capital as funções sociais do Estado são
destruídas.

A imposição de um modelo que se pretende global e uniforme para todos os
povos, regido exclusivamente pelas leis do lucro monopolista, não apenas
bloqueia a democracia e o desenvolvimento como destrói a cultura e a
identidade de cada povo: em suma a capacidade para decidir o seu destino
coletivo.

Sem a transformação das relações de produção as soluções reformistas
apenas conduzem a uma situação instável que a oligarquia reverterá a seu
favor. Mas a transformação das relações de produção só é possível realizar
por um movimento revolucionário, popular de massas, na base de uma
estratégia antimonopolista, indo ao encontro dos mais profundos
interesses nacionais. Relembremos que neste sentido o 25 de ABRIL foi de
facto um movimento revolucionário ao definir uma "estratégia
antimonopolista". Logo revertida quando se estabeleceram políticas de
direita.

As necessidades de desenvolvimento económico e social dos povos têm de
sobrepor-se às iníquas condições impostas aos Estados para lhe serem
proporcionados capitais e à "racionalidade" dos preços internacionais, que
as transnacionais controlam em seu benefício.

O desenvolvimento terá de ser, como é mais que evidente numa entidade
coletiva, baseado em custos e benefícios sociais e numa estratégia de
longo prazo.

O CMT representa um gravíssimo retrocesso civilizacional em todos os
campos da atividade humana e mostra que o capitalismo atingiu o seu
limite como fator de desenvolvimento, mergulhando a humanidade em quatro
crises insuperáveis nesse sistema: a crise económica e financeira, a crise
social, a crise ambiental e a crise belicista. A alternativa a este
sistema é a transformação das relações de produção e a opção libertadora
pela paz e pelo socialismo.

[1] Business Week de 19/12/1970, Special Report, citado em "A economia
mundial capitalista Vol. II", Christian Palloix, Ed. Estampa, 1972, p. 188
[2] Idem, p. 68
[3] Acerca das recentes posições da OMC ver: A nova estratégia de
negociação comercial do imperialismo , Prabhat Patnaik,
[4] Ver: O tratado de comércio livre EUA-UE: a grande golpada , Daniel
Vaz de Carvalho, e O Acordo TPP: o tratado de comércio livre mais
agressivo da História , Florentino Lopez Martinez

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .

In
RESISTIR.INFO
http://resistir.info/v_carvalho/cme_cmt_07jan16.html
1/6/2016

*** A luta entre os partidários do CME e os partidários do CMT é inequivocamente um dos componentes da denominada "crise política brasileira", como o é também dos processos vivenciados em outros países da América Latina, notadamente a Argentina, Venezuela, Equador, Paraguai dentre outros.

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