terça-feira, 12 de dezembro de 2017

A dependência brasileira e o imperialismo em números***



 por Roberto Bitencourt da Silva

*** Ver artigo com tabelas em GGN

Em função do golpe de Estado judicial-midiático-parlamentar, ainda em curso,
 desferido originalmente contra a soberania do voto popular, uma antiga
categoria política voltou a circular no debate público nacional, particularmente
à esquerda e entre setores progressistas: o imperialismo.
 
Convenhamos, trata-se de uma palavra que havia sido colocada de lado, concebida
como expressão de um fenômeno anacrônico, incompatível com o mundo “globalizado”
e com a “democracia” brasileira, que muitos se jactavam como estabelecida e em
processo de avanço cultural e institucional. O imperialismo havia sido
esquecido. Algo démodé. Mesmo entre amplas frações das esquerdas.
A média de crescimento econômico brasileiro, durante o período de governos do PT
– em torno de 3% ao ano –, estimulou a muitos, nos círculos acadêmicos,
 financeiros, midiáticos, empresariais e políticos, nacionais e internacionais,
a adotarem a categoria “país emergente” para classificar a posição brasileira no
 mundo. Imagens de uma semipotência capitalista em ascensão eram projetadas
 mundialmente.
Tais imagens, em virtude da queda do PIB, da trajetória política seguida pelo
 País, também devido à mediocridade do governo Temer (PMDB) na política externa,
 rapidamente têm se tornado retratos desbotados pelo tempo.
A teoria social e econômica, elaborada aqui e nos países do centro do
 capitalismo, não deixou de dar a sua contribuição, senão para o esquecimento, à
 criação de nevoas em torno da categoria imperialismo.
Perspectivas de viés liberal salienta(va)m a predominância de uma
 interdependência entre as nações. A típica hierarquização promovida pelo
sistema mundial regido pelo capital – não apenas subordinando o trabalho ao
capital, como países, povos e territórios a uma divisão internacional do
trabalho abertamente assimétrica e espoliativa – era e tem sido totalmente
desconsiderada por esse tipo de abordagem ahistórica, abstrata e semirreligiosa.
Contudo, algumas interpretações sintonizadas com o marxismo, ou que revelam
 alguma veia anticapitalista, também colaboram para gerar certa confusão a
 respeito do imperialismo e, sobretudo, da relação centro/periferia.
Notadamente, acerca do perfil de inserção do Brasil na cena mundial.
Abordagens como a do sociólogo estadunidense William Robinson e do filósofo
 italiano Antonio Negri, diga-se, dotadas de insights valiosíssimos, não deixam
 de obscurecer o fenômeno do imperialismo na atualidade. O primeiro, ao
sustentar a tese da prevalência mundial de um “Estado transnacional” – que
deslocaria o poder do Estado nacional e seria apoiado por classes burguesas
“ultrarricas” e “transnacionais” –, dilui as relações desiguais e injustas entre
centro e periferia, acenando para a potencialidade de um grande conflito entre
burguesias e proletários transnacionais.
Negri, por sua vez, identificando a formação de um “Império”
desterritorializado, segue na mesma linha. Não há mediação estatal, territorial,
 na espoliação exercida mundialmente pelas grandes potências, em especial os
EUA.  As corporações multinacionais interpretadas como núcleos de poder sem
 enraizamento geográfico. Todavia, são análises, ainda que tipificadas por
 grandes lacunas, compreensíveis, haja vista o contemporâneo rebaixamento dos
 direitos dos trabalhadores na União Europeia e nos EUA.
Por outro lado, a tese do “capital-imperialismo” preconizada pela historiadora
brasileira Virginia Fontes, igualmente portadora de importantes contribuições
para a compreensão do nosso tempo, não deixa de guardar certas convergências com
os autores mencionados, sobretudo em função das latentes implicações teóricas e
políticas de sua análise. Em relevante estudo desenvolvido no contexto da
pujança do crescimento econômico, publicado em 2010, Fontes concede especial
atenção à exportação de capitais pelo Brasil, principalmente destinados às
demais nações da América do Sul.
Com isso, afirma a autora que o País estava a ingressar no restrito clube de
 Estados “capital-imperialistas”, ainda que de maneira subordinada. Trabalho
 complexo e erudito, no entanto, tende a truncar o entendimento acerca de um
 traço essencial da estrutura social e econômica brasileira: a dependência.
Mas, Fontes explora uma dimensão imprescindível para a reflexão sobre o
 imperialismo, diferentemente de Negri e Robinson. Refiro-me à exportação de
 capitais. Um fenômeno há muito submetido à arguta análise de Lênin e, algumas
décadas depois, entre outros, pelo economista chileno Orlando Caputo, um dos
formuladores originais da teoria marxista da dependência.
Em resumo, como manifestação da concentração monopolista nos grandes centros do
capitalismo, a exportação de capitais corresponde à busca por mercados forâneos,
de sorte a elevar lucros e acumulação, controlar recursos naturais, trabalho
barato, deslocar contradições sociais internas para o exterior etc.
Precisamente nesse quesito, tanto o imperialismo como a dependência incidem
 dramaticamente sobre a realidade do País. E não apenas por conta da flagrante
 agenda vende pátria e reacionária adotada por Temer. Um olhar atento sobre a
 balança de pagamentos da economia brasileira é esclarecedor.

