quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Manifesto em defesa do Estado de Direito e da Universidade Pública no Brasil



Nós, intelectuais, professores, estudantes e dirigentes de instituições
acadêmicas, vimos a público manifestar nossa perplexidade e nosso mais veemente
protesto contra as ações judiciais e policiais realizadas contra a universidade
pública que culminaram na invasão do campus da UFMG e na condução coercitiva de
reitores, dirigentes e administradores dessa universidade pela Polícia Federal
no dia 6 de dezembro de 2017.
O Brasil, nos últimos anos, vivencia a construção de elementos de exceção legal
justificados pela necessidade de realizar o combate à corrupção. Prisões
preventivas injustificáveis, conduções coercitivas ao arrepio do código penal
tem se tornado rotina no país.
  ​
Neste momento amplia-se a excepcionalidade das operações policiais no sentido de
negar o devido processo legal em todas as investigações relativas à corrupção
violando-se diversos artigos da Constituição inclusive aquele que garante a
autonomia da universidade.
É inadmissível que a sociedade brasileira continue tolerando a ruptura da
tradição legal construída a duras penas a partir da democratização brasileira em
nome de um moralismo espetacular que busca, via ancoragem midiática, o
julgamento rápido, precário e realizado unicamente no campo da opinião pública.
Nos últimos meses, essas ações passaram a ter como alvo a universidade pública
brasileira. Cabe lembrar aqui que a universidade pública, diferentemente de
muitas das instâncias do sistema político, está submetida ao controle da CGU e
do TCU, respeita todas as normas legais e todos os princípios da contabilidade
pública em suas atividades e procedimentos. Portanto, não existe nenhum motivo
pelo qual devam se estender a ela as ações espetaculares de combate à corrupção.
A universidade pública brasileira tem dado contribuições decisivas para o
desenvolvimento da educação superior, da pós-graduação, da ciência e tecnologia
que colocaram o Brasil no mapa dos países em desenvolvimento. Somente
universidades públicas brasileiras estão entre as 20 melhores instituições de
ensino e pesquisa da América Latina, de acordo com o Times Higher Education
Ranking. A UFMG, sempre bem colocada nesses rankings internacionais, possui
33.000 alunos de graduação, 14.000 alunos de pós-graduação, conta com 75 cursos
de graduação, 77 cursos de mestrado e 63 cursos de doutorado. Além de sua
excelência em educação e pesquisa, a UFMG se destaca por suas ações de
assistência e extensão nas áreas de saúde e educação.
Nesse sentido, intelectuais e membros da comunidade universitária exigem que
seus dirigentes sejam respeitados e tratados com dignidade e que quaisquer
investigações que se mostrarem necessárias com relação a atividades
desenvolvidas na universidade sejam conduzidas de acordo com os princípios da
justiça e da legalidade supostamente em vigência no país e não com o objetivo da
espetacularização de ações policiais de combate à corrupção. Está se
constituindo uma máquina repressiva insidiosa, visando não só coagir, mas
intimidar e calar as vozes divergentes sob o pretexto de combater a corrupção.
Seu verdadeiro alvo, porém, não é corrupção, mas o amordaçamento da sociedade,
especialmente das instituições que, pela própria natureza de seu fazer, sempre
se destacaram por examinar criticamente a vida nacional.
Não por acaso o alvo dessa violência contra a universidade e seus dirigentes foi
exatamente um memorial que tenta recompor os princípios da justiça e do estado
de direito extensamente violados durante o período autoritário que se seguiu ao
golpe militar de 1964. O Memorial da Anistia tem como objetivo explicitar os
abusos autoritários perpetrados nesses anos de exceção porque apenas a sua
divulgação permitirá que as gerações futuras não repitam o mesmo erro.
Nesse sentido, intelectuais, professores e estudantes conclamamos todos os
democratas desse país a repudiarem esse ato de agressão à justiça, à
universidade pública, ao estado de direito e à memória desse país.

Assinam:
Paulo Sérgio Pinheiro (ex ministro da secretaria de estado de direitos humanos)
Boaventura de Sousa Santos (professor catedrático da Universidade de Coimbra)
André Singer (professor titular de ciência política usp e ex-secretário de
imprensa da presidência)
Ennio Candotti    (ex-presidente e presidente de honra da SBPC)
Newton Bignotto (professor do Departamento de Filosofia da UFMG)
Leonardo Avritzer (ex-presidente da Associação Brasileira de Ciência Política)
Fabiano Guilherme dos Santos (presidente da ANPOCS)
Maria Victória Benevides (professora titular da Faculdade de Educação da USP)
Roberto Schwarz (professor titular de Literatura da Unicamp)
Renato Perissinoto (presidente Associação Brasileira de Ciência Política)
Fábio Wanderley Reis. (Professor Emérito da UFMG)
Cícero Araújo (Professor do Departamento de Ciência Política da USP)
Sérgio Cardoso  (Professor do Departamento de Filosofia da USP)
Marilena de Souza Chauí (Professora titular do Departamento de Filosofia da USP)
Fábio Konder Comparato (Professor Emérito da Faculdade de Direito da USP)
Ângela Alonso (professora do Departamento de Sociologia da USP)
Juarez Guimarães (professor do Departamento de Ciência Política da UFMG)
Michel Löwy. (Pesquisador do CNRS, França)
Adauto Novaes (Arte e Pensamento)
Maria Rita Kehl (psicanalista)
Thomás Bustamante (Professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Lilia Moritz Schwarcz (Professora do Departamento de Antropologia da USP)
Gabriel Cohn (ex-diretor da Faculdade de Filosofia da USP)
Marcelo Cattoni (professor da Faculdade de Direito da UFMG)
Amélia Cohn (professora do Departamento de  Medicina Preventiva da USP)
Dulce Pandolfi (Historiadores pela Democracia)
Bruno Pinheiro Reis (Vice-diretor e professor do Departamento de Ciência
Política da UFMG)
Oscar Vilhena Vieira (Diretor e professor da Faculdade de Direito da FGV-SP)

In
GGN
https://jornalggn.com.br/noticia/manifesto-em-defesa-do-estado-de-direito-e-da-universidade-publica-no-brasil
7-12-2017

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