quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Protesto em SP: A polícia desce a porrada, mas não é a única responsável




Leonardo Sakamoto

O protesto contra o aumento nas tarifas de ônibus, metrô e trens, organizada
pelo Movimento Passe Livre, nesta sexta (8), terminou – novamente – com a
polícia tentando queimar o estoque de bombas de gás e de estilhaços e balas de
borracha no centro de São Paulo.

A justificativa policial replicada em reportagens que tratam do assunto é a
mesma de uma criança de seis anos que reclama do amiguinho após uma briga: foi
ele quem começou.

Imagens que estão circulando na rede, contudo, mostram que os primeiros atos de
violência contra pessoas partiram – novamente – dos próprios policiais.

A verdade é que não importa quem começou. A polícia tem que ser mais fria que o
cidadão em um protesto. Se a sua missão for garantir a segurança de todos, ela
deveria cumprir isso evitando o confronto. Engolindo sapos se for necessário.
Afinal, polícia não é Exército. Polícia não está em guerra com ninguém. Ou pelo
menos não deveria estar. E mesmo se estivesse, não deveria atacar sua própria
gente..

Será que o poder público paulista é tão ruim, mas tão ruim, que não consegue
atuar, de forma inteligente? Ou mesmo reagir de forma localizada, seletiva e não
violenta a uma meia dúzia de celerados (sejam eles manifestantes ou mercenários
infiltrados com a função de causar) que depredam patrimônio público e privado
sem prejudicar o direito cidadão à manifestação em um espaço público e sem
atacar os milhares de presentes em um protesto pacífico?

Convenhamos: não consegue ou não quer?

Porque essa situação sempre foi cômoda para justificar uma reação policial
violenta, dissipar toda uma manifestação e gerar uma narrativa que criminaliza
um movimento.

Policiais não são monstros alterados por radiação para serem insensíveis ao ser
humano. Não é da natureza das pessoas que decidem vestir farda (por opção ou
falta dela) tornarem-se violentas. Elas aprendem a agir assim. No cotidiano da
instituição a que pertencem (e sua natureza mal resolvida), na formação
profissional que tiveram, na exploração diária como trabalhadores e na
internalização de sua principal missão: manter o status quo.

O problema não se resolve apenas com aulas de direitos humanos e sim com uma
revisão sobre o papel e os métodos da polícia em nossa sociedade. Setores da
polícia estão impregnados com a ideia de que nada acontecerá com eles caso não
cumpram as regras. Outra parte sabe que a mesma sociedade – mesmo que tire
selfies com eles – está pouco se lixando para eles e suas famílias, pagando
salários ridículos e cobrando para que se sacrifiquem em nome do patrimônio
alheio.

Como já disse aqui antes, conversei com um soldado da Polícia Militar que disse
detestar atuar em manifestações. Fica nervoso com provocações de black blocs,
mas acha pior ainda ter que ir para cima da “criançada”, como mesmo descreveu.
Para ele, isso não faz sentido. Mas tem medo de reclamar.

Sei que a justificativa do “estou cumprindo ordens” não cola desde o tribunal de
Nuremberg, somos responsáveis pelos atos que cometemos. Mas, neste caso, a
discussão do “estou sobrevivendo” e do “ué, mas sempre me disseram que essa era
a forma correta de agir” se entrelaçam de forma complexa. Pois, para muito
policial que discorda dessa situação, a saída pode ser sofrer sanções
disciplinares ou pedir demissão.

Isso não nos impede de cobrar o avanço do debate sobre a desmilitarização da
polícia dos administradores públicos e responsabilizá-los por cada ato de
violência estatal oriundo dessa inação. O problema é que isso são palavras ao
vento. Por exemplo, os policiais que foram executores dos 111 presos no massacre
do Carandiru, em 1992, foram condenados pela Justiça. Mas nenhum político,
responsável por essas forças policiais, foi ao banco dos réus. Afinal, são eles
que mantêm a política de controle da população, valendo-se de uma massa de
pessoas obrigada a aceitar ordens bizarras para não perder o emprego.

E também não nos impede de cobrar Fernando Haddad e Geraldo Alckmin por mais um
aumento na tarifa de metrô, ônibus e trens, sem a devida discussão com a
sociedade, em um momento de crise econômica que está sendo especialmente
dolorosa aos mais pobres.

Não sei o que vai acontecer nas próximas semanas, se os ânimos vão se exaltar
ainda mais. Mas seja o que for, a responsabilidade pelo que acontecer também
será colocada na conta dos dois.

In
Intersindical
http://www.intersindicalcentral.com.br/protesto-em-sp-policia-desce-porrada-mas-nao-e-unica-responsavel/
10/1/2016

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