Conforme dados disponibilizados pelo Banco Central, no intervalo dos anos de
 1995 a 2016, o saldo mais claro relativo à “exportação de capital” (rubrica
 Renda investimento direto, em que se incluem as remessas de lucros) tem sido
 sempre negativo. Tem demonstrado acentuada perda de recursos nacionais a partir
 de 2005. Considerando somente os anos de 2010 a 2016, o saldo foi de – 217.879
 bilhões de dólares.

Em 2015, de acordo com os últimos números do Banco Central, o estoque de capital
estrangeiro no Brasil situava-se em torno de 568 bilhões de dólares (diga-se,
informação que não distingue o capital proveniente do exterior e o capital
gerado, entre outros, a partir de reinvestimentos – lucros conseguidos no
mercado brasileiro).  Desse modo, não é demasiado argumentar que as remessas de
lucros são elevadíssimas.
Naquilo que o economista egípcio Samir Amin afortunadamente chama de “renda
 monopolista/imperialista”, isto é, derivada do monopólio tecnológico –
patentes, propriedade intelectual, computação etc. –, o saldo é sobremaneira
negativo. Entre 2010 e 2016, cerca de 31 bilhões de dólares negativos no item
Serviços de propriedade intelectual.

Ademais, conforme dados da Cepal, o investimento estrangeiro direto, entre 2010
e 2016, atingiu os números somados de 481.376 bilhões de dólares no Brasil.
 Cumpre observar que ocorreu um crescimento vertiginoso após o ano de 2007,
 alcançando o volume mais elevado em 2011, com mais de 85 bilhões de dólares. No
 ano passado o IED atingiu a casa de 66.113 bilhões de dólares. Percentualmente,
 entre 1995 e 2015, a participação do IED no PIB brasileiro foi incrementada de
 6,1% a 23,6% (cf. Banco Central).

Tudo somado, quanto maior a pretensa entrada de capital estrangeiro, maiores as
remessas de lucros, dividendos, royalties, aluguel de equipamentos etc. para
 fora. Maior a canalização dos excedentes para fora do País e a
desnacionalização do aparato produtivo-financeiro.
Note-se ainda que o BNDES fornece recursos públicos sob a forma de empréstimos
para estas megaempresas, que sequer pagam impostos. Operam no mercado brasileiro
sob a condição monopolista/oligopolista, estabelecendo preços majorados ao
consumidor e erguendo barreiras naturais à entrada de eventuais competidores em
seus setores de atuação.
Ademais, estas megaempresas transferem seus lucros e dividendos em moedas
 fortes, do imperialismo: dólar e euro. Obtendo aqui as suas receitas em reais,
 fazem a conversão monetária para remessas. É aí que entra o endividamento
 público do Estado e a sobrevalorização das commodities nas exportações, de modo
 a disponibilizar, com as divisas atingidas, moedas fortes ao capital
 estrangeiro. Não raro, agentes financeiros que possuem ações de multinacionais
 compram os títulos da dívida pública, bem remunerados com altas taxas de juros.
 Um círculo vicioso.

Quanto à origem nacional dos capitais aplicados no País, não resta dúvida de que
a tese de Robinson e Negri, sobre a transnacionalização dos capitais (a sua
 superação geográfica), soa, no mínimo, estranha à experiência brasileira.
 Segundo dados do Banco Central, entre os dez países com maior controle
acionário no Brasil, nove integram o mundo chamado “desenvolvido”. Com o Uruguai
em nono na lista, os demais são os EUA, amplamente na frente, acompanhados de
oito países europeus.
Vale ainda observar que a pauta comercial brasileira revela significativa
 importância conferida aos bens primários, especialmente soja, óleo bruto e
 minério de ferro, que, juntos, chegam a quase 30% do total das exportações. A
 indústria encolhe, mal alcançando a participação de 10% no PIB. Número
 equivalente ao período anterior à Revolução de 1930.
A respeito, muitos podem alegar que a desindustrialização equivale a fenômeno
 típico das economias “desenvolvidas”. Concordo. Há somente um detalhe. E
 importante: o deslocamento industrial para a Ásia, visando reduzir custos
 trabalhistas e ampliar margens de lucros, por parte das corporações
 multinacionais. Diga-se, corporações que possuem o controle decisório da gestão
 empresarial e das tecnologias aplicadas à produção (registre-se que a China é
um caso que destoa bastante do padrão mundial dos receptores de capital
 estrangeiro). Por outro lado, o Brasil desindustrializa-se, desde os anos 1990,
 pagando pela “renda imperialista” auferida pelas multinacionais com royalties,
 remessas de lucros, licenciamento de marca, amortização de capital, importação
 de equipamentos e máquinas etc.
Toda essa ordem de problemas implica em uma verdadeira sangria dos recursos
 financeiros do País, nos descapitalizando, gerando empregos muito abaixo das
 necessidades dos trabalhadores, além de nos chumbar na dependência tecnológica
e econômica. Do ponto de vista político, evidentemente, pouco se pode falar em
 democracia nesse quadro. Prevalecem poderosas forças econômicas alienígenas que
 condicionam a vida política, cultural e social, bem como os meios de expressão
e veiculação da informação.
A grande burguesia brasileira, estéril, nunca dotada de projeto capitalista
 autônomo, é subordinada e dependente do capital estrangeiro. Seja a camada
 agropecuária, que quer colocar seus produtos no mercado internacional a todo
 custo, sendo cúmplice da contrapartida da desindustrialização e
 desnacionalização do parque produtivo; seja o grande comércio, que comercializa
 os bens manufaturados de seus fornecedores de fora do País – típica burguesia
 compradora; seja o crescente setor da burguesia rentista, mergulhada na prática
 da valorização de capital via títulos da dívida pública e na especulação
 imobiliária. Uma classe dominante que joga contra o País e o Povo Trabalhador
 Brasileiro.
Isso posto, é alvissareiro o resgate da categoria imperialismo no vocabulário
 político de parcelas da opinião pública. Porém, o nefasto fenômeno deve ser
 compreendido a fundo, por que enreda a vida social, política e econômica
 brasileira desde sempre, sob múltiplas (re)configurações. Mas, ainda hoje, em
 grande medida, operacionalizado pelo tão saudado “investimento estrangeiro
 direto”.
Oxalá, as nossas esquerdas alcancem a desenvoltura de afirmarem, como o velho
 PCB asseverava nos anos 1950, que “querer atrair capital privado estrangeiro
 para nosso País” é uma submissão “a forma mais odiosa do imperialismo
 econômico”. Que nossas esquerdas e amplas faixas do Povo Brasileiro superem
 ilusões inocentes, como a de que o capital estrangeiro “complementa a poupança”
da economia nacional.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

In
GGN
https://jornalggn.com.br/blog/roberto-bitencourt-da-silva/a-dependencia-brasileira-e-o-imperialismo-em-numeros-por-roberto-bitencourt-da-silva
12/12/2017

